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Opinião|Realização de COP-29 em ditadura que depende de gás e petróleo é golpe em credibilidade


Azerbaijão é antônimo de democracia, respeito aos Direitos Humanos e política ambiental responsável; sediar a COP no país é permitir a continuidade da política de poluição e crimes

Por Filipe Figueiredo

As mudanças climáticas causadas pela ação humana acumulada dos últimos duzentos anos são um fato científico. Outra realidade é que questões ambientais, embora essenciais para o futuro da humanidade, hoje estão desacreditadas e enfraquecidas, por uma série de razões. E nada é mais distante de recuperar a credibilidade da cooperação ambiental e climática do que realizar uma conferência sobre mudanças climáticas no Azerbaijão, um país antônimo de democracia, de respeito aos Direitos Humanos e de política ambiental responsável.

No Democracy Index, produzido pela revista britânica The Economist, o Azerbaijão está na 130ª posição de 167 países, classificado como um regime totalmente autoritário, com a nota 2,8 de dez. A Human Rights Watch produz relatórios anuais sobre a repressão e a violência de Estado no país. Para a organização Repórteres Sem Fronteira, o Azerbaijão ocupa a 164ª posição em seu ranking de liberdade de imprensa, de 180 países.

Uma aula de História sobre o Azerbaijão e sua região, embora bem-vinda, não cabe em uma coluna tão curta. Ao olharmos para o passado recente do país, entretanto, pode-se constatar muito do que foi escrito acima. O país é governado como uma ditadura hereditária pelo clã Aliyev de forma quase ininterrupta desde 1969, ainda quando era uma república soviética, primeiro com Heydar Aliyev, oficial da KGB soviética, e agora por seu filho, Ilham Aliyev. Um aparato repressivo e de inteligência mantém parte considerável da sociedade civil sob rédeas e mordaças, incluindo a prisão de jornalistas e professores como Bahruz Samadov.

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Imagem mostra o presidente do Azerbaijão, Ilham Aliyev, no discurso de abertura da COP29 em Baku, nesta quarta-feira, 13. Aliyev disse que petróleo é 'presente de Deus'  Foto: Rafiq Maqbool/AP

Outro pilar desse regime é o antiarmenismo. O Azerbaijão é um Estado extremamente recente, cuja identidade nacional é objeto de estudos e controvérsias. Em suma, trata-se de uma população etnicamente túrquica, mas culturalmente próxima do Irã, em um território que foi parte do Império Russo, que assim batizou essas terras, embora a maioria dos azerbaijanos fossem então súditos do Império Persa. Curiosamente, são os turcos os maiores negacionistas da nacionalidade azerbaijana, com o slogan “Uma Nação em Dois Estados”.

Uma das maneiras mais antigas de um Estado nacional criar uma identidade coletiva é fornecer um inimigo comum. Nesse caso, os armênios, já que estes e o grupo que se convencionou chamar de azerbaijanos habitavam terras próximas e, com a dissolução da antiga União Soviética, as duas repúblicas, armênia e azerbaijana, nasceram em guerra, uma questão herdada do fato de que as divisas administrativas soviéticas subitamente se tornaram fronteiras nacionais, sem respeitar a vontade popular dos armênios que viviam na região de Nagorno-Karabakh, expressa em referendo realizado nos estertores soviéticos, em 1988.

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O sentimento anti-armênio é tão importante para a República do Azerbaijão quanto o antissemitismo era para a Alemanha nazista ou o racismo branco era para a África do Sul do apartheid. Fornece um inimigo comum, um sentido nacional e um bode expiatório para todas as mazelas. Ademais, fornece justificativa para um Estado autoritário, personalista e armamentista, já que, supostamente, tais características são para “proteger” os azerbaijanos do inimigo exterior, do Outro. Exemplo disso é o caso de Ramil Safarov, oficial azerbaijano que assassinou um militar armênio enquanto este dormia em um exercício da Otan e foi recebido como heroi em Baku.

