Antes considerado o porta-estandarte nacional de seu partido, o ex-governador de Nova York Andrew Cuomo enfrentou sozinho seu último dia de mandato.
Abandonado por praticamente todos os aliados políticos que já teve, o governador não realizou nenhum evento público nesta segunda-feira, 23, limitando sua aparição a um discurso de despedida pré-gravado, onde desafiadoramente classificou sua demissão como o resultado inevitável de um julgamento precipitado sobre as acusações de assédio sexual que enfrenta.
Cuomo, sentado sozinho e olhando para uma câmera, chamou de"foguete político sobre um tópico explosivo" o contundente relatório de 165 páginas que