Expurgo de Putin para punir motim do Grupo Wagner pode ajudar Ucrânia, diz Ian Bremmer, da Eurasia


Em entrevista ao Estadão, o presidente e fundador do Eurasia Group e da GZERO Media fala sobre a guerra na Ucrânia, o papel diplomático do Brasil, Donald Trump e os perigos da inteligência artificial

Por Daniel Gateno
Atualização:
Foto: Eurasia Group/Reprodução
Entrevista comIan BremmerPresidente e fundador do Eurasia Group

A rebelião armada que foi organizada pelo chefe do Grupo Wagner, Ievgeni Prigozhin, na Rússia durante o final de semana aumenta as chances da contraofensiva ucraniana, mas também pode significar uma escalada ainda maior na guerra na Ucrânia, avalia Ian Bremmer, presidente e fundador da consultoria de risco político Eurasia Group e da GZERO Media, em entrevista exclusiva ao Estadão.

Bremmer participou de forma presencial em São Paulo do GZERO Summit Latam 2023, evento promovido pela consultoria de risco político Eurasia Group e realizado na Câmara Americana de Comércio (Amcham) na quinta-feira, 29.

O analista político afirmou que existe uma maior chance do presidente da Rússia, Vladimir Putin, lutar contra tropas da Otan e que o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, não vai ganhar um Premio Nobel da Paz por uma possível mediação do conflito entre Kiev e Moscou.

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“Se essas negociações acontecerem, serão em grande parte lideradas pela Otan e provavelmente com o envolvimento da China porque a Rússia precisa de alguém com quem eles possam conversar. O Brasil não deve fazer parte disso”, completou Bremmer.

O presidente da China, Xi Jinping, se encontra com o presidente da Rússia, Vladimir Putin, em Moscou, Rússia  Foto: Sergei Karpukhin/ AP

Confira trechos da entrevista

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O que a rebelião armada na Rússia pode nos dizer sobre o futuro do país? A rebelião organizada pelo Grupo Wagner mostrou um Putin mais enfraquecido, tanto externamente quanto internamente. Este momento de instabilidade pode afetar a guerra na Ucrânia?

O Grupo Wagner em Bakhmut foi responsável por uma das únicas vitórias significativas que a Rússia teve nos últimos seis meses no campo de batalha. Agora, depois desse sucesso, eles foram retirados da linha de frente. Portanto, eles não estiveram envolvidos nos combates nas últimas semanas na Ucrânia, mas ainda assim isso claramente será um problema para os russos e há uma questão em aberto sobre qual é a moral do exército russo neste momento.

Os russos acabaram de prender um importante general de alto escalão. Putin não tem problemas de lealdade dentro de suas forças militares. Ele tem um problema de competência e se o presidente russo vai se livrar de algumas das pessoas que ele pensa que não pode confiar, ele vai perder muitas pessoas.

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Portanto, esta é uma oportunidade boa para os ucranianos obterem algumas vitórias significativas na contraofensiva. Agora, eles têm cerca de 11 divisões de tropas que estão pré-posicionadas que foram treinadas e equipadas pela Otan e apenas duas dessas divisões estiveram diretamente envolvidas na contraofensiva na semana passada. Então é verdade que a contraofensiva não foi muito bem até agora, mas eles também não atacaram com todas as forças e isso deve mudar neste momento. Então vamos ver vamos ver como os russos se defendem mas com certeza é mais possível que os ucranianos consigam retomar parte dos territórios.

Não estou dizendo que é provável, mas se antes era algo como 5 ou 10% de probabilidade, talvez agora seja 20%, talvez seja 30%.

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Então, ao mesmo tempo, também existe uma maior possibilidade de que Putin perca o controle e acabe lutando contra a Otan, porque ele sente que não tem para onde correr. Existe uma maior possibilidade dele lançar uma arma nuclear tática contra a Ucrânia, por exemplo.

A probabilidade de Kiev vencer aumentou, mas também aumentou a possibilidade da guerra se tornar algo muito maior.

Soldados ucranianos disparam um obus autopropulsado em direção a posições russas perto de Bakhmut, o local das batalhas mais pesadas, na região de Donetsk, Ucrânia Foto: Libkos/ AP
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Qual é o limite da diplomacia brasileira? O presidente Lula já fala há vários meses que se coloca como neutro em relação à guerra na Ucrânia e tenta mediar um acordo de paz junto com outros países, mas não conseguiu se encontrar com Volodmir Zelenski na cúpula do G-7. É possível algum tipo de mediação vinda do Brasil?

Eu não acho que o presidente Lula vai ganhar um Prêmio Nobel da Paz por conta de Rússia e Ucrânia. Ele fez algumas declarações pouco moderadas sobre a responsabilidade da Otan na guerra, por exemplo, e obviamente o fato de ele não ter se encontrado com o presidente da Ucrânia e que Zelenski fez algumas declarações negativas sobre o presidente brasileiro foi um pouco embaraçoso, mas não acredito que isso importe muito.

Acho que a realidade é que a posição do Brasil sobre a guerra não é tão diferente da posição da Índia sobre a guerra. A Índia é um parceiro muito próximo dos Estados Unidos. O Brasil também também tem uma relação forte com os Estados Unidos, isso realmente não afetou o relacionamento.

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O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, se encontrou com o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, em uma reunião bilateral na cúpula do G-7 em Hiroshima, Japão  Foto: RICARDO STUCKERT / AFP

O Brasil votou para condenar a guerra como ilegal na Assembleia Geral das Nações Unidas e isso é o mais importante. Não acho que precise haver uma forte pressão sobre o Brasil para apoiar as sanções europeias e americanas. Ninguém espera que o Brasil forneça equipamento militar aos ucranianos. Não é um ponto relevante e se houver negociações, essas negociações serão em grande parte lideradas pela Otan e provavelmente com o envolvimento da China porque a Rússia precisa de alguém com quem eles possam conversar. Mas infelizmente ainda estamos muito longe das negociações.

A contraofensiva ucraniana terá que acontecer ao longo dos próximos meses antes que possamos falar de forma significativa sobre a possibilidade de alguma negociação.

Na sua avaliação, como estão as relações entre Brasil e Estados Unidos? O relacionamento foi mais frio durante o governo Bolsonaro, mas com Lula existiu uma aproximação e o presidente brasileiro já visitou a Casa Branca neste mandato. O presidente Biden havia sinalizado um aporte americano de US$ 500 milhões para o Fundo Amazônia, mas os americanos se mostraram incomodados após declarações do presidente Lula sobre a guerra na Ucrânia

Bem, é por isso que eu disse que a relação é muito parecida com a Índia. O primeiro-ministro Narendra Modi acabou de fazer uma viagem a Washington, com um jantar oferecido por Biden. Lula não teve um jantar, mas a Índia é estrategicamente mais importante para os EUA do que o Brasil e isso é uma realidade.

As reuniões que eles tiveram até agora começaram com o Conselheiro de Segurança Nacional dos EUA. Jake Sullivan, e todas as reuniões foram muito bem, não falaram tanto de Rússia, mas sim sobre o clima e sobre uma maneira de trazer mais investimentos para o Brasil.

Agora, é claro que o Brasil tem uma relação muito mais forte com a China do que os Estados Unidos gostariam. A Huawei está fazendo negócios aqui e nos Estados Unidos isso não é permitido, por exemplo.

O Sul global tem uma perspectiva diferente sobre várias questões estratégicas do que os Estados Unidos e o G-7, o que não é surpreendente, é completamente natural e isso persistirá, mas acho que a relação entre o Brasil e os Estados Unidos seja Trump ou Biden seja Lula ou Bolsonaro não mudou tanto assim. Na verdade, é uma relação bastante estável entre duas democracias, ambas passando por alguns problemas políticos agora, na verdade, e não vão desaparecer, mas têm muito em comum. Eles têm muito o que trabalhar, então, no geral, acho que é um relacionamento muito bom.

Lula também falou que a situação na Venezuela é uma “narrativa” e defendeu o ditador Nicolás Maduro. Como isso é prejudicial aos interesses brasileiros na política externa e é possível que mesmo após estas declarações o presidente Lula consiga mediar acordos com a oposição Venezuela, principalmente visando as eleições no país?

Olha, por um tempo, Guaidó era recebido por todos e era reconhecido como o legítimo presidente da Venezuela. Ninguém mais pergunta sobre ele. Maduro é um ditador brutal, mas ele também é o cara com quem todos estão trabalhando e os americanos estão conversando com ele, principalmente por conta dos problemas acarretados pela pandemia e a guerra na Ucrânia. É por isso que eles estão conversando com os iranianos e é por isso que eles estão conversando com a Venezuela e houve alguma disposição dos venezuelanos para falar sobre um processo político que levaria a eleições, fazendo com que Washington sinalizasse que está disposta a reduzir sanções e a descongelar ativos que são importantes para Caracas neste momento.