Nada do que foi expresso aqui se trata de “mera opinião” do colunista, podendo ser verificado em, por exemplo, documentos da Corte Internacional de Justiça, como o publicado nesse último dia 12 de novembro. A mesma CIJ que determinou que o regime Aliyev interrompesse o bloqueio ao território do antigo oblast de Nagorno-Karabakh, que durou meses e custou vidas, até culminar em uma ofensiva militar azerbaijana e a limpeza étnica, termo utilizado pelo Instituto Lemkin de Prevenção ao Genocídio, do território, com a retirada de mais de cem mil pessoas de suas terras originais, embora o ex-procurador geral do Tribunal Penal Internacional, Luis Moreno Ocampo, não tenha hesitado em chamar de genocídio

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Processo esse que Aliyev se vangloria, realizando exposições dantescas de capacetes de soldados armênios mortos e mencionando no discurso de abertura de uma conferência supostamente sobre o clima. Importante mencionar também que o governo do Azerbaijão mantém vinte e três cidadãos armênios como presos políticos, mesmo tendo acordado sobre a libertação dessas pessoas, como o filantropo Ruben Vardanyan.

Todo esse aparato de Estado e o moderno e belo centro de Baku são financiados com, pasmem, dinheiro do petróleo e do gás. A região do mar Cáspio é um dos berços históricos da exploração de petróleo, impossível de ser desvinculada do processo das mudanças climáticas. Nas exportações azerbaijanas de hidrocarbonetos recaem também suspeitas de que o país “lava” gás natural russo, permitindo que as sanções internacionais sejam contornadas.

Sediar a COP permite ao Azerbaijão manter sua política de lavar seus crimes e seu histórico de poluição, assim como faz ao sediar grandes eventos esportivos ou convidar políticos em sua “diplomacia do caviar”. É de se lamentar que pessoas esclarecidas, supostamente ambientalistas, retornarão desse país cegados por esse show de luzes – ou melhor, de fumaça – enquanto uma ditadura baseada no ódio étnico e na poluição sedia uma conferência sobre as mudanças climáticas, como uma piada de mau gosto que descredibiliza pauta central para nosso futuro coletivo.

As mudanças climáticas causadas pela ação humana acumulada dos últimos duzentos anos são um fato científico. Outra realidade é que questões ambientais, embora essenciais para o futuro da humanidade, hoje estão desacreditadas e enfraquecidas, por uma série de razões. E nada é mais distante de recuperar a credibilidade da cooperação ambiental e climática do que realizar uma conferência sobre mudanças climáticas no Azerbaijão, um país antônimo de democracia, de respeito aos Direitos Humanos e de política ambiental responsável.

No Democracy Index, produzido pela revista britânica The Economist, o Azerbaijão está na 130ª posição de 167 países, classificado como um regime totalmente autoritário, com a nota 2,8 de dez. A Human Rights Watch produz relatórios anuais sobre a repressão e a violência de Estado no país. Para a organização Repórteres Sem Fronteira, o Azerbaijão ocupa a 164ª posição em seu ranking de liberdade de imprensa, de 180 países.

Uma aula de História sobre o Azerbaijão e sua região, embora bem-vinda, não cabe em uma coluna tão curta. Ao olharmos para o passado recente do país, entretanto, pode-se constatar muito do que foi escrito acima. O país é governado como uma ditadura hereditária pelo clã Aliyev de forma quase ininterrupta desde 1969, ainda quando era uma república soviética, primeiro com Heydar Aliyev, oficial da KGB soviética, e agora por seu filho, Ilham Aliyev. Um aparato repressivo e de inteligência mantém parte considerável da sociedade civil sob rédeas e mordaças, incluindo a prisão de jornalistas e professores como Bahruz Samadov.

Imagem mostra o presidente do Azerbaijão, Ilham Aliyev, no discurso de abertura da COP29 em Baku, nesta quarta-feira, 13. Aliyev disse que petróleo é 'presente de Deus'  Foto: Rafiq Maqbool/AP

Outro pilar desse regime é o antiarmenismo. O Azerbaijão é um Estado extremamente recente, cuja identidade nacional é objeto de estudos e controvérsias. Em suma, trata-se de uma população etnicamente túrquica, mas culturalmente próxima do Irã, em um território que foi parte do Império Russo, que assim batizou essas terras, embora a maioria dos azerbaijanos fossem então súditos do Império Persa. Curiosamente, são os turcos os maiores negacionistas da nacionalidade azerbaijana, com o slogan “Uma Nação em Dois Estados”.

