A Finlândia anunciou nesta quinta-feira, 12, que vai aderir à Otan o mais rápido possível, após o presidente e a primeira-ministra do país declararem apoio à candidatura finlandesa ao bloco -- o que provocou uma reação áspera de Moscou.
“A Finlândia deve solicitar a adesão à Otan sem demora”, afirmaram o presidente Sauli Niinisto e a premiê Sanna Marin, em uma declaração conjunta. “Esperamos que as medidas nacionais ainda necessárias para tomar essa decisão sejam tomadas rapidamente nos próximos dias”, acrescentaram.
O movimento que potencialmente redesenha o mapa de segurança e defesa da Europa é a mais profunda transformação decorrente da invasão da Ucrânia pela Rússia até o momento -- a Suécia também discute o ingresso no bloco, o que pode significar uma mudança ainda mais profunda. Caso o ingresso no bloco se confirme, a fronteira compartilhada entre Otan e Rússia aumentaria em cerca de 1.300 km.
Historicamente, a Finlândia é um país não alinhado militarmente, que durante os anos de disputa entre Otan e União Soviética se manteve neutro para evitar qualquer ameaça à sua soberania. Mas desde que o presidente russo, Vladimir Putin, autorizou suas tropas a partirem em direção a Kiev, autoridades do país nórdico colocaram em xeque o posicionamento de décadas -- e deixaram claro que a decisão tem como motivação o avanço russo.
“A guerra iniciada pela Rússia põe em risco a segurança e a estabilidade de toda a Europa. (...) A invasão da Ucrânia pela Rússia alterou o ambiente de segurança europeu e finlandês”, disse o ministro das Relações Exteriores da Finlândia, Pekka Haavisto, a parlamentares europeus nesta quinta.
De acordo com o analista político Oliver Stuenkel, coordenador do programa de pós-graduação em Relações Internacionais da FGV-SP, a contribuição militar e geopolítica dos países nórdicos, bem como o fato de serem democracias estáveis, deve facilitar o ingresso no Tratado do Atlântico Norte.
“O cálculo que o bloco militar faz é mensurável à contribuição que o novo membro traz, mas também avalia o possível risco trazido por essa adesão. A cada novo país, o bloco precisa estender sua garantia de segurança a um território adicional, e isso produz uma série de responsabilidades e obrigações. Os novos países também ganham responsabilidades, porque precisam atender às garantias de segurança coletiva, caso um aliado seja atacado”, explicou o professor, que vê a iminente adesão dos países como um fracasso diplomático de Moscou.
“A Rússia fez uma grande aposta ao invadir a Ucrânia com a justificativa de buscar conter a expansão da influência da Otan. Agora, mesmo se conseguir evitar o ingresso ucraniano (que, diga-se de passagem, não era iminente), a adesão da Suécia e da Finlândia é um fortalecimento do bloco militar”.
Moscou denuncia ‘séria ameaça’ à segurança
O Kremlin reagiu imediatamente às declarações das lideranças finlandesas, afirmando que a adesão à Otan “definitivamente” representava uma séria ameaça à Rússia e que tomaria “as medidas necessárias” para garantir a segurança. Moscou não detalhou quais seriam essas medidas.
“A expansão da Otan não torna nosso continente mais estável e seguro”, disse o porta-voz do governo russo, Dmitri Peskov, segundo registro da agência de notícias Interfax. Peskov ainda acrescentou que a Rússia pode tomar novas medidas para “equilibrar a situação” caso a adesão à aliança se confirme.
Um dos aliados mais próximos de Putin, o ex-presidente e atual vice-presidente do conselho de segurança da Rússia, Dmitri Medvedev, também subiu o tom e disse que um conflito com a Otan sempre traz o risco de se transformar em uma guerra nuclear completa.
“Os países da Otan injetando armas na Ucrânia, treinando tropas para usar equipamentos ocidentais, enviando mercenários e os exercícios dos países da Aliança perto de nossas fronteiras aumentam a probabilidade de um conflito direto e aberto entre a Otan e a Rússia”, disse Medvedev em um post no Telegram.
“Tal conflito sempre corre o risco de se transformar em uma guerra nuclear completa”, completou Medvedev. “Este será um cenário desastroso para todos.”
Putin cita de forma recorrente o expansionismo da Otan para justificar o que chama de “operação militar especial” na Ucrânia. No entanto, analistas contestam que a aliança militar estivesse em processo de expansão antes da invasão da Ucrânia, e apontam a guerra de Putin como fator decisivo para a união entre os países-membros do bloco e pelo aumento da procura de países não alinhados, que passaram a temer um avanço russo.
“Com os líderes da Finlândia declarando seu apoio à adesão à Otan, e os da Suécia esperando fazer o mesmo dentro de dias, a perspectiva de dois países nórdicos militarmente não alinhados entrarem na aliança é outro sinal de como as ameaças e agressões russas aumentaram as preocupações de segurança na Europa e forçaram as nações a escolher lados. Seria também outro exemplo dos resultados contraproducentes da guerra do presidente Vladimir Putin. Em vez de dividir a Otan e bloquear seu crescimento, o líder russo uniu uma aliança que ele descreveu como uma ameaça à sua nação”, escreveu o vencedor do Pulitzer e principal correspondente do The New York Times na Europa, Steven Erlanger.
Autoridades finlandesas também apontam o expansionismo de Putin como motivo de suas preocupações em relação a segurança. Durante a conferência que firmou um acordo militar entre Reino Unido e Finlândia na quarta-feira, 11, o presidente Sauli Niinisto -- principal responsável pela política externa da Finlândia e uma das cabeças que ajudou a orquestrar o afastamento do país da política de não alinhamento -- dirigiu-se a declarações prévias de Vladimir Putin, que já vinha fazendo ameaças veladas para dissuadir a aproximação da Finlândia com a Otan. “Minha resposta seria que você (Putin) causou isso -- olhe no espelho”, disse.
A opinião pública no país também mudou expressivamente a favor da adesão à Otan após a invasão na Ucrânia. O porcentual da população favorável ao ingresso na aliança militar saltou de cerca de 20% há seis meses para quase 80%, especialmente se a Suécia, parceiro estratégico e também não alinhado, também resolver aderir.
A demanda popular pelo ingresso na Otan é o principal fator a contradizer a versão oficial do Kremlin sobre o conflito, segundo Stuenkel.
“A maioria das populações sueca e finlandesa quer aderir à Otan para se sentir mais segura, mas isso parte de uma postura preventiva, defensiva. Tanto agora quanto no período após o fim da URSS, os pedidos de adesão à aliança não partiram de uma campanha de pressão de Washington: foram processos orgânicos no leste da Europa que fizeram com que países procurassem se afastar da zona de influência de Moscou”, explicou o professor.
Para a Finlândia confirmar oficialmente o pedido de ingresso na Otan, alguns processos internos ainda precisam ser concluídos. A questão deve ser discutida no Parlamento na próxima segunda-feira, quando uma importante votação deve ser realizada. Na Suécia, o debate ainda está menos avançado, mas o país também se movendo para ingressar no bloco./ Com NYT, WPOST e REUTERS