‘Família Manson’: conheça Leslie Van Houten, a primeira integrante do culto que saiu da prisão


Criada por Charles Manson, seita foi responsável por assassinatos na Califórnia durante a década de 60; agora uma participante pode receber liberdade condicional, depois de 53 anos

Por Caroline Anders
Atualização:

Sharon Tate estava morta, e o sul da Califórnia, histérico. A polícia e a mídia invadiram a casa da atriz, onde seus assassinos pintaram a palavra “porco” na grávida de 26 anos com o sangue dela. E Sharon não foi a única vítima. Ela foi morta ao lado de outras quatro pessoas: Voitcek Frykowski, Abigail Folger, Jay Sebring e Steven Parent.

A quilômetros de distância, Leslie Van Houten assistiu em êxtase às notícias dos assassinatos. Mas diferente de vários outros californianos, o seu interesse pelo fato não nasceu pelo medo. “Ela não estava horrorizada ou com repulsa, mas se sentiu deixada de fora”, documentos judiciais mais tarde iriam alegar.

Antes de ela conhecer Charlie - assim era como todo mundo o chamava, apenas de Charlie - a vida de Leslie parecia quase típica. Ela ia para acampamentos da igreja todo verão e cantava no coral, segundo os documentos judiciais. Ela estava envolvida com o Camp Fire Girls. Ela era a rainha do baile. Mas mesmo assim, havia sinais de instabilidade.

continua após a publicidade

Aos 14 anos, quando seus pais se divorciaram, ela começou a usar maconha, metedrina, mescalina e benzedrina. Aos 17, sua mãe a pressionou a fazer um aborto. Aos 19, segundo ela, ela já havia tomado LSD 150 vezes. Depois de viajar para cima e para baixo na Costa Oeste dos Estados Unidos com um namorado durante cinco meses naquele ano, ela acabou no rancho de um homem chamado Charles Manson. Na época, um nome comum, inócuo.

Presa durante 53 anos, Leslie agora pode estar em liberdade condicional. Na foto, os comissários do Conselho de Termos da Prisão, a ouvem depois que sua liberdade condicional foi negada em 2002.  Foto: DAMIAN DOVARGANES / POOL / AFP

Inicialmente, a vida na comunidade de Manson era feliz. Seus seguidores, em sua maioria, eram mulheres e jovens, então Leslie naturalmente se encaixou. E quando as coisas ficaram estranhas, ela já estava firmemente no mesmo patamar da visão de Manson: uma guerra racial, em uma bola de neve, iria se transformar em uma revolução e terminaria com a “Família” Manson no controle.

continua após a publicidade

Enquanto a polícia vasculhava o Estado em busca dos loucos que assassinaram uma jovem atriz no que parecia ser um ritual sádico, Leslie esperou que os membros da Família voltassem ao rancho. Ela sabia que “Helter Skelter”, o nome que Manson havia dado à guerra racial, havia começado.

Nesse mesmo dia, quando Manson perguntou a Leslie “se ela fosse louca o suficiente para acreditar nele e no que ele estava fazendo”, ela respondeu “sim”, de acordo com os documentos do tribunal. O terrível crime que se seguiria a atingiu na prisão por mais de 52 anos. Agora, aos 73 anos, ela pode estar em liberdade condicional.

O governador da Califórnia, Gavin Newsom, bloqueou repetidamente os esforços para a liberdade condicional de Leslie, mas desistiu de lutar para mantê-la presa na sexta-feira, 7. Leslie Van Houten repetiu seu crime inúmeras vezes ao longo dos anos para diversos tribunais e conselhos de liberdade condicional. Segundo ela, Manson não gostou de como os assassinatos de Tate foram “bagunçados”.

continua após a publicidade

No dia seguinte àqueles assassinatos, o infame líder do culto disse à Família que iria mostrar a eles como se fazia. Então, no dia 10 de agosto de 1969, Manson pediu a Leslie que mudasse de roupas e entrasse no carro. Havia seis ou sete membros da Família no veículo, ela lembra, e eles rondaram por Los Angeles, ao acaso.