Uma das maneiras mais antigas de um Estado nacional criar uma identidade coletiva é fornecer um inimigo comum. Nesse caso, os armênios, já que estes e o grupo que se convencionou chamar de azerbaijanos habitavam terras próximas e, com a dissolução da antiga União Soviética, as duas repúblicas, armênia e azerbaijana, nasceram em guerra, uma questão herdada do fato de que as divisas administrativas soviéticas subitamente se tornaram fronteiras nacionais, sem respeitar a vontade popular dos armênios que viviam na região de Nagorno-Karabakh, expressa em referendo realizado nos estertores soviéticos, em 1988.

O sentimento anti-armênio é tão importante para a República do Azerbaijão quanto o antissemitismo era para a Alemanha nazista ou o racismo branco era para a África do Sul do apartheid. Fornece um inimigo comum, um sentido nacional e um bode expiatório para todas as mazelas. Ademais, fornece justificativa para um Estado autoritário, personalista e armamentista, já que, supostamente, tais características são para “proteger” os azerbaijanos do inimigo exterior, do Outro. Exemplo disso é o caso de Ramil Safarov, oficial azerbaijano que assassinou um militar armênio enquanto este dormia em um exercício da Otan e foi recebido como heroi em Baku.

Nada do que foi expresso aqui se trata de “mera opinião” do colunista, podendo ser verificado em, por exemplo, documentos da Corte Internacional de Justiça, como o publicado nesse último dia 12 de novembro. A mesma CIJ que determinou que o regime Aliyev interrompesse o bloqueio ao território do antigo oblast de Nagorno-Karabakh, que durou meses e custou vidas, até culminar em uma ofensiva militar azerbaijana e a limpeza étnica, termo utilizado pelo Instituto Lemkin de Prevenção ao Genocídio, do território, com a retirada de mais de cem mil pessoas de suas terras originais, embora o ex-procurador geral do Tribunal Penal Internacional, Luis Moreno Ocampo, não tenha hesitado em chamar de genocídio

Processo esse que Aliyev se vangloria, realizando exposições dantescas de capacetes de soldados armênios mortos e mencionando no discurso de abertura de uma conferência supostamente sobre o clima. Importante mencionar também que o governo do Azerbaijão mantém vinte e três cidadãos armênios como presos políticos, mesmo tendo acordado sobre a libertação dessas pessoas, como o filantropo Ruben Vardanyan.

Todo esse aparato de Estado e o moderno e belo centro de Baku são financiados com, pasmem, dinheiro do petróleo e do gás. A região do mar Cáspio é um dos berços históricos da exploração de petróleo, impossível de ser desvinculada do processo das mudanças climáticas. Nas exportações azerbaijanas de hidrocarbonetos recaem também suspeitas de que o país “lava” gás natural russo, permitindo que as sanções internacionais sejam contornadas.

Sediar a COP permite ao Azerbaijão manter sua política de lavar seus crimes e seu histórico de poluição, assim como faz ao sediar grandes eventos esportivos ou convidar políticos em sua “diplomacia do caviar”. É de se lamentar que pessoas esclarecidas, supostamente ambientalistas, retornarão desse país cegados por esse show de luzes – ou melhor, de fumaça – enquanto uma ditadura baseada no ódio étnico e na poluição sedia uma conferência sobre as mudanças climáticas, como uma piada de mau gosto que descredibiliza pauta central para nosso futuro coletivo.

As mudanças climáticas causadas pela ação humana acumulada dos últimos duzentos anos são um fato científico. Outra realidade é que questões ambientais, embora essenciais para o futuro da humanidade, hoje estão desacreditadas e enfraquecidas, por uma série de razões. E nada é mais distante de recuperar a credibilidade da cooperação ambiental e climática do que realizar uma conferência sobre mudanças climáticas no Azerbaijão, um país antônimo de democracia, de respeito aos Direitos Humanos e de política ambiental responsável.

No Democracy Index, produzido pela revista britânica The Economist, o Azerbaijão está na 130ª posição de 167 países, classificado como um regime totalmente autoritário, com a nota 2,8 de dez. A Human Rights Watch produz relatórios anuais sobre a repressão e a violência de Estado no país. Para a organização Repórteres Sem Fronteira, o Azerbaijão ocupa a 164ª posição em seu ranking de liberdade de imprensa, de 180 países.

