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Opinião|Governo Lula abraçou o risco de mexer em vespeiro ao abandonar discurso de Netanyahu na ONU


Diversos países democráticos e que não são de maioria muçulmana boicotaram o discurso do primeiro-ministro em Nova York; foi a primeira vez que Brasil adotou o gesto

Por Filipe Figueiredo

A decisão do governo brasileiro de retirar a delegação do país do salão da Assembleia Geral da ONU, em Nova York, durante o discurso do primeiro-ministro israelense Binyamin Netanyahu, na última sexta-feira, tomou a atenção nos noticiários e eclipsou todas as outras falas encontros da semana, que costuma ser uma das mais movimentadas da diplomacia internacional. Como consequência, fortalecerá a atual interpretação partidária e eleitoral das relações entre Brasil, Israel e Palestina.

Binyamin Netanyahu discursou por mais de trinta minutos, um tempo habitual para suas falas na tribuna da ONU, mas longa para os parâmetros da Assembleia, que recomendam cerca de quinze a vinte minutos. Seus discursos sempre são em inglês e pensados especialmente para o público dos EUA, não para seu público doméstico. Inclusive, Netanyahu frequentemente usa tons e terminologias diferentes quando fala em inglês e quando fala em hebraico, diferenciando a mensagem de acordo com o receptor. Em alguns momentos, inclusive, são quase contraditórios, com as falas internas mais sinceras e com menos filtros.

Não foi exatamente o caso desse discurso, com um tom agressivo que se assemelha muito mais ao Netanyahu interno. Em poucas palavras, o discurso tem sete pontos. Buscou colocar as ações de seu governo como justificadas sob a ótica da legítima defesa e que seu governo trava uma guerra em múltiplas frentes contra o Irã. Todos os reféns sob cativeiro do Hamas devem voltar, que seu governo quer a paz e que existe um “caminho da benção”, exemplificado com a normalização entre Israel e parte dos países árabes, e um “caminho da maldição”, conduzido pelo Irã. Finalmente, que se trata de uma luta entre o bem e o mal e que o sistema ONU seria enviesado contra Israel.

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Primeiro-ministro israelense Binyamin Netanyahu durante o discurso na Assembleia-Geral da ONU, na sexta-feira, 27. Discurso foi para uma plateia esvaziada Foto: Richard Drew/AP

O discurso buscou acenar para variados públicos e países, especialmente a Arábia Saudita, o país mais citado no discurso. Também mostrou indiretamente a predileção de Netanyahu por Trump, ao citar nominalmente os Acordos de Abraão costurados no governo anterior de Washington. Netanyahu, inclusive, usou um expediente midiático que foi consagrado por Trump, que é citar pessoas que estejam no ambiente do discurso. Nesse caso, vítimas e familiares de vítimas do ataque terrorista do Hamas de outubro de 2023. Expediente que pode ser comovente para alguns e sensacionalista para outros.

Netanyahu omitiu questões importantes também. Por exemplo, ao citar o número de reféns que retornaram para casa, ele convenientemente deixou de fora que a imensa maioria deles foram via soluções negociadas, não pela ação armada. O discurso também possui contradições, especialmente na ideia de “bem contra o mal” contraposta aos interesses geoestratégicos dos corredores que ligariam a Europa e a Ásia, também citados por ele. Poderia-se comentar e esmiuçar o discurso por páginas a fio, mas ele foi deixado de lado pelo fato de que a delegação brasileira se retirou do salão com a chegada de Netanyahu.

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É impossível dizer quantas delegações boicotaram o discurso, mas foi um número expressivo, já que o salão ficou bastante esvaziado. A imagem não mente. Existem países que fazem isso todos os anos, por não reconhecerem Israel, como Iraque e a Argélia. Em 2024, entretanto, foi um movimento bem mais amplo, incluindo o boicote de todos os países integrantes da Organização para a Cooperação Islâmica, mesmo os que reconhecem Israel, como a Turquia. Mesmo a cadeira dos EUA estava vazia, no que ainda não está claro se foi um boicote, um momento específico capturado pelas câmeras ou uma ausência por alguma emergência.