Se liberdade condicional for concedida, Leslie será a primeira integrante da "Família" Manson a sair da prisão. Grupo cometeu diversos assassinatos na Califórnia nos anos 60.  Foto: Stan Lim/Los Angeles Daily News via AP, Pool, File

Depois de alguns falsos começos com potenciais vítimas - uma família com filhos, um pastor - o carro parou na casa onde morava o dono da mercearia Leno LaBianca e sua mulher, Rosemary. Manson e “Tex” Watson, outro membro da Família, entraram na casa e amarraram o casal. Então Manson saiu de casa - novamente deixando seus seguidores fazerem o trabalho sujo - e ordenou que Leslie e Patricia Krenwinkel entrassem lá e fizessem tudo que Tex dissesse.

continua após a publicidade

Empunhando uma baioneta, Tex disse para Leslie e Patricia pegarem facas na cozinha. Elas levaram Rosemary para o quarto, deixando Tex com o marido. Um médico legista testemunharia posteriormente que Rosemary foi esfaqueada 41 vezes.

Dianne Lake, uma integrante da “Família Manson” que não estava presente neste assassinato, depois disse que Leslie declarou que “ela havia esfaqueado uma mulher que já estava morta, e que quando mais ela fazia isso mais divertido era”. Em um aceno aos avisos da casa de Tate na noite anterior, as palavras “Death to Pigs” e “Healter Skelter” - uma referência incorreta à música dos Beatles para a qual Manson nomeou sua guerra racial inventada - foram encontradas escritas com sangue das vítimas, nas paredes e na geladeira da casa LaBianca.

Quase dois anos depois, um júri condenou Leslie por duas acusações de assassinato em primeiro grau e uma acusação de conspiração para cometer assassinato. Ela foi inicialmente condenada à morte, mas a Califórnia aboliu a pena de morte no ano seguinte. Ela foi sentenciada para a prisão perpétua com possibilidade de liberdade condicional.

continua após a publicidade

Manson foi condenado por sete acusações de assassinato em primeiro grau e uma de conspiração para cometer assassinato. Ele morreu em 2017, aos 83 anos, depois de passar décadas na prisão e ter a liberdade condicional negada 12 vezes.

Charles Manson, o líder do culto acreditava em uma guerra racial que terminaria com a “Família” Manson no controle. Ele morreu em 2017. Foto: Courtesy California Department of Corrections and Rehabilitation/Handout via REUTERS

Leslie e outros membros da “família” disseram que Manson explorou suas vulnerabilidades, convencendo-os de que ele era a segunda vinda de Jesus Cristo e deveriam segui-lo. “Acredito que as coisas que me deixaram fraca e perdida foram usadas como manipulações contra mim em minhas conversas com Manson e como ele escolheu se relacionar comigo”, disse Leslie durante uma audiência de liberdade condicional em 2020.

continua após a publicidade

“Eu não sabia disso na época.” O conselho de liberdade condicional afirmou que Leslie “demonstrou esforços extraordinários de reabilitação, percepção, remorso, planos realistas de liberdade condicional, apoio de familiares e amigos” e “relatórios institucionais favoráveis”.

Uma das integrantes da seita liderada por Charles Manson saiu em liberdade condicional da prisão, nesta terça-feira (11), nos Estados Unidos, após mais de cinco décadas atrás das grades por sua participação em dois homicídios, informaram as autoridades e sua advogada.

Leslie, de 73 anos, “foi colocada em liberdade condicional esta manhã e encontra-se a salvo em um centro de transição”, disse à AFP sua advogada, Nancy Tetreault, nesta terça-feira, 11.

O Departamento de Correções e Reabilitação da Califórnia confirmou em nota que Van Houten “foi libertada sob supervisão em 11 de julho de 2023″.

“Ela ficará em liberdade condicional por um prazo máximo de três anos, e depois de um ano fará uma revisão”, acrescentou o departamento, que não forneceu mais detalhes nem as condições específicas do caso por motivos de segurança.