Uma aula de História sobre o Azerbaijão e sua região, embora bem-vinda, não cabe em uma coluna tão curta. Ao olharmos para o passado recente do país, entretanto, pode-se constatar muito do que foi escrito acima. O país é governado como uma ditadura hereditária pelo clã Aliyev de forma quase ininterrupta desde 1969, ainda quando era uma república soviética, primeiro com Heydar Aliyev, oficial da KGB soviética, e agora por seu filho, Ilham Aliyev. Um aparato repressivo e de inteligência mantém parte considerável da sociedade civil sob rédeas e mordaças, incluindo a prisão de jornalistas e professores como Bahruz Samadov.

Imagem mostra o presidente do Azerbaijão, Ilham Aliyev, no discurso de abertura da COP29 em Baku, nesta quarta-feira, 13. Aliyev disse que petróleo é 'presente de Deus'  Foto: Rafiq Maqbool/AP

Outro pilar desse regime é o antiarmenismo. O Azerbaijão é um Estado extremamente recente, cuja identidade nacional é objeto de estudos e controvérsias. Em suma, trata-se de uma população etnicamente túrquica, mas culturalmente próxima do Irã, em um território que foi parte do Império Russo, que assim batizou essas terras, embora a maioria dos azerbaijanos fossem então súditos do Império Persa. Curiosamente, são os turcos os maiores negacionistas da nacionalidade azerbaijana, com o slogan “Uma Nação em Dois Estados”.

Uma das maneiras mais antigas de um Estado nacional criar uma identidade coletiva é fornecer um inimigo comum. Nesse caso, os armênios, já que estes e o grupo que se convencionou chamar de azerbaijanos habitavam terras próximas e, com a dissolução da antiga União Soviética, as duas repúblicas, armênia e azerbaijana, nasceram em guerra, uma questão herdada do fato de que as divisas administrativas soviéticas subitamente se tornaram fronteiras nacionais, sem respeitar a vontade popular dos armênios que viviam na região de Nagorno-Karabakh, expressa em referendo realizado nos estertores soviéticos, em 1988.

O sentimento anti-armênio é tão importante para a República do Azerbaijão quanto o antissemitismo era para a Alemanha nazista ou o racismo branco era para a África do Sul do apartheid. Fornece um inimigo comum, um sentido nacional e um bode expiatório para todas as mazelas. Ademais, fornece justificativa para um Estado autoritário, personalista e armamentista, já que, supostamente, tais características são para “proteger” os azerbaijanos do inimigo exterior, do Outro. Exemplo disso é o caso de Ramil Safarov, oficial azerbaijano que assassinou um militar armênio enquanto este dormia em um exercício da Otan e foi recebido como heroi em Baku.

Nada do que foi expresso aqui se trata de “mera opinião” do colunista, podendo ser verificado em, por exemplo, documentos da Corte Internacional de Justiça, como o publicado nesse último dia 12 de novembro. A mesma CIJ que determinou que o regime Aliyev interrompesse o bloqueio ao território do antigo oblast de Nagorno-Karabakh, que durou meses e custou vidas, até culminar em uma ofensiva militar azerbaijana e a limpeza étnica, termo utilizado pelo Instituto Lemkin de Prevenção ao Genocídio, do território, com a retirada de mais de cem mil pessoas de suas terras originais, embora o ex-procurador geral do Tribunal Penal Internacional, Luis Moreno Ocampo, não tenha hesitado em chamar de genocídio

Processo esse que Aliyev se vangloria, realizando exposições dantescas de capacetes de soldados armênios mortos e mencionando no discurso de abertura de uma conferência supostamente sobre o clima. Importante mencionar também que o governo do Azerbaijão mantém vinte e três cidadãos armênios como presos políticos, mesmo tendo acordado sobre a libertação dessas pessoas, como o filantropo Ruben Vardanyan.

