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Opinião|No atentado contra Trump, as teorias da conspiração mostram que a verdade não está lá fora


Um atentado a tiros nos EUA, um país profundamente marcado pela violência com armas de fogo, não precisa de grandes conspirações para ser explicado

Por Filipe Figueiredo
Atualização:

Teorias da conspiração são sedutoras. Se não fossem, não teriam tanta presença no debate público e na cabeça das pessoas. Também costumam ser extremamente nocivas, já que algumas pessoas, na ânsia ou no hábito de verem a suposta “verdade oculta”, simplesmente ficam descoladas da realidade concreta. A sociedade dos EUA é quase viciada em teorias da conspiração, e o recente atentado contra Donald Trump é o mais recente exemplo disso. A questão, entretanto, é: uma grande conspiração é necessária para explicar esse atentado?

Um famoso exemplo desse amor dos EUA por teorias da conspiração é o impacto cultural da série Arquivo X, célebre pela frase “a verdade está lá fora”. Teorias da conspiração possuem grande apelo emocional e seu alcance habitualmente depende da predisposição da pessoa naquele tema e da inversão do ônus científico da prova. A falta de evidências se torna uma evidência em si, já que “esconderam tudo” ou “não deixam” as pessoas saberem a verdade. Dá-lhe conspiração sobre o Onze de Setembro ou sobre os pousos do homem na Lua.

O ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump reage após ser vitima de uma tentativa de assassinato em Butler, Pensilvânia  Foto: Gene J. Puskar/AP
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A verdade, entretanto, é que um atentado a tiros nos EUA não precisa de grandes conspirações para ser explicado. Trata-se de um país profundamente marcado pela violência com armas de fogo. Entre janeiro de 2009 e maio de 2018, foram 288 episódios de uso de arma de fogo em uma escola dos EUA. Outros dezessete países somaram apenas trinta e dois episódios no período. Extrapolando as escolas, no cenário geral, apenas no ano de 2023 ocorreram 656 ataques a tiros nos EUA, país onde circulam mais armas do que pessoas.

No mesmo ano de 2023, armas de fogo foram a maior causa de morte de menores de idade nos EUA, e, em 80% dos episódios com mortes em escolas, a arma de fogo utilizada era legal. Em 95% dos episódios de tiroteios em escolas o atirador era homem e, em 80% deles, uma pessoa branca. Em ao menos metade, a pessoa tinha problemas de saúde mental e de sociabilidade, causados ou agravados por questões como bullying. Um homem branco jovem que sofreu bullying é exatamente o perfil do criminoso Thomas Matthew Crooks.

Thomas Matthew Croocs foi o responsável pelo atentado a tiros contra Donald Trump  Foto: Escola Bethel / AP
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Algumas pessoas podem ver a necessidade de uma grande conspiração também por ignorância, pensando que uma tentativa de assassinato de alguém como Trump “não acontece nos EUA”. Uma olhada para a História mostra o oposto. O provavelmente mais importante presidente do país, Abraham Lincoln, foi assassinado, assim como outros três presidentes. São dezenas de atentados ou tentativas contra presidentes, políticos e candidatos. Também não se trata de passado remoto, vide o atentado contra Steve Scalise em 2017.

Se tanto a violência política quanto a violência com armas de fogo não são raras nos EUA, por qual motivo o atentado contra Trump precisa ser uma grande conspiração? Somente são necessários alguém querendo “entrar para a História”, uma arma de fogo e uma falha de segurança. Um dia pode ser revelado que o atentado é de fato parte de uma grande conspiração, como uma bandeira falsa ou algo do tipo? Pode, claro, mas essa não é, nem de longe, a explicação mais plausível, um exercício do princípio da Navalha de Ockham.

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Sequer é possível analisar ainda o quanto o atentado pode beneficiar Trump nas eleições. A pesquisa Reuters/Ipsos mostra os candidatos virtualmente iguais à pesquisa anterior dentro da margem de erro. Trump certamente saiu maior para o seu próprio eleitorado, alguém que literalmente “derramou sangue” em campanha, o que pode ser usado na busca por mais poderes executivos em um eventual segundo governo. Eleitorado esse que já o via como uma figura messiânica, algo que pode ser tão nocivo quanto o gosto por teorias da conspiração.