Leslie estava detida na prisão de mulheres de Corona, na Califórnia.

A advogada detalhou que sua cliente “passará um ano em um centro de transição desenvolvendo habilidades para enfrentar um mundo que mudou muito nas últimas cinco décadas”.

Leslie “também irá procurar emprego em áreas que tenham por base a licenciatura e o mestrado que obteve na prisão”, acrescentou a advogada, que se disse “muito satisfeita” com a celeridade do processo.

Embora o governador Newson tenha parado de lutar contra a liberdade de Leslie, ele não está satisfeito com a resolução encontrada pelo conselho.

“O governador está desapontado com a decisão do Tribunal de Apelação de liberá-la, mas não irá tomar outras ações, pois é improvável que os esforços para apelar novamente sejam bem sucedidos”, disse Erin Mellon, porta-voz do gabinete do governador, em um comunicado.

E ele não está sozinho em sua frustração. Familiares sobreviventes das vítimas, incluindo Debra, a irmã de Sharon Tate, se manifestaram contra a decisão. “Eu sabia que chegaríamos aqui um dia”, disse Debra Tate em uma entrevista em maio ao NewsNation. “Infelizmente, é terrível para mim, como sociedade, permitirmos que assassinos predatórios... até sejam considerados para liberdade condicional, mas essa é a lei tal como está.”

Debra disse que não acredita que Leslie esteja arrependida e que continuará a lutar contra a libertação da integrante da Família Manson. “O Conselho da Califórnia quer que a reabilitação funcione, é claro, todos nós queremos”, disse Debra. “Mas há um certo tipo de pessoa que é improvável que isso aconteça.”/Washington Post

Sharon Tate estava morta, e o sul da Califórnia, histérico. A polícia e a mídia invadiram a casa da atriz, onde seus assassinos pintaram a palavra “porco” na grávida de 26 anos com o sangue dela. E Sharon não foi a única vítima. Ela foi morta ao lado de outras quatro pessoas: Voitcek Frykowski, Abigail Folger, Jay Sebring e Steven Parent.

A quilômetros de distância, Leslie Van Houten assistiu em êxtase às notícias dos assassinatos. Mas diferente de vários outros californianos, o seu interesse pelo fato não nasceu pelo medo. “Ela não estava horrorizada ou com repulsa, mas se sentiu deixada de fora”, documentos judiciais mais tarde iriam alegar.

Antes de ela conhecer Charlie - assim era como todo mundo o chamava, apenas de Charlie - a vida de Leslie parecia quase típica. Ela ia para acampamentos da igreja todo verão e cantava no coral, segundo os documentos judiciais. Ela estava envolvida com o Camp Fire Girls. Ela era a rainha do baile. Mas mesmo assim, havia sinais de instabilidade.

Aos 14 anos, quando seus pais se divorciaram, ela começou a usar maconha, metedrina, mescalina e benzedrina. Aos 17, sua mãe a pressionou a fazer um aborto. Aos 19, segundo ela, ela já havia tomado LSD 150 vezes. Depois de viajar para cima e para baixo na Costa Oeste dos Estados Unidos com um namorado durante cinco meses naquele ano, ela acabou no rancho de um homem chamado Charles Manson. Na época, um nome comum, inócuo.

Presa durante 53 anos, Leslie agora pode estar em liberdade condicional. Na foto, os comissários do Conselho de Termos da Prisão, a ouvem depois que sua liberdade condicional foi negada em 2002.  Foto: DAMIAN DOVARGANES / POOL / AFP

Inicialmente, a vida na comunidade de Manson era feliz. Seus seguidores, em sua maioria, eram mulheres e jovens, então Leslie naturalmente se encaixou. E quando as coisas ficaram estranhas, ela já estava firmemente no mesmo patamar da visão de Manson: uma guerra racial, em uma bola de neve, iria se transformar em uma revolução e terminaria com a “Família” Manson no controle.

