Gangues do Haiti usam redes sociais para recrutar e aterrorizar população


Líderes expressam ideias e compartilham imagens de violência em plataformas de redes sociais

Por Amanda Coleta
Atualização:

PORTO PRÍNCIPE - O homem usa uma balaclava e mostra um sorriso largo, cheio de dentes à mostra -- um forte contraste com o discurso raivoso e ameaçador que ele faz. Ele avisa: se alguém morrer no território controlado pela sua gangue, a 5 Segonn, ele matará 30 pessoas em vingança. A mensagem é repetida para os “soldados”.

O autor da mensagem é Izo, um rapper amador. “Você não precisa esperar pelos meus pedidos”, diz em um vídeo postado esse mês para dezenas de milhares de seguidores no TikTok e no Instagram. Ele não mostrará a arma na câmera ou o vídeo pode ser denunciado às plataformas, mas o aviso é dado.

As violentas gangues armadas que controlam grande parte do Haiti passaram a usar as mídias sociais para expandir o alcance e aumentar o controle sobre a nação caribenha. Postagens são destinadas a engajar recrutas, intimidar rivais e aterrorizar a população e desafiam a capacidade das plataformas de policiar o conteúdo problemático.

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Cidadão caminha próximo a veículos abandonados e queimados em Porto Príncipe, no Haiti, em imagem do dia 6 de maio deste ano. Conflitos entre gangues aumenta violência no país Foto: Odelyn Joseph / AP

Alguns pedem controles mais rígidos. “Os bandidos nunca teriam se tornado tão poderosos quanto são no Haiti sem a mídia social”, disse Yvens Rumbold, do Policité, um instituto de análise política. “Sempre tivemos bandidos no Haiti, mas sem essas plataformas eles não seriam tão famosos”.

Jimmy Cherizier é um ex-policial a quem os Estados Unidos impuseram sanções por supostamente liderar grupos armados em “ataques coordenados e brutais nos bairros de Porto Príncipe”, disse o Tesouro dos EUA em um comunicado. Um desses ataques aconteceu durante cinco dias em maio de 2020, com civis mortos e casas queimadas.

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Quando Cherizier uniu as gangues Família G9 e Aliados, que estavam em guerra até então, a aliança foi anunciada no YouTube. Em um post do Twitter, uma conta que supostamente pertence a ele pediu aos apoiadores que “saqueassem tudo”.

Grupos de direitos humanos afirmam que fotos de cadáveres se espalharam no WhatsApp pelos membros de gangues nos últimos meses à medida que a violência entre elas aumentou em Porto Príncipe, a capital do Haiti. Izo, líder de uma delas, usa várias plataformas para ameaçar e zombar de rivais, policiais e jornalistas.

As gangues usam as mídias sociais para se promover, impulsionar narrativas, mostrar sua força, deslegitimar instituições estatais e recrutar membros. Em alguns posts, líderes exibem dinheiro, correntes de ouro e relógios enfeitados, símbolos de um estilo de vida que está longe do alcance da grande maioria do país.

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“A mídia social é responsável por muito do clima de insegurança que temos aqui”, disse James Boyard, cientista político da Universidade Estadual do Haiti. “As redes sociais têm uma responsabilidade enorme (…) de vetar seus usuários, analisar as imagens nas contas e censurá-los em alguns casos. Eles precisam fazer mais, francamente.”

O gangsta Cherizier, em entrevista a um simpatizante no YouTube, falou sobre a utilidade das redes sociais ao ser questionado especificamente sobre o assunto. “Estou agradecendo àqueles que criam essas tecnologias”, diz ele.

“A tecnologia hoje nos dá a oportunidade de nos vendermos ao público. Não estou vendendo mentiras. Eu sou quem eu digo que sou. Eu não faço 99% do que eles disseram que eu fiz. (…) As tecnologias me deram a oportunidade de me defender”, acrescentou.

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Haitianos catam partes de veículo queimado durante conflito entre gangues armadas no país. Grupos criminosos crescem à medida que país enfrenta crises sociais Foto: Odelyn Joseph / AP

O desenvolvimento incomoda setores do Haiti. Em outubro do ano passado, Frantz Louis Juste, então procurador-chefe de Porto Príncipe, pediu através de uma carta enviada a várias plataformas que “bloqueassem ou excluam” as contas de indivíduos que ele associou a grupos criminosos, incluindo Cherizier.

“Essas gangues instituem um reinado de terror na sociedade”, disse Juste ao Washington Post. “Eles precisam de publicidade menos generalizada”. A carta foi tornada pública, mas não foi enviada às empresas citadas nela.

