A desinformação e a tacanhice ideológica fazem com que muitas pessoas ainda possuam perspectivas obsoletas sobre as mudanças climáticas agravadas pela ação humana. Desde a negação pura e simples, como se não existisse uma vasta produção científica comprovando os efeitos da ação humana no clima terrestre, até a insistência em estereótipos bobos que esvaziam o problema.
Um deles é que mudanças climáticas são preocupação de “hippies”, de militantes ecológicos que “abraçam árvores”. Nada mais distante da realidade, que consiste de um debate multifacetado, que inclui o problema da segurança climática.
As mudanças climáticas são uma ameaça. Para toda a humanidade, embora de forma desigual, com regiões mais vulneráveis, seja por sua posição geográfica, seja pela pobreza e pela falta de desenvolvimento. Essa ameaça, tal como uma pandemia, não respeita nem e nem acordos internacionais.
As mudanças climáticas já causam destruição física e mortes, mas também afetam a disponibilidade de energia, a produção de alimentos, a qualidade de vida e podem gerar movimentos migratórios de larga escala que fariam crises como a causada pela guerra da Síria parecerem simples.
É importante frisar esse aspecto das mudanças climáticas não pela defesa da necessidade de uma suposta militarização, até porque a solução definitiva do problema não passa pela alçada militar. O destaque é pelo fato que mudanças climáticas não são mais apenas ameaças para gerações futuras. As mudanças climáticas são um multiplicador de ameaças atuais, ameaças tais que podem sim desencadear reações militares e até mesmo conflitos.
A relação entre mudanças climáticas e segurança fica evidenciada quando o tema é debatido em diversos fóruns dedicados à defesa e segurança, como a brasileira Conferência do Forte de Copacabana. Um exemplo de crise em que as fragilidades são amplificadas pelas mudanças climáticas é a atual crise em torno do Lago Chade. Localizado na fronteira quádrupla entre Nigéria, Níger, Chade e Camarões, o lago de água doce é essencial para a agricultura, para a pesca e para o abastecimento de água potável da população ao seu redor.
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Quando da chegada europeia na região, o lago tinha cerca de vinte e oito mil quilômetros quadrados. A ação humana, entretanto, seja pelo desvio de sua água, seja pelas mudanças climáticas, o reduziu para cerca de quatro mil quilômetros quadrados. A desertificação contribuiu para que seus arredores tenham se tornado um berço de crises, com grupos armados disputando os recursos restantes e se associando ao terrorismo extremista islâmico. Ao leste, as crises de refugiados do Sudão e do Sudão do Sul foram e são agravadas por questões ambientais. O que, claro, não exclui a ação política e militar humana.
Não é recente a hipótese de que água potável será recurso motivador de guerras. A relação da água com conflitos é tripartite. Ela pode ser causa do conflito, com uma guerra pelo controle ao acesso à água. Pode ser vítima do conflito, com o abastecimento de água interrompido ou prejudicado. E pode ser também arma de conflito, vide os poços envenenados desde a Idade Antiga. As mudanças climáticas causam e aceleram um processo que deixa cada vez mais próximo o dia em que a água será a razão de um conflito de larga escala entre Estados.
As mudanças climáticas também causarão desdobramentos na região do Ártico, com o degelo em curso aumentando as rotas comerciais pelo norte, região que é, desde a Guerra Fria, ponto focal de disputa geopolítica entre EUA, Rússia e seus respectivos aliados. Engana-se, entretanto, quem acha que esse assunto será de alçada apenas das potências ou dos países de uma determinada região. O colapso climático pode causar consequências inimagináveis e, se segurança é uma prioridade da comunidade internacional, o combate às mudanças climáticas deveria estar no topo da lista de preocupações.