Yakov Argamani apresenta a pele pálida e a alma partida de um homem cuja filha está em perigo extremo. Ele se movimenta por sua casa imaculada ao sul de Israel, um livro dos salmos judaicos na mão direita, a porta da frente sendo aberta constantemente por visitantes, pratos repletos de comida fresca, mais do que ele poderia comer, empilhados pela mesa.
“Noa estava aqui, ali, em todo lugar”, ele disse sobre a filha, Noa, que foi sequestrada. “O perfume e a voz dela sumiram. De repente, tudo sumiu.”
“E eu estou perdido”, ele disse.
Hen Avidgori, roteirista, sente a falta da esposa e da filha. Ele espera em um apartamento próximo a Tel Aviv com o filho adolescente. Eles têm um acordo: o senhor Avigdori conta todas as informações que ele tem – que não são muitas – e o filho conta como está se sentindo.
Mas o senhor Avigdori enfrenta problemas também.
“Estou em um ciclo sem fim de esperança e desespero, esperança e desespero”, contou. “Preciso de alguma prova de vida. Preciso saber onde minha esposa e filha estão. Está me deixando louco.”
Ilan Regev Gerby, um vendedor com barba grilhasa, é assombrado pela última conversa que teve com sua filha, Maya, que gravou em seu telefone. Ela estava no festival de música em 7 de outubro em que atirados do grupo terrorista Hamas assassinaram centenas de jovens e sequestraram muitos outros. Ela ligou enquanto os homens armados os aprisionavam.
“Pai, eles me viram, pai, eles me viram, pai, eles me viraaaaaam.”
Então, a ligação caiu.
Famílias estão vivenciando a angústia insuportável de estar no meio da crise com reféns mais crítica da história moderna. Crianças, idosos e soldados israelenses feridos. Americanos, filipinos, franceses e mexicanos. Dezenas de pessoas foram raptadas do festival de música e de uma série de municípios e bairros agrícolas, fortemente invadidas por membros armados do Hamas horas antes de uma resposta das forças de segurança de Israel.
Na segunda, o número divulgado de reféns subiu para quase 200, acima dos 150 anunciados desde o início do conflito. Um porta-voz do exército de Israel disse que os militares anunciaram às famílias de 199 reféns, mas não informou o que foi discutido.
Especialistas afirmam que o Hamas provavelmente os trancafiou em tocas de túneis subterrâneos na Faixa de Gaza, uma vez que as Forças Aéreas israelenses bombardeiam o território e o exército se prepara para invadir. Não está claro para ninguém como Israel vai invadir Gaza em ampla escala sem colocar os reféns em risco.
O que desespera ainda mais as famílias dos sequestrados é que os homens que decidem se seus entes irão viver ou morrer são os mesmos que demonstram um nível de brutalidade que choque o mundo. Eles assassinaram mais do que mil civis desarmados, perseguiram crianças, executaram pessoas com machados e facas. Mas os reféns são talvez o último recurso que esses homens têm.
Hamas poderia usá-los como escudos-humanos. Ou trocá-los por prisioneiros capturados por Israel ou por ajuda humanitária ou algo a mais. A presença de um alto número de reféns complica os planos de guerra de Israel. No domingo, diplomatas sêniores disseram que um grupo de oficiais de diversos países, incluindo Egito e Catar, duas nações que poderiam possivelmente atuar como intermediários, estavam evitando reuniões sobre os reféns.
Oficiais israelenses dizem que o Hamas não declarou o que quer, como começar as negociações ou quantas pessoas mantém refém.
“Não estou sabendo de nada, e acredito que ninguém no país sabe especificamente o que eles querem além da destruição do Estado de Israel”, disse Ory Slonim, um experiente negociador de reféns que está orientando o Governo de Israel.
Hamas ameaçou começar a execução dos reféns na última semana se Israel bombardeasse casas em Gaza, mas, desde então, não voltou a fazer anúncios sobre ferir os capturados.
Para alguns prisioneiros, como Noa Argamani, não há dúvidas sobre o que aconteceu em 7 de outubro. Imagens dela sendo levada em uma motocicleta, gritando desesperadamente para o seu namorado, que foi levado embora com as mãos nas costas, viralizaram.
Mas para muitos outros, como esposa e filha do senhor Avigdori, é um mistério. Elas estavam visitando parentes em uma comunidade próxima de Gaza. Muitas pessoas foram mortas ao redor delas. Seus corpos ainda não foram encontrados. Oito outros membros da família desapareceram.
O senhor Avigdori disse que oficiais do Governo ainda estão organizando dentre as categorias mais sombrias: desaparecido, sequestrado ou morto.