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As regras do TikTok proíbem organizações terroristas e criminosas de usar o aplicativo. A empresa removeu a conta de Izo depois de questionada pelo Post e disse que analisa a exclusão de outros usuários. “Não há lugar para extremismo violento ou promoção de violência no TikTok”, afirma a empresa.

“Removeremos conteúdo e baniremos contas que violam nossas políticas, enquanto trabalhamos para promover um ambiente seguro e acolhedor”, acrescentou.

O Twitter afirmou que revista as contas e tweets “de acordo com nossas regras”. A empresa informou ter recebido uma solicitação legal do Haiti para remover conteúdos, mas em 2016.

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Após ser questionada pelo Post, a Meta, empresa-dona do Facebook, do Instagram e do WhatsApp, removeu o vídeo de Izo postado nestas redes, em que ele ameaça matar 30 pessoas. Entretanto, o perfil dele permanece ativo e o mesmo vídeo apareceu em outra conta do rapper no Instagram.

A empresa afirmou que revisa regularmente as organizações para determinar se elas violam as políticas de Indivíduos e Organizações Perigosas. “As banimos de nossas plataformas nestes casos. Usamos a tecnologia para detectar violações e implantar equipes globais, que incluem falantes nativos de crioulo, para revisar o conteúdo”, declarou. O YouTube não respondeu ao Washington Post.

Gangues estão prestes a se tornar “proto-estado”

As gangues estão presentes há muito tempo no Haiti, mas o poder delas cresceu nos últimos anos em meio a uma deterioração das instituições democráticas e das condições de segurança. Analistas estimam que os grupos criminosos controlam 60% do país e estão prestes a se tornar, coletivamente, um “proto-estado”.

Nos últimos anos, os sequestros promovidos por estas gangues dispararam. Ninguém ficou imune. Entre as vítimas, estão missionários americanos, clérigos franceses e haitianos de todas as idades e origens. Somente no primeiro trimestre de 2022, o Centro de Análise e Pesquisa em Direitos Humanos do Haiti contou 225 sequestros – quase 60% a mais que no mesmo período do ano passado.

O nível de violência em Porto Príncipe aumentou ainda mais a partir de abril, quando a gangue 400 Mawozo – envolvida em um sequestro de 17 missionários americanos e canadenses no ano passado – entrou em guerra com um grupo rival. A Organização das Nações Unidas (ONU) considerou a violência “inimaginável e intolerável”.

Desde abril, a violência armada na capital entre 400 Mawozo, a gangue envolvida no sequestro no ano passado de 17 missionários americanos e canadenses com uma instituição de caridade com sede em Ohio, e Chen Mechan, uma gangue rival, aumentou. O alto comissário da ONU para os direitos humanos chamou o nível de violência de “inimaginável e intolerável”.

Cidadãos haitianos em protesto por paz e segurança, no dia 6 de maio, em Porto Príncipe. Escalada da violência entre gangues preocupa organizaçoes nacionais e internacionais Foto: Odelyn Joseph/AP

Segundo a ONU, quase 17 mil haitianos foram deslocados pelos confrontos e pelo menos 200 pessoas morreram – praticamente metade deles civis. O aprofundamento da insegurança é um fator que alimenta um êxodo de haitianos em barcos precários com destino aos Estados Unidos e outros lugares. Essas viagens às vezes são mortais.

A Rede Nacional de Defesa dos Direitos Humanos do Haiti informou no mês passado que as recentes batalhas entre as gangues resultam em estupro de mulheres e meninas e corpos mutilados, como crimes cometidos pelos membros. As cenas muitas vezes são fotografadas para serem divulgadas nas redes sociais e “manter o terror entre a população”.

A Rede, um grupo não governamental do Haiti, mostrou fotos ao Washington Post. Os registros mostram que as imagens de partes do corpo humano espalhadas, cabeças decapitadas e cadáveres mutilados foram encaminhadas muitas vezes no WhatsApp.

Analistas disseram que as mensagens geralmente aparecem primeiro no WhatsApp e depois são espalhadas em outras plataformas ou pela mídia tradicional. Os bate-papos criptografados do WhatsApp embaralham as mensagens para que apenas o remetente e o destinatário possam lê-las, dificultando a detecção de conteúdo prejudicial, a menos que um usuário o denuncie.

Twitter e TikTok disseram que seus moderadores de conteúdo humano e outras ferramentas que detectam conteúdo nocivo cobrem vários idiomas, mas não disseram se o crioulo haitiano estava entre eles. “Essas [empresas] de mídia social precisam de recursos afiliados a regiões e países específicos”, disse Rumbold.