Diversos países democráticos e que não são de maioria muçulmana também boicotaram o discurso, como Chile, Colômbia e Brasil. Foi a primeira vez que o Brasil adotou tal gesto. Além de um boicote mais amplo devido às ações do governo Netanyahu e ao julgamento em curso sobre o eventual crime de genocídio na Corte Internacional de Justiça, a postura brasileira também é baseada no constrangimento ao que o embaixador Frederico Meyer foi submetido no último ano e posterior declaração do presidente da República como persona non grata em Israel.

Qualquer governo que tivesse seu chefe de Estado declarado como persona non grata por outro governo tomaria medidas diplomáticas recíprocas em teor similar. Uma dessas possibilidades é justamente o boicote de um discurso, como o ocorrido. Essa justificativa, entretanto, certamente não será suficiente para parcela considerável dos cidadãos brasileiros, que enxergam nas relações com Israel um espelho de suas orientações ideológicas internas.

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Isso leva à miopias e prejuízos de julgamento, com pessoas acreditando que ser de direita significa adoração passional ao governo israelense e pessoas acreditando que ser de esquerda significa ódio irracional contra Israel. Sem um devido esclarecimento sobre os motivos da postura adotada, o governo Lula abraçou o risco de mexer em um assunto delicado.

A decisão do governo brasileiro de retirar a delegação do país do salão da Assembleia Geral da ONU, em Nova York, durante o discurso do primeiro-ministro israelense Binyamin Netanyahu, na última sexta-feira, tomou a atenção nos noticiários e eclipsou todas as outras falas encontros da semana, que costuma ser uma das mais movimentadas da diplomacia internacional. Como consequência, fortalecerá a atual interpretação partidária e eleitoral das relações entre Brasil, Israel e Palestina.

Binyamin Netanyahu discursou por mais de trinta minutos, um tempo habitual para suas falas na tribuna da ONU, mas longa para os parâmetros da Assembleia, que recomendam cerca de quinze a vinte minutos. Seus discursos sempre são em inglês e pensados especialmente para o público dos EUA, não para seu público doméstico. Inclusive, Netanyahu frequentemente usa tons e terminologias diferentes quando fala em inglês e quando fala em hebraico, diferenciando a mensagem de acordo com o receptor. Em alguns momentos, inclusive, são quase contraditórios, com as falas internas mais sinceras e com menos filtros.

Não foi exatamente o caso desse discurso, com um tom agressivo que se assemelha muito mais ao Netanyahu interno. Em poucas palavras, o discurso tem sete pontos. Buscou colocar as ações de seu governo como justificadas sob a ótica da legítima defesa e que seu governo trava uma guerra em múltiplas frentes contra o Irã. Todos os reféns sob cativeiro do Hamas devem voltar, que seu governo quer a paz e que existe um “caminho da benção”, exemplificado com a normalização entre Israel e parte dos países árabes, e um “caminho da maldição”, conduzido pelo Irã. Finalmente, que se trata de uma luta entre o bem e o mal e que o sistema ONU seria enviesado contra Israel.

Primeiro-ministro israelense Binyamin Netanyahu durante o discurso na Assembleia-Geral da ONU, na sexta-feira, 27. Discurso foi para uma plateia esvaziada Foto: Richard Drew/AP

O discurso buscou acenar para variados públicos e países, especialmente a Arábia Saudita, o país mais citado no discurso. Também mostrou indiretamente a predileção de Netanyahu por Trump, ao citar nominalmente os Acordos de Abraão costurados no governo anterior de Washington. Netanyahu, inclusive, usou um expediente midiático que foi consagrado por Trump, que é citar pessoas que estejam no ambiente do discurso. Nesse caso, vítimas e familiares de vítimas do ataque terrorista do Hamas de outubro de 2023. Expediente que pode ser comovente para alguns e sensacionalista para outros.