Teorias da conspiração são sedutoras. Se não fossem, não teriam tanta presença no debate público e na cabeça das pessoas. Também costumam ser extremamente nocivas, já que algumas pessoas, na ânsia ou no hábito de verem a suposta “verdade oculta”, simplesmente ficam descoladas da realidade concreta. A sociedade dos EUA é quase viciada em teorias da conspiração, e o recente atentado contra Donald Trump é o mais recente exemplo disso. A questão, entretanto, é: uma grande conspiração é necessária para explicar esse atentado?

Um famoso exemplo desse amor dos EUA por teorias da conspiração é o impacto cultural da série Arquivo X, célebre pela frase “a verdade está lá fora”. Teorias da conspiração possuem grande apelo emocional e seu alcance habitualmente depende da predisposição da pessoa naquele tema e da inversão do ônus científico da prova. A falta de evidências se torna uma evidência em si, já que “esconderam tudo” ou “não deixam” as pessoas saberem a verdade. Dá-lhe conspiração sobre o Onze de Setembro ou sobre os pousos do homem na Lua.

O ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump reage após ser vitima de uma tentativa de assassinato em Butler, Pensilvânia  Foto: Gene J. Puskar/AP

A verdade, entretanto, é que um atentado a tiros nos EUA não precisa de grandes conspirações para ser explicado. Trata-se de um país profundamente marcado pela violência com armas de fogo. Entre janeiro de 2009 e maio de 2018, foram 288 episódios de uso de arma de fogo em uma escola dos EUA. Outros dezessete países somaram apenas trinta e dois episódios no período. Extrapolando as escolas, no cenário geral, apenas no ano de 2023 ocorreram 656 ataques a tiros nos EUA, país onde circulam mais armas do que pessoas.

No mesmo ano de 2023, armas de fogo foram a maior causa de morte de menores de idade nos EUA, e, em 80% dos episódios com mortes em escolas, a arma de fogo utilizada era legal. Em 95% dos episódios de tiroteios em escolas o atirador era homem e, em 80% deles, uma pessoa branca. Em ao menos metade, a pessoa tinha problemas de saúde mental e de sociabilidade, causados ou agravados por questões como bullying. Um homem branco jovem que sofreu bullying é exatamente o perfil do criminoso Thomas Matthew Crooks.

Thomas Matthew Croocs foi o responsável pelo atentado a tiros contra Donald Trump  Foto: Escola Bethel / AP

Algumas pessoas podem ver a necessidade de uma grande conspiração também por ignorância, pensando que uma tentativa de assassinato de alguém como Trump “não acontece nos EUA”. Uma olhada para a História mostra o oposto. O provavelmente mais importante presidente do país, Abraham Lincoln, foi assassinado, assim como outros três presidentes. São dezenas de atentados ou tentativas contra presidentes, políticos e candidatos. Também não se trata de passado remoto, vide o atentado contra Steve Scalise em 2017.

Se tanto a violência política quanto a violência com armas de fogo não são raras nos EUA, por qual motivo o atentado contra Trump precisa ser uma grande conspiração? Somente são necessários alguém querendo “entrar para a História”, uma arma de fogo e uma falha de segurança. Um dia pode ser revelado que o atentado é de fato parte de uma grande conspiração, como uma bandeira falsa ou algo do tipo? Pode, claro, mas essa não é, nem de longe, a explicação mais plausível, um exercício do princípio da Navalha de Ockham.

Sequer é possível analisar ainda o quanto o atentado pode beneficiar Trump nas eleições. A pesquisa Reuters/Ipsos mostra os candidatos virtualmente iguais à pesquisa anterior dentro da margem de erro. Trump certamente saiu maior para o seu próprio eleitorado, alguém que literalmente “derramou sangue” em campanha, o que pode ser usado na busca por mais poderes executivos em um eventual segundo governo. Eleitorado esse que já o via como uma figura messiânica, algo que pode ser tão nocivo quanto o gosto por teorias da conspiração.