Depois que o TikTok removeu a conta de Izo recentemente, ele postou vários stories no Instagram para compartilhar a notícia e expressar seu descontentamento. Um dos stories mostra a página do TikTok – com vários vídeos do excluído. “Deus me livre de ter outra conta”, dizia o texto.

PORTO PRÍNCIPE - O homem usa uma balaclava e mostra um sorriso largo, cheio de dentes à mostra -- um forte contraste com o discurso raivoso e ameaçador que ele faz. Ele avisa: se alguém morrer no território controlado pela sua gangue, a 5 Segonn, ele matará 30 pessoas em vingança. A mensagem é repetida para os “soldados”.

O autor da mensagem é Izo, um rapper amador. “Você não precisa esperar pelos meus pedidos”, diz em um vídeo postado esse mês para dezenas de milhares de seguidores no TikTok e no Instagram. Ele não mostrará a arma na câmera ou o vídeo pode ser denunciado às plataformas, mas o aviso é dado.

As violentas gangues armadas que controlam grande parte do Haiti passaram a usar as mídias sociais para expandir o alcance e aumentar o controle sobre a nação caribenha. Postagens são destinadas a engajar recrutas, intimidar rivais e aterrorizar a população e desafiam a capacidade das plataformas de policiar o conteúdo problemático.

Cidadão caminha próximo a veículos abandonados e queimados em Porto Príncipe, no Haiti, em imagem do dia 6 de maio deste ano. Conflitos entre gangues aumenta violência no país Foto: Odelyn Joseph / AP

Alguns pedem controles mais rígidos. “Os bandidos nunca teriam se tornado tão poderosos quanto são no Haiti sem a mídia social”, disse Yvens Rumbold, do Policité, um instituto de análise política. “Sempre tivemos bandidos no Haiti, mas sem essas plataformas eles não seriam tão famosos”.

Jimmy Cherizier é um ex-policial a quem os Estados Unidos impuseram sanções por supostamente liderar grupos armados em “ataques coordenados e brutais nos bairros de Porto Príncipe”, disse o Tesouro dos EUA em um comunicado. Um desses ataques aconteceu durante cinco dias em maio de 2020, com civis mortos e casas queimadas.

Quando Cherizier uniu as gangues Família G9 e Aliados, que estavam em guerra até então, a aliança foi anunciada no YouTube. Em um post do Twitter, uma conta que supostamente pertence a ele pediu aos apoiadores que “saqueassem tudo”.

Grupos de direitos humanos afirmam que fotos de cadáveres se espalharam no WhatsApp pelos membros de gangues nos últimos meses à medida que a violência entre elas aumentou em Porto Príncipe, a capital do Haiti. Izo, líder de uma delas, usa várias plataformas para ameaçar e zombar de rivais, policiais e jornalistas.

As gangues usam as mídias sociais para se promover, impulsionar narrativas, mostrar sua força, deslegitimar instituições estatais e recrutar membros. Em alguns posts, líderes exibem dinheiro, correntes de ouro e relógios enfeitados, símbolos de um estilo de vida que está longe do alcance da grande maioria do país.

“A mídia social é responsável por muito do clima de insegurança que temos aqui”, disse James Boyard, cientista político da Universidade Estadual do Haiti. “As redes sociais têm uma responsabilidade enorme (…) de vetar seus usuários, analisar as imagens nas contas e censurá-los em alguns casos. Eles precisam fazer mais, francamente.”

O gangsta Cherizier, em entrevista a um simpatizante no YouTube, falou sobre a utilidade das redes sociais ao ser questionado especificamente sobre o assunto. “Estou agradecendo àqueles que criam essas tecnologias”, diz ele.

“A tecnologia hoje nos dá a oportunidade de nos vendermos ao público. Não estou vendendo mentiras. Eu sou quem eu digo que sou. Eu não faço 99% do que eles disseram que eu fiz. (…) As tecnologias me deram a oportunidade de me defender”, acrescentou.

Haitianos catam partes de veículo queimado durante conflito entre gangues armadas no país. Grupos criminosos crescem à medida que país enfrenta crises sociais Foto: Odelyn Joseph / AP

O desenvolvimento incomoda setores do Haiti. Em outubro do ano passado, Frantz Louis Juste, então procurador-chefe de Porto Príncipe, pediu através de uma carta enviada a várias plataformas que “bloqueassem ou excluam” as contas de indivíduos que ele associou a grupos criminosos, incluindo Cherizier.

“Essas gangues instituem um reinado de terror na sociedade”, disse Juste ao Washington Post. “Eles precisam de publicidade menos generalizada”. A carta foi tornada pública, mas não foi enviada às empresas citadas nela.