Enquanto a polícia vasculhava o Estado em busca dos loucos que assassinaram uma jovem atriz no que parecia ser um ritual sádico, Leslie esperou que os membros da Família voltassem ao rancho. Ela sabia que “Helter Skelter”, o nome que Manson havia dado à guerra racial, havia começado.

Nesse mesmo dia, quando Manson perguntou a Leslie “se ela fosse louca o suficiente para acreditar nele e no que ele estava fazendo”, ela respondeu “sim”, de acordo com os documentos do tribunal. O terrível crime que se seguiria a atingiu na prisão por mais de 52 anos. Agora, aos 73 anos, ela pode estar em liberdade condicional.

O governador da Califórnia, Gavin Newsom, bloqueou repetidamente os esforços para a liberdade condicional de Leslie, mas desistiu de lutar para mantê-la presa na sexta-feira, 7. Leslie Van Houten repetiu seu crime inúmeras vezes ao longo dos anos para diversos tribunais e conselhos de liberdade condicional. Segundo ela, Manson não gostou de como os assassinatos de Tate foram “bagunçados”.

No dia seguinte àqueles assassinatos, o infame líder do culto disse à Família que iria mostrar a eles como se fazia. Então, no dia 10 de agosto de 1969, Manson pediu a Leslie que mudasse de roupas e entrasse no carro. Havia seis ou sete membros da Família no veículo, ela lembra, e eles rondaram por Los Angeles, ao acaso.

Se liberdade condicional for concedida, Leslie será a primeira integrante da "Família" Manson a sair da prisão. Grupo cometeu diversos assassinatos na Califórnia nos anos 60.  Foto: Stan Lim/Los Angeles Daily News via AP, Pool, File

Depois de alguns falsos começos com potenciais vítimas - uma família com filhos, um pastor - o carro parou na casa onde morava o dono da mercearia Leno LaBianca e sua mulher, Rosemary. Manson e “Tex” Watson, outro membro da Família, entraram na casa e amarraram o casal. Então Manson saiu de casa - novamente deixando seus seguidores fazerem o trabalho sujo - e ordenou que Leslie e Patricia Krenwinkel entrassem lá e fizessem tudo que Tex dissesse.

Empunhando uma baioneta, Tex disse para Leslie e Patricia pegarem facas na cozinha. Elas levaram Rosemary para o quarto, deixando Tex com o marido. Um médico legista testemunharia posteriormente que Rosemary foi esfaqueada 41 vezes.

Dianne Lake, uma integrante da “Família Manson” que não estava presente neste assassinato, depois disse que Leslie declarou que “ela havia esfaqueado uma mulher que já estava morta, e que quando mais ela fazia isso mais divertido era”. Em um aceno aos avisos da casa de Tate na noite anterior, as palavras “Death to Pigs” e “Healter Skelter” - uma referência incorreta à música dos Beatles para a qual Manson nomeou sua guerra racial inventada - foram encontradas escritas com sangue das vítimas, nas paredes e na geladeira da casa LaBianca.

Quase dois anos depois, um júri condenou Leslie por duas acusações de assassinato em primeiro grau e uma acusação de conspiração para cometer assassinato. Ela foi inicialmente condenada à morte, mas a Califórnia aboliu a pena de morte no ano seguinte. Ela foi sentenciada para a prisão perpétua com possibilidade de liberdade condicional.

Manson foi condenado por sete acusações de assassinato em primeiro grau e uma de conspiração para cometer assassinato. Ele morreu em 2017, aos 83 anos, depois de passar décadas na prisão e ter a liberdade condicional negada 12 vezes.

Charles Manson, o líder do culto acreditava em uma guerra racial que terminaria com a “Família” Manson no controle. Ele morreu em 2017. Foto: Courtesy California Department of Corrections and Rehabilitation/Handout via REUTERS

Leslie e outros membros da “família” disseram que Manson explorou suas vulnerabilidades, convencendo-os de que ele era a segunda vinda de Jesus Cristo e deveriam segui-lo. “Acredito que as coisas que me deixaram fraca e perdida foram usadas como manipulações contra mim em minhas conversas com Manson e como ele escolheu se relacionar comigo”, disse Leslie durante uma audiência de liberdade condicional em 2020.