Todo esse aparato de Estado e o moderno e belo centro de Baku são financiados com, pasmem, dinheiro do petróleo e do gás. A região do mar Cáspio é um dos berços históricos da exploração de petróleo, impossível de ser desvinculada do processo das mudanças climáticas. Nas exportações azerbaijanas de hidrocarbonetos recaem também suspeitas de que o país “lava” gás natural russo, permitindo que as sanções internacionais sejam contornadas.

Sediar a COP permite ao Azerbaijão manter sua política de lavar seus crimes e seu histórico de poluição, assim como faz ao sediar grandes eventos esportivos ou convidar políticos em sua “diplomacia do caviar”. É de se lamentar que pessoas esclarecidas, supostamente ambientalistas, retornarão desse país cegados por esse show de luzes – ou melhor, de fumaça – enquanto uma ditadura baseada no ódio étnico e na poluição sedia uma conferência sobre as mudanças climáticas, como uma piada de mau gosto que descredibiliza pauta central para nosso futuro coletivo.

As mudanças climáticas causadas pela ação humana acumulada dos últimos duzentos anos são um fato científico. Outra realidade é que questões ambientais, embora essenciais para o futuro da humanidade, hoje estão desacreditadas e enfraquecidas, por uma série de razões. E nada é mais distante de recuperar a credibilidade da cooperação ambiental e climática do que realizar uma conferência sobre mudanças climáticas no Azerbaijão, um país antônimo de democracia, de respeito aos Direitos Humanos e de política ambiental responsável.

No Democracy Index, produzido pela revista britânica The Economist, o Azerbaijão está na 130ª posição de 167 países, classificado como um regime totalmente autoritário, com a nota 2,8 de dez. A Human Rights Watch produz relatórios anuais sobre a repressão e a violência de Estado no país. Para a organização Repórteres Sem Fronteira, o Azerbaijão ocupa a 164ª posição em seu ranking de liberdade de imprensa, de 180 países.

Uma aula de História sobre o Azerbaijão e sua região, embora bem-vinda, não cabe em uma coluna tão curta. Ao olharmos para o passado recente do país, entretanto, pode-se constatar muito do que foi escrito acima. O país é governado como uma ditadura hereditária pelo clã Aliyev de forma quase ininterrupta desde 1969, ainda quando era uma república soviética, primeiro com Heydar Aliyev, oficial da KGB soviética, e agora por seu filho, Ilham Aliyev. Um aparato repressivo e de inteligência mantém parte considerável da sociedade civil sob rédeas e mordaças, incluindo a prisão de jornalistas e professores como Bahruz Samadov.

Imagem mostra o presidente do Azerbaijão, Ilham Aliyev, no discurso de abertura da COP29 em Baku, nesta quarta-feira, 13. Aliyev disse que petróleo é 'presente de Deus'  Foto: Rafiq Maqbool/AP

Outro pilar desse regime é o antiarmenismo. O Azerbaijão é um Estado extremamente recente, cuja identidade nacional é objeto de estudos e controvérsias. Em suma, trata-se de uma população etnicamente túrquica, mas culturalmente próxima do Irã, em um território que foi parte do Império Russo, que assim batizou essas terras, embora a maioria dos azerbaijanos fossem então súditos do Império Persa. Curiosamente, são os turcos os maiores negacionistas da nacionalidade azerbaijana, com o slogan “Uma Nação em Dois Estados”.

Uma das maneiras mais antigas de um Estado nacional criar uma identidade coletiva é fornecer um inimigo comum. Nesse caso, os armênios, já que estes e o grupo que se convencionou chamar de azerbaijanos habitavam terras próximas e, com a dissolução da antiga União Soviética, as duas repúblicas, armênia e azerbaijana, nasceram em guerra, uma questão herdada do fato de que as divisas administrativas soviéticas subitamente se tornaram fronteiras nacionais, sem respeitar a vontade popular dos armênios que viviam na região de Nagorno-Karabakh, expressa em referendo realizado nos estertores soviéticos, em 1988.

O sentimento anti-armênio é tão importante para a República do Azerbaijão quanto o antissemitismo era para a Alemanha nazista ou o racismo branco era para a África do Sul do apartheid. Fornece um inimigo comum, um sentido nacional e um bode expiatório para todas as mazelas. Ademais, fornece justificativa para um Estado autoritário, personalista e armamentista, já que, supostamente, tais características são para “proteger” os azerbaijanos do inimigo exterior, do Outro. Exemplo disso é o caso de Ramil Safarov, oficial azerbaijano que assassinou um militar armênio enquanto este dormia em um exercício da Otan e foi recebido como heroi em Baku.