As regras do TikTok proíbem organizações terroristas e criminosas de usar o aplicativo. A empresa removeu a conta de Izo depois de questionada pelo Post e disse que analisa a exclusão de outros usuários. “Não há lugar para extremismo violento ou promoção de violência no TikTok”, afirma a empresa.

“Removeremos conteúdo e baniremos contas que violam nossas políticas, enquanto trabalhamos para promover um ambiente seguro e acolhedor”, acrescentou.

O Twitter afirmou que revista as contas e tweets “de acordo com nossas regras”. A empresa informou ter recebido uma solicitação legal do Haiti para remover conteúdos, mas em 2016.

Após ser questionada pelo Post, a Meta, empresa-dona do Facebook, do Instagram e do WhatsApp, removeu o vídeo de Izo postado nestas redes, em que ele ameaça matar 30 pessoas. Entretanto, o perfil dele permanece ativo e o mesmo vídeo apareceu em outra conta do rapper no Instagram.

A empresa afirmou que revisa regularmente as organizações para determinar se elas violam as políticas de Indivíduos e Organizações Perigosas. “As banimos de nossas plataformas nestes casos. Usamos a tecnologia para detectar violações e implantar equipes globais, que incluem falantes nativos de crioulo, para revisar o conteúdo”, declarou. O YouTube não respondeu ao Washington Post.

Gangues estão prestes a se tornar “proto-estado”

As gangues estão presentes há muito tempo no Haiti, mas o poder delas cresceu nos últimos anos em meio a uma deterioração das instituições democráticas e das condições de segurança. Analistas estimam que os grupos criminosos controlam 60% do país e estão prestes a se tornar, coletivamente, um “proto-estado”.

Nos últimos anos, os sequestros promovidos por estas gangues dispararam. Ninguém ficou imune. Entre as vítimas, estão missionários americanos, clérigos franceses e haitianos de todas as idades e origens. Somente no primeiro trimestre de 2022, o Centro de Análise e Pesquisa em Direitos Humanos do Haiti contou 225 sequestros – quase 60% a mais que no mesmo período do ano passado.

O nível de violência em Porto Príncipe aumentou ainda mais a partir de abril, quando a gangue 400 Mawozo – envolvida em um sequestro de 17 missionários americanos e canadenses no ano passado – entrou em guerra com um grupo rival. A Organização das Nações Unidas (ONU) considerou a violência “inimaginável e intolerável”.

Desde abril, a violência armada na capital entre 400 Mawozo, a gangue envolvida no sequestro no ano passado de 17 missionários americanos e canadenses com uma instituição de caridade com sede em Ohio, e Chen Mechan, uma gangue rival, aumentou. O alto comissário da ONU para os direitos humanos chamou o nível de violência de “inimaginável e intolerável”.

Cidadãos haitianos em protesto por paz e segurança, no dia 6 de maio, em Porto Príncipe. Escalada da violência entre gangues preocupa organizaçoes nacionais e internacionais Foto: Odelyn Joseph/AP

Segundo a ONU, quase 17 mil haitianos foram deslocados pelos confrontos e pelo menos 200 pessoas morreram – praticamente metade deles civis. O aprofundamento da insegurança é um fator que alimenta um êxodo de haitianos em barcos precários com destino aos Estados Unidos e outros lugares. Essas viagens às vezes são mortais.

A Rede Nacional de Defesa dos Direitos Humanos do Haiti informou no mês passado que as recentes batalhas entre as gangues resultam em estupro de mulheres e meninas e corpos mutilados, como crimes cometidos pelos membros. As cenas muitas vezes são fotografadas para serem divulgadas nas redes sociais e “manter o terror entre a população”.

A Rede, um grupo não governamental do Haiti, mostrou fotos ao Washington Post. Os registros mostram que as imagens de partes do corpo humano espalhadas, cabeças decapitadas e cadáveres mutilados foram encaminhadas muitas vezes no WhatsApp.

Analistas disseram que as mensagens geralmente aparecem primeiro no WhatsApp e depois são espalhadas em outras plataformas ou pela mídia tradicional. Os bate-papos criptografados do WhatsApp embaralham as mensagens para que apenas o remetente e o destinatário possam lê-las, dificultando a detecção de conteúdo prejudicial, a menos que um usuário o denuncie.

Twitter e TikTok disseram que seus moderadores de conteúdo humano e outras ferramentas que detectam conteúdo nocivo cobrem vários idiomas, mas não disseram se o crioulo haitiano estava entre eles. “Essas [empresas] de mídia social precisam de recursos afiliados a regiões e países específicos”, disse Rumbold.

Depois que o TikTok removeu a conta de Izo recentemente, ele postou vários stories no Instagram para compartilhar a notícia e expressar seu descontentamento. Um dos stories mostra a página do TikTok – com vários vídeos do excluído. “Deus me livre de ter outra conta”, dizia o texto.

