ENVIADO ESPECIAL AO RIO - Em meio aos entraves para encontrar um consenso na declaração final da Cúpula do G-20, o primeiro-ministro da Noruega, Jonas Gahr Støre, disse que a Declaração de Líderes a ser publicada no Rio vai passar longe de resolver os problemas do mundo. Ele afirmou ainda que o comunicado final não menciona especificamente guerras em curso, nem busca apontar soluções, mas que seria ótimo se algum progresso fosse alcançado no Rio em prol da Ucrânia. A Noruega faz sua estreia no G-20, convidada pelo Brasil para participar da cúpula.
“A declaração que adotaremos aqui no Rio não resolve todos os problemas, longe disso. Não é a resposta final para questões climáticas, que agora estão sendo discutidas em Baku, e que também serão decididas aqui no próximo ano, quando o Brasil assumir a próxima COP. Não estamos fazendo o suficiente para reduzir as disparidades entre as pessoas e entre as nações. E certamente estamos atrasados em várias áreas”, disse o premiê norueguês. “Mas eu gostaria de sublinhar que, no mundo polarizado de hoje, ainda estamos nos reunindo. Podemos escolher ser otimista ou pessimista, mas nunca devemos desistir de ter esperança.”
Jonas Støre relatou que teve acesso prévio ao documento, ainda objeto de uma negociação complexa liderada pela diplomacia brasileira, com entraves relacionados aos capítulos de clima, comércio e geopolítica. Para alcançar consenso dos países, o documento vem sendo desidratado em diversas frentes, relatam diplomatas do Brasil e de outros países.
Uma negociação complexa
“Todos nós desejamos ver um fim para a guerra e uma solução diplomática. Isso não pode acontecer sem a Ucrânia. Tem que acontecer com a Ucrânia na posição de liderança. E quanto antes isso puder acontecer, melhor. E se algum movimento puder ser feito aqui no Rio, está ótimo. Eu converso muito ativamente com meus colegas brasileiros sobre como podemos contribuir juntos. Mas lembre-se, o ponto básico aqui é que a Rússia decidiu invadir militarmente outro país na Europa, o que é algo muito dramático para o continente em que vivo.”
O premiê afirmou que o G-20 deve ser “realista”, durante um encontro com jornalistas na residência oficial do Consulado na Noruega no Rio, na noite deste domingo, dia 16. Ele lembrou também que os entraves aos acordos sobre combate à mudança climática em Baku, na COP-29 do Azerbaijão, influenciaram e se reproduzem no debate das 20 maiores economias do mundo, no Rio.
Os rascunhos não mencionam, propositadamente, Israel e Rússia, tampouco chamam as guerras de guerra. O termo no documento é “conflito”. Apesar disso, houve nos últimos dias tentativas dos países europeus de pressionar por termos mais duros contra a Rússia e, de países árabes, contra Israel. Africanos também buscaram inserir referências a Líbano, Sudão do Sul e outros.
“Eu vi os rascunhos das declarações e não está abordando conflitos individuais em termos de encontrar soluções. Se você vai encontrar consenso na declaração entre esses 20 países, você tem que ser realista sobre isso. Mas obviamente Oriente Médio, Gaza, Líbano, Ucrânia, Sudão, Mianmar e muitos outros serão discutidos nas margens aqui no Rio. E eu acho que isso é parte do que essas reuniões podem ser úteis que podemos ter discussões informais. O G-20 representa 80% da economia mundial, 80% das emissões de CO2, mas não é um fórum de tomada de decisão. É um fórum de modelagem de decisão. Então, essa declaração e essas discussões apontarão direções. Mas obviamente a Ucrânia será discutida. Eu sou vizinho da Rússia, a Noruega. Venho da Europa, agora um continente com uma guerra muito brutal. Então, obviamente discutiremos essa questão.”
Guerra na Ucrânia
O premiê foi indagado pelo Estadão sobre como as negociações do G-20 seriam impactadas pelo aval dos Estados Unidos para que a Ucrânia passe a usar equipamentos ocidentais de longo alcance, que permitiriam atingir com mísseis alvos distantes dentro do território russo. A decisão do presidente Joe Biden ocorreu após uma ataque aéreo massivo da Rússia contra a infraestrutura de energia na Ucrânia, que também mobilizou as discussões em curso no Rio.
“Essa guerra tem que acabar. A Rússia invadiu um Estado soberano democrático e essa invasão tem que parar. E hoje a Ucrânia é atingida todos os dias e todas as noites por mísseis e drones e artilharia de longo alcance destruindo eletricidade, infraestrutura civil, além dos terríveis combates acontecendo ao longo da linha de frente. E a Ucrânia tem o direito de se defender contra essa agressão. E eu entendo que a Ucrânia respeitará as regras fundamentais do direito internacional, que é que você tem o direito de se defender contra a agressão e deve distinguir entre civis e militares”, disse Støre.
O norueguês também manifestou apoio à proposta brasileira de taxação de grandes fortunas, uma forma de buscar controlar evasão de capitais para paraísos fiscais, acordada em julho, mas que agora foi alvo de resistência da Argentina. Ele disse que as discussões são “frutíferas”, mas que esse projeto tem horizonte de longo prazo.
“Vemos empresas globais movendo suas atividades para onde os impostos são mais baixos e, com isso, evitando pagar impostos nos países em que operam. Só podemos lidar com isso por meio da cooperação internacional. E depois cada país tem que encontrar dentro de seu próprio sistema como eles fazem o sistema distributivo. Mas eu acho que a iniciativa brasileira de colocar isso na agenda é uma coisa boa. Acho que há um longo caminho a percorrer para ter um imposto global que será para todos. Mas está evidenciando o fato de que o sistema tributário deve ser equitativo e justo”, disse Støre.
O premiê também respondeu sobre o futuro do G-20, diante da eleição do ex-presidente Donald Trump e seu iminente retorno ao poder nos Estados Unidos. Apoiado em Trump, o presidente ultraliberal Javier Milei, da Argentina, abriu cinco frentes de embate no grupo dos 20 e virou um problema diplomático no Rio.
Støre afirmou que espera respeito, dos governos de direita ou de esquerda, a regras democráticas fundamentais, a tratados e obrigações internacionais. Ele pregou o alinhamento entre democracias nos fóruns multilaterais como forma de resistência. “Dentro do G-20, e na comunidade global, dentro das Nações Unidas, as democracias têm que ficar juntas. As democracias têm que cooperar e estar próximas. Muitos países estão agora indo em uma direção autoritária. Mas não devemos temer as eleições. E ainda estou confiante de que o povo dos Estados Unidos está profundamente conectado à sua democracia, às suas instituições democráticas. E eles vão cuidar dela.”