Mas eu não espero muito de Maduro e nem das eleições, presumindo que elas realmente aconteçam. Não serão livres e justas e eu não acredito que a oposição deve realmente ganhar o poder. Contudo, a relação dos EUA com a Venezuela está indo na direção de menos hostilidade, mais estabilidade e normalização.

O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, e o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, gesticulam antes de uma cúpula com presidentes da América do Sul para discutir o relançamento do bloco de cooperação regional UNASUL, em Brasília, Brasil Foto: REUTERS / REUTERS

Lula e outros políticos com o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, estão mais próximos da Venezuela. O presidente do Brasil não é o único que está dando declarações controversas. Na verdade, houve apenas uma mudança geral e muitos de vocês sabem, governos de esquerda em toda a América Latina hoje que são mais simpáticos à causa do regime de Maduro e isso é apenas uma realidade.

Mesmo com as acusações contra o ex-presidente americano Donald Trump ele ainda lidera as intenções de voto no Partido Republicano e tem chance contra o presidente Biden, que apesar de ser a melhor chance para os democratas, preocupa pela idade avançada. É possível que o dano a democracia americana seja pior do que se pensava anteriormente?

Sim, acho que o sistema político dos EUA está corroído. Temos um presidente que foi indiciado com 37 acusações e a resposta do Partido Republicano é que os indiciamentos ocorreram por razões políticas. Para eles, o FBI é uma organização política que deve ser enfraquecida. Isso é ruim para a democracia e com uma eleição chegando é pior ainda, ainda mais pelo fato de que Trump não aceitou o resultado da eleição passada. Ele continua falando sobre isso todos os dias.

Supondo que ele consiga a indicação dos republicanos, que parece provável, a grande maioria do Partido Republicano irá apoiá-lo sem se importar com tudo que ele fez, que o torna inadequado para o cargo.

Eu não sou democrata e nem republicano. Nunca fiz parte de partido político, mas sempre considerei que Trump era inadequado para ser presidente. Ele claramente é indiferente à democracia e se sente confortável em minar o sistema democrático de uma forma que não aconteceu com nenhum líder político nos Estados Unidos em minha vida.

O ex-presidente dos EUA e candidato presidencial republicano Donald Trump deixa a abertura de sua sede de campanha em Manchester, New Hampshire, Estados Unidos Foto: Reba Saldanha / REUTERS

Os Estados Unidos perderam algo essencial. Sobre seu sistema político sobre sua legitimidade sobre o papel de liderança e não apenas aos olhos do resto do mundo, mas aos olhos dos americanos também, e não está melhorando. Não melhorou com Obama. Não melhorou com Trump. Isso é algo mais profundo e estrutural.

Washington tem se esforçado para garantir a sua presença no Indo-Pacífico e reduzir a influencia chinesa na região, a visita do primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, mostra isso. Temos uma Nova Guerra Fria?

Não é possível dizer isso.

Para ter uma guerra fria, é preciso de outros atores internacionais que possam entrar nisso também. Não pode ser apenas os EUA e a China como na velha Guerra Fria, certo? Foi chamado de guerra fria porque o mundo inteiro estava dividido e era necessário estar do lado soviético ou do lado americano. Bem, tirando China e EUA, ninguém quer uma guerra fria. Então Brasil, Alemanha, Japão e Coreia do Sul querem trabalhar e fazer negócios com os dois países.

O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, cumprimenta o presidente da China, Xi Jinping, em uma reunião bilateral em Pequim  Foto: Leah Millis / REUTERS

Biden não quer entrar em guerra e diz isso publicamente. Não há confiança entre os dois países e existem elementos de confronto e combatividade. Isso é verdade, mas isso não é uma guerra fria.

Concordo que o relacionamento está indo para uma direção mais negativa. Portanto, certamente é possível que se torne uma guerra fria com o tempo. Mas é muito difícil ter uma guerra fria. China e EUA tem um alto nível de interdependência, uma guerra fria acabaria com essa interdependência e impactaria profundamente de forma negativa as economias de ambos os países e ambos estão cientes disso, que é uma das razões pelas quais Anthony Blinken acabou de fazer uma ótima viagem para a China.

Você tem falado muito sobre inteligência artificial. Gostaria de perguntar como a inteligência artificial pode ser uma ameaça à segurança dos países?

Começarei dizendo que a inteligência artificial é uma enorme oportunidade e estou muito entusiasmado com o crescimento da produtividade e as melhorias no avanço da ciência que essa tecnologia pode proporcionar.

Mas há perigos e talvez os principais perigos sejam a democracia e a Segurança Nacional, por duas razões. A primeira é porque a inteligência artificial impulsiona a desinformação. Os grandes modelos de linguagem representados pelo Chat GPT por outros são ferramentas que não verificam os fatos.

Essas plataformas não reconhecem o que é verdade e o que não é são usadas algoritmicamente. Em segundo lugar, essas ferramentas de IA são muito democratizadas e isso é problemático.

Portanto, sabemos que qualquer pessoa que queira codificar tem acesso ao AI e ninguém irá codificar sem IA daqui um ano. Então ao mesmo tempo que a inteligência artificial é ótima para aumentar a produtividade, isso também é verdade para todos os criminosos cibernéticos.

Este tecnologia será importante no desenvolvimento de novas armas e drones autônomos letais e armas biológicas. Não temos as instituições. Não temos estrutura para limitar os perigos. Portanto, o primeiro perigo para a democracia, o segundo perigo é para a segurança nacional.

A rebelião armada que foi organizada pelo chefe do Grupo Wagner, Ievgeni Prigozhin, na Rússia durante o final de semana aumenta as chances da contraofensiva ucraniana, mas também pode significar uma escalada ainda maior na guerra na Ucrânia, avalia Ian Bremmer, presidente e fundador da consultoria de risco político Eurasia Group e da GZERO Media, em entrevista exclusiva ao Estadão.

Bremmer participou de forma presencial em São Paulo do GZERO Summit Latam 2023, evento promovido pela consultoria de risco político Eurasia Group e realizado na Câmara Americana de Comércio (Amcham) na quinta-feira, 29.

O analista político afirmou que existe uma maior chance do presidente da Rússia, Vladimir Putin, lutar contra tropas da Otan e que o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, não vai ganhar um Premio Nobel da Paz por uma possível mediação do conflito entre Kiev e Moscou.

“Se essas negociações acontecerem, serão em grande parte lideradas pela Otan e provavelmente com o envolvimento da China porque a Rússia precisa de alguém com quem eles possam conversar. O Brasil não deve fazer parte disso”, completou Bremmer.

O presidente da China, Xi Jinping, se encontra com o presidente da Rússia, Vladimir Putin, em Moscou, Rússia  Foto: Sergei Karpukhin/ AP

Confira trechos da entrevista

O que a rebelião armada na Rússia pode nos dizer sobre o futuro do país? A rebelião organizada pelo Grupo Wagner mostrou um Putin mais enfraquecido, tanto externamente quanto internamente. Este momento de instabilidade pode afetar a guerra na Ucrânia?

O Grupo Wagner em Bakhmut foi responsável por uma das únicas vitórias significativas que a Rússia teve nos últimos seis meses no campo de batalha. Agora, depois desse sucesso, eles foram retirados da linha de frente. Portanto, eles não estiveram envolvidos nos combates nas últimas semanas na Ucrânia, mas ainda assim isso claramente será um problema para os russos e há uma questão em aberto sobre qual é a moral do exército russo neste momento.

Os russos acabaram de prender um importante general de alto escalão. Putin não tem problemas de lealdade dentro de suas forças militares. Ele tem um problema de competência e se o presidente russo vai se livrar de algumas das pessoas que ele pensa que não pode confiar, ele vai perder muitas pessoas.

Portanto, esta é uma oportunidade boa para os ucranianos obterem algumas vitórias significativas na contraofensiva. Agora, eles têm cerca de 11 divisões de tropas que estão pré-posicionadas que foram treinadas e equipadas pela Otan e apenas duas dessas divisões estiveram diretamente envolvidas na contraofensiva na semana passada. Então é verdade que a contraofensiva não foi muito bem até agora, mas eles também não atacaram com todas as forças e isso deve mudar neste momento. Então vamos ver vamos ver como os russos se defendem mas com certeza é mais possível que os ucranianos consigam retomar parte dos territórios.

Não estou dizendo que é provável, mas se antes era algo como 5 ou 10% de probabilidade, talvez agora seja 20%, talvez seja 30%.