PORTO PRÍNCIPE - O homem usa uma balaclava e mostra um sorriso largo, cheio de dentes à mostra -- um forte contraste com o discurso raivoso e ameaçador que ele faz. Ele avisa: se alguém morrer no território controlado pela sua gangue, a 5 Segonn, ele matará 30 pessoas em vingança. A mensagem é repetida para os “soldados”.

O autor da mensagem é Izo, um rapper amador. “Você não precisa esperar pelos meus pedidos”, diz em um vídeo postado esse mês para dezenas de milhares de seguidores no TikTok e no Instagram. Ele não mostrará a arma na câmera ou o vídeo pode ser denunciado às plataformas, mas o aviso é dado.

As violentas gangues armadas que controlam grande parte do Haiti passaram a usar as mídias sociais para expandir o alcance e aumentar o controle sobre a nação caribenha. Postagens são destinadas a engajar recrutas, intimidar rivais e aterrorizar a população e desafiam a capacidade das plataformas de policiar o conteúdo problemático.

Cidadão caminha próximo a veículos abandonados e queimados em Porto Príncipe, no Haiti, em imagem do dia 6 de maio deste ano. Conflitos entre gangues aumenta violência no país Foto: Odelyn Joseph / AP

Alguns pedem controles mais rígidos. “Os bandidos nunca teriam se tornado tão poderosos quanto são no Haiti sem a mídia social”, disse Yvens Rumbold, do Policité, um instituto de análise política. “Sempre tivemos bandidos no Haiti, mas sem essas plataformas eles não seriam tão famosos”.

Jimmy Cherizier é um ex-policial a quem os Estados Unidos impuseram sanções por supostamente liderar grupos armados em “ataques coordenados e brutais nos bairros de Porto Príncipe”, disse o Tesouro dos EUA em um comunicado. Um desses ataques aconteceu durante cinco dias em maio de 2020, com civis mortos e casas queimadas.

Quando Cherizier uniu as gangues Família G9 e Aliados, que estavam em guerra até então, a aliança foi anunciada no YouTube. Em um post do Twitter, uma conta que supostamente pertence a ele pediu aos apoiadores que “saqueassem tudo”.

Grupos de direitos humanos afirmam que fotos de cadáveres se espalharam no WhatsApp pelos membros de gangues nos últimos meses à medida que a violência entre elas aumentou em Porto Príncipe, a capital do Haiti. Izo, líder de uma delas, usa várias plataformas para ameaçar e zombar de rivais, policiais e jornalistas.

As gangues usam as mídias sociais para se promover, impulsionar narrativas, mostrar sua força, deslegitimar instituições estatais e recrutar membros. Em alguns posts, líderes exibem dinheiro, correntes de ouro e relógios enfeitados, símbolos de um estilo de vida que está longe do alcance da grande maioria do país.

“A mídia social é responsável por muito do clima de insegurança que temos aqui”, disse James Boyard, cientista político da Universidade Estadual do Haiti. “As redes sociais têm uma responsabilidade enorme (…) de vetar seus usuários, analisar as imagens nas contas e censurá-los em alguns casos. Eles precisam fazer mais, francamente.”

O gangsta Cherizier, em entrevista a um simpatizante no YouTube, falou sobre a utilidade das redes sociais ao ser questionado especificamente sobre o assunto. “Estou agradecendo àqueles que criam essas tecnologias”, diz ele.

“A tecnologia hoje nos dá a oportunidade de nos vendermos ao público. Não estou vendendo mentiras. Eu sou quem eu digo que sou. Eu não faço 99% do que eles disseram que eu fiz. (…) As tecnologias me deram a oportunidade de me defender”, acrescentou.

Haitianos catam partes de veículo queimado durante conflito entre gangues armadas no país. Grupos criminosos crescem à medida que país enfrenta crises sociais Foto: Odelyn Joseph / AP

O desenvolvimento incomoda setores do Haiti. Em outubro do ano passado, Frantz Louis Juste, então procurador-chefe de Porto Príncipe, pediu através de uma carta enviada a várias plataformas que “bloqueassem ou excluam” as contas de indivíduos que ele associou a grupos criminosos, incluindo Cherizier.

“Essas gangues instituem um reinado de terror na sociedade”, disse Juste ao Washington Post. “Eles precisam de publicidade menos generalizada”. A carta foi tornada pública, mas não foi enviada às empresas citadas nela.

As regras do TikTok proíbem organizações terroristas e criminosas de usar o aplicativo. A empresa removeu a conta de Izo depois de questionada pelo Post e disse que analisa a exclusão de outros usuários. “Não há lugar para extremismo violento ou promoção de violência no TikTok”, afirma a empresa.

