Opinião|Ganhando ou perdendo, Donald Trump já venceu


Vitórias políticas estão relacionadas a seus temas preferidos: comércio e imigração

Por Matthew Schmitz

Ganhando ou perdendo esta eleição, Donald Trump já venceu um debate maior, a respeito de quem o nosso sistema político deve servir.

Em termos de políticas, a vitória de Trump é especialmente clara em seus temas prediletos: comércio e imigração. Mas o que ele alcançou vai além de qualquer tema político superficial. Adotar suas estratégias nessas questões envolve uma mudança na maneira que a obrigação política é entendida: implica numa compreensão mais clara de que é permissível — e com frequência essencial — priorizar os cidadãos de seu país em detrimento dos estrangeiros.

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Quando Trump desceu aquela escada rolante dourada para anunciar sua primeira candidatura à presidência, em 2015, seu argumento de que o livre-comércio e a imigração em massa estavam prejudicando os Estados Unidos estava fora de compasso com a opinião predominante tanto nos partidos políticos quanto no consenso da academia. Mas nos nove anos que se seguiram, com a ajuda desses dois temas Trump transformou a política americana — não apenas reformulando o Partido Republicano à sua imagem, mas também forçando os democratas a se mover na sua direção.

Trump notou essa dinâmica. Mesmo enquanto define Kamala Harris como radical, Trump tem feito piada dizendo que a candidata democrata adotou tantas de suas política que ele planeja “enviar-lhe um boné MAGA”. Trump poderia dizer quase o mesmo sobre o governo Biden, que deu continuidade às tarifas sobre os produtos chineses e recentemente tem se esforçado para projetar uma imagem mais dura em relação à imigração, incluindo com o projeto de lei bipartidário sobre a fronteira.

Trump transformou a política americana com a ajuda dos temas comércio e imigração.  Foto: Scott Olson/SCOTT OLSON
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Até alguns especialistas estão voltando atrás. Durante a campanha presidencial de 2016, um grupo de 370 economistas, incluindo oito laureados com o Nobel, assinaram uma carta acusando Trump de ignorar “os benefícios do comércio internacional” e exagerar o papel “modesto” que a imigração desempenhou na estagnação dos salários da classe trabalhadora.

Mas em março deste ano, um desses economistas, o Nobel Angus Deaton, expressou uma análise muito mais negativa a respeito do livre-comércio e da imigração. “Eu costumava subscrever ao consenso quase absoluto entre economistas de que a imigração aos EUA era uma coisa boa, com grandes benefícios para os imigrantes e pouco ou nenhum custo para os trabalhadores americanos de baixa capacitação”, escreveu ele. “Não penso mais desta maneira.” Ele acrescentou que também ficou “muito mais cético em relação aos benefícios do livre-comércio para os trabalhadores americanos” — e até sobre seu papel na redução da pobreza global.

Sem dúvida a transformação que Trump operou foi com frequência espasmódica e sujeita a resistência. Particularmente sobre imigração, a abordagem polarizadora de Trump em certos momentos empurrou os defensores da imigração para um extremo oposto. E importantes diferenças persistem entre os partidos. Mas agora, conforme completa sua terceira campanha, Trump pode pode reivindicar um grau notável de justificativa.

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As visões de Trump sobre comércio e imigração se formaram anos antes dele entrar na política. “Eu acredito muito em tarifas”, disse ele à jornalista Diane Sawyer, em 1989. “Os EUA estão sendo roubados.” Em seu livro de 2000, “The America We Deserve” (OS EUA que merecemos), ele escreveu que “nossa atual permissividade em relação à imigração ilegal é prova da negligência e da desconsideração às pessoas que vivem aqui legalmente”.

Nesse livro, Trump também desafiou a impressão do livre-mercado de que um “envolvimento construtivo” com a China eventualmente levaria o país a mais liberdade econômica e política. Ele argumentou que presidentes de ambos os partidos deram à China “moleza demais”.

Durante a campanha de 2016, as visões de Trump sobre comércio e imigração o contrapuseram não apenas a democratas como Hillary Clinton e Joe Biden, mas também a grande parte do establishment republicano. Apesar de ambos os partidos terem um registro de objeção a práticas comerciais injustas e aplicação de leis na fronteira, essas medidas eram com frequência consideradas meros quebra-galhos no caminho para um mundo em que pessoas e mercadorias se movimentam mais livremente. Em 2013, Clinton, que naquele mesmo ano apoiou um projeto de lei no Senado que pretendia financiar um plano de segurança reforçada na fronteira, disse a um grupo de banqueiros que seu “sonho” era um “mercado comum hemisférico, com abertura comercial e fronteiras abertas”.

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Após assumir a presidência, em 2017, Trump desafiou diretamente essa visão. Ele renegociou o Tratado Norte-Americano de Livre-Comércio; retirou os EUA da Parceria Transpacífica, o acordo de livre-comércio estabelecido por Barack Obama; e instaurou tarifas sobre aproximadamente US$ 360 bilhões em produtos chineses. Ele também emitiu mais de 400 ordens executivas com objetivo de a imigração, como parte de um amplo esforço que diminuiu significativamente o crescimento da população nascida no exterior.

A estratégia de Trump em relação ao comércio atraiu muitas críticas. “Trump não entende o básico”, afirmou Biden em 2019. “Ele acha que as tarifas dele estão sendo pagas pela China. Qualquer estudante de economia no primeiro ano da faculdade seria capaz de lhe dizer que o povo americano é que está pagando.”

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E grande parte do público americano não apoiou a estratégia de Trump na fronteira, especialmente sua política de separação de famílias. Os democratas não só rejeitaram suas medidas mais controvertidas, mas também adotaram ideias que no passado poderiam ter parecido estranhas ao mainstream. Kamala denunciou o muro de Trump na fronteira classificando-o como “antiamericano”, apoiou a descriminalização das travessias da fronteira e apoiou assistência de saúde fornecida pelo governo para imigrantes indocumentados.

Mas nos quase quatro anos que se passaram desde que Biden assumiu a presidência muita coisa mudou. A oposição democrata a Trump em relação a comércio e imigração titubeou e, por vezes, se reverteu.

Comecemos pela política comercial. Em vez de pôr fim às tarifas de Trump sobre os produtos chineses, Biden as manteve. Uma revisão sobre as tarifas publicada em setembro pelo governo Biden concluiu que elas foram eficazes em combater as práticas comerciais hostis dos chineses, reduziram a dependência dos EUA em relação às importações da China e deveriam ser mantidas. Biden até decidiu aumentar as tarifas sobre cerca de US$ 18 bilhões em importações da China.

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A adoção de tarifas deverá continuar se Kamala for eleita presidente. Apesar de ter feito campanha contra a proposta de Trump de impor uma tarifa geral de 10% a 20%, Kamala não é vista por defensores do livre-comércio como uma aliada consistente. Em uma pesquisa recente, 56% dos entrevistados afirmaram que provavelmente prefeririam apoiar um candidato favorável a uma tarifa de 10% sobre todas as importações. A política interna e a competição geopolítica sugerem que as tarifas chegaram para ficar.

Um sinal do triunfo de Trump é a disposição de democratas em Estados indefinidos de invocar seu nome em relação ao comércio. No mês passado, um anúncio para a campanha do senador Bob Casey, da Pensilvânia, à reeleição afirmava que ele “ficou do lado de Trump pelo fim do Nafta e pelas tarifas sobre a China para impedir a trapaça”. Outra publicidade, no mês passado, para a campanha à reeleição da senadora Tammy Baldwin, do Wisconsin, declara que ela “fez o (ex-)presidente Trump assinar sua lei ‘Made in America’”, que fortalece as exigências para projetos financiados pelo governo federal para o uso de materiais fabricados nos EUA.

Em julho, 55% dos americanos se diziam favoráveis a uma diminuição na imigração, a maior porcentagem desde 2001. Foto: Charlie Riedel/AP

Outra indicação significativa do sucesso de Trump em mudar a discussão sobre o comércio foi um discurso pronunciado no ano passado por Jake Sullivan, o conselheiro de segurança nacional de Biden, na Brookings Institution. Durante sua fala, Sullivan anunciou a chegada de um “novo consenso de Washington”, que rejeita o livre-comércio enquanto objetivo em si, defendeu políticas tarifárias e observou que “a integração econômica não impediu a China de expandir suas ambições militares”.

Trump também pode reivindicar algumas vitórias sobre imigração. Em julho, 55% dos americanos se diziam favoráveis a uma diminuição na imigração, a maior porcentagem desde 2001. Ao longo do ano passado, a porcentagem de democratas que queriam uma diminuição na imigração elevou-se 10 pontos. Impressionantes 42% dos democratas afirmam que apoiariam “deportações em massa de imigrantes indocumentados”.

Na atual campanha, Kamala adotou uma visão muito mais restritiva sobre imigração do que a de anos atrás. Ela prometeu sancionar o projeto de lei bipartidário sobre a fronteira que determina o gasto de centenas de milhões de dólares para ampliar o muro que no passado ela chamou de antiamericano. Kamala não apenas se opõe à descriminalização das travessias da fronteira, mas também promete buscar “acusações criminais mais severas” contra violadores reincidentes.

Tanto democratas tradicionais quanto progressistas modernosos estão se associando com as políticas de Trump sobre a fronteira. O senador Sherrod Brown, de Ohio, veiculou um anúncio afirmando que redigiu “um projeto de lei que Donald Trump sancionou para combater o narcotráfico na fronteira”. Dan Osborn, um candidato independente com apoio sindical que desafia um dos senadores republicanos de Nebraska, afirmou que, “se Trump precisar de ajuda para construir o muro, bem, eu sou bastante habilidoso”.

Certamente é possível exagerar a concordância subjacente a esse novo consenso. O governo Biden define suas políticas comercial e industrial nos termos de uma transição para fontes renováveis de energia, um entusiasmo que não é compartilhado por Trump. Biden também adotou uma linha mais branda com os europeus, retirando tarifas impostas por Trump sobre o alumínio e o aço que os EUA importam da Europa. E apesar dos democratas terem adotado retóricas e políticas mais duras sobre a fronteira, suas estratégias ainda contrastam com as de Trump, que propõe deportações em massa.

Em retrospecto, os anos Biden podem ser vistos como uma tentativa de aceitar e ampliar as críticas de Trump sobre a política comercial dos EUA, mas cedendo menos em relação à imigração. Mas a recente mudança de tom dos democratas sugere que essa estratégia fracassou, e os democratas deverão continuar se aproximando das políticas restritivas de Trump sobre a fronteira — o que, se ocorrer, sinalizará uma transformação maior.

Algo mais profundo do que qualquer análise sobre benefícios econômicos permeia nossas discussões sobre imigração e comércio. Conforme Deaton, o economista, colocou, sua mudança de ideia em relação a esses temas veio acompanhada da percepção de que “nós temos obrigações adicionais com nossos concidadãos que não temos com as outras pessoas”. É possível concordar com esse argumento sem apoiar nenhuma das propostas de políticas de Trump nem se sentir atraído por sua personalidade. (Deaton, de sua parte, apoia Kamala.) Mas se Trump forjar um novo consenso, terá sido porque ele forçou as pessoas a enxergar essa verdade. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Ganhando ou perdendo esta eleição, Donald Trump já venceu um debate maior, a respeito de quem o nosso sistema político deve servir.

Em termos de políticas, a vitória de Trump é especialmente clara em seus temas prediletos: comércio e imigração. Mas o que ele alcançou vai além de qualquer tema político superficial. Adotar suas estratégias nessas questões envolve uma mudança na maneira que a obrigação política é entendida: implica numa compreensão mais clara de que é permissível — e com frequência essencial — priorizar os cidadãos de seu país em detrimento dos estrangeiros.

Quando Trump desceu aquela escada rolante dourada para anunciar sua primeira candidatura à presidência, em 2015, seu argumento de que o livre-comércio e a imigração em massa estavam prejudicando os Estados Unidos estava fora de compasso com a opinião predominante tanto nos partidos políticos quanto no consenso da academia. Mas nos nove anos que se seguiram, com a ajuda desses dois temas Trump transformou a política americana — não apenas reformulando o Partido Republicano à sua imagem, mas também forçando os democratas a se mover na sua direção.

Trump notou essa dinâmica. Mesmo enquanto define Kamala Harris como radical, Trump tem feito piada dizendo que a candidata democrata adotou tantas de suas política que ele planeja “enviar-lhe um boné MAGA”. Trump poderia dizer quase o mesmo sobre o governo Biden, que deu continuidade às tarifas sobre os produtos chineses e recentemente tem se esforçado para projetar uma imagem mais dura em relação à imigração, incluindo com o projeto de lei bipartidário sobre a fronteira.

Trump transformou a política americana com a ajuda dos temas comércio e imigração.  Foto: Scott Olson/SCOTT OLSON

Até alguns especialistas estão voltando atrás. Durante a campanha presidencial de 2016, um grupo de 370 economistas, incluindo oito laureados com o Nobel, assinaram uma carta acusando Trump de ignorar “os benefícios do comércio internacional” e exagerar o papel “modesto” que a imigração desempenhou na estagnação dos salários da classe trabalhadora.

Mas em março deste ano, um desses economistas, o Nobel Angus Deaton, expressou uma análise muito mais negativa a respeito do livre-comércio e da imigração. “Eu costumava subscrever ao consenso quase absoluto entre economistas de que a imigração aos EUA era uma coisa boa, com grandes benefícios para os imigrantes e pouco ou nenhum custo para os trabalhadores americanos de baixa capacitação”, escreveu ele. “Não penso mais desta maneira.” Ele acrescentou que também ficou “muito mais cético em relação aos benefícios do livre-comércio para os trabalhadores americanos” — e até sobre seu papel na redução da pobreza global.

Sem dúvida a transformação que Trump operou foi com frequência espasmódica e sujeita a resistência. Particularmente sobre imigração, a abordagem polarizadora de Trump em certos momentos empurrou os defensores da imigração para um extremo oposto. E importantes diferenças persistem entre os partidos. Mas agora, conforme completa sua terceira campanha, Trump pode pode reivindicar um grau notável de justificativa.

As visões de Trump sobre comércio e imigração se formaram anos antes dele entrar na política. “Eu acredito muito em tarifas”, disse ele à jornalista Diane Sawyer, em 1989. “Os EUA estão sendo roubados.” Em seu livro de 2000, “The America We Deserve” (OS EUA que merecemos), ele escreveu que “nossa atual permissividade em relação à imigração ilegal é prova da negligência e da desconsideração às pessoas que vivem aqui legalmente”.

Nesse livro, Trump também desafiou a impressão do livre-mercado de que um “envolvimento construtivo” com a China eventualmente levaria o país a mais liberdade econômica e política. Ele argumentou que presidentes de ambos os partidos deram à China “moleza demais”.

Durante a campanha de 2016, as visões de Trump sobre comércio e imigração o contrapuseram não apenas a democratas como Hillary Clinton e Joe Biden, mas também a grande parte do establishment republicano. Apesar de ambos os partidos terem um registro de objeção a práticas comerciais injustas e aplicação de leis na fronteira, essas medidas eram com frequência consideradas meros quebra-galhos no caminho para um mundo em que pessoas e mercadorias se movimentam mais livremente. Em 2013, Clinton, que naquele mesmo ano apoiou um projeto de lei no Senado que pretendia financiar um plano de segurança reforçada na fronteira, disse a um grupo de banqueiros que seu “sonho” era um “mercado comum hemisférico, com abertura comercial e fronteiras abertas”.

Após assumir a presidência, em 2017, Trump desafiou diretamente essa visão. Ele renegociou o Tratado Norte-Americano de Livre-Comércio; retirou os EUA da Parceria Transpacífica, o acordo de livre-comércio estabelecido por Barack Obama; e instaurou tarifas sobre aproximadamente US$ 360 bilhões em produtos chineses. Ele também emitiu mais de 400 ordens executivas com objetivo de a imigração, como parte de um amplo esforço que diminuiu significativamente o crescimento da população nascida no exterior.

A estratégia de Trump em relação ao comércio atraiu muitas críticas. “Trump não entende o básico”, afirmou Biden em 2019. “Ele acha que as tarifas dele estão sendo pagas pela China. Qualquer estudante de economia no primeiro ano da faculdade seria capaz de lhe dizer que o povo americano é que está pagando.”

E grande parte do público americano não apoiou a estratégia de Trump na fronteira, especialmente sua política de separação de famílias. Os democratas não só rejeitaram suas medidas mais controvertidas, mas também adotaram ideias que no passado poderiam ter parecido estranhas ao mainstream. Kamala denunciou o muro de Trump na fronteira classificando-o como “antiamericano”, apoiou a descriminalização das travessias da fronteira e apoiou assistência de saúde fornecida pelo governo para imigrantes indocumentados.

Mas nos quase quatro anos que se passaram desde que Biden assumiu a presidência muita coisa mudou. A oposição democrata a Trump em relação a comércio e imigração titubeou e, por vezes, se reverteu.

Comecemos pela política comercial. Em vez de pôr fim às tarifas de Trump sobre os produtos chineses, Biden as manteve. Uma revisão sobre as tarifas publicada em setembro pelo governo Biden concluiu que elas foram eficazes em combater as práticas comerciais hostis dos chineses, reduziram a dependência dos EUA em relação às importações da China e deveriam ser mantidas. Biden até decidiu aumentar as tarifas sobre cerca de US$ 18 bilhões em importações da China.

A adoção de tarifas deverá continuar se Kamala for eleita presidente. Apesar de ter feito campanha contra a proposta de Trump de impor uma tarifa geral de 10% a 20%, Kamala não é vista por defensores do livre-comércio como uma aliada consistente. Em uma pesquisa recente, 56% dos entrevistados afirmaram que provavelmente prefeririam apoiar um candidato favorável a uma tarifa de 10% sobre todas as importações. A política interna e a competição geopolítica sugerem que as tarifas chegaram para ficar.

Um sinal do triunfo de Trump é a disposição de democratas em Estados indefinidos de invocar seu nome em relação ao comércio. No mês passado, um anúncio para a campanha do senador Bob Casey, da Pensilvânia, à reeleição afirmava que ele “ficou do lado de Trump pelo fim do Nafta e pelas tarifas sobre a China para impedir a trapaça”. Outra publicidade, no mês passado, para a campanha à reeleição da senadora Tammy Baldwin, do Wisconsin, declara que ela “fez o (ex-)presidente Trump assinar sua lei ‘Made in America’”, que fortalece as exigências para projetos financiados pelo governo federal para o uso de materiais fabricados nos EUA.

Em julho, 55% dos americanos se diziam favoráveis a uma diminuição na imigração, a maior porcentagem desde 2001. Foto: Charlie Riedel/AP

Outra indicação significativa do sucesso de Trump em mudar a discussão sobre o comércio foi um discurso pronunciado no ano passado por Jake Sullivan, o conselheiro de segurança nacional de Biden, na Brookings Institution. Durante sua fala, Sullivan anunciou a chegada de um “novo consenso de Washington”, que rejeita o livre-comércio enquanto objetivo em si, defendeu políticas tarifárias e observou que “a integração econômica não impediu a China de expandir suas ambições militares”.

Trump também pode reivindicar algumas vitórias sobre imigração. Em julho, 55% dos americanos se diziam favoráveis a uma diminuição na imigração, a maior porcentagem desde 2001. Ao longo do ano passado, a porcentagem de democratas que queriam uma diminuição na imigração elevou-se 10 pontos. Impressionantes 42% dos democratas afirmam que apoiariam “deportações em massa de imigrantes indocumentados”.

Na atual campanha, Kamala adotou uma visão muito mais restritiva sobre imigração do que a de anos atrás. Ela prometeu sancionar o projeto de lei bipartidário sobre a fronteira que determina o gasto de centenas de milhões de dólares para ampliar o muro que no passado ela chamou de antiamericano. Kamala não apenas se opõe à descriminalização das travessias da fronteira, mas também promete buscar “acusações criminais mais severas” contra violadores reincidentes.

Tanto democratas tradicionais quanto progressistas modernosos estão se associando com as políticas de Trump sobre a fronteira. O senador Sherrod Brown, de Ohio, veiculou um anúncio afirmando que redigiu “um projeto de lei que Donald Trump sancionou para combater o narcotráfico na fronteira”. Dan Osborn, um candidato independente com apoio sindical que desafia um dos senadores republicanos de Nebraska, afirmou que, “se Trump precisar de ajuda para construir o muro, bem, eu sou bastante habilidoso”.

Certamente é possível exagerar a concordância subjacente a esse novo consenso. O governo Biden define suas políticas comercial e industrial nos termos de uma transição para fontes renováveis de energia, um entusiasmo que não é compartilhado por Trump. Biden também adotou uma linha mais branda com os europeus, retirando tarifas impostas por Trump sobre o alumínio e o aço que os EUA importam da Europa. E apesar dos democratas terem adotado retóricas e políticas mais duras sobre a fronteira, suas estratégias ainda contrastam com as de Trump, que propõe deportações em massa.

Em retrospecto, os anos Biden podem ser vistos como uma tentativa de aceitar e ampliar as críticas de Trump sobre a política comercial dos EUA, mas cedendo menos em relação à imigração. Mas a recente mudança de tom dos democratas sugere que essa estratégia fracassou, e os democratas deverão continuar se aproximando das políticas restritivas de Trump sobre a fronteira — o que, se ocorrer, sinalizará uma transformação maior.

Algo mais profundo do que qualquer análise sobre benefícios econômicos permeia nossas discussões sobre imigração e comércio. Conforme Deaton, o economista, colocou, sua mudança de ideia em relação a esses temas veio acompanhada da percepção de que “nós temos obrigações adicionais com nossos concidadãos que não temos com as outras pessoas”. É possível concordar com esse argumento sem apoiar nenhuma das propostas de políticas de Trump nem se sentir atraído por sua personalidade. (Deaton, de sua parte, apoia Kamala.) Mas se Trump forjar um novo consenso, terá sido porque ele forçou as pessoas a enxergar essa verdade. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Ganhando ou perdendo esta eleição, Donald Trump já venceu um debate maior, a respeito de quem o nosso sistema político deve servir.

Em termos de políticas, a vitória de Trump é especialmente clara em seus temas prediletos: comércio e imigração. Mas o que ele alcançou vai além de qualquer tema político superficial. Adotar suas estratégias nessas questões envolve uma mudança na maneira que a obrigação política é entendida: implica numa compreensão mais clara de que é permissível — e com frequência essencial — priorizar os cidadãos de seu país em detrimento dos estrangeiros.

Quando Trump desceu aquela escada rolante dourada para anunciar sua primeira candidatura à presidência, em 2015, seu argumento de que o livre-comércio e a imigração em massa estavam prejudicando os Estados Unidos estava fora de compasso com a opinião predominante tanto nos partidos políticos quanto no consenso da academia. Mas nos nove anos que se seguiram, com a ajuda desses dois temas Trump transformou a política americana — não apenas reformulando o Partido Republicano à sua imagem, mas também forçando os democratas a se mover na sua direção.

Trump notou essa dinâmica. Mesmo enquanto define Kamala Harris como radical, Trump tem feito piada dizendo que a candidata democrata adotou tantas de suas política que ele planeja “enviar-lhe um boné MAGA”. Trump poderia dizer quase o mesmo sobre o governo Biden, que deu continuidade às tarifas sobre os produtos chineses e recentemente tem se esforçado para projetar uma imagem mais dura em relação à imigração, incluindo com o projeto de lei bipartidário sobre a fronteira.

Trump transformou a política americana com a ajuda dos temas comércio e imigração.  Foto: Scott Olson/SCOTT OLSON

Até alguns especialistas estão voltando atrás. Durante a campanha presidencial de 2016, um grupo de 370 economistas, incluindo oito laureados com o Nobel, assinaram uma carta acusando Trump de ignorar “os benefícios do comércio internacional” e exagerar o papel “modesto” que a imigração desempenhou na estagnação dos salários da classe trabalhadora.

Mas em março deste ano, um desses economistas, o Nobel Angus Deaton, expressou uma análise muito mais negativa a respeito do livre-comércio e da imigração. “Eu costumava subscrever ao consenso quase absoluto entre economistas de que a imigração aos EUA era uma coisa boa, com grandes benefícios para os imigrantes e pouco ou nenhum custo para os trabalhadores americanos de baixa capacitação”, escreveu ele. “Não penso mais desta maneira.” Ele acrescentou que também ficou “muito mais cético em relação aos benefícios do livre-comércio para os trabalhadores americanos” — e até sobre seu papel na redução da pobreza global.

Sem dúvida a transformação que Trump operou foi com frequência espasmódica e sujeita a resistência. Particularmente sobre imigração, a abordagem polarizadora de Trump em certos momentos empurrou os defensores da imigração para um extremo oposto. E importantes diferenças persistem entre os partidos. Mas agora, conforme completa sua terceira campanha, Trump pode pode reivindicar um grau notável de justificativa.

As visões de Trump sobre comércio e imigração se formaram anos antes dele entrar na política. “Eu acredito muito em tarifas”, disse ele à jornalista Diane Sawyer, em 1989. “Os EUA estão sendo roubados.” Em seu livro de 2000, “The America We Deserve” (OS EUA que merecemos), ele escreveu que “nossa atual permissividade em relação à imigração ilegal é prova da negligência e da desconsideração às pessoas que vivem aqui legalmente”.

Nesse livro, Trump também desafiou a impressão do livre-mercado de que um “envolvimento construtivo” com a China eventualmente levaria o país a mais liberdade econômica e política. Ele argumentou que presidentes de ambos os partidos deram à China “moleza demais”.

Durante a campanha de 2016, as visões de Trump sobre comércio e imigração o contrapuseram não apenas a democratas como Hillary Clinton e Joe Biden, mas também a grande parte do establishment republicano. Apesar de ambos os partidos terem um registro de objeção a práticas comerciais injustas e aplicação de leis na fronteira, essas medidas eram com frequência consideradas meros quebra-galhos no caminho para um mundo em que pessoas e mercadorias se movimentam mais livremente. Em 2013, Clinton, que naquele mesmo ano apoiou um projeto de lei no Senado que pretendia financiar um plano de segurança reforçada na fronteira, disse a um grupo de banqueiros que seu “sonho” era um “mercado comum hemisférico, com abertura comercial e fronteiras abertas”.

Após assumir a presidência, em 2017, Trump desafiou diretamente essa visão. Ele renegociou o Tratado Norte-Americano de Livre-Comércio; retirou os EUA da Parceria Transpacífica, o acordo de livre-comércio estabelecido por Barack Obama; e instaurou tarifas sobre aproximadamente US$ 360 bilhões em produtos chineses. Ele também emitiu mais de 400 ordens executivas com objetivo de a imigração, como parte de um amplo esforço que diminuiu significativamente o crescimento da população nascida no exterior.

A estratégia de Trump em relação ao comércio atraiu muitas críticas. “Trump não entende o básico”, afirmou Biden em 2019. “Ele acha que as tarifas dele estão sendo pagas pela China. Qualquer estudante de economia no primeiro ano da faculdade seria capaz de lhe dizer que o povo americano é que está pagando.”

E grande parte do público americano não apoiou a estratégia de Trump na fronteira, especialmente sua política de separação de famílias. Os democratas não só rejeitaram suas medidas mais controvertidas, mas também adotaram ideias que no passado poderiam ter parecido estranhas ao mainstream. Kamala denunciou o muro de Trump na fronteira classificando-o como “antiamericano”, apoiou a descriminalização das travessias da fronteira e apoiou assistência de saúde fornecida pelo governo para imigrantes indocumentados.

Mas nos quase quatro anos que se passaram desde que Biden assumiu a presidência muita coisa mudou. A oposição democrata a Trump em relação a comércio e imigração titubeou e, por vezes, se reverteu.

Comecemos pela política comercial. Em vez de pôr fim às tarifas de Trump sobre os produtos chineses, Biden as manteve. Uma revisão sobre as tarifas publicada em setembro pelo governo Biden concluiu que elas foram eficazes em combater as práticas comerciais hostis dos chineses, reduziram a dependência dos EUA em relação às importações da China e deveriam ser mantidas. Biden até decidiu aumentar as tarifas sobre cerca de US$ 18 bilhões em importações da China.

A adoção de tarifas deverá continuar se Kamala for eleita presidente. Apesar de ter feito campanha contra a proposta de Trump de impor uma tarifa geral de 10% a 20%, Kamala não é vista por defensores do livre-comércio como uma aliada consistente. Em uma pesquisa recente, 56% dos entrevistados afirmaram que provavelmente prefeririam apoiar um candidato favorável a uma tarifa de 10% sobre todas as importações. A política interna e a competição geopolítica sugerem que as tarifas chegaram para ficar.

Um sinal do triunfo de Trump é a disposição de democratas em Estados indefinidos de invocar seu nome em relação ao comércio. No mês passado, um anúncio para a campanha do senador Bob Casey, da Pensilvânia, à reeleição afirmava que ele “ficou do lado de Trump pelo fim do Nafta e pelas tarifas sobre a China para impedir a trapaça”. Outra publicidade, no mês passado, para a campanha à reeleição da senadora Tammy Baldwin, do Wisconsin, declara que ela “fez o (ex-)presidente Trump assinar sua lei ‘Made in America’”, que fortalece as exigências para projetos financiados pelo governo federal para o uso de materiais fabricados nos EUA.

Em julho, 55% dos americanos se diziam favoráveis a uma diminuição na imigração, a maior porcentagem desde 2001. Foto: Charlie Riedel/AP

Outra indicação significativa do sucesso de Trump em mudar a discussão sobre o comércio foi um discurso pronunciado no ano passado por Jake Sullivan, o conselheiro de segurança nacional de Biden, na Brookings Institution. Durante sua fala, Sullivan anunciou a chegada de um “novo consenso de Washington”, que rejeita o livre-comércio enquanto objetivo em si, defendeu políticas tarifárias e observou que “a integração econômica não impediu a China de expandir suas ambições militares”.

Trump também pode reivindicar algumas vitórias sobre imigração. Em julho, 55% dos americanos se diziam favoráveis a uma diminuição na imigração, a maior porcentagem desde 2001. Ao longo do ano passado, a porcentagem de democratas que queriam uma diminuição na imigração elevou-se 10 pontos. Impressionantes 42% dos democratas afirmam que apoiariam “deportações em massa de imigrantes indocumentados”.

Na atual campanha, Kamala adotou uma visão muito mais restritiva sobre imigração do que a de anos atrás. Ela prometeu sancionar o projeto de lei bipartidário sobre a fronteira que determina o gasto de centenas de milhões de dólares para ampliar o muro que no passado ela chamou de antiamericano. Kamala não apenas se opõe à descriminalização das travessias da fronteira, mas também promete buscar “acusações criminais mais severas” contra violadores reincidentes.

Tanto democratas tradicionais quanto progressistas modernosos estão se associando com as políticas de Trump sobre a fronteira. O senador Sherrod Brown, de Ohio, veiculou um anúncio afirmando que redigiu “um projeto de lei que Donald Trump sancionou para combater o narcotráfico na fronteira”. Dan Osborn, um candidato independente com apoio sindical que desafia um dos senadores republicanos de Nebraska, afirmou que, “se Trump precisar de ajuda para construir o muro, bem, eu sou bastante habilidoso”.

Certamente é possível exagerar a concordância subjacente a esse novo consenso. O governo Biden define suas políticas comercial e industrial nos termos de uma transição para fontes renováveis de energia, um entusiasmo que não é compartilhado por Trump. Biden também adotou uma linha mais branda com os europeus, retirando tarifas impostas por Trump sobre o alumínio e o aço que os EUA importam da Europa. E apesar dos democratas terem adotado retóricas e políticas mais duras sobre a fronteira, suas estratégias ainda contrastam com as de Trump, que propõe deportações em massa.

Em retrospecto, os anos Biden podem ser vistos como uma tentativa de aceitar e ampliar as críticas de Trump sobre a política comercial dos EUA, mas cedendo menos em relação à imigração. Mas a recente mudança de tom dos democratas sugere que essa estratégia fracassou, e os democratas deverão continuar se aproximando das políticas restritivas de Trump sobre a fronteira — o que, se ocorrer, sinalizará uma transformação maior.

Algo mais profundo do que qualquer análise sobre benefícios econômicos permeia nossas discussões sobre imigração e comércio. Conforme Deaton, o economista, colocou, sua mudança de ideia em relação a esses temas veio acompanhada da percepção de que “nós temos obrigações adicionais com nossos concidadãos que não temos com as outras pessoas”. É possível concordar com esse argumento sem apoiar nenhuma das propostas de políticas de Trump nem se sentir atraído por sua personalidade. (Deaton, de sua parte, apoia Kamala.) Mas se Trump forjar um novo consenso, terá sido porque ele forçou as pessoas a enxergar essa verdade. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Ganhando ou perdendo esta eleição, Donald Trump já venceu um debate maior, a respeito de quem o nosso sistema político deve servir.

Em termos de políticas, a vitória de Trump é especialmente clara em seus temas prediletos: comércio e imigração. Mas o que ele alcançou vai além de qualquer tema político superficial. Adotar suas estratégias nessas questões envolve uma mudança na maneira que a obrigação política é entendida: implica numa compreensão mais clara de que é permissível — e com frequência essencial — priorizar os cidadãos de seu país em detrimento dos estrangeiros.

Quando Trump desceu aquela escada rolante dourada para anunciar sua primeira candidatura à presidência, em 2015, seu argumento de que o livre-comércio e a imigração em massa estavam prejudicando os Estados Unidos estava fora de compasso com a opinião predominante tanto nos partidos políticos quanto no consenso da academia. Mas nos nove anos que se seguiram, com a ajuda desses dois temas Trump transformou a política americana — não apenas reformulando o Partido Republicano à sua imagem, mas também forçando os democratas a se mover na sua direção.

Trump notou essa dinâmica. Mesmo enquanto define Kamala Harris como radical, Trump tem feito piada dizendo que a candidata democrata adotou tantas de suas política que ele planeja “enviar-lhe um boné MAGA”. Trump poderia dizer quase o mesmo sobre o governo Biden, que deu continuidade às tarifas sobre os produtos chineses e recentemente tem se esforçado para projetar uma imagem mais dura em relação à imigração, incluindo com o projeto de lei bipartidário sobre a fronteira.

Trump transformou a política americana com a ajuda dos temas comércio e imigração.  Foto: Scott Olson/SCOTT OLSON

Até alguns especialistas estão voltando atrás. Durante a campanha presidencial de 2016, um grupo de 370 economistas, incluindo oito laureados com o Nobel, assinaram uma carta acusando Trump de ignorar “os benefícios do comércio internacional” e exagerar o papel “modesto” que a imigração desempenhou na estagnação dos salários da classe trabalhadora.

Mas em março deste ano, um desses economistas, o Nobel Angus Deaton, expressou uma análise muito mais negativa a respeito do livre-comércio e da imigração. “Eu costumava subscrever ao consenso quase absoluto entre economistas de que a imigração aos EUA era uma coisa boa, com grandes benefícios para os imigrantes e pouco ou nenhum custo para os trabalhadores americanos de baixa capacitação”, escreveu ele. “Não penso mais desta maneira.” Ele acrescentou que também ficou “muito mais cético em relação aos benefícios do livre-comércio para os trabalhadores americanos” — e até sobre seu papel na redução da pobreza global.

Sem dúvida a transformação que Trump operou foi com frequência espasmódica e sujeita a resistência. Particularmente sobre imigração, a abordagem polarizadora de Trump em certos momentos empurrou os defensores da imigração para um extremo oposto. E importantes diferenças persistem entre os partidos. Mas agora, conforme completa sua terceira campanha, Trump pode pode reivindicar um grau notável de justificativa.

As visões de Trump sobre comércio e imigração se formaram anos antes dele entrar na política. “Eu acredito muito em tarifas”, disse ele à jornalista Diane Sawyer, em 1989. “Os EUA estão sendo roubados.” Em seu livro de 2000, “The America We Deserve” (OS EUA que merecemos), ele escreveu que “nossa atual permissividade em relação à imigração ilegal é prova da negligência e da desconsideração às pessoas que vivem aqui legalmente”.

Nesse livro, Trump também desafiou a impressão do livre-mercado de que um “envolvimento construtivo” com a China eventualmente levaria o país a mais liberdade econômica e política. Ele argumentou que presidentes de ambos os partidos deram à China “moleza demais”.

Durante a campanha de 2016, as visões de Trump sobre comércio e imigração o contrapuseram não apenas a democratas como Hillary Clinton e Joe Biden, mas também a grande parte do establishment republicano. Apesar de ambos os partidos terem um registro de objeção a práticas comerciais injustas e aplicação de leis na fronteira, essas medidas eram com frequência consideradas meros quebra-galhos no caminho para um mundo em que pessoas e mercadorias se movimentam mais livremente. Em 2013, Clinton, que naquele mesmo ano apoiou um projeto de lei no Senado que pretendia financiar um plano de segurança reforçada na fronteira, disse a um grupo de banqueiros que seu “sonho” era um “mercado comum hemisférico, com abertura comercial e fronteiras abertas”.

Após assumir a presidência, em 2017, Trump desafiou diretamente essa visão. Ele renegociou o Tratado Norte-Americano de Livre-Comércio; retirou os EUA da Parceria Transpacífica, o acordo de livre-comércio estabelecido por Barack Obama; e instaurou tarifas sobre aproximadamente US$ 360 bilhões em produtos chineses. Ele também emitiu mais de 400 ordens executivas com objetivo de a imigração, como parte de um amplo esforço que diminuiu significativamente o crescimento da população nascida no exterior.

A estratégia de Trump em relação ao comércio atraiu muitas críticas. “Trump não entende o básico”, afirmou Biden em 2019. “Ele acha que as tarifas dele estão sendo pagas pela China. Qualquer estudante de economia no primeiro ano da faculdade seria capaz de lhe dizer que o povo americano é que está pagando.”

E grande parte do público americano não apoiou a estratégia de Trump na fronteira, especialmente sua política de separação de famílias. Os democratas não só rejeitaram suas medidas mais controvertidas, mas também adotaram ideias que no passado poderiam ter parecido estranhas ao mainstream. Kamala denunciou o muro de Trump na fronteira classificando-o como “antiamericano”, apoiou a descriminalização das travessias da fronteira e apoiou assistência de saúde fornecida pelo governo para imigrantes indocumentados.

Mas nos quase quatro anos que se passaram desde que Biden assumiu a presidência muita coisa mudou. A oposição democrata a Trump em relação a comércio e imigração titubeou e, por vezes, se reverteu.

Comecemos pela política comercial. Em vez de pôr fim às tarifas de Trump sobre os produtos chineses, Biden as manteve. Uma revisão sobre as tarifas publicada em setembro pelo governo Biden concluiu que elas foram eficazes em combater as práticas comerciais hostis dos chineses, reduziram a dependência dos EUA em relação às importações da China e deveriam ser mantidas. Biden até decidiu aumentar as tarifas sobre cerca de US$ 18 bilhões em importações da China.

A adoção de tarifas deverá continuar se Kamala for eleita presidente. Apesar de ter feito campanha contra a proposta de Trump de impor uma tarifa geral de 10% a 20%, Kamala não é vista por defensores do livre-comércio como uma aliada consistente. Em uma pesquisa recente, 56% dos entrevistados afirmaram que provavelmente prefeririam apoiar um candidato favorável a uma tarifa de 10% sobre todas as importações. A política interna e a competição geopolítica sugerem que as tarifas chegaram para ficar.

Um sinal do triunfo de Trump é a disposição de democratas em Estados indefinidos de invocar seu nome em relação ao comércio. No mês passado, um anúncio para a campanha do senador Bob Casey, da Pensilvânia, à reeleição afirmava que ele “ficou do lado de Trump pelo fim do Nafta e pelas tarifas sobre a China para impedir a trapaça”. Outra publicidade, no mês passado, para a campanha à reeleição da senadora Tammy Baldwin, do Wisconsin, declara que ela “fez o (ex-)presidente Trump assinar sua lei ‘Made in America’”, que fortalece as exigências para projetos financiados pelo governo federal para o uso de materiais fabricados nos EUA.

Em julho, 55% dos americanos se diziam favoráveis a uma diminuição na imigração, a maior porcentagem desde 2001. Foto: Charlie Riedel/AP

Outra indicação significativa do sucesso de Trump em mudar a discussão sobre o comércio foi um discurso pronunciado no ano passado por Jake Sullivan, o conselheiro de segurança nacional de Biden, na Brookings Institution. Durante sua fala, Sullivan anunciou a chegada de um “novo consenso de Washington”, que rejeita o livre-comércio enquanto objetivo em si, defendeu políticas tarifárias e observou que “a integração econômica não impediu a China de expandir suas ambições militares”.

Trump também pode reivindicar algumas vitórias sobre imigração. Em julho, 55% dos americanos se diziam favoráveis a uma diminuição na imigração, a maior porcentagem desde 2001. Ao longo do ano passado, a porcentagem de democratas que queriam uma diminuição na imigração elevou-se 10 pontos. Impressionantes 42% dos democratas afirmam que apoiariam “deportações em massa de imigrantes indocumentados”.

Na atual campanha, Kamala adotou uma visão muito mais restritiva sobre imigração do que a de anos atrás. Ela prometeu sancionar o projeto de lei bipartidário sobre a fronteira que determina o gasto de centenas de milhões de dólares para ampliar o muro que no passado ela chamou de antiamericano. Kamala não apenas se opõe à descriminalização das travessias da fronteira, mas também promete buscar “acusações criminais mais severas” contra violadores reincidentes.

Tanto democratas tradicionais quanto progressistas modernosos estão se associando com as políticas de Trump sobre a fronteira. O senador Sherrod Brown, de Ohio, veiculou um anúncio afirmando que redigiu “um projeto de lei que Donald Trump sancionou para combater o narcotráfico na fronteira”. Dan Osborn, um candidato independente com apoio sindical que desafia um dos senadores republicanos de Nebraska, afirmou que, “se Trump precisar de ajuda para construir o muro, bem, eu sou bastante habilidoso”.

Certamente é possível exagerar a concordância subjacente a esse novo consenso. O governo Biden define suas políticas comercial e industrial nos termos de uma transição para fontes renováveis de energia, um entusiasmo que não é compartilhado por Trump. Biden também adotou uma linha mais branda com os europeus, retirando tarifas impostas por Trump sobre o alumínio e o aço que os EUA importam da Europa. E apesar dos democratas terem adotado retóricas e políticas mais duras sobre a fronteira, suas estratégias ainda contrastam com as de Trump, que propõe deportações em massa.

Em retrospecto, os anos Biden podem ser vistos como uma tentativa de aceitar e ampliar as críticas de Trump sobre a política comercial dos EUA, mas cedendo menos em relação à imigração. Mas a recente mudança de tom dos democratas sugere que essa estratégia fracassou, e os democratas deverão continuar se aproximando das políticas restritivas de Trump sobre a fronteira — o que, se ocorrer, sinalizará uma transformação maior.

Algo mais profundo do que qualquer análise sobre benefícios econômicos permeia nossas discussões sobre imigração e comércio. Conforme Deaton, o economista, colocou, sua mudança de ideia em relação a esses temas veio acompanhada da percepção de que “nós temos obrigações adicionais com nossos concidadãos que não temos com as outras pessoas”. É possível concordar com esse argumento sem apoiar nenhuma das propostas de políticas de Trump nem se sentir atraído por sua personalidade. (Deaton, de sua parte, apoia Kamala.) Mas se Trump forjar um novo consenso, terá sido porque ele forçou as pessoas a enxergar essa verdade. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Opinião por Matthew Schmitz

é fundador e editor da revista Compact

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