Então, ao mesmo tempo, também existe uma maior possibilidade de que Putin perca o controle e acabe lutando contra a Otan, porque ele sente que não tem para onde correr. Existe uma maior possibilidade dele lançar uma arma nuclear tática contra a Ucrânia, por exemplo.

A probabilidade de Kiev vencer aumentou, mas também aumentou a possibilidade da guerra se tornar algo muito maior.

Soldados ucranianos disparam um obus autopropulsado em direção a posições russas perto de Bakhmut, o local das batalhas mais pesadas, na região de Donetsk, Ucrânia Foto: Libkos/ AP

Qual é o limite da diplomacia brasileira? O presidente Lula já fala há vários meses que se coloca como neutro em relação à guerra na Ucrânia e tenta mediar um acordo de paz junto com outros países, mas não conseguiu se encontrar com Volodmir Zelenski na cúpula do G-7. É possível algum tipo de mediação vinda do Brasil?

Eu não acho que o presidente Lula vai ganhar um Prêmio Nobel da Paz por conta de Rússia e Ucrânia. Ele fez algumas declarações pouco moderadas sobre a responsabilidade da Otan na guerra, por exemplo, e obviamente o fato de ele não ter se encontrado com o presidente da Ucrânia e que Zelenski fez algumas declarações negativas sobre o presidente brasileiro foi um pouco embaraçoso, mas não acredito que isso importe muito.

Acho que a realidade é que a posição do Brasil sobre a guerra não é tão diferente da posição da Índia sobre a guerra. A Índia é um parceiro muito próximo dos Estados Unidos. O Brasil também também tem uma relação forte com os Estados Unidos, isso realmente não afetou o relacionamento.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, se encontrou com o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, em uma reunião bilateral na cúpula do G-7 em Hiroshima, Japão  Foto: RICARDO STUCKERT / AFP

O Brasil votou para condenar a guerra como ilegal na Assembleia Geral das Nações Unidas e isso é o mais importante. Não acho que precise haver uma forte pressão sobre o Brasil para apoiar as sanções europeias e americanas. Ninguém espera que o Brasil forneça equipamento militar aos ucranianos. Não é um ponto relevante e se houver negociações, essas negociações serão em grande parte lideradas pela Otan e provavelmente com o envolvimento da China porque a Rússia precisa de alguém com quem eles possam conversar. Mas infelizmente ainda estamos muito longe das negociações.

A contraofensiva ucraniana terá que acontecer ao longo dos próximos meses antes que possamos falar de forma significativa sobre a possibilidade de alguma negociação.

Na sua avaliação, como estão as relações entre Brasil e Estados Unidos? O relacionamento foi mais frio durante o governo Bolsonaro, mas com Lula existiu uma aproximação e o presidente brasileiro já visitou a Casa Branca neste mandato. O presidente Biden havia sinalizado um aporte americano de US$ 500 milhões para o Fundo Amazônia, mas os americanos se mostraram incomodados após declarações do presidente Lula sobre a guerra na Ucrânia

Bem, é por isso que eu disse que a relação é muito parecida com a Índia. O primeiro-ministro Narendra Modi acabou de fazer uma viagem a Washington, com um jantar oferecido por Biden. Lula não teve um jantar, mas a Índia é estrategicamente mais importante para os EUA do que o Brasil e isso é uma realidade.

As reuniões que eles tiveram até agora começaram com o Conselheiro de Segurança Nacional dos EUA. Jake Sullivan, e todas as reuniões foram muito bem, não falaram tanto de Rússia, mas sim sobre o clima e sobre uma maneira de trazer mais investimentos para o Brasil.

Agora, é claro que o Brasil tem uma relação muito mais forte com a China do que os Estados Unidos gostariam. A Huawei está fazendo negócios aqui e nos Estados Unidos isso não é permitido, por exemplo.

O Sul global tem uma perspectiva diferente sobre várias questões estratégicas do que os Estados Unidos e o G-7, o que não é surpreendente, é completamente natural e isso persistirá, mas acho que a relação entre o Brasil e os Estados Unidos seja Trump ou Biden seja Lula ou Bolsonaro não mudou tanto assim. Na verdade, é uma relação bastante estável entre duas democracias, ambas passando por alguns problemas políticos agora, na verdade, e não vão desaparecer, mas têm muito em comum. Eles têm muito o que trabalhar, então, no geral, acho que é um relacionamento muito bom.

Lula também falou que a situação na Venezuela é uma “narrativa” e defendeu o ditador Nicolás Maduro. Como isso é prejudicial aos interesses brasileiros na política externa e é possível que mesmo após estas declarações o presidente Lula consiga mediar acordos com a oposição Venezuela, principalmente visando as eleições no país?

Olha, por um tempo, Guaidó era recebido por todos e era reconhecido como o legítimo presidente da Venezuela. Ninguém mais pergunta sobre ele. Maduro é um ditador brutal, mas ele também é o cara com quem todos estão trabalhando e os americanos estão conversando com ele, principalmente por conta dos problemas acarretados pela pandemia e a guerra na Ucrânia. É por isso que eles estão conversando com os iranianos e é por isso que eles estão conversando com a Venezuela e houve alguma disposição dos venezuelanos para falar sobre um processo político que levaria a eleições, fazendo com que Washington sinalizasse que está disposta a reduzir sanções e a descongelar ativos que são importantes para Caracas neste momento.

Mas eu não espero muito de Maduro e nem das eleições, presumindo que elas realmente aconteçam. Não serão livres e justas e eu não acredito que a oposição deve realmente ganhar o poder. Contudo, a relação dos EUA com a Venezuela está indo na direção de menos hostilidade, mais estabilidade e normalização.

O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, e o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, gesticulam antes de uma cúpula com presidentes da América do Sul para discutir o relançamento do bloco de cooperação regional UNASUL, em Brasília, Brasil Foto: REUTERS / REUTERS

Lula e outros políticos com o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, estão mais próximos da Venezuela. O presidente do Brasil não é o único que está dando declarações controversas. Na verdade, houve apenas uma mudança geral e muitos de vocês sabem, governos de esquerda em toda a América Latina hoje que são mais simpáticos à causa do regime de Maduro e isso é apenas uma realidade.

Mesmo com as acusações contra o ex-presidente americano Donald Trump ele ainda lidera as intenções de voto no Partido Republicano e tem chance contra o presidente Biden, que apesar de ser a melhor chance para os democratas, preocupa pela idade avançada. É possível que o dano a democracia americana seja pior do que se pensava anteriormente?

Sim, acho que o sistema político dos EUA está corroído. Temos um presidente que foi indiciado com 37 acusações e a resposta do Partido Republicano é que os indiciamentos ocorreram por razões políticas. Para eles, o FBI é uma organização política que deve ser enfraquecida. Isso é ruim para a democracia e com uma eleição chegando é pior ainda, ainda mais pelo fato de que Trump não aceitou o resultado da eleição passada. Ele continua falando sobre isso todos os dias.

Supondo que ele consiga a indicação dos republicanos, que parece provável, a grande maioria do Partido Republicano irá apoiá-lo sem se importar com tudo que ele fez, que o torna inadequado para o cargo.

Eu não sou democrata e nem republicano. Nunca fiz parte de partido político, mas sempre considerei que Trump era inadequado para ser presidente. Ele claramente é indiferente à democracia e se sente confortável em minar o sistema democrático de uma forma que não aconteceu com nenhum líder político nos Estados Unidos em minha vida.

O ex-presidente dos EUA e candidato presidencial republicano Donald Trump deixa a abertura de sua sede de campanha em Manchester, New Hampshire, Estados Unidos Foto: Reba Saldanha / REUTERS

Os Estados Unidos perderam algo essencial. Sobre seu sistema político sobre sua legitimidade sobre o papel de liderança e não apenas aos olhos do resto do mundo, mas aos olhos dos americanos também, e não está melhorando. Não melhorou com Obama. Não melhorou com Trump. Isso é algo mais profundo e estrutural.

Washington tem se esforçado para garantir a sua presença no Indo-Pacífico e reduzir a influencia chinesa na região, a visita do primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, mostra isso. Temos uma Nova Guerra Fria?

Não é possível dizer isso.

Para ter uma guerra fria, é preciso de outros atores internacionais que possam entrar nisso também. Não pode ser apenas os EUA e a China como na velha Guerra Fria, certo? Foi chamado de guerra fria porque o mundo inteiro estava dividido e era necessário estar do lado soviético ou do lado americano. Bem, tirando China e EUA, ninguém quer uma guerra fria. Então Brasil, Alemanha, Japão e Coreia do Sul querem trabalhar e fazer negócios com os dois países.