“Removeremos conteúdo e baniremos contas que violam nossas políticas, enquanto trabalhamos para promover um ambiente seguro e acolhedor”, acrescentou.

O Twitter afirmou que revista as contas e tweets “de acordo com nossas regras”. A empresa informou ter recebido uma solicitação legal do Haiti para remover conteúdos, mas em 2016.

Após ser questionada pelo Post, a Meta, empresa-dona do Facebook, do Instagram e do WhatsApp, removeu o vídeo de Izo postado nestas redes, em que ele ameaça matar 30 pessoas. Entretanto, o perfil dele permanece ativo e o mesmo vídeo apareceu em outra conta do rapper no Instagram.

A empresa afirmou que revisa regularmente as organizações para determinar se elas violam as políticas de Indivíduos e Organizações Perigosas. “As banimos de nossas plataformas nestes casos. Usamos a tecnologia para detectar violações e implantar equipes globais, que incluem falantes nativos de crioulo, para revisar o conteúdo”, declarou. O YouTube não respondeu ao Washington Post.

Gangues estão prestes a se tornar “proto-estado”

As gangues estão presentes há muito tempo no Haiti, mas o poder delas cresceu nos últimos anos em meio a uma deterioração das instituições democráticas e das condições de segurança. Analistas estimam que os grupos criminosos controlam 60% do país e estão prestes a se tornar, coletivamente, um “proto-estado”.

Nos últimos anos, os sequestros promovidos por estas gangues dispararam. Ninguém ficou imune. Entre as vítimas, estão missionários americanos, clérigos franceses e haitianos de todas as idades e origens. Somente no primeiro trimestre de 2022, o Centro de Análise e Pesquisa em Direitos Humanos do Haiti contou 225 sequestros – quase 60% a mais que no mesmo período do ano passado.

O nível de violência em Porto Príncipe aumentou ainda mais a partir de abril, quando a gangue 400 Mawozo – envolvida em um sequestro de 17 missionários americanos e canadenses no ano passado – entrou em guerra com um grupo rival. A Organização das Nações Unidas (ONU) considerou a violência “inimaginável e intolerável”.

Desde abril, a violência armada na capital entre 400 Mawozo, a gangue envolvida no sequestro no ano passado de 17 missionários americanos e canadenses com uma instituição de caridade com sede em Ohio, e Chen Mechan, uma gangue rival, aumentou. O alto comissário da ONU para os direitos humanos chamou o nível de violência de “inimaginável e intolerável”.

Cidadãos haitianos em protesto por paz e segurança, no dia 6 de maio, em Porto Príncipe. Escalada da violência entre gangues preocupa organizaçoes nacionais e internacionais Foto: Odelyn Joseph/AP

Segundo a ONU, quase 17 mil haitianos foram deslocados pelos confrontos e pelo menos 200 pessoas morreram – praticamente metade deles civis. O aprofundamento da insegurança é um fator que alimenta um êxodo de haitianos em barcos precários com destino aos Estados Unidos e outros lugares. Essas viagens às vezes são mortais.

A Rede Nacional de Defesa dos Direitos Humanos do Haiti informou no mês passado que as recentes batalhas entre as gangues resultam em estupro de mulheres e meninas e corpos mutilados, como crimes cometidos pelos membros. As cenas muitas vezes são fotografadas para serem divulgadas nas redes sociais e “manter o terror entre a população”.

A Rede, um grupo não governamental do Haiti, mostrou fotos ao Washington Post. Os registros mostram que as imagens de partes do corpo humano espalhadas, cabeças decapitadas e cadáveres mutilados foram encaminhadas muitas vezes no WhatsApp.

Analistas disseram que as mensagens geralmente aparecem primeiro no WhatsApp e depois são espalhadas em outras plataformas ou pela mídia tradicional. Os bate-papos criptografados do WhatsApp embaralham as mensagens para que apenas o remetente e o destinatário possam lê-las, dificultando a detecção de conteúdo prejudicial, a menos que um usuário o denuncie.

Twitter e TikTok disseram que seus moderadores de conteúdo humano e outras ferramentas que detectam conteúdo nocivo cobrem vários idiomas, mas não disseram se o crioulo haitiano estava entre eles. “Essas [empresas] de mídia social precisam de recursos afiliados a regiões e países específicos”, disse Rumbold.

Depois que o TikTok removeu a conta de Izo recentemente, ele postou vários stories no Instagram para compartilhar a notícia e expressar seu descontentamento. Um dos stories mostra a página do TikTok – com vários vídeos do excluído. “Deus me livre de ter outra conta”, dizia o texto.