“Eu não sabia disso na época.” O conselho de liberdade condicional afirmou que Leslie “demonstrou esforços extraordinários de reabilitação, percepção, remorso, planos realistas de liberdade condicional, apoio de familiares e amigos” e “relatórios institucionais favoráveis”.

Uma das integrantes da seita liderada por Charles Manson saiu em liberdade condicional da prisão, nesta terça-feira (11), nos Estados Unidos, após mais de cinco décadas atrás das grades por sua participação em dois homicídios, informaram as autoridades e sua advogada.

Leslie, de 73 anos, “foi colocada em liberdade condicional esta manhã e encontra-se a salvo em um centro de transição”, disse à AFP sua advogada, Nancy Tetreault, nesta terça-feira, 11.

O Departamento de Correções e Reabilitação da Califórnia confirmou em nota que Van Houten “foi libertada sob supervisão em 11 de julho de 2023″.

“Ela ficará em liberdade condicional por um prazo máximo de três anos, e depois de um ano fará uma revisão”, acrescentou o departamento, que não forneceu mais detalhes nem as condições específicas do caso por motivos de segurança.

Leslie estava detida na prisão de mulheres de Corona, na Califórnia.

A advogada detalhou que sua cliente “passará um ano em um centro de transição desenvolvendo habilidades para enfrentar um mundo que mudou muito nas últimas cinco décadas”.

Leslie “também irá procurar emprego em áreas que tenham por base a licenciatura e o mestrado que obteve na prisão”, acrescentou a advogada, que se disse “muito satisfeita” com a celeridade do processo.

Embora o governador Newson tenha parado de lutar contra a liberdade de Leslie, ele não está satisfeito com a resolução encontrada pelo conselho.

“O governador está desapontado com a decisão do Tribunal de Apelação de liberá-la, mas não irá tomar outras ações, pois é improvável que os esforços para apelar novamente sejam bem sucedidos”, disse Erin Mellon, porta-voz do gabinete do governador, em um comunicado.

E ele não está sozinho em sua frustração. Familiares sobreviventes das vítimas, incluindo Debra, a irmã de Sharon Tate, se manifestaram contra a decisão. “Eu sabia que chegaríamos aqui um dia”, disse Debra Tate em uma entrevista em maio ao NewsNation. “Infelizmente, é terrível para mim, como sociedade, permitirmos que assassinos predatórios... até sejam considerados para liberdade condicional, mas essa é a lei tal como está.”

Debra disse que não acredita que Leslie esteja arrependida e que continuará a lutar contra a libertação da integrante da Família Manson. “O Conselho da Califórnia quer que a reabilitação funcione, é claro, todos nós queremos”, disse Debra. “Mas há um certo tipo de pessoa que é improvável que isso aconteça.”/Washington Post

Sharon Tate estava morta, e o sul da Califórnia, histérico. A polícia e a mídia invadiram a casa da atriz, onde seus assassinos pintaram a palavra “porco” na grávida de 26 anos com o sangue dela. E Sharon não foi a única vítima. Ela foi morta ao lado de outras quatro pessoas: Voitcek Frykowski, Abigail Folger, Jay Sebring e Steven Parent.

A quilômetros de distância, Leslie Van Houten assistiu em êxtase às notícias dos assassinatos. Mas diferente de vários outros californianos, o seu interesse pelo fato não nasceu pelo medo. “Ela não estava horrorizada ou com repulsa, mas se sentiu deixada de fora”, documentos judiciais mais tarde iriam alegar.

Antes de ela conhecer Charlie - assim era como todo mundo o chamava, apenas de Charlie - a vida de Leslie parecia quase típica. Ela ia para acampamentos da igreja todo verão e cantava no coral, segundo os documentos judiciais. Ela estava envolvida com o Camp Fire Girls. Ela era a rainha do baile. Mas mesmo assim, havia sinais de instabilidade.