O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, cumprimenta o presidente da China, Xi Jinping, em uma reunião bilateral em Pequim  Foto: Leah Millis / REUTERS

Biden não quer entrar em guerra e diz isso publicamente. Não há confiança entre os dois países e existem elementos de confronto e combatividade. Isso é verdade, mas isso não é uma guerra fria.

Concordo que o relacionamento está indo para uma direção mais negativa. Portanto, certamente é possível que se torne uma guerra fria com o tempo. Mas é muito difícil ter uma guerra fria. China e EUA tem um alto nível de interdependência, uma guerra fria acabaria com essa interdependência e impactaria profundamente de forma negativa as economias de ambos os países e ambos estão cientes disso, que é uma das razões pelas quais Anthony Blinken acabou de fazer uma ótima viagem para a China.

Você tem falado muito sobre inteligência artificial. Gostaria de perguntar como a inteligência artificial pode ser uma ameaça à segurança dos países?

Começarei dizendo que a inteligência artificial é uma enorme oportunidade e estou muito entusiasmado com o crescimento da produtividade e as melhorias no avanço da ciência que essa tecnologia pode proporcionar.

Mas há perigos e talvez os principais perigos sejam a democracia e a Segurança Nacional, por duas razões. A primeira é porque a inteligência artificial impulsiona a desinformação. Os grandes modelos de linguagem representados pelo Chat GPT por outros são ferramentas que não verificam os fatos.

Essas plataformas não reconhecem o que é verdade e o que não é são usadas algoritmicamente. Em segundo lugar, essas ferramentas de IA são muito democratizadas e isso é problemático.

Portanto, sabemos que qualquer pessoa que queira codificar tem acesso ao AI e ninguém irá codificar sem IA daqui um ano. Então ao mesmo tempo que a inteligência artificial é ótima para aumentar a produtividade, isso também é verdade para todos os criminosos cibernéticos.

Este tecnologia será importante no desenvolvimento de novas armas e drones autônomos letais e armas biológicas. Não temos as instituições. Não temos estrutura para limitar os perigos. Portanto, o primeiro perigo para a democracia, o segundo perigo é para a segurança nacional.

A rebelião armada que foi organizada pelo chefe do Grupo Wagner, Ievgeni Prigozhin, na Rússia durante o final de semana aumenta as chances da contraofensiva ucraniana, mas também pode significar uma escalada ainda maior na guerra na Ucrânia, avalia Ian Bremmer, presidente e fundador da consultoria de risco político Eurasia Group e da GZERO Media, em entrevista exclusiva ao Estadão.

Bremmer participou de forma presencial em São Paulo do GZERO Summit Latam 2023, evento promovido pela consultoria de risco político Eurasia Group e realizado na Câmara Americana de Comércio (Amcham) na quinta-feira, 29.

O analista político afirmou que existe uma maior chance do presidente da Rússia, Vladimir Putin, lutar contra tropas da Otan e que o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, não vai ganhar um Premio Nobel da Paz por uma possível mediação do conflito entre Kiev e Moscou.

“Se essas negociações acontecerem, serão em grande parte lideradas pela Otan e provavelmente com o envolvimento da China porque a Rússia precisa de alguém com quem eles possam conversar. O Brasil não deve fazer parte disso”, completou Bremmer.

O presidente da China, Xi Jinping, se encontra com o presidente da Rússia, Vladimir Putin, em Moscou, Rússia  Foto: Sergei Karpukhin/ AP

Confira trechos da entrevista

O que a rebelião armada na Rússia pode nos dizer sobre o futuro do país? A rebelião organizada pelo Grupo Wagner mostrou um Putin mais enfraquecido, tanto externamente quanto internamente. Este momento de instabilidade pode afetar a guerra na Ucrânia?

O Grupo Wagner em Bakhmut foi responsável por uma das únicas vitórias significativas que a Rússia teve nos últimos seis meses no campo de batalha. Agora, depois desse sucesso, eles foram retirados da linha de frente. Portanto, eles não estiveram envolvidos nos combates nas últimas semanas na Ucrânia, mas ainda assim isso claramente será um problema para os russos e há uma questão em aberto sobre qual é a moral do exército russo neste momento.

Os russos acabaram de prender um importante general de alto escalão. Putin não tem problemas de lealdade dentro de suas forças militares. Ele tem um problema de competência e se o presidente russo vai se livrar de algumas das pessoas que ele pensa que não pode confiar, ele vai perder muitas pessoas.

Portanto, esta é uma oportunidade boa para os ucranianos obterem algumas vitórias significativas na contraofensiva. Agora, eles têm cerca de 11 divisões de tropas que estão pré-posicionadas que foram treinadas e equipadas pela Otan e apenas duas dessas divisões estiveram diretamente envolvidas na contraofensiva na semana passada. Então é verdade que a contraofensiva não foi muito bem até agora, mas eles também não atacaram com todas as forças e isso deve mudar neste momento. Então vamos ver vamos ver como os russos se defendem mas com certeza é mais possível que os ucranianos consigam retomar parte dos territórios.

Não estou dizendo que é provável, mas se antes era algo como 5 ou 10% de probabilidade, talvez agora seja 20%, talvez seja 30%.

Então, ao mesmo tempo, também existe uma maior possibilidade de que Putin perca o controle e acabe lutando contra a Otan, porque ele sente que não tem para onde correr. Existe uma maior possibilidade dele lançar uma arma nuclear tática contra a Ucrânia, por exemplo.

A probabilidade de Kiev vencer aumentou, mas também aumentou a possibilidade da guerra se tornar algo muito maior.

Soldados ucranianos disparam um obus autopropulsado em direção a posições russas perto de Bakhmut, o local das batalhas mais pesadas, na região de Donetsk, Ucrânia Foto: Libkos/ AP

Qual é o limite da diplomacia brasileira? O presidente Lula já fala há vários meses que se coloca como neutro em relação à guerra na Ucrânia e tenta mediar um acordo de paz junto com outros países, mas não conseguiu se encontrar com Volodmir Zelenski na cúpula do G-7. É possível algum tipo de mediação vinda do Brasil?

Eu não acho que o presidente Lula vai ganhar um Prêmio Nobel da Paz por conta de Rússia e Ucrânia. Ele fez algumas declarações pouco moderadas sobre a responsabilidade da Otan na guerra, por exemplo, e obviamente o fato de ele não ter se encontrado com o presidente da Ucrânia e que Zelenski fez algumas declarações negativas sobre o presidente brasileiro foi um pouco embaraçoso, mas não acredito que isso importe muito.

Acho que a realidade é que a posição do Brasil sobre a guerra não é tão diferente da posição da Índia sobre a guerra. A Índia é um parceiro muito próximo dos Estados Unidos. O Brasil também também tem uma relação forte com os Estados Unidos, isso realmente não afetou o relacionamento.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, se encontrou com o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, em uma reunião bilateral na cúpula do G-7 em Hiroshima, Japão  Foto: RICARDO STUCKERT / AFP

O Brasil votou para condenar a guerra como ilegal na Assembleia Geral das Nações Unidas e isso é o mais importante. Não acho que precise haver uma forte pressão sobre o Brasil para apoiar as sanções europeias e americanas. Ninguém espera que o Brasil forneça equipamento militar aos ucranianos. Não é um ponto relevante e se houver negociações, essas negociações serão em grande parte lideradas pela Otan e provavelmente com o envolvimento da China porque a Rússia precisa de alguém com quem eles possam conversar. Mas infelizmente ainda estamos muito longe das negociações.

A contraofensiva ucraniana terá que acontecer ao longo dos próximos meses antes que possamos falar de forma significativa sobre a possibilidade de alguma negociação.

Na sua avaliação, como estão as relações entre Brasil e Estados Unidos? O relacionamento foi mais frio durante o governo Bolsonaro, mas com Lula existiu uma aproximação e o presidente brasileiro já visitou a Casa Branca neste mandato. O presidente Biden havia sinalizado um aporte americano de US$ 500 milhões para o Fundo Amazônia, mas os americanos se mostraram incomodados após declarações do presidente Lula sobre a guerra na Ucrânia

Bem, é por isso que eu disse que a relação é muito parecida com a Índia. O primeiro-ministro Narendra Modi acabou de fazer uma viagem a Washington, com um jantar oferecido por Biden. Lula não teve um jantar, mas a Índia é estrategicamente mais importante para os EUA do que o Brasil e isso é uma realidade.

As reuniões que eles tiveram até agora começaram com o Conselheiro de Segurança Nacional dos EUA. Jake Sullivan, e todas as reuniões foram muito bem, não falaram tanto de Rússia, mas sim sobre o clima e sobre uma maneira de trazer mais investimentos para o Brasil.