PORTO PRÍNCIPE - O homem usa uma balaclava e mostra um sorriso largo, cheio de dentes à mostra -- um forte contraste com o discurso raivoso e ameaçador que ele faz. Ele avisa: se alguém morrer no território controlado pela sua gangue, a 5 Segonn, ele matará 30 pessoas em vingança. A mensagem é repetida para os “soldados”.

O autor da mensagem é Izo, um rapper amador. “Você não precisa esperar pelos meus pedidos”, diz em um vídeo postado esse mês para dezenas de milhares de seguidores no TikTok e no Instagram. Ele não mostrará a arma na câmera ou o vídeo pode ser denunciado às plataformas, mas o aviso é dado.

As violentas gangues armadas que controlam grande parte do Haiti passaram a usar as mídias sociais para expandir o alcance e aumentar o controle sobre a nação caribenha. Postagens são destinadas a engajar recrutas, intimidar rivais e aterrorizar a população e desafiam a capacidade das plataformas de policiar o conteúdo problemático.

Cidadão caminha próximo a veículos abandonados e queimados em Porto Príncipe, no Haiti, em imagem do dia 6 de maio deste ano. Conflitos entre gangues aumenta violência no país Foto: Odelyn Joseph / AP

Alguns pedem controles mais rígidos. “Os bandidos nunca teriam se tornado tão poderosos quanto são no Haiti sem a mídia social”, disse Yvens Rumbold, do Policité, um instituto de análise política. “Sempre tivemos bandidos no Haiti, mas sem essas plataformas eles não seriam tão famosos”.

Jimmy Cherizier é um ex-policial a quem os Estados Unidos impuseram sanções por supostamente liderar grupos armados em “ataques coordenados e brutais nos bairros de Porto Príncipe”, disse o Tesouro dos EUA em um comunicado. Um desses ataques aconteceu durante cinco dias em maio de 2020, com civis mortos e casas queimadas.

Quando Cherizier uniu as gangues Família G9 e Aliados, que estavam em guerra até então, a aliança foi anunciada no YouTube. Em um post do Twitter, uma conta que supostamente pertence a ele pediu aos apoiadores que “saqueassem tudo”.

Grupos de direitos humanos afirmam que fotos de cadáveres se espalharam no WhatsApp pelos membros de gangues nos últimos meses à medida que a violência entre elas aumentou em Porto Príncipe, a capital do Haiti. Izo, líder de uma delas, usa várias plataformas para ameaçar e zombar de rivais, policiais e jornalistas.

As gangues usam as mídias sociais para se promover, impulsionar narrativas, mostrar sua força, deslegitimar instituições estatais e recrutar membros. Em alguns posts, líderes exibem dinheiro, correntes de ouro e relógios enfeitados, símbolos de um estilo de vida que está longe do alcance da grande maioria do país.

“A mídia social é responsável por muito do clima de insegurança que temos aqui”, disse James Boyard, cientista político da Universidade Estadual do Haiti. “As redes sociais têm uma responsabilidade enorme (…) de vetar seus usuários, analisar as imagens nas contas e censurá-los em alguns casos. Eles precisam fazer mais, francamente.”

O gangsta Cherizier, em entrevista a um simpatizante no YouTube, falou sobre a utilidade das redes sociais ao ser questionado especificamente sobre o assunto. “Estou agradecendo àqueles que criam essas tecnologias”, diz ele.

“A tecnologia hoje nos dá a oportunidade de nos vendermos ao público. Não estou vendendo mentiras. Eu sou quem eu digo que sou. Eu não faço 99% do que eles disseram que eu fiz. (…) As tecnologias me deram a oportunidade de me defender”, acrescentou.

Haitianos catam partes de veículo queimado durante conflito entre gangues armadas no país. Grupos criminosos crescem à medida que país enfrenta crises sociais Foto: Odelyn Joseph / AP

O desenvolvimento incomoda setores do Haiti. Em outubro do ano passado, Frantz Louis Juste, então procurador-chefe de Porto Príncipe, pediu através de uma carta enviada a várias plataformas que “bloqueassem ou excluam” as contas de indivíduos que ele associou a grupos criminosos, incluindo Cherizier.

“Essas gangues instituem um reinado de terror na sociedade”, disse Juste ao Washington Post. “Eles precisam de publicidade menos generalizada”. A carta foi tornada pública, mas não foi enviada às empresas citadas nela.

As regras do TikTok proíbem organizações terroristas e criminosas de usar o aplicativo. A empresa removeu a conta de Izo depois de questionada pelo Post e disse que analisa a exclusão de outros usuários. “Não há lugar para extremismo violento ou promoção de violência no TikTok”, afirma a empresa.

