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Opinião|A disputa por influência entre Índia e China e a crise em Bangladesh


Sheikh Hasina abandonou o cargo de primeira-ministra de Bangladesh e fugiu do país para a Índia, depois de meses de crise e protestos; país é cortejado por Pequim e Nova Délhi

Por Filipe Figueiredo

Um governo caiu essa semana e essa notícia se relaciona com duas potências nucleares vizinhas desse país. Por razões compreensíveis, especialmente no Brasil, a queda do governo de Bangladesh não atraiu muitas manchetes no noticiário internacional. Não se trata de algo próximo da realidade da imensa maioria das pessoas, mas isso não quer dizer que seja uma notícia insignificante e que não possa ter desdobramentos importantes.

No dia 5 de agosto, Sheikh Hasina abandonou o cargo de primeira-ministra de Bangladesh e fugiu do país para a Índia, depois de meses de crise e protestos. Ela é a pessoa que mais tempo ocupou o cargo, sendo premiê de Bangladesh em duas passagens, de 1996 a 2001, e de 2009 até 2024. Seu pai, Sheikh Mujibur Rahman, foi o primeiro presidente da História do país e revolucionário da libertação de Bangladesh em 1971.

Na época, Bangladesh era “Paquistão Oriental”, parte do Paquistão. O Genocídio Bengali atraiu muita atenção da imprensa e dos artistas na época, como do ex-Beatle George Harrison. Com apoio militar decisivo da Índia, Bangladesh se tornou independente. Sheikh Mujibur Rahman fundou o partido Liga Awami, na época socialista. Secular, contra a religião na política, o partido defende boas relações com a Índia.

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Ativistas entram em confronto com a polícia em Dhaka, Bangladesh  Foto: Rajib Dhar/AP

Hoje, o partido, que era o de sua filha, é mais desenvolvimentista do que socialista. A orientação secular e pró-Índia, entretanto, continua. A outra força política de Bangladesh é o Partido Nacionalista, conservador e representante do nacionalismo bengali. Em vários momentos, nacionalistas fizeram alianças com o Jamaat-e-Islami, o principal partido religioso islâmico, que foi contra a independência e chegou a ser banido algumas vezes.

O Partido Nacionalista favorece melhores relações com a China e o Paquistão. Esses dois países, inclusive, são aliados desde a década de 1960. Historicamente, Bangladesh alternou momentos de maiores proximidades com a Índia com momentos de maior proximidade com a China e Paquistão. Uma das razões do sucesso do governo Hasina foi que ela conseguiu equilibrar as relações com as duas potências, atraindo investimentos da Índia e da China.

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O crescimento econômico das últimas décadas, um dos maiores do mundo, entretanto, não foi suficiente. O importante pólo têxtil é marcado pela pobreza e pelo desemprego entre jovens. O governo Hasina tornou-se cada vez mais repressivo e autoritário, com uma eleição bastante suspeita em janeiro de 2024. O pleito não foi reconhecido por EUA e nem por Reino Unido, mas foi pela China e pela Índia.

A primeira-ministra de Bangladesh, Sheikh Hasina, cumprimenta o presidente da China, Xi Jinping, em Pequim, China  Foto: Mark Schiefelbein/AP

O ambiente de problemas econômicos, repressão e censura foi combatido por sindicatos organizados e movimentos estudantis. Um surto mortal de dengue e o possível retorno de uma possível lei de cotas de 30% no serviço público para descendentes de veteranos da Guerra de Independência de 1971 foram a gota d’água. Depois de mais de duzentos mortos nas ruas, os protestos só cresceram e Sheikh Hasina teve que fugir.

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Sua queda é um revés para a Índia, que, extraoficialmente, acusa China e Paquistão de estarem por trás dos protestos que a derrubaram. A principal plataforma que impulsionou os protestos foi o TikTok, chinês, e Bangladesh mais de uma vez baniu o app. Quem vai assumir o poder provisoriamente são os militares, com muitos deles com intensos laços com a China, maior fornecedora de equipamento bélico para Bangladesh.