Netanyahu omitiu questões importantes também. Por exemplo, ao citar o número de reféns que retornaram para casa, ele convenientemente deixou de fora que a imensa maioria deles foram via soluções negociadas, não pela ação armada. O discurso também possui contradições, especialmente na ideia de “bem contra o mal” contraposta aos interesses geoestratégicos dos corredores que ligariam a Europa e a Ásia, também citados por ele. Poderia-se comentar e esmiuçar o discurso por páginas a fio, mas ele foi deixado de lado pelo fato de que a delegação brasileira se retirou do salão com a chegada de Netanyahu.

É impossível dizer quantas delegações boicotaram o discurso, mas foi um número expressivo, já que o salão ficou bastante esvaziado. A imagem não mente. Existem países que fazem isso todos os anos, por não reconhecerem Israel, como Iraque e a Argélia. Em 2024, entretanto, foi um movimento bem mais amplo, incluindo o boicote de todos os países integrantes da Organização para a Cooperação Islâmica, mesmo os que reconhecem Israel, como a Turquia. Mesmo a cadeira dos EUA estava vazia, no que ainda não está claro se foi um boicote, um momento específico capturado pelas câmeras ou uma ausência por alguma emergência.

Diversos países democráticos e que não são de maioria muçulmana também boicotaram o discurso, como Chile, Colômbia e Brasil. Foi a primeira vez que o Brasil adotou tal gesto. Além de um boicote mais amplo devido às ações do governo Netanyahu e ao julgamento em curso sobre o eventual crime de genocídio na Corte Internacional de Justiça, a postura brasileira também é baseada no constrangimento ao que o embaixador Frederico Meyer foi submetido no último ano e posterior declaração do presidente da República como persona non grata em Israel.

Qualquer governo que tivesse seu chefe de Estado declarado como persona non grata por outro governo tomaria medidas diplomáticas recíprocas em teor similar. Uma dessas possibilidades é justamente o boicote de um discurso, como o ocorrido. Essa justificativa, entretanto, certamente não será suficiente para parcela considerável dos cidadãos brasileiros, que enxergam nas relações com Israel um espelho de suas orientações ideológicas internas.

Isso leva à miopias e prejuízos de julgamento, com pessoas acreditando que ser de direita significa adoração passional ao governo israelense e pessoas acreditando que ser de esquerda significa ódio irracional contra Israel. Sem um devido esclarecimento sobre os motivos da postura adotada, o governo Lula abraçou o risco de mexer em um assunto delicado.

A decisão do governo brasileiro de retirar a delegação do país do salão da Assembleia Geral da ONU, em Nova York, durante o discurso do primeiro-ministro israelense Binyamin Netanyahu, na última sexta-feira, tomou a atenção nos noticiários e eclipsou todas as outras falas encontros da semana, que costuma ser uma das mais movimentadas da diplomacia internacional. Como consequência, fortalecerá a atual interpretação partidária e eleitoral das relações entre Brasil, Israel e Palestina.

Binyamin Netanyahu discursou por mais de trinta minutos, um tempo habitual para suas falas na tribuna da ONU, mas longa para os parâmetros da Assembleia, que recomendam cerca de quinze a vinte minutos. Seus discursos sempre são em inglês e pensados especialmente para o público dos EUA, não para seu público doméstico. Inclusive, Netanyahu frequentemente usa tons e terminologias diferentes quando fala em inglês e quando fala em hebraico, diferenciando a mensagem de acordo com o receptor. Em alguns momentos, inclusive, são quase contraditórios, com as falas internas mais sinceras e com menos filtros.