“Removeremos conteúdo e baniremos contas que violam nossas políticas, enquanto trabalhamos para promover um ambiente seguro e acolhedor”, acrescentou.

O Twitter afirmou que revista as contas e tweets “de acordo com nossas regras”. A empresa informou ter recebido uma solicitação legal do Haiti para remover conteúdos, mas em 2016.

Após ser questionada pelo Post, a Meta, empresa-dona do Facebook, do Instagram e do WhatsApp, removeu o vídeo de Izo postado nestas redes, em que ele ameaça matar 30 pessoas. Entretanto, o perfil dele permanece ativo e o mesmo vídeo apareceu em outra conta do rapper no Instagram.

A empresa afirmou que revisa regularmente as organizações para determinar se elas violam as políticas de Indivíduos e Organizações Perigosas. “As banimos de nossas plataformas nestes casos. Usamos a tecnologia para detectar violações e implantar equipes globais, que incluem falantes nativos de crioulo, para revisar o conteúdo”, declarou. O YouTube não respondeu ao Washington Post.

Gangues estão prestes a se tornar “proto-estado”

As gangues estão presentes há muito tempo no Haiti, mas o poder delas cresceu nos últimos anos em meio a uma deterioração das instituições democráticas e das condições de segurança. Analistas estimam que os grupos criminosos controlam 60% do país e estão prestes a se tornar, coletivamente, um “proto-estado”.

Nos últimos anos, os sequestros promovidos por estas gangues dispararam. Ninguém ficou imune. Entre as vítimas, estão missionários americanos, clérigos franceses e haitianos de todas as idades e origens. Somente no primeiro trimestre de 2022, o Centro de Análise e Pesquisa em Direitos Humanos do Haiti contou 225 sequestros – quase 60% a mais que no mesmo período do ano passado.

O nível de violência em Porto Príncipe aumentou ainda mais a partir de abril, quando a gangue 400 Mawozo – envolvida em um sequestro de 17 missionários americanos e canadenses no ano passado – entrou em guerra com um grupo rival. A Organização das Nações Unidas (ONU) considerou a violência “inimaginável e intolerável”.

Desde abril, a violência armada na capital entre 400 Mawozo, a gangue envolvida no sequestro no ano passado de 17 missionários americanos e canadenses com uma instituição de caridade com sede em Ohio, e Chen Mechan, uma gangue rival, aumentou. O alto comissário da ONU para os direitos humanos chamou o nível de violência de “inimaginável e intolerável”.

Cidadãos haitianos em protesto por paz e segurança, no dia 6 de maio, em Porto Príncipe. Escalada da violência entre gangues preocupa organizaçoes nacionais e internacionais Foto: Odelyn Joseph/AP

Segundo a ONU, quase 17 mil haitianos foram deslocados pelos confrontos e pelo menos 200 pessoas morreram – praticamente metade deles civis. O aprofundamento da insegurança é um fator que alimenta um êxodo de haitianos em barcos precários com destino aos Estados Unidos e outros lugares. Essas viagens às vezes são mortais.

A Rede Nacional de Defesa dos Direitos Humanos do Haiti informou no mês passado que as recentes batalhas entre as gangues resultam em estupro de mulheres e meninas e corpos mutilados, como crimes cometidos pelos membros. As cenas muitas vezes são fotografadas para serem divulgadas nas redes sociais e “manter o terror entre a população”.

A Rede, um grupo não governamental do Haiti, mostrou fotos ao Washington Post. Os registros mostram que as imagens de partes do corpo humano espalhadas, cabeças decapitadas e cadáveres mutilados foram encaminhadas muitas vezes no WhatsApp.

Analistas disseram que as mensagens geralmente aparecem primeiro no WhatsApp e depois são espalhadas em outras plataformas ou pela mídia tradicional. Os bate-papos criptografados do WhatsApp embaralham as mensagens para que apenas o remetente e o destinatário possam lê-las, dificultando a detecção de conteúdo prejudicial, a menos que um usuário o denuncie.

Twitter e TikTok disseram que seus moderadores de conteúdo humano e outras ferramentas que detectam conteúdo nocivo cobrem vários idiomas, mas não disseram se o crioulo haitiano estava entre eles. “Essas [empresas] de mídia social precisam de recursos afiliados a regiões e países específicos”, disse Rumbold.

Depois que o TikTok removeu a conta de Izo recentemente, ele postou vários stories no Instagram para compartilhar a notícia e expressar seu descontentamento. Um dos stories mostra a página do TikTok – com vários vídeos do excluído. “Deus me livre de ter outra conta”, dizia o texto.

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