A crise em Bangladesh se encaixa na disputa regional entre duas potências nucleares, Índia e China. Os choques fronteiriços entre os dois já deixaram dezenas de soldados mortos. Não há reconhecimento da fronteira e ambos buscam por aliados em seu entorno estratégico. Recentemente, Maldivas elegeu seu primeiro governo islamista, numa guinada pró-China, e tanto Nepal quanto Sri Lanka são afetados nessa disputa.

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Para balancear, causando preocupação chinesa, a Índia está aumentando suas bases navais no Índico, inclusive perto do estreito de Malaca, por onde passa a maior parte do comércio marítimo chinês. E existe um componente essencial na disputa entre Índia e China com relação-chave com Bangladesh: água. A China quer fazer uma barragem no rio Brahmaputra, um dos principais de Bangladesh.

O controle das terras altas do Himalaia, foco da disputa entre China e Índia, significa o controle das nascentes de alguns dos principais rios da Ásia. Importante lembrar que nada disso anula a agência dos atores domésticos bangladenses nem afeta a legitimidade dos protestos. Existem questões importantes e legítimas. Só que a situação é mais complexa do que muita gente pensa.

Um governo caiu essa semana e essa notícia se relaciona com duas potências nucleares vizinhas desse país. Por razões compreensíveis, especialmente no Brasil, a queda do governo de Bangladesh não atraiu muitas manchetes no noticiário internacional. Não se trata de algo próximo da realidade da imensa maioria das pessoas, mas isso não quer dizer que seja uma notícia insignificante e que não possa ter desdobramentos importantes.

No dia 5 de agosto, Sheikh Hasina abandonou o cargo de primeira-ministra de Bangladesh e fugiu do país para a Índia, depois de meses de crise e protestos. Ela é a pessoa que mais tempo ocupou o cargo, sendo premiê de Bangladesh em duas passagens, de 1996 a 2001, e de 2009 até 2024. Seu pai, Sheikh Mujibur Rahman, foi o primeiro presidente da História do país e revolucionário da libertação de Bangladesh em 1971.

Na época, Bangladesh era “Paquistão Oriental”, parte do Paquistão. O Genocídio Bengali atraiu muita atenção da imprensa e dos artistas na época, como do ex-Beatle George Harrison. Com apoio militar decisivo da Índia, Bangladesh se tornou independente. Sheikh Mujibur Rahman fundou o partido Liga Awami, na época socialista. Secular, contra a religião na política, o partido defende boas relações com a Índia.

Ativistas entram em confronto com a polícia em Dhaka, Bangladesh  Foto: Rajib Dhar/AP

Hoje, o partido, que era o de sua filha, é mais desenvolvimentista do que socialista. A orientação secular e pró-Índia, entretanto, continua. A outra força política de Bangladesh é o Partido Nacionalista, conservador e representante do nacionalismo bengali. Em vários momentos, nacionalistas fizeram alianças com o Jamaat-e-Islami, o principal partido religioso islâmico, que foi contra a independência e chegou a ser banido algumas vezes.

O Partido Nacionalista favorece melhores relações com a China e o Paquistão. Esses dois países, inclusive, são aliados desde a década de 1960. Historicamente, Bangladesh alternou momentos de maiores proximidades com a Índia com momentos de maior proximidade com a China e Paquistão. Uma das razões do sucesso do governo Hasina foi que ela conseguiu equilibrar as relações com as duas potências, atraindo investimentos da Índia e da China.

O crescimento econômico das últimas décadas, um dos maiores do mundo, entretanto, não foi suficiente. O importante pólo têxtil é marcado pela pobreza e pelo desemprego entre jovens. O governo Hasina tornou-se cada vez mais repressivo e autoritário, com uma eleição bastante suspeita em janeiro de 2024. O pleito não foi reconhecido por EUA e nem por Reino Unido, mas foi pela China e pela Índia.

A primeira-ministra de Bangladesh, Sheikh Hasina, cumprimenta o presidente da China, Xi Jinping, em Pequim, China  Foto: Mark Schiefelbein/AP

O ambiente de problemas econômicos, repressão e censura foi combatido por sindicatos organizados e movimentos estudantis. Um surto mortal de dengue e o possível retorno de uma possível lei de cotas de 30% no serviço público para descendentes de veteranos da Guerra de Independência de 1971 foram a gota d’água. Depois de mais de duzentos mortos nas ruas, os protestos só cresceram e Sheikh Hasina teve que fugir.