Agora, é claro que o Brasil tem uma relação muito mais forte com a China do que os Estados Unidos gostariam. A Huawei está fazendo negócios aqui e nos Estados Unidos isso não é permitido, por exemplo.

O Sul global tem uma perspectiva diferente sobre várias questões estratégicas do que os Estados Unidos e o G-7, o que não é surpreendente, é completamente natural e isso persistirá, mas acho que a relação entre o Brasil e os Estados Unidos seja Trump ou Biden seja Lula ou Bolsonaro não mudou tanto assim. Na verdade, é uma relação bastante estável entre duas democracias, ambas passando por alguns problemas políticos agora, na verdade, e não vão desaparecer, mas têm muito em comum. Eles têm muito o que trabalhar, então, no geral, acho que é um relacionamento muito bom.

Lula também falou que a situação na Venezuela é uma “narrativa” e defendeu o ditador Nicolás Maduro. Como isso é prejudicial aos interesses brasileiros na política externa e é possível que mesmo após estas declarações o presidente Lula consiga mediar acordos com a oposição Venezuela, principalmente visando as eleições no país?

Olha, por um tempo, Guaidó era recebido por todos e era reconhecido como o legítimo presidente da Venezuela. Ninguém mais pergunta sobre ele. Maduro é um ditador brutal, mas ele também é o cara com quem todos estão trabalhando e os americanos estão conversando com ele, principalmente por conta dos problemas acarretados pela pandemia e a guerra na Ucrânia. É por isso que eles estão conversando com os iranianos e é por isso que eles estão conversando com a Venezuela e houve alguma disposição dos venezuelanos para falar sobre um processo político que levaria a eleições, fazendo com que Washington sinalizasse que está disposta a reduzir sanções e a descongelar ativos que são importantes para Caracas neste momento.

Mas eu não espero muito de Maduro e nem das eleições, presumindo que elas realmente aconteçam. Não serão livres e justas e eu não acredito que a oposição deve realmente ganhar o poder. Contudo, a relação dos EUA com a Venezuela está indo na direção de menos hostilidade, mais estabilidade e normalização.

O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, e o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, gesticulam antes de uma cúpula com presidentes da América do Sul para discutir o relançamento do bloco de cooperação regional UNASUL, em Brasília, Brasil Foto: REUTERS / REUTERS

Lula e outros políticos com o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, estão mais próximos da Venezuela. O presidente do Brasil não é o único que está dando declarações controversas. Na verdade, houve apenas uma mudança geral e muitos de vocês sabem, governos de esquerda em toda a América Latina hoje que são mais simpáticos à causa do regime de Maduro e isso é apenas uma realidade.

Mesmo com as acusações contra o ex-presidente americano Donald Trump ele ainda lidera as intenções de voto no Partido Republicano e tem chance contra o presidente Biden, que apesar de ser a melhor chance para os democratas, preocupa pela idade avançada. É possível que o dano a democracia americana seja pior do que se pensava anteriormente?

Sim, acho que o sistema político dos EUA está corroído. Temos um presidente que foi indiciado com 37 acusações e a resposta do Partido Republicano é que os indiciamentos ocorreram por razões políticas. Para eles, o FBI é uma organização política que deve ser enfraquecida. Isso é ruim para a democracia e com uma eleição chegando é pior ainda, ainda mais pelo fato de que Trump não aceitou o resultado da eleição passada. Ele continua falando sobre isso todos os dias.

Supondo que ele consiga a indicação dos republicanos, que parece provável, a grande maioria do Partido Republicano irá apoiá-lo sem se importar com tudo que ele fez, que o torna inadequado para o cargo.

Eu não sou democrata e nem republicano. Nunca fiz parte de partido político, mas sempre considerei que Trump era inadequado para ser presidente. Ele claramente é indiferente à democracia e se sente confortável em minar o sistema democrático de uma forma que não aconteceu com nenhum líder político nos Estados Unidos em minha vida.

O ex-presidente dos EUA e candidato presidencial republicano Donald Trump deixa a abertura de sua sede de campanha em Manchester, New Hampshire, Estados Unidos Foto: Reba Saldanha / REUTERS

Os Estados Unidos perderam algo essencial. Sobre seu sistema político sobre sua legitimidade sobre o papel de liderança e não apenas aos olhos do resto do mundo, mas aos olhos dos americanos também, e não está melhorando. Não melhorou com Obama. Não melhorou com Trump. Isso é algo mais profundo e estrutural.

Washington tem se esforçado para garantir a sua presença no Indo-Pacífico e reduzir a influencia chinesa na região, a visita do primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, mostra isso. Temos uma Nova Guerra Fria?

Não é possível dizer isso.

Para ter uma guerra fria, é preciso de outros atores internacionais que possam entrar nisso também. Não pode ser apenas os EUA e a China como na velha Guerra Fria, certo? Foi chamado de guerra fria porque o mundo inteiro estava dividido e era necessário estar do lado soviético ou do lado americano. Bem, tirando China e EUA, ninguém quer uma guerra fria. Então Brasil, Alemanha, Japão e Coreia do Sul querem trabalhar e fazer negócios com os dois países.

O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, cumprimenta o presidente da China, Xi Jinping, em uma reunião bilateral em Pequim  Foto: Leah Millis / REUTERS

Biden não quer entrar em guerra e diz isso publicamente. Não há confiança entre os dois países e existem elementos de confronto e combatividade. Isso é verdade, mas isso não é uma guerra fria.

Concordo que o relacionamento está indo para uma direção mais negativa. Portanto, certamente é possível que se torne uma guerra fria com o tempo. Mas é muito difícil ter uma guerra fria. China e EUA tem um alto nível de interdependência, uma guerra fria acabaria com essa interdependência e impactaria profundamente de forma negativa as economias de ambos os países e ambos estão cientes disso, que é uma das razões pelas quais Anthony Blinken acabou de fazer uma ótima viagem para a China.

Você tem falado muito sobre inteligência artificial. Gostaria de perguntar como a inteligência artificial pode ser uma ameaça à segurança dos países?

Começarei dizendo que a inteligência artificial é uma enorme oportunidade e estou muito entusiasmado com o crescimento da produtividade e as melhorias no avanço da ciência que essa tecnologia pode proporcionar.

Mas há perigos e talvez os principais perigos sejam a democracia e a Segurança Nacional, por duas razões. A primeira é porque a inteligência artificial impulsiona a desinformação. Os grandes modelos de linguagem representados pelo Chat GPT por outros são ferramentas que não verificam os fatos.

Essas plataformas não reconhecem o que é verdade e o que não é são usadas algoritmicamente. Em segundo lugar, essas ferramentas de IA são muito democratizadas e isso é problemático.

Portanto, sabemos que qualquer pessoa que queira codificar tem acesso ao AI e ninguém irá codificar sem IA daqui um ano. Então ao mesmo tempo que a inteligência artificial é ótima para aumentar a produtividade, isso também é verdade para todos os criminosos cibernéticos.

Este tecnologia será importante no desenvolvimento de novas armas e drones autônomos letais e armas biológicas. Não temos as instituições. Não temos estrutura para limitar os perigos. Portanto, o primeiro perigo para a democracia, o segundo perigo é para a segurança nacional.

A rebelião armada que foi organizada pelo chefe do Grupo Wagner, Ievgeni Prigozhin, na Rússia durante o final de semana aumenta as chances da contraofensiva ucraniana, mas também pode significar uma escalada ainda maior na guerra na Ucrânia, avalia Ian Bremmer, presidente e fundador da consultoria de risco político Eurasia Group e da GZERO Media, em entrevista exclusiva ao Estadão.

Bremmer participou de forma presencial em São Paulo do GZERO Summit Latam 2023, evento promovido pela consultoria de risco político Eurasia Group e realizado na Câmara Americana de Comércio (Amcham) na quinta-feira, 29.

O analista político afirmou que existe uma maior chance do presidente da Rússia, Vladimir Putin, lutar contra tropas da Otan e que o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, não vai ganhar um Premio Nobel da Paz por uma possível mediação do conflito entre Kiev e Moscou.

“Se essas negociações acontecerem, serão em grande parte lideradas pela Otan e provavelmente com o envolvimento da China porque a Rússia precisa de alguém com quem eles possam conversar. O Brasil não deve fazer parte disso”, completou Bremmer.

O presidente da China, Xi Jinping, se encontra com o presidente da Rússia, Vladimir Putin, em Moscou, Rússia  Foto: Sergei Karpukhin/ AP

Confira trechos da entrevista

O que a rebelião armada na Rússia pode nos dizer sobre o futuro do país? A rebelião organizada pelo Grupo Wagner mostrou um Putin mais enfraquecido, tanto externamente quanto internamente. Este momento de instabilidade pode afetar a guerra na Ucrânia?