Nada do que foi expresso aqui se trata de “mera opinião” do colunista, podendo ser verificado em, por exemplo, documentos da Corte Internacional de Justiça, como o publicado nesse último dia 12 de novembro. A mesma CIJ que determinou que o regime Aliyev interrompesse o bloqueio ao território do antigo oblast de Nagorno-Karabakh, que durou meses e custou vidas, até culminar em uma ofensiva militar azerbaijana e a limpeza étnica, termo utilizado pelo Instituto Lemkin de Prevenção ao Genocídio, do território, com a retirada de mais de cem mil pessoas de suas terras originais, embora o ex-procurador geral do Tribunal Penal Internacional, Luis Moreno Ocampo, não tenha hesitado em chamar de genocídio

Processo esse que Aliyev se vangloria, realizando exposições dantescas de capacetes de soldados armênios mortos e mencionando no discurso de abertura de uma conferência supostamente sobre o clima. Importante mencionar também que o governo do Azerbaijão mantém vinte e três cidadãos armênios como presos políticos, mesmo tendo acordado sobre a libertação dessas pessoas, como o filantropo Ruben Vardanyan.

Todo esse aparato de Estado e o moderno e belo centro de Baku são financiados com, pasmem, dinheiro do petróleo e do gás. A região do mar Cáspio é um dos berços históricos da exploração de petróleo, impossível de ser desvinculada do processo das mudanças climáticas. Nas exportações azerbaijanas de hidrocarbonetos recaem também suspeitas de que o país “lava” gás natural russo, permitindo que as sanções internacionais sejam contornadas.

Sediar a COP permite ao Azerbaijão manter sua política de lavar seus crimes e seu histórico de poluição, assim como faz ao sediar grandes eventos esportivos ou convidar políticos em sua “diplomacia do caviar”. É de se lamentar que pessoas esclarecidas, supostamente ambientalistas, retornarão desse país cegados por esse show de luzes – ou melhor, de fumaça – enquanto uma ditadura baseada no ódio étnico e na poluição sedia uma conferência sobre as mudanças climáticas, como uma piada de mau gosto que descredibiliza pauta central para nosso futuro coletivo.

As mudanças climáticas causadas pela ação humana acumulada dos últimos duzentos anos são um fato científico. Outra realidade é que questões ambientais, embora essenciais para o futuro da humanidade, hoje estão desacreditadas e enfraquecidas, por uma série de razões. E nada é mais distante de recuperar a credibilidade da cooperação ambiental e climática do que realizar uma conferência sobre mudanças climáticas no Azerbaijão, um país antônimo de democracia, de respeito aos Direitos Humanos e de política ambiental responsável.

No Democracy Index, produzido pela revista britânica The Economist, o Azerbaijão está na 130ª posição de 167 países, classificado como um regime totalmente autoritário, com a nota 2,8 de dez. A Human Rights Watch produz relatórios anuais sobre a repressão e a violência de Estado no país. Para a organização Repórteres Sem Fronteira, o Azerbaijão ocupa a 164ª posição em seu ranking de liberdade de imprensa, de 180 países.

Uma aula de História sobre o Azerbaijão e sua região, embora bem-vinda, não cabe em uma coluna tão curta. Ao olharmos para o passado recente do país, entretanto, pode-se constatar muito do que foi escrito acima. O país é governado como uma ditadura hereditária pelo clã Aliyev de forma quase ininterrupta desde 1969, ainda quando era uma república soviética, primeiro com Heydar Aliyev, oficial da KGB soviética, e agora por seu filho, Ilham Aliyev. Um aparato repressivo e de inteligência mantém parte considerável da sociedade civil sob rédeas e mordaças, incluindo a prisão de jornalistas e professores como Bahruz Samadov.