Sua queda é um revés para a Índia, que, extraoficialmente, acusa China e Paquistão de estarem por trás dos protestos que a derrubaram. A principal plataforma que impulsionou os protestos foi o TikTok, chinês, e Bangladesh mais de uma vez baniu o app. Quem vai assumir o poder provisoriamente são os militares, com muitos deles com intensos laços com a China, maior fornecedora de equipamento bélico para Bangladesh.

A crise em Bangladesh se encaixa na disputa regional entre duas potências nucleares, Índia e China. Os choques fronteiriços entre os dois já deixaram dezenas de soldados mortos. Não há reconhecimento da fronteira e ambos buscam por aliados em seu entorno estratégico. Recentemente, Maldivas elegeu seu primeiro governo islamista, numa guinada pró-China, e tanto Nepal quanto Sri Lanka são afetados nessa disputa.

Para balancear, causando preocupação chinesa, a Índia está aumentando suas bases navais no Índico, inclusive perto do estreito de Malaca, por onde passa a maior parte do comércio marítimo chinês. E existe um componente essencial na disputa entre Índia e China com relação-chave com Bangladesh: água. A China quer fazer uma barragem no rio Brahmaputra, um dos principais de Bangladesh.

O controle das terras altas do Himalaia, foco da disputa entre China e Índia, significa o controle das nascentes de alguns dos principais rios da Ásia. Importante lembrar que nada disso anula a agência dos atores domésticos bangladenses nem afeta a legitimidade dos protestos. Existem questões importantes e legítimas. Só que a situação é mais complexa do que muita gente pensa.

Um governo caiu essa semana e essa notícia se relaciona com duas potências nucleares vizinhas desse país. Por razões compreensíveis, especialmente no Brasil, a queda do governo de Bangladesh não atraiu muitas manchetes no noticiário internacional. Não se trata de algo próximo da realidade da imensa maioria das pessoas, mas isso não quer dizer que seja uma notícia insignificante e que não possa ter desdobramentos importantes.

No dia 5 de agosto, Sheikh Hasina abandonou o cargo de primeira-ministra de Bangladesh e fugiu do país para a Índia, depois de meses de crise e protestos. Ela é a pessoa que mais tempo ocupou o cargo, sendo premiê de Bangladesh em duas passagens, de 1996 a 2001, e de 2009 até 2024. Seu pai, Sheikh Mujibur Rahman, foi o primeiro presidente da História do país e revolucionário da libertação de Bangladesh em 1971.

Na época, Bangladesh era “Paquistão Oriental”, parte do Paquistão. O Genocídio Bengali atraiu muita atenção da imprensa e dos artistas na época, como do ex-Beatle George Harrison. Com apoio militar decisivo da Índia, Bangladesh se tornou independente. Sheikh Mujibur Rahman fundou o partido Liga Awami, na época socialista. Secular, contra a religião na política, o partido defende boas relações com a Índia.

Ativistas entram em confronto com a polícia em Dhaka, Bangladesh  Foto: Rajib Dhar/AP

Hoje, o partido, que era o de sua filha, é mais desenvolvimentista do que socialista. A orientação secular e pró-Índia, entretanto, continua. A outra força política de Bangladesh é o Partido Nacionalista, conservador e representante do nacionalismo bengali. Em vários momentos, nacionalistas fizeram alianças com o Jamaat-e-Islami, o principal partido religioso islâmico, que foi contra a independência e chegou a ser banido algumas vezes.

O Partido Nacionalista favorece melhores relações com a China e o Paquistão. Esses dois países, inclusive, são aliados desde a década de 1960. Historicamente, Bangladesh alternou momentos de maiores proximidades com a Índia com momentos de maior proximidade com a China e Paquistão. Uma das razões do sucesso do governo Hasina foi que ela conseguiu equilibrar as relações com as duas potências, atraindo investimentos da Índia e da China.