O Grupo Wagner em Bakhmut foi responsável por uma das únicas vitórias significativas que a Rússia teve nos últimos seis meses no campo de batalha. Agora, depois desse sucesso, eles foram retirados da linha de frente. Portanto, eles não estiveram envolvidos nos combates nas últimas semanas na Ucrânia, mas ainda assim isso claramente será um problema para os russos e há uma questão em aberto sobre qual é a moral do exército russo neste momento.

Os russos acabaram de prender um importante general de alto escalão. Putin não tem problemas de lealdade dentro de suas forças militares. Ele tem um problema de competência e se o presidente russo vai se livrar de algumas das pessoas que ele pensa que não pode confiar, ele vai perder muitas pessoas.

Portanto, esta é uma oportunidade boa para os ucranianos obterem algumas vitórias significativas na contraofensiva. Agora, eles têm cerca de 11 divisões de tropas que estão pré-posicionadas que foram treinadas e equipadas pela Otan e apenas duas dessas divisões estiveram diretamente envolvidas na contraofensiva na semana passada. Então é verdade que a contraofensiva não foi muito bem até agora, mas eles também não atacaram com todas as forças e isso deve mudar neste momento. Então vamos ver vamos ver como os russos se defendem mas com certeza é mais possível que os ucranianos consigam retomar parte dos territórios.

Não estou dizendo que é provável, mas se antes era algo como 5 ou 10% de probabilidade, talvez agora seja 20%, talvez seja 30%.

Então, ao mesmo tempo, também existe uma maior possibilidade de que Putin perca o controle e acabe lutando contra a Otan, porque ele sente que não tem para onde correr. Existe uma maior possibilidade dele lançar uma arma nuclear tática contra a Ucrânia, por exemplo.

A probabilidade de Kiev vencer aumentou, mas também aumentou a possibilidade da guerra se tornar algo muito maior.

Soldados ucranianos disparam um obus autopropulsado em direção a posições russas perto de Bakhmut, o local das batalhas mais pesadas, na região de Donetsk, Ucrânia Foto: Libkos/ AP

Qual é o limite da diplomacia brasileira? O presidente Lula já fala há vários meses que se coloca como neutro em relação à guerra na Ucrânia e tenta mediar um acordo de paz junto com outros países, mas não conseguiu se encontrar com Volodmir Zelenski na cúpula do G-7. É possível algum tipo de mediação vinda do Brasil?

Eu não acho que o presidente Lula vai ganhar um Prêmio Nobel da Paz por conta de Rússia e Ucrânia. Ele fez algumas declarações pouco moderadas sobre a responsabilidade da Otan na guerra, por exemplo, e obviamente o fato de ele não ter se encontrado com o presidente da Ucrânia e que Zelenski fez algumas declarações negativas sobre o presidente brasileiro foi um pouco embaraçoso, mas não acredito que isso importe muito.

Acho que a realidade é que a posição do Brasil sobre a guerra não é tão diferente da posição da Índia sobre a guerra. A Índia é um parceiro muito próximo dos Estados Unidos. O Brasil também também tem uma relação forte com os Estados Unidos, isso realmente não afetou o relacionamento.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, se encontrou com o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, em uma reunião bilateral na cúpula do G-7 em Hiroshima, Japão  Foto: RICARDO STUCKERT / AFP

O Brasil votou para condenar a guerra como ilegal na Assembleia Geral das Nações Unidas e isso é o mais importante. Não acho que precise haver uma forte pressão sobre o Brasil para apoiar as sanções europeias e americanas. Ninguém espera que o Brasil forneça equipamento militar aos ucranianos. Não é um ponto relevante e se houver negociações, essas negociações serão em grande parte lideradas pela Otan e provavelmente com o envolvimento da China porque a Rússia precisa de alguém com quem eles possam conversar. Mas infelizmente ainda estamos muito longe das negociações.

A contraofensiva ucraniana terá que acontecer ao longo dos próximos meses antes que possamos falar de forma significativa sobre a possibilidade de alguma negociação.

Na sua avaliação, como estão as relações entre Brasil e Estados Unidos? O relacionamento foi mais frio durante o governo Bolsonaro, mas com Lula existiu uma aproximação e o presidente brasileiro já visitou a Casa Branca neste mandato. O presidente Biden havia sinalizado um aporte americano de US$ 500 milhões para o Fundo Amazônia, mas os americanos se mostraram incomodados após declarações do presidente Lula sobre a guerra na Ucrânia

Bem, é por isso que eu disse que a relação é muito parecida com a Índia. O primeiro-ministro Narendra Modi acabou de fazer uma viagem a Washington, com um jantar oferecido por Biden. Lula não teve um jantar, mas a Índia é estrategicamente mais importante para os EUA do que o Brasil e isso é uma realidade.

As reuniões que eles tiveram até agora começaram com o Conselheiro de Segurança Nacional dos EUA. Jake Sullivan, e todas as reuniões foram muito bem, não falaram tanto de Rússia, mas sim sobre o clima e sobre uma maneira de trazer mais investimentos para o Brasil.

Agora, é claro que o Brasil tem uma relação muito mais forte com a China do que os Estados Unidos gostariam. A Huawei está fazendo negócios aqui e nos Estados Unidos isso não é permitido, por exemplo.

O Sul global tem uma perspectiva diferente sobre várias questões estratégicas do que os Estados Unidos e o G-7, o que não é surpreendente, é completamente natural e isso persistirá, mas acho que a relação entre o Brasil e os Estados Unidos seja Trump ou Biden seja Lula ou Bolsonaro não mudou tanto assim. Na verdade, é uma relação bastante estável entre duas democracias, ambas passando por alguns problemas políticos agora, na verdade, e não vão desaparecer, mas têm muito em comum. Eles têm muito o que trabalhar, então, no geral, acho que é um relacionamento muito bom.

Lula também falou que a situação na Venezuela é uma “narrativa” e defendeu o ditador Nicolás Maduro. Como isso é prejudicial aos interesses brasileiros na política externa e é possível que mesmo após estas declarações o presidente Lula consiga mediar acordos com a oposição Venezuela, principalmente visando as eleições no país?

Olha, por um tempo, Guaidó era recebido por todos e era reconhecido como o legítimo presidente da Venezuela. Ninguém mais pergunta sobre ele. Maduro é um ditador brutal, mas ele também é o cara com quem todos estão trabalhando e os americanos estão conversando com ele, principalmente por conta dos problemas acarretados pela pandemia e a guerra na Ucrânia. É por isso que eles estão conversando com os iranianos e é por isso que eles estão conversando com a Venezuela e houve alguma disposição dos venezuelanos para falar sobre um processo político que levaria a eleições, fazendo com que Washington sinalizasse que está disposta a reduzir sanções e a descongelar ativos que são importantes para Caracas neste momento.

Mas eu não espero muito de Maduro e nem das eleições, presumindo que elas realmente aconteçam. Não serão livres e justas e eu não acredito que a oposição deve realmente ganhar o poder. Contudo, a relação dos EUA com a Venezuela está indo na direção de menos hostilidade, mais estabilidade e normalização.

O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, e o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, gesticulam antes de uma cúpula com presidentes da América do Sul para discutir o relançamento do bloco de cooperação regional UNASUL, em Brasília, Brasil Foto: REUTERS / REUTERS

Lula e outros políticos com o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, estão mais próximos da Venezuela. O presidente do Brasil não é o único que está dando declarações controversas. Na verdade, houve apenas uma mudança geral e muitos de vocês sabem, governos de esquerda em toda a América Latina hoje que são mais simpáticos à causa do regime de Maduro e isso é apenas uma realidade.

Mesmo com as acusações contra o ex-presidente americano Donald Trump ele ainda lidera as intenções de voto no Partido Republicano e tem chance contra o presidente Biden, que apesar de ser a melhor chance para os democratas, preocupa pela idade avançada. É possível que o dano a democracia americana seja pior do que se pensava anteriormente?

Sim, acho que o sistema político dos EUA está corroído. Temos um presidente que foi indiciado com 37 acusações e a resposta do Partido Republicano é que os indiciamentos ocorreram por razões políticas. Para eles, o FBI é uma organização política que deve ser enfraquecida. Isso é ruim para a democracia e com uma eleição chegando é pior ainda, ainda mais pelo fato de que Trump não aceitou o resultado da eleição passada. Ele continua falando sobre isso todos os dias.

Supondo que ele consiga a indicação dos republicanos, que parece provável, a grande maioria do Partido Republicano irá apoiá-lo sem se importar com tudo que ele fez, que o torna inadequado para o cargo.