Aos 14 anos, quando seus pais se divorciaram, ela começou a usar maconha, metedrina, mescalina e benzedrina. Aos 17, sua mãe a pressionou a fazer um aborto. Aos 19, segundo ela, ela já havia tomado LSD 150 vezes. Depois de viajar para cima e para baixo na Costa Oeste dos Estados Unidos com um namorado durante cinco meses naquele ano, ela acabou no rancho de um homem chamado Charles Manson. Na época, um nome comum, inócuo.

Presa durante 53 anos, Leslie agora pode estar em liberdade condicional. Na foto, os comissários do Conselho de Termos da Prisão, a ouvem depois que sua liberdade condicional foi negada em 2002.  Foto: DAMIAN DOVARGANES / POOL / AFP

Inicialmente, a vida na comunidade de Manson era feliz. Seus seguidores, em sua maioria, eram mulheres e jovens, então Leslie naturalmente se encaixou. E quando as coisas ficaram estranhas, ela já estava firmemente no mesmo patamar da visão de Manson: uma guerra racial, em uma bola de neve, iria se transformar em uma revolução e terminaria com a “Família” Manson no controle.

Enquanto a polícia vasculhava o Estado em busca dos loucos que assassinaram uma jovem atriz no que parecia ser um ritual sádico, Leslie esperou que os membros da Família voltassem ao rancho. Ela sabia que “Helter Skelter”, o nome que Manson havia dado à guerra racial, havia começado.

Nesse mesmo dia, quando Manson perguntou a Leslie “se ela fosse louca o suficiente para acreditar nele e no que ele estava fazendo”, ela respondeu “sim”, de acordo com os documentos do tribunal. O terrível crime que se seguiria a atingiu na prisão por mais de 52 anos. Agora, aos 73 anos, ela pode estar em liberdade condicional.

O governador da Califórnia, Gavin Newsom, bloqueou repetidamente os esforços para a liberdade condicional de Leslie, mas desistiu de lutar para mantê-la presa na sexta-feira, 7. Leslie Van Houten repetiu seu crime inúmeras vezes ao longo dos anos para diversos tribunais e conselhos de liberdade condicional. Segundo ela, Manson não gostou de como os assassinatos de Tate foram “bagunçados”.

No dia seguinte àqueles assassinatos, o infame líder do culto disse à Família que iria mostrar a eles como se fazia. Então, no dia 10 de agosto de 1969, Manson pediu a Leslie que mudasse de roupas e entrasse no carro. Havia seis ou sete membros da Família no veículo, ela lembra, e eles rondaram por Los Angeles, ao acaso.

Se liberdade condicional for concedida, Leslie será a primeira integrante da "Família" Manson a sair da prisão. Grupo cometeu diversos assassinatos na Califórnia nos anos 60.  Foto: Stan Lim/Los Angeles Daily News via AP, Pool, File

Depois de alguns falsos começos com potenciais vítimas - uma família com filhos, um pastor - o carro parou na casa onde morava o dono da mercearia Leno LaBianca e sua mulher, Rosemary. Manson e “Tex” Watson, outro membro da Família, entraram na casa e amarraram o casal. Então Manson saiu de casa - novamente deixando seus seguidores fazerem o trabalho sujo - e ordenou que Leslie e Patricia Krenwinkel entrassem lá e fizessem tudo que Tex dissesse.

Empunhando uma baioneta, Tex disse para Leslie e Patricia pegarem facas na cozinha. Elas levaram Rosemary para o quarto, deixando Tex com o marido. Um médico legista testemunharia posteriormente que Rosemary foi esfaqueada 41 vezes.

Dianne Lake, uma integrante da “Família Manson” que não estava presente neste assassinato, depois disse que Leslie declarou que “ela havia esfaqueado uma mulher que já estava morta, e que quando mais ela fazia isso mais divertido era”. Em um aceno aos avisos da casa de Tate na noite anterior, as palavras “Death to Pigs” e “Healter Skelter” - uma referência incorreta à música dos Beatles para a qual Manson nomeou sua guerra racial inventada - foram encontradas escritas com sangue das vítimas, nas paredes e na geladeira da casa LaBianca.