O crescimento econômico das últimas décadas, um dos maiores do mundo, entretanto, não foi suficiente. O importante pólo têxtil é marcado pela pobreza e pelo desemprego entre jovens. O governo Hasina tornou-se cada vez mais repressivo e autoritário, com uma eleição bastante suspeita em janeiro de 2024. O pleito não foi reconhecido por EUA e nem por Reino Unido, mas foi pela China e pela Índia.

A primeira-ministra de Bangladesh, Sheikh Hasina, cumprimenta o presidente da China, Xi Jinping, em Pequim, China  Foto: Mark Schiefelbein/AP

O ambiente de problemas econômicos, repressão e censura foi combatido por sindicatos organizados e movimentos estudantis. Um surto mortal de dengue e o possível retorno de uma possível lei de cotas de 30% no serviço público para descendentes de veteranos da Guerra de Independência de 1971 foram a gota d’água. Depois de mais de duzentos mortos nas ruas, os protestos só cresceram e Sheikh Hasina teve que fugir.

Sua queda é um revés para a Índia, que, extraoficialmente, acusa China e Paquistão de estarem por trás dos protestos que a derrubaram. A principal plataforma que impulsionou os protestos foi o TikTok, chinês, e Bangladesh mais de uma vez baniu o app. Quem vai assumir o poder provisoriamente são os militares, com muitos deles com intensos laços com a China, maior fornecedora de equipamento bélico para Bangladesh.

A crise em Bangladesh se encaixa na disputa regional entre duas potências nucleares, Índia e China. Os choques fronteiriços entre os dois já deixaram dezenas de soldados mortos. Não há reconhecimento da fronteira e ambos buscam por aliados em seu entorno estratégico. Recentemente, Maldivas elegeu seu primeiro governo islamista, numa guinada pró-China, e tanto Nepal quanto Sri Lanka são afetados nessa disputa.

Para balancear, causando preocupação chinesa, a Índia está aumentando suas bases navais no Índico, inclusive perto do estreito de Malaca, por onde passa a maior parte do comércio marítimo chinês. E existe um componente essencial na disputa entre Índia e China com relação-chave com Bangladesh: água. A China quer fazer uma barragem no rio Brahmaputra, um dos principais de Bangladesh.

O controle das terras altas do Himalaia, foco da disputa entre China e Índia, significa o controle das nascentes de alguns dos principais rios da Ásia. Importante lembrar que nada disso anula a agência dos atores domésticos bangladenses nem afeta a legitimidade dos protestos. Existem questões importantes e legítimas. Só que a situação é mais complexa do que muita gente pensa.

Um governo caiu essa semana e essa notícia se relaciona com duas potências nucleares vizinhas desse país. Por razões compreensíveis, especialmente no Brasil, a queda do governo de Bangladesh não atraiu muitas manchetes no noticiário internacional. Não se trata de algo próximo da realidade da imensa maioria das pessoas, mas isso não quer dizer que seja uma notícia insignificante e que não possa ter desdobramentos importantes.

No dia 5 de agosto, Sheikh Hasina abandonou o cargo de primeira-ministra de Bangladesh e fugiu do país para a Índia, depois de meses de crise e protestos. Ela é a pessoa que mais tempo ocupou o cargo, sendo premiê de Bangladesh em duas passagens, de 1996 a 2001, e de 2009 até 2024. Seu pai, Sheikh Mujibur Rahman, foi o primeiro presidente da História do país e revolucionário da libertação de Bangladesh em 1971.

Na época, Bangladesh era “Paquistão Oriental”, parte do Paquistão. O Genocídio Bengali atraiu muita atenção da imprensa e dos artistas na época, como do ex-Beatle George Harrison. Com apoio militar decisivo da Índia, Bangladesh se tornou independente. Sheikh Mujibur Rahman fundou o partido Liga Awami, na época socialista. Secular, contra a religião na política, o partido defende boas relações com a Índia.

Ativistas entram em confronto com a polícia em Dhaka, Bangladesh  Foto: Rajib Dhar/AP

Hoje, o partido, que era o de sua filha, é mais desenvolvimentista do que socialista. A orientação secular e pró-Índia, entretanto, continua. A outra força política de Bangladesh é o Partido Nacionalista, conservador e representante do nacionalismo bengali. Em vários momentos, nacionalistas fizeram alianças com o Jamaat-e-Islami, o principal partido religioso islâmico, que foi contra a independência e chegou a ser banido algumas vezes.