Eu não sou democrata e nem republicano. Nunca fiz parte de partido político, mas sempre considerei que Trump era inadequado para ser presidente. Ele claramente é indiferente à democracia e se sente confortável em minar o sistema democrático de uma forma que não aconteceu com nenhum líder político nos Estados Unidos em minha vida.

O ex-presidente dos EUA e candidato presidencial republicano Donald Trump deixa a abertura de sua sede de campanha em Manchester, New Hampshire, Estados Unidos Foto: Reba Saldanha / REUTERS

Os Estados Unidos perderam algo essencial. Sobre seu sistema político sobre sua legitimidade sobre o papel de liderança e não apenas aos olhos do resto do mundo, mas aos olhos dos americanos também, e não está melhorando. Não melhorou com Obama. Não melhorou com Trump. Isso é algo mais profundo e estrutural.

Washington tem se esforçado para garantir a sua presença no Indo-Pacífico e reduzir a influencia chinesa na região, a visita do primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, mostra isso. Temos uma Nova Guerra Fria?

Não é possível dizer isso.

Para ter uma guerra fria, é preciso de outros atores internacionais que possam entrar nisso também. Não pode ser apenas os EUA e a China como na velha Guerra Fria, certo? Foi chamado de guerra fria porque o mundo inteiro estava dividido e era necessário estar do lado soviético ou do lado americano. Bem, tirando China e EUA, ninguém quer uma guerra fria. Então Brasil, Alemanha, Japão e Coreia do Sul querem trabalhar e fazer negócios com os dois países.

O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, cumprimenta o presidente da China, Xi Jinping, em uma reunião bilateral em Pequim  Foto: Leah Millis / REUTERS

Biden não quer entrar em guerra e diz isso publicamente. Não há confiança entre os dois países e existem elementos de confronto e combatividade. Isso é verdade, mas isso não é uma guerra fria.

Concordo que o relacionamento está indo para uma direção mais negativa. Portanto, certamente é possível que se torne uma guerra fria com o tempo. Mas é muito difícil ter uma guerra fria. China e EUA tem um alto nível de interdependência, uma guerra fria acabaria com essa interdependência e impactaria profundamente de forma negativa as economias de ambos os países e ambos estão cientes disso, que é uma das razões pelas quais Anthony Blinken acabou de fazer uma ótima viagem para a China.

Você tem falado muito sobre inteligência artificial. Gostaria de perguntar como a inteligência artificial pode ser uma ameaça à segurança dos países?

Começarei dizendo que a inteligência artificial é uma enorme oportunidade e estou muito entusiasmado com o crescimento da produtividade e as melhorias no avanço da ciência que essa tecnologia pode proporcionar.

Mas há perigos e talvez os principais perigos sejam a democracia e a Segurança Nacional, por duas razões. A primeira é porque a inteligência artificial impulsiona a desinformação. Os grandes modelos de linguagem representados pelo Chat GPT por outros são ferramentas que não verificam os fatos.

Essas plataformas não reconhecem o que é verdade e o que não é são usadas algoritmicamente. Em segundo lugar, essas ferramentas de IA são muito democratizadas e isso é problemático.

Portanto, sabemos que qualquer pessoa que queira codificar tem acesso ao AI e ninguém irá codificar sem IA daqui um ano. Então ao mesmo tempo que a inteligência artificial é ótima para aumentar a produtividade, isso também é verdade para todos os criminosos cibernéticos.

Este tecnologia será importante no desenvolvimento de novas armas e drones autônomos letais e armas biológicas. Não temos as instituições. Não temos estrutura para limitar os perigos. Portanto, o primeiro perigo para a democracia, o segundo perigo é para a segurança nacional.

A rebelião armada que foi organizada pelo chefe do Grupo Wagner, Ievgeni Prigozhin, na Rússia durante o final de semana aumenta as chances da contraofensiva ucraniana, mas também pode significar uma escalada ainda maior na guerra na Ucrânia, avalia Ian Bremmer, presidente e fundador da consultoria de risco político Eurasia Group e da GZERO Media, em entrevista exclusiva ao Estadão.

Bremmer participou de forma presencial em São Paulo do GZERO Summit Latam 2023, evento promovido pela consultoria de risco político Eurasia Group e realizado na Câmara Americana de Comércio (Amcham) na quinta-feira, 29.

O analista político afirmou que existe uma maior chance do presidente da Rússia, Vladimir Putin, lutar contra tropas da Otan e que o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, não vai ganhar um Premio Nobel da Paz por uma possível mediação do conflito entre Kiev e Moscou.

“Se essas negociações acontecerem, serão em grande parte lideradas pela Otan e provavelmente com o envolvimento da China porque a Rússia precisa de alguém com quem eles possam conversar. O Brasil não deve fazer parte disso”, completou Bremmer.

O presidente da China, Xi Jinping, se encontra com o presidente da Rússia, Vladimir Putin, em Moscou, Rússia  Foto: Sergei Karpukhin/ AP

Confira trechos da entrevista

O que a rebelião armada na Rússia pode nos dizer sobre o futuro do país? A rebelião organizada pelo Grupo Wagner mostrou um Putin mais enfraquecido, tanto externamente quanto internamente. Este momento de instabilidade pode afetar a guerra na Ucrânia?

O Grupo Wagner em Bakhmut foi responsável por uma das únicas vitórias significativas que a Rússia teve nos últimos seis meses no campo de batalha. Agora, depois desse sucesso, eles foram retirados da linha de frente. Portanto, eles não estiveram envolvidos nos combates nas últimas semanas na Ucrânia, mas ainda assim isso claramente será um problema para os russos e há uma questão em aberto sobre qual é a moral do exército russo neste momento.

Os russos acabaram de prender um importante general de alto escalão. Putin não tem problemas de lealdade dentro de suas forças militares. Ele tem um problema de competência e se o presidente russo vai se livrar de algumas das pessoas que ele pensa que não pode confiar, ele vai perder muitas pessoas.

Portanto, esta é uma oportunidade boa para os ucranianos obterem algumas vitórias significativas na contraofensiva. Agora, eles têm cerca de 11 divisões de tropas que estão pré-posicionadas que foram treinadas e equipadas pela Otan e apenas duas dessas divisões estiveram diretamente envolvidas na contraofensiva na semana passada. Então é verdade que a contraofensiva não foi muito bem até agora, mas eles também não atacaram com todas as forças e isso deve mudar neste momento. Então vamos ver vamos ver como os russos se defendem mas com certeza é mais possível que os ucranianos consigam retomar parte dos territórios.

Não estou dizendo que é provável, mas se antes era algo como 5 ou 10% de probabilidade, talvez agora seja 20%, talvez seja 30%.

Então, ao mesmo tempo, também existe uma maior possibilidade de que Putin perca o controle e acabe lutando contra a Otan, porque ele sente que não tem para onde correr. Existe uma maior possibilidade dele lançar uma arma nuclear tática contra a Ucrânia, por exemplo.

A probabilidade de Kiev vencer aumentou, mas também aumentou a possibilidade da guerra se tornar algo muito maior.

Soldados ucranianos disparam um obus autopropulsado em direção a posições russas perto de Bakhmut, o local das batalhas mais pesadas, na região de Donetsk, Ucrânia Foto: Libkos/ AP

Qual é o limite da diplomacia brasileira? O presidente Lula já fala há vários meses que se coloca como neutro em relação à guerra na Ucrânia e tenta mediar um acordo de paz junto com outros países, mas não conseguiu se encontrar com Volodmir Zelenski na cúpula do G-7. É possível algum tipo de mediação vinda do Brasil?

Eu não acho que o presidente Lula vai ganhar um Prêmio Nobel da Paz por conta de Rússia e Ucrânia. Ele fez algumas declarações pouco moderadas sobre a responsabilidade da Otan na guerra, por exemplo, e obviamente o fato de ele não ter se encontrado com o presidente da Ucrânia e que Zelenski fez algumas declarações negativas sobre o presidente brasileiro foi um pouco embaraçoso, mas não acredito que isso importe muito.

Acho que a realidade é que a posição do Brasil sobre a guerra não é tão diferente da posição da Índia sobre a guerra. A Índia é um parceiro muito próximo dos Estados Unidos. O Brasil também também tem uma relação forte com os Estados Unidos, isso realmente não afetou o relacionamento.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, se encontrou com o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, em uma reunião bilateral na cúpula do G-7 em Hiroshima, Japão  Foto: RICARDO STUCKERT / AFP

O Brasil votou para condenar a guerra como ilegal na Assembleia Geral das Nações Unidas e isso é o mais importante. Não acho que precise haver uma forte pressão sobre o Brasil para apoiar as sanções europeias e americanas. Ninguém espera que o Brasil forneça equipamento militar aos ucranianos. Não é um ponto relevante e se houver negociações, essas negociações serão em grande parte lideradas pela Otan e provavelmente com o envolvimento da China porque a Rússia precisa de alguém com quem eles possam conversar. Mas infelizmente ainda estamos muito longe das negociações.

