Mais de oito meses depois do início da ofensiva para retomar a cidade de Mossul do Estado Islâmico (EI), o Iraque decretou vitória sobre os jihadistas. Cerca de 20 mil civis permaneciam presos em algumas áreas, de acordo com a ONU, e lidavam constantemente com os combates violentos.
A médica brasileira Cecilia Hirata, de 34 anos, é de Campinas e trabalha desde abril m um hospital da organização humanitária Médicos Sem Fronteiras (MSF), localizado próximo a Mossul. Ela relatou ao Estado que, com o avanço das tropas iraquianas, as pessoas que retornavam ao leste da cidade – liberado há alguns meses – já estão mais estabelecidas.
A situação, entretanto, é mais grave para os que ficaram no lado oeste, onde a batalha era mais dura e as defesas do EI eram mais fortes. “Essa parte da cidade lida com o problema de suprimento há um certo tempo. Como os alimentos que restavam eram muito caros, as pessoas não tinham acesso à comida. Lidamos com muitos casos de desnutrição e doenças crônicas por falta de acesso a medicamentos”, diz Cecilia.
O hospital em que ela atua fica em Qayyarah, 60 quilômetros ao sul de Mossul, e foi inaugurado em dezembro. Ele conta com 50 leitos e 220 funcionários, número suficiente para uma localidade dessa dimensão, mas insuficiente diante da situação atual. “Somos um hospital de atendimento secundário. O que existe aqui é carência de atenção primária, como tratamento de gripe e diarreia, que acaba sobrecarregando nosso sistema”, afirma.
“É muito impressionante ver o quanto as pessoas são atingidas pelo conflito. Muitos pacientes que vêm de Mossul chegam com queimaduras muito graves e antigas, de até duas semanas.”
O centro de saúde da MSF em Qayyarah tem como foco pacientes em estado grave. Entre os cerca de 1,1 mil atendimentos que realizam por mês, os médicos tratam um pouco de tudo: traumas, cirurgia geral, atendimento a queimados, atendimentos clínicos e desnutrição.
Cecilia aceitou participar da missão da MSF no Iraque, mas deve voltar para o Brasil até o fim do mês. Segundo a organização, normalmente o profissional fica cerca de três meses num determinado projeto, mas esse período depende da intensidade dos atendimentos e da especialidade do indivíduo - cirurgiões e anestesistas ficam menos tempo do que os demais pois o trabalho é mais intenso.
Destruição
Apesar da derrota do EI, a população civil ainda é afetada de modo intenso. “É uma guerra muito dinâmica. Estamos o tempo inteiro respondendo de forma imediata ao que ocorre em Mossul. Não estamos próximos a ponto de ouvir as explosões, mas presenciamos as consequências de cada ofensiva”, diz a médica.
Para ela, uma das coisas mais chocantes é a destruição de famílias, pois muitas vezes as crianças chegam com algum acompanhante e quando os médicos perguntam pelos pais, são informados de que já morreram. “Todos, até os funcionários, têm um tio, tia, irmão, primo ou mesmo vários parentes que morreram no conflito.”
Futuro
Especialistas acreditam que a reconquista de Mossul não colocará fim à guerra contra o EI. Mas, apesar da destruição, Cecilia é otimista. “O Iraque é um país desenvolvido, muito diferente de outros contextos nos quais já trabalhei, como alguns países africanos. Ele tem capacidade de se reconstruir rapidamente.”
Questionada sobre sua segurança, ela diz que nunca sofreu ameaças. “Eles sabem que tratamos todo mundo igual. Quando chega alguém para receber tratamento, não sabemos se é xiita, sunita, civil ou militar, é simplesmente mais um paciente. Isso garante nossa aceitação e, de certa forma, nossa proteção.”