Imagem mostra o presidente do Azerbaijão, Ilham Aliyev, no discurso de abertura da COP29 em Baku, nesta quarta-feira, 13. Aliyev disse que petróleo é 'presente de Deus'  Foto: Rafiq Maqbool/AP

Outro pilar desse regime é o antiarmenismo. O Azerbaijão é um Estado extremamente recente, cuja identidade nacional é objeto de estudos e controvérsias. Em suma, trata-se de uma população etnicamente túrquica, mas culturalmente próxima do Irã, em um território que foi parte do Império Russo, que assim batizou essas terras, embora a maioria dos azerbaijanos fossem então súditos do Império Persa. Curiosamente, são os turcos os maiores negacionistas da nacionalidade azerbaijana, com o slogan “Uma Nação em Dois Estados”.

Uma das maneiras mais antigas de um Estado nacional criar uma identidade coletiva é fornecer um inimigo comum. Nesse caso, os armênios, já que estes e o grupo que se convencionou chamar de azerbaijanos habitavam terras próximas e, com a dissolução da antiga União Soviética, as duas repúblicas, armênia e azerbaijana, nasceram em guerra, uma questão herdada do fato de que as divisas administrativas soviéticas subitamente se tornaram fronteiras nacionais, sem respeitar a vontade popular dos armênios que viviam na região de Nagorno-Karabakh, expressa em referendo realizado nos estertores soviéticos, em 1988.

O sentimento anti-armênio é tão importante para a República do Azerbaijão quanto o antissemitismo era para a Alemanha nazista ou o racismo branco era para a África do Sul do apartheid. Fornece um inimigo comum, um sentido nacional e um bode expiatório para todas as mazelas. Ademais, fornece justificativa para um Estado autoritário, personalista e armamentista, já que, supostamente, tais características são para “proteger” os azerbaijanos do inimigo exterior, do Outro. Exemplo disso é o caso de Ramil Safarov, oficial azerbaijano que assassinou um militar armênio enquanto este dormia em um exercício da Otan e foi recebido como heroi em Baku.

Nada do que foi expresso aqui se trata de “mera opinião” do colunista, podendo ser verificado em, por exemplo, documentos da Corte Internacional de Justiça, como o publicado nesse último dia 12 de novembro. A mesma CIJ que determinou que o regime Aliyev interrompesse o bloqueio ao território do antigo oblast de Nagorno-Karabakh, que durou meses e custou vidas, até culminar em uma ofensiva militar azerbaijana e a limpeza étnica, termo utilizado pelo Instituto Lemkin de Prevenção ao Genocídio, do território, com a retirada de mais de cem mil pessoas de suas terras originais, embora o ex-procurador geral do Tribunal Penal Internacional, Luis Moreno Ocampo, não tenha hesitado em chamar de genocídio

Processo esse que Aliyev se vangloria, realizando exposições dantescas de capacetes de soldados armênios mortos e mencionando no discurso de abertura de uma conferência supostamente sobre o clima. Importante mencionar também que o governo do Azerbaijão mantém vinte e três cidadãos armênios como presos políticos, mesmo tendo acordado sobre a libertação dessas pessoas, como o filantropo Ruben Vardanyan.

Todo esse aparato de Estado e o moderno e belo centro de Baku são financiados com, pasmem, dinheiro do petróleo e do gás. A região do mar Cáspio é um dos berços históricos da exploração de petróleo, impossível de ser desvinculada do processo das mudanças climáticas. Nas exportações azerbaijanas de hidrocarbonetos recaem também suspeitas de que o país “lava” gás natural russo, permitindo que as sanções internacionais sejam contornadas.

Sediar a COP permite ao Azerbaijão manter sua política de lavar seus crimes e seu histórico de poluição, assim como faz ao sediar grandes eventos esportivos ou convidar políticos em sua “diplomacia do caviar”. É de se lamentar que pessoas esclarecidas, supostamente ambientalistas, retornarão desse país cegados por esse show de luzes – ou melhor, de fumaça – enquanto uma ditadura baseada no ódio étnico e na poluição sedia uma conferência sobre as mudanças climáticas, como uma piada de mau gosto que descredibiliza pauta central para nosso futuro coletivo.

Opinião por Filipe Figueiredo

Filipe Figueiredo é graduado em história pela USP, comentarista de política internacional e criador dos podcasts Xadrez Verbal e Fronteiras Invisíveis do Futebol, sobre política internacional e história

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