Não foi exatamente o caso desse discurso, com um tom agressivo que se assemelha muito mais ao Netanyahu interno. Em poucas palavras, o discurso tem sete pontos. Buscou colocar as ações de seu governo como justificadas sob a ótica da legítima defesa e que seu governo trava uma guerra em múltiplas frentes contra o Irã. Todos os reféns sob cativeiro do Hamas devem voltar, que seu governo quer a paz e que existe um “caminho da benção”, exemplificado com a normalização entre Israel e parte dos países árabes, e um “caminho da maldição”, conduzido pelo Irã. Finalmente, que se trata de uma luta entre o bem e o mal e que o sistema ONU seria enviesado contra Israel.

Primeiro-ministro israelense Binyamin Netanyahu durante o discurso na Assembleia-Geral da ONU, na sexta-feira, 27. Discurso foi para uma plateia esvaziada Foto: Richard Drew/AP

O discurso buscou acenar para variados públicos e países, especialmente a Arábia Saudita, o país mais citado no discurso. Também mostrou indiretamente a predileção de Netanyahu por Trump, ao citar nominalmente os Acordos de Abraão costurados no governo anterior de Washington. Netanyahu, inclusive, usou um expediente midiático que foi consagrado por Trump, que é citar pessoas que estejam no ambiente do discurso. Nesse caso, vítimas e familiares de vítimas do ataque terrorista do Hamas de outubro de 2023. Expediente que pode ser comovente para alguns e sensacionalista para outros.

Netanyahu omitiu questões importantes também. Por exemplo, ao citar o número de reféns que retornaram para casa, ele convenientemente deixou de fora que a imensa maioria deles foram via soluções negociadas, não pela ação armada. O discurso também possui contradições, especialmente na ideia de “bem contra o mal” contraposta aos interesses geoestratégicos dos corredores que ligariam a Europa e a Ásia, também citados por ele. Poderia-se comentar e esmiuçar o discurso por páginas a fio, mas ele foi deixado de lado pelo fato de que a delegação brasileira se retirou do salão com a chegada de Netanyahu.

É impossível dizer quantas delegações boicotaram o discurso, mas foi um número expressivo, já que o salão ficou bastante esvaziado. A imagem não mente. Existem países que fazem isso todos os anos, por não reconhecerem Israel, como Iraque e a Argélia. Em 2024, entretanto, foi um movimento bem mais amplo, incluindo o boicote de todos os países integrantes da Organização para a Cooperação Islâmica, mesmo os que reconhecem Israel, como a Turquia. Mesmo a cadeira dos EUA estava vazia, no que ainda não está claro se foi um boicote, um momento específico capturado pelas câmeras ou uma ausência por alguma emergência.

Diversos países democráticos e que não são de maioria muçulmana também boicotaram o discurso, como Chile, Colômbia e Brasil. Foi a primeira vez que o Brasil adotou tal gesto. Além de um boicote mais amplo devido às ações do governo Netanyahu e ao julgamento em curso sobre o eventual crime de genocídio na Corte Internacional de Justiça, a postura brasileira também é baseada no constrangimento ao que o embaixador Frederico Meyer foi submetido no último ano e posterior declaração do presidente da República como persona non grata em Israel.

Qualquer governo que tivesse seu chefe de Estado declarado como persona non grata por outro governo tomaria medidas diplomáticas recíprocas em teor similar. Uma dessas possibilidades é justamente o boicote de um discurso, como o ocorrido. Essa justificativa, entretanto, certamente não será suficiente para parcela considerável dos cidadãos brasileiros, que enxergam nas relações com Israel um espelho de suas orientações ideológicas internas.

Isso leva à miopias e prejuízos de julgamento, com pessoas acreditando que ser de direita significa adoração passional ao governo israelense e pessoas acreditando que ser de esquerda significa ódio irracional contra Israel. Sem um devido esclarecimento sobre os motivos da postura adotada, o governo Lula abraçou o risco de mexer em um assunto delicado.

Opinião por Filipe Figueiredo

Filipe Figueiredo é graduado em história pela USP, comentarista de política internacional e criador dos podcasts Xadrez Verbal e Fronteiras Invisíveis do Futebol, sobre política internacional e história

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