Quase dois anos depois, um júri condenou Leslie por duas acusações de assassinato em primeiro grau e uma acusação de conspiração para cometer assassinato. Ela foi inicialmente condenada à morte, mas a Califórnia aboliu a pena de morte no ano seguinte. Ela foi sentenciada para a prisão perpétua com possibilidade de liberdade condicional.

Manson foi condenado por sete acusações de assassinato em primeiro grau e uma de conspiração para cometer assassinato. Ele morreu em 2017, aos 83 anos, depois de passar décadas na prisão e ter a liberdade condicional negada 12 vezes.

Charles Manson, o líder do culto acreditava em uma guerra racial que terminaria com a “Família” Manson no controle. Ele morreu em 2017. Foto: Courtesy California Department of Corrections and Rehabilitation/Handout via REUTERS

Leslie e outros membros da “família” disseram que Manson explorou suas vulnerabilidades, convencendo-os de que ele era a segunda vinda de Jesus Cristo e deveriam segui-lo. “Acredito que as coisas que me deixaram fraca e perdida foram usadas como manipulações contra mim em minhas conversas com Manson e como ele escolheu se relacionar comigo”, disse Leslie durante uma audiência de liberdade condicional em 2020.

“Eu não sabia disso na época.” O conselho de liberdade condicional afirmou que Leslie “demonstrou esforços extraordinários de reabilitação, percepção, remorso, planos realistas de liberdade condicional, apoio de familiares e amigos” e “relatórios institucionais favoráveis”.

Uma das integrantes da seita liderada por Charles Manson saiu em liberdade condicional da prisão, nesta terça-feira (11), nos Estados Unidos, após mais de cinco décadas atrás das grades por sua participação em dois homicídios, informaram as autoridades e sua advogada.

Leslie, de 73 anos, “foi colocada em liberdade condicional esta manhã e encontra-se a salvo em um centro de transição”, disse à AFP sua advogada, Nancy Tetreault, nesta terça-feira, 11.

O Departamento de Correções e Reabilitação da Califórnia confirmou em nota que Van Houten “foi libertada sob supervisão em 11 de julho de 2023″.

“Ela ficará em liberdade condicional por um prazo máximo de três anos, e depois de um ano fará uma revisão”, acrescentou o departamento, que não forneceu mais detalhes nem as condições específicas do caso por motivos de segurança.

Leslie estava detida na prisão de mulheres de Corona, na Califórnia.

A advogada detalhou que sua cliente “passará um ano em um centro de transição desenvolvendo habilidades para enfrentar um mundo que mudou muito nas últimas cinco décadas”.

Leslie “também irá procurar emprego em áreas que tenham por base a licenciatura e o mestrado que obteve na prisão”, acrescentou a advogada, que se disse “muito satisfeita” com a celeridade do processo.

Embora o governador Newson tenha parado de lutar contra a liberdade de Leslie, ele não está satisfeito com a resolução encontrada pelo conselho.

“O governador está desapontado com a decisão do Tribunal de Apelação de liberá-la, mas não irá tomar outras ações, pois é improvável que os esforços para apelar novamente sejam bem sucedidos”, disse Erin Mellon, porta-voz do gabinete do governador, em um comunicado.

E ele não está sozinho em sua frustração. Familiares sobreviventes das vítimas, incluindo Debra, a irmã de Sharon Tate, se manifestaram contra a decisão. “Eu sabia que chegaríamos aqui um dia”, disse Debra Tate em uma entrevista em maio ao NewsNation. “Infelizmente, é terrível para mim, como sociedade, permitirmos que assassinos predatórios... até sejam considerados para liberdade condicional, mas essa é a lei tal como está.”

Debra disse que não acredita que Leslie esteja arrependida e que continuará a lutar contra a libertação da integrante da Família Manson. “O Conselho da Califórnia quer que a reabilitação funcione, é claro, todos nós queremos”, disse Debra. “Mas há um certo tipo de pessoa que é improvável que isso aconteça.”/Washington Post

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.