O Partido Nacionalista favorece melhores relações com a China e o Paquistão. Esses dois países, inclusive, são aliados desde a década de 1960. Historicamente, Bangladesh alternou momentos de maiores proximidades com a Índia com momentos de maior proximidade com a China e Paquistão. Uma das razões do sucesso do governo Hasina foi que ela conseguiu equilibrar as relações com as duas potências, atraindo investimentos da Índia e da China.

O crescimento econômico das últimas décadas, um dos maiores do mundo, entretanto, não foi suficiente. O importante pólo têxtil é marcado pela pobreza e pelo desemprego entre jovens. O governo Hasina tornou-se cada vez mais repressivo e autoritário, com uma eleição bastante suspeita em janeiro de 2024. O pleito não foi reconhecido por EUA e nem por Reino Unido, mas foi pela China e pela Índia.

A primeira-ministra de Bangladesh, Sheikh Hasina, cumprimenta o presidente da China, Xi Jinping, em Pequim, China  Foto: Mark Schiefelbein/AP

O ambiente de problemas econômicos, repressão e censura foi combatido por sindicatos organizados e movimentos estudantis. Um surto mortal de dengue e o possível retorno de uma possível lei de cotas de 30% no serviço público para descendentes de veteranos da Guerra de Independência de 1971 foram a gota d’água. Depois de mais de duzentos mortos nas ruas, os protestos só cresceram e Sheikh Hasina teve que fugir.

Sua queda é um revés para a Índia, que, extraoficialmente, acusa China e Paquistão de estarem por trás dos protestos que a derrubaram. A principal plataforma que impulsionou os protestos foi o TikTok, chinês, e Bangladesh mais de uma vez baniu o app. Quem vai assumir o poder provisoriamente são os militares, com muitos deles com intensos laços com a China, maior fornecedora de equipamento bélico para Bangladesh.

A crise em Bangladesh se encaixa na disputa regional entre duas potências nucleares, Índia e China. Os choques fronteiriços entre os dois já deixaram dezenas de soldados mortos. Não há reconhecimento da fronteira e ambos buscam por aliados em seu entorno estratégico. Recentemente, Maldivas elegeu seu primeiro governo islamista, numa guinada pró-China, e tanto Nepal quanto Sri Lanka são afetados nessa disputa.

Para balancear, causando preocupação chinesa, a Índia está aumentando suas bases navais no Índico, inclusive perto do estreito de Malaca, por onde passa a maior parte do comércio marítimo chinês. E existe um componente essencial na disputa entre Índia e China com relação-chave com Bangladesh: água. A China quer fazer uma barragem no rio Brahmaputra, um dos principais de Bangladesh.

O controle das terras altas do Himalaia, foco da disputa entre China e Índia, significa o controle das nascentes de alguns dos principais rios da Ásia. Importante lembrar que nada disso anula a agência dos atores domésticos bangladenses nem afeta a legitimidade dos protestos. Existem questões importantes e legítimas. Só que a situação é mais complexa do que muita gente pensa.

Um governo caiu essa semana e essa notícia se relaciona com duas potências nucleares vizinhas desse país. Por razões compreensíveis, especialmente no Brasil, a queda do governo de Bangladesh não atraiu muitas manchetes no noticiário internacional. Não se trata de algo próximo da realidade da imensa maioria das pessoas, mas isso não quer dizer que seja uma notícia insignificante e que não possa ter desdobramentos importantes.

No dia 5 de agosto, Sheikh Hasina abandonou o cargo de primeira-ministra de Bangladesh e fugiu do país para a Índia, depois de meses de crise e protestos. Ela é a pessoa que mais tempo ocupou o cargo, sendo premiê de Bangladesh em duas passagens, de 1996 a 2001, e de 2009 até 2024. Seu pai, Sheikh Mujibur Rahman, foi o primeiro presidente da História do país e revolucionário da libertação de Bangladesh em 1971.