Teorias da conspiração são sedutoras. Se não fossem, não teriam tanta presença no debate público e na cabeça das pessoas. Também costumam ser extremamente nocivas, já que algumas pessoas, na ânsia ou no hábito de verem a suposta “verdade oculta”, simplesmente ficam descoladas da realidade concreta. A sociedade dos EUA é quase viciada em teorias da conspiração, e o recente atentado contra Donald Trump é o mais recente exemplo disso. A questão, entretanto, é: uma grande conspiração é necessária para explicar esse atentado?

Um famoso exemplo desse amor dos EUA por teorias da conspiração é o impacto cultural da série Arquivo X, célebre pela frase “a verdade está lá fora”. Teorias da conspiração possuem grande apelo emocional e seu alcance habitualmente depende da predisposição da pessoa naquele tema e da inversão do ônus científico da prova. A falta de evidências se torna uma evidência em si, já que “esconderam tudo” ou “não deixam” as pessoas saberem a verdade. Dá-lhe conspiração sobre o Onze de Setembro ou sobre os pousos do homem na Lua.

O ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump reage após ser vitima de uma tentativa de assassinato em Butler, Pensilvânia  Foto: Gene J. Puskar/AP

A verdade, entretanto, é que um atentado a tiros nos EUA não precisa de grandes conspirações para ser explicado. Trata-se de um país profundamente marcado pela violência com armas de fogo. Entre janeiro de 2009 e maio de 2018, foram 288 episódios de uso de arma de fogo em uma escola dos EUA. Outros dezessete países somaram apenas trinta e dois episódios no período. Extrapolando as escolas, no cenário geral, apenas no ano de 2023 ocorreram 656 ataques a tiros nos EUA, país onde circulam mais armas do que pessoas.

No mesmo ano de 2023, armas de fogo foram a maior causa de morte de menores de idade nos EUA, e, em 80% dos episódios com mortes em escolas, a arma de fogo utilizada era legal. Em 95% dos episódios de tiroteios em escolas o atirador era homem e, em 80% deles, uma pessoa branca. Em ao menos metade, a pessoa tinha problemas de saúde mental e de sociabilidade, causados ou agravados por questões como bullying. Um homem branco jovem que sofreu bullying é exatamente o perfil do criminoso Thomas Matthew Crooks.

Thomas Matthew Croocs foi o responsável pelo atentado a tiros contra Donald Trump  Foto: Escola Bethel / AP

Algumas pessoas podem ver a necessidade de uma grande conspiração também por ignorância, pensando que uma tentativa de assassinato de alguém como Trump “não acontece nos EUA”. Uma olhada para a História mostra o oposto. O provavelmente mais importante presidente do país, Abraham Lincoln, foi assassinado, assim como outros três presidentes. São dezenas de atentados ou tentativas contra presidentes, políticos e candidatos. Também não se trata de passado remoto, vide o atentado contra Steve Scalise em 2017.

Se tanto a violência política quanto a violência com armas de fogo não são raras nos EUA, por qual motivo o atentado contra Trump precisa ser uma grande conspiração? Somente são necessários alguém querendo “entrar para a História”, uma arma de fogo e uma falha de segurança. Um dia pode ser revelado que o atentado é de fato parte de uma grande conspiração, como uma bandeira falsa ou algo do tipo? Pode, claro, mas essa não é, nem de longe, a explicação mais plausível, um exercício do princípio da Navalha de Ockham.

Sequer é possível analisar ainda o quanto o atentado pode beneficiar Trump nas eleições. A pesquisa Reuters/Ipsos mostra os candidatos virtualmente iguais à pesquisa anterior dentro da margem de erro. Trump certamente saiu maior para o seu próprio eleitorado, alguém que literalmente “derramou sangue” em campanha, o que pode ser usado na busca por mais poderes executivos em um eventual segundo governo. Eleitorado esse que já o via como uma figura messiânica, algo que pode ser tão nocivo quanto o gosto por teorias da conspiração.

Opinião por Filipe Figueiredo

Filipe Figueiredo é graduado em história pela USP, comentarista de política internacional e criador dos podcasts Xadrez Verbal e Fronteiras Invisíveis do Futebol, sobre política internacional e história

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