“Dois militares vieram a minha casa ontem”, disse senhor Avigdori no domingo. “Nós conversamos por uma hora. Eles ofereceram ajuda com qualquer coisa que precisarmos, como compras. Ao final, um deles disse ‘Hora de nos atualizar’.”
“E sabe o que mais?”, senhor Avigdori continuou, com uma expressão incrédula em seu rosto. “O oficial pegou um caderno, virou a página e disse ‘Diga o que você sabe’. E eu pensei: não é você que deveria me dizer o que você sabe?”
Sentimentos estão à flor da pele. Em uma recente reunião com as famílias dos reféns, organizada em um estacionamento subterrâneo porque Tel Aviv continua sendo atacada, um representante do governo israelense tentou acalmar a multidão raivosa.
“Isso vai exigir tempo”, disse Gal Hirsch, um general aposentado que foi escolhido como coordenador oficial para os reféns e desaparecidos. Ele logo se retirou, dizendo para as famílias: “Vocês têm nosso telefone.”
Gritos ascenderam, como: “o governo não se importa com seus próprios cidadãos!”
As frustrações em torno dos reféns estão se somando às críticas ao primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, que já estão em alta neste ano. Todos os dias manifestantes se reúnem em volta dos quartéis-militares em Tel Aviv, balançando bandeiras e gritando mensagens, como: “Tragam eles para casa!”
Tudo que o senhor Argamani pensa é em sua filha, entrando pela porta. Seu pesadelo começou no último sábado enquanto ele esperava em uma sala de emergência em um hospital no sul de Israel, não muito distante de Gaza, enquanto uma multidão de pais entraram correndo, muitos armados, procurando desesperados pelos seus filhos.
Depois que alguém compartilhou com ele um vídeo de Noa, 26, e seu namorado sendo sequestrados, “me despedacei”, ele disse.
Desde então, tudo piorou.
Noa era o centro da família. Ela era filha única. Estava na faculdade, estudando engenharia eletrônica, mas ainda encontrava tempo para cuidar da mãe que está sofrendo de câncer e mal pode andar.
“Dia após dia, é mais difícil comer”, o pai disse. “Você abre a porta, mas não sabe por quê. Você lava o rosto, mas por qual motivo? E então? O que vem depois?”
“E ela é uma linda, jovem mulher”, contou. “Eu não quero nem pensar o que eles podem fazer com ela.”
Como muitos outros parentes de reféns – mas não todos – ele não quer que tropas israelenses invadam Gaza, e não é só porque Noa está presa lá.
“Eles vão em frente, e matam, e matam, e matam” disse Argamani. “E então? O que vem depois? Só mais sangue?”
“A casa costumava estar sempre barulhenta”. Noa era o núcleo, ela era a pessoa que sempre estava no centro das atenções, disse Ofir Tamir, um amigo.
“Ela tinha mil amigos”, ele disse. “Não”, Tamir se corrigiu, porque ninguém parece saber o tom certo para descrever um refém. “Ela tem muitos amigos.”
O esforço para livrar os reféns está se espalhando entre muitos governos, organizações privadas, escritórios e nas conversas casuais. Amigos da Noa, por exemplo, estão ligando para encontrar pessoas que possam ajudar, incluindo a diretoria do McDonald’s, onde Noa costumava trabalhar, e israelenses trabalhando na China. A mãe de Noa nasceu na China, e o país tem sido neutro, posição que pode favorecer o Hamas.
Oficiais americanos disseram que não sabem exatamente quantos americanos o Hamas está prendendo. Na sexta-feira, o presidente Biden fez uma chamada pelo Zoom com 14 famílias. “Foi muito pessoal”, disse Adi Leviathan, cuja irmã e sobrinha foram sequestradas. “Biden foi tão comovente. Pareceu que tinha alguém com quem pudéssemos falar.”
O senhor Regev Gerby busca apoio de onde possa conseguir. Sua filha, Maya, 21, desapareceu durante o festival de música, assim como o filho dele, Itay, 18. Eles foram juntos. Eram muito próximos. Em um vídeo do Hamas, Itay é visto, com mãos amarradas, na traseira de uma caminhonete, vivo.
O senhor Regev Gerby tem feito rondas pelos canais israelenses de televisão, compartilhando sua agonia. Pessoas agora se direcionam a ele nas ruas e o abraçam.
“É incrível”, ele disse. “Receber apoio de um estranho? Isso me arrepia.”
Na noite de sábado, sua vizinhança fez uma vigília por Maya, Itay e um de seus amigos que também foi sequestrado. No ar quente, cercado por prédios elegantes e belas árvores e arbustos, a multidão cantou músicas de esperança.
Um cartaz preto foi posicionado em uma rua, onde permanecerá até que o pesadelo termine.
Está escrito: “Estamos esperando por vocês em casa.”