A contraofensiva ucraniana terá que acontecer ao longo dos próximos meses antes que possamos falar de forma significativa sobre a possibilidade de alguma negociação.

Na sua avaliação, como estão as relações entre Brasil e Estados Unidos? O relacionamento foi mais frio durante o governo Bolsonaro, mas com Lula existiu uma aproximação e o presidente brasileiro já visitou a Casa Branca neste mandato. O presidente Biden havia sinalizado um aporte americano de US$ 500 milhões para o Fundo Amazônia, mas os americanos se mostraram incomodados após declarações do presidente Lula sobre a guerra na Ucrânia

Bem, é por isso que eu disse que a relação é muito parecida com a Índia. O primeiro-ministro Narendra Modi acabou de fazer uma viagem a Washington, com um jantar oferecido por Biden. Lula não teve um jantar, mas a Índia é estrategicamente mais importante para os EUA do que o Brasil e isso é uma realidade.

As reuniões que eles tiveram até agora começaram com o Conselheiro de Segurança Nacional dos EUA. Jake Sullivan, e todas as reuniões foram muito bem, não falaram tanto de Rússia, mas sim sobre o clima e sobre uma maneira de trazer mais investimentos para o Brasil.

Agora, é claro que o Brasil tem uma relação muito mais forte com a China do que os Estados Unidos gostariam. A Huawei está fazendo negócios aqui e nos Estados Unidos isso não é permitido, por exemplo.

O Sul global tem uma perspectiva diferente sobre várias questões estratégicas do que os Estados Unidos e o G-7, o que não é surpreendente, é completamente natural e isso persistirá, mas acho que a relação entre o Brasil e os Estados Unidos seja Trump ou Biden seja Lula ou Bolsonaro não mudou tanto assim. Na verdade, é uma relação bastante estável entre duas democracias, ambas passando por alguns problemas políticos agora, na verdade, e não vão desaparecer, mas têm muito em comum. Eles têm muito o que trabalhar, então, no geral, acho que é um relacionamento muito bom.

Lula também falou que a situação na Venezuela é uma “narrativa” e defendeu o ditador Nicolás Maduro. Como isso é prejudicial aos interesses brasileiros na política externa e é possível que mesmo após estas declarações o presidente Lula consiga mediar acordos com a oposição Venezuela, principalmente visando as eleições no país?

Olha, por um tempo, Guaidó era recebido por todos e era reconhecido como o legítimo presidente da Venezuela. Ninguém mais pergunta sobre ele. Maduro é um ditador brutal, mas ele também é o cara com quem todos estão trabalhando e os americanos estão conversando com ele, principalmente por conta dos problemas acarretados pela pandemia e a guerra na Ucrânia. É por isso que eles estão conversando com os iranianos e é por isso que eles estão conversando com a Venezuela e houve alguma disposição dos venezuelanos para falar sobre um processo político que levaria a eleições, fazendo com que Washington sinalizasse que está disposta a reduzir sanções e a descongelar ativos que são importantes para Caracas neste momento.

Mas eu não espero muito de Maduro e nem das eleições, presumindo que elas realmente aconteçam. Não serão livres e justas e eu não acredito que a oposição deve realmente ganhar o poder. Contudo, a relação dos EUA com a Venezuela está indo na direção de menos hostilidade, mais estabilidade e normalização.

O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, e o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, gesticulam antes de uma cúpula com presidentes da América do Sul para discutir o relançamento do bloco de cooperação regional UNASUL, em Brasília, Brasil Foto: REUTERS / REUTERS

Lula e outros políticos com o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, estão mais próximos da Venezuela. O presidente do Brasil não é o único que está dando declarações controversas. Na verdade, houve apenas uma mudança geral e muitos de vocês sabem, governos de esquerda em toda a América Latina hoje que são mais simpáticos à causa do regime de Maduro e isso é apenas uma realidade.

Mesmo com as acusações contra o ex-presidente americano Donald Trump ele ainda lidera as intenções de voto no Partido Republicano e tem chance contra o presidente Biden, que apesar de ser a melhor chance para os democratas, preocupa pela idade avançada. É possível que o dano a democracia americana seja pior do que se pensava anteriormente?

Sim, acho que o sistema político dos EUA está corroído. Temos um presidente que foi indiciado com 37 acusações e a resposta do Partido Republicano é que os indiciamentos ocorreram por razões políticas. Para eles, o FBI é uma organização política que deve ser enfraquecida. Isso é ruim para a democracia e com uma eleição chegando é pior ainda, ainda mais pelo fato de que Trump não aceitou o resultado da eleição passada. Ele continua falando sobre isso todos os dias.

Supondo que ele consiga a indicação dos republicanos, que parece provável, a grande maioria do Partido Republicano irá apoiá-lo sem se importar com tudo que ele fez, que o torna inadequado para o cargo.

Eu não sou democrata e nem republicano. Nunca fiz parte de partido político, mas sempre considerei que Trump era inadequado para ser presidente. Ele claramente é indiferente à democracia e se sente confortável em minar o sistema democrático de uma forma que não aconteceu com nenhum líder político nos Estados Unidos em minha vida.

O ex-presidente dos EUA e candidato presidencial republicano Donald Trump deixa a abertura de sua sede de campanha em Manchester, New Hampshire, Estados Unidos Foto: Reba Saldanha / REUTERS

Os Estados Unidos perderam algo essencial. Sobre seu sistema político sobre sua legitimidade sobre o papel de liderança e não apenas aos olhos do resto do mundo, mas aos olhos dos americanos também, e não está melhorando. Não melhorou com Obama. Não melhorou com Trump. Isso é algo mais profundo e estrutural.

Washington tem se esforçado para garantir a sua presença no Indo-Pacífico e reduzir a influencia chinesa na região, a visita do primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, mostra isso. Temos uma Nova Guerra Fria?

Não é possível dizer isso.

Para ter uma guerra fria, é preciso de outros atores internacionais que possam entrar nisso também. Não pode ser apenas os EUA e a China como na velha Guerra Fria, certo? Foi chamado de guerra fria porque o mundo inteiro estava dividido e era necessário estar do lado soviético ou do lado americano. Bem, tirando China e EUA, ninguém quer uma guerra fria. Então Brasil, Alemanha, Japão e Coreia do Sul querem trabalhar e fazer negócios com os dois países.

O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, cumprimenta o presidente da China, Xi Jinping, em uma reunião bilateral em Pequim  Foto: Leah Millis / REUTERS

Biden não quer entrar em guerra e diz isso publicamente. Não há confiança entre os dois países e existem elementos de confronto e combatividade. Isso é verdade, mas isso não é uma guerra fria.

Concordo que o relacionamento está indo para uma direção mais negativa. Portanto, certamente é possível que se torne uma guerra fria com o tempo. Mas é muito difícil ter uma guerra fria. China e EUA tem um alto nível de interdependência, uma guerra fria acabaria com essa interdependência e impactaria profundamente de forma negativa as economias de ambos os países e ambos estão cientes disso, que é uma das razões pelas quais Anthony Blinken acabou de fazer uma ótima viagem para a China.

Você tem falado muito sobre inteligência artificial. Gostaria de perguntar como a inteligência artificial pode ser uma ameaça à segurança dos países?

Começarei dizendo que a inteligência artificial é uma enorme oportunidade e estou muito entusiasmado com o crescimento da produtividade e as melhorias no avanço da ciência que essa tecnologia pode proporcionar.

Mas há perigos e talvez os principais perigos sejam a democracia e a Segurança Nacional, por duas razões. A primeira é porque a inteligência artificial impulsiona a desinformação. Os grandes modelos de linguagem representados pelo Chat GPT por outros são ferramentas que não verificam os fatos.

Essas plataformas não reconhecem o que é verdade e o que não é são usadas algoritmicamente. Em segundo lugar, essas ferramentas de IA são muito democratizadas e isso é problemático.

Portanto, sabemos que qualquer pessoa que queira codificar tem acesso ao AI e ninguém irá codificar sem IA daqui um ano. Então ao mesmo tempo que a inteligência artificial é ótima para aumentar a produtividade, isso também é verdade para todos os criminosos cibernéticos.

Este tecnologia será importante no desenvolvimento de novas armas e drones autônomos letais e armas biológicas. Não temos as instituições. Não temos estrutura para limitar os perigos. Portanto, o primeiro perigo para a democracia, o segundo perigo é para a segurança nacional.

Entrevista por Daniel Gateno

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