Na época, Bangladesh era “Paquistão Oriental”, parte do Paquistão. O Genocídio Bengali atraiu muita atenção da imprensa e dos artistas na época, como do ex-Beatle George Harrison. Com apoio militar decisivo da Índia, Bangladesh se tornou independente. Sheikh Mujibur Rahman fundou o partido Liga Awami, na época socialista. Secular, contra a religião na política, o partido defende boas relações com a Índia.

Ativistas entram em confronto com a polícia em Dhaka, Bangladesh  Foto: Rajib Dhar/AP

Hoje, o partido, que era o de sua filha, é mais desenvolvimentista do que socialista. A orientação secular e pró-Índia, entretanto, continua. A outra força política de Bangladesh é o Partido Nacionalista, conservador e representante do nacionalismo bengali. Em vários momentos, nacionalistas fizeram alianças com o Jamaat-e-Islami, o principal partido religioso islâmico, que foi contra a independência e chegou a ser banido algumas vezes.

O Partido Nacionalista favorece melhores relações com a China e o Paquistão. Esses dois países, inclusive, são aliados desde a década de 1960. Historicamente, Bangladesh alternou momentos de maiores proximidades com a Índia com momentos de maior proximidade com a China e Paquistão. Uma das razões do sucesso do governo Hasina foi que ela conseguiu equilibrar as relações com as duas potências, atraindo investimentos da Índia e da China.

O crescimento econômico das últimas décadas, um dos maiores do mundo, entretanto, não foi suficiente. O importante pólo têxtil é marcado pela pobreza e pelo desemprego entre jovens. O governo Hasina tornou-se cada vez mais repressivo e autoritário, com uma eleição bastante suspeita em janeiro de 2024. O pleito não foi reconhecido por EUA e nem por Reino Unido, mas foi pela China e pela Índia.

A primeira-ministra de Bangladesh, Sheikh Hasina, cumprimenta o presidente da China, Xi Jinping, em Pequim, China  Foto: Mark Schiefelbein/AP

O ambiente de problemas econômicos, repressão e censura foi combatido por sindicatos organizados e movimentos estudantis. Um surto mortal de dengue e o possível retorno de uma possível lei de cotas de 30% no serviço público para descendentes de veteranos da Guerra de Independência de 1971 foram a gota d’água. Depois de mais de duzentos mortos nas ruas, os protestos só cresceram e Sheikh Hasina teve que fugir.

Sua queda é um revés para a Índia, que, extraoficialmente, acusa China e Paquistão de estarem por trás dos protestos que a derrubaram. A principal plataforma que impulsionou os protestos foi o TikTok, chinês, e Bangladesh mais de uma vez baniu o app. Quem vai assumir o poder provisoriamente são os militares, com muitos deles com intensos laços com a China, maior fornecedora de equipamento bélico para Bangladesh.

A crise em Bangladesh se encaixa na disputa regional entre duas potências nucleares, Índia e China. Os choques fronteiriços entre os dois já deixaram dezenas de soldados mortos. Não há reconhecimento da fronteira e ambos buscam por aliados em seu entorno estratégico. Recentemente, Maldivas elegeu seu primeiro governo islamista, numa guinada pró-China, e tanto Nepal quanto Sri Lanka são afetados nessa disputa.

Para balancear, causando preocupação chinesa, a Índia está aumentando suas bases navais no Índico, inclusive perto do estreito de Malaca, por onde passa a maior parte do comércio marítimo chinês. E existe um componente essencial na disputa entre Índia e China com relação-chave com Bangladesh: água. A China quer fazer uma barragem no rio Brahmaputra, um dos principais de Bangladesh.

O controle das terras altas do Himalaia, foco da disputa entre China e Índia, significa o controle das nascentes de alguns dos principais rios da Ásia. Importante lembrar que nada disso anula a agência dos atores domésticos bangladenses nem afeta a legitimidade dos protestos. Existem questões importantes e legítimas. Só que a situação é mais complexa do que muita gente pensa.

Opinião por Filipe Figueiredo

Filipe Figueiredo é graduado em história pela USP, comentarista de política internacional e criador dos podcasts Xadrez Verbal e Fronteiras Invisíveis do Futebol, sobre política internacional e história

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