No início deste mês, ocorreu uma coincidência. No último sábado, um novo tipo de foguete americano se acoplou à estação orbital e, dois dias depois, nos Estados Unidos, a morte de um homem negro, morto por um policial (estrangulamento), incendiou as principais cidades americanas. Duas Américas se chocaram: a da genialidade e a do racismo.
Poucas horas depois, Paris e algumas das maiores cidades europeias já estavam nas ruas para denunciar a morte, por estrangulamento policial, de um homem negro no Val d'Oise, em 2016. E, em meio a todos esses episódios, todas essas convulsões, o coronavírus seguia seu rumo de silêncio e horror.
É forte a tentação de misturar esses dramas no mesmo discurso, principalmente os dois mortos, o de Val d'Oise, em 2016, e o de Minneapolis, em 2020. A passagem entre os dois casos é bastante clara: dois negros, na França e nos Estados Unidos, foram vítimas de um policial.
De fato, o amálgama entre os dois “excessos” se deu em manifestações em Paris e em outras cidades europeias que se apressaram para passar por essa porta aberta. Nas manifestações de rua, nas redes e nos subúrbios da Europa, aponta-se para o mesmo culpado: o racismo que empesteia tanto a polícia americana quanto a francesa.
A imprensa francesa evitou esse argumento. Mesmo dedicando grandes artigos aos dois episódios, a maioria se recusa - com indignação o Fígaro e condescendência o Libération - a colocar na mesma cesta a polícia americana e a polícia francesa. Os números sublinham essa diferença: a polícia americana mata de oitocentas a mil pessoas por ano. A polícia francesa, menos de trinta.
O recorde é da Inglaterra, que mata apenas 5 pessoas a cada ano. As comparações continuam. Os Estados Unidos são um país terrivelmente violento. As armas de fogo são autorizadas e onipresentes. “Agora”, disse um policial americano, “sempre que estamos lidando com um criminoso, achamos que ele pode estar armado e às vezes sacamos a arma antes dele”.
Na França, ainda que as redes sociais se embebedem com o caso francês e o americano, existem mais restrições. Nos círculos políticos, tudo é silêncio ou reserva. O partido comunista, até agora, não disse nada. Apenas Jean-Luc Mélenchon, eloquente porta-voz das ideias anarco-sindical-trotskistas, explicou que os subúrbios franceses estão em guerra perpétua. Até mesmo Marine Le Pen, que outrora esposava todas as teses negacionistas de seu pai, hoje encaminha uma brilhante carreira política e uma limpeza iconoclasta dos absurdos defendidos por Jean-Marie.
Ela acaba de prestar homenagem ao general De Gaulle. Certamente é uma boa escolha, pois ele sem dúvida foi um dos maiores políticos (franceses) de seu tempo. Sincera adesão de Marine ao gênio do general? Ou, então, Marine só considera proveitoso colocar De Gaulle em seu kit de campanha para as eleições presidenciais que se aproximam - e nas quais ela tem chance?
De qualquer maneira, precisamos conceder que, mesmo se a polícia francesa não puder se igualar à americana, permanece um ponto comum: tanto aqui quanto lá, as relações entre a polícia e os afrodescendentes (e os imigrantes em geral) são violentas. Deve-se dizer que os subúrbios franceses - vastos, abarrotados, habitados por imigrantes malquistos, três vezes mais parados para verificações de identidade do que os transeuntes de pele branca - não são subúrbios felizes. Nessas áreas o desemprego está crescendo como um vírus.
Perdidos diante de uma educação inadequada, os jovens negros “abandonam” o ensino médio muito cedo. O que você pode fazer com as tragédias de Racine, a filosofia de Voltaire ou as equações de Blaise Pascal quando você é pobre, mora mal e não entende a cultura francesa? Adeus, escola!
E olá, solidão, desespero, drogas e subemprego! Assim como as minorias que habitam as cidades americanas, as minorias africanas dos subúrbios franceses estão fadadas a criar “homens e mulheres cheios de raiva”. Nem François Hollande ontem, nem Emmanuel Macron hoje ousaram cuidar desse espinho que gangrena a sociedade francesa. Mal sabem que “os amanhãs cantam”. / Tradução de Renato Prelorentzou