Vladimir Putin, chegou à Mongólia nessa segunda-feira, para uma visita de dois dias. As relações entre Rússia e Mongólia são históricas, com a independência do atual Estado mongol garantida pela Rússia contra a China no início do século XX.
A atual visita do mandatário russo é para negociar uma nova linha de gasoduto, que vai conectar diretamente a Sibéria russa ao mercado chinês. A visita também explicita para o mundo inteiro a fraqueza do sistema legal internacional e as contradições do Tribunal Penal Internacional (TPI).
Por mais importantes que as relações russo-mongóis sejam ou por mais necessário que seja discutir o papel da economia chinesa para a sancionada Rússia pós-invasão da Ucrânia, o aspecto da visita mais comentado na imprensa internacional é o fato de Putin não ter sido preso. Afinal, ele tem contra si um mandado de prisão pelo TPI, e a Mongólia é um Estado-parte do tribunal sediado em Haia. A república asiática é um Estado-parte desde o primeiro dia da entrada em vigor do tribunal.
Sendo assim, a Mongólia possui a obrigação legal de prender qualquer pessoa com um mandado de prisão pendente. E o que se viu foi Putin receber uma recepção com tapete vermelho, guarda de honra em uniformes históricos e uma rosa entregue por uma menina.
Convenhamos, se alguém esperava sinceramente que Putin seria preso pelas autoridades mongóis, essa pessoa precisa perder a ingenuidade. A falta de uma prisão também não é consequência apenas de um “ato de rebeldia” de um país.
O TPI foi proposto ao final dos anos 1990, em um contexto pós-Guerra Fria e em um mundo ainda horrorizado pelos brutais genocídios vistos na ex-Iugoslávia e em Ruanda anos antes. Foram formados dois tribunais penais para julgar indivíduos por seus crimes nesses dois países, como genocídio e crimes de guerra. Porque não, então, criar um tribunal penal permanente, para colaborar inclusive na prevenção e na dissuasão desses crimes? É nesse mundo que nasceu o TPI.
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Esse mundo, entretanto, foi efêmero. Os anos 1990 foram um período de otimismo nas relações internacionais, em que o medo de uma Terceira Guerra Mundial seria substituído por uma ordem internacional construtiva, focada no meio ambiente e nos Direitos Humanos. Logo veio a Guerra ao Terror, o retorno da competição sistêmica entre potências, a ilegal invasão do Iraque, dentre outros. O otimismo estava morto, assim como a proposta de um tribunal penal universal.
Hoje são 124 Estados-parte do TPI. Um número considerável, sem dúvida, mas longe de ser universal. Principalmente, estão ausentes uma série de potências, muitas delas desde o início, como China e Rússia. É também caso da maior potência militar do planeta, já que os EUA assinaram o Estatuto de Roma no ano 2000, mas, em 2002, abandonaram qualquer pretensão de ratificá-lo. Uma mistura do isolacionismo histórico do país com a euforia da Guerra ao Terror, que motivou a lei popularmente chamada de “Invasão de Haia”.
Assinada em agosto de 2002, essa lei autoriza o uso de “todos os meios necessários” para impedir que um cidadão dos EUA seja julgado em Haia. O TPI, desde sua fundação, basicamente julgou pessoas africanas, o que também gera críticas ao tribunal.
A triste realidade é que não existe um tribunal que julgue indivíduos e que tenha total representatividade e legitimidade internacional. O TPI é inconsistente, não tem poder de dissuasão e é refém da boa-vontade dos Estados e dos interesses desses Estados.
E simplesmente não é do interesse da Mongólia prender Vladimir Putin, assim como não seria do interesse da maioria dos outros países. A Mongólia tem profundas parcerias com a Rússia, é um país bem menor e possui uma fração do poder russo.
Dizer que a Mongólia deveria “fazer a coisa certa” e prender Putin por ser parte do TPI é, novamente, ingenuidade. Em um mundo em que quase metade dos países, incluindo algumas das maiores potências, sequer assumiram esse mesmo compromisso com o tribunal.
Nada disso significa dizer que Vladimir Putin não possui responsabilidade por uma guerra de agressão contra a Ucrânia. A situação reflete problema mais amplo do direito internacional, que é a frequente falta de critérios e de consequências diretas aos países.
Desafiar os interesses dos EUA traz mais prejuízo do que desafiar o TPI ou a Corte Internacional de Justiça. No fim, o TPI depende de uma vaga noção de autoridade moral em um mundo guiado pelo interesse em sua forma mais crua. A visita de Putin à Mongólia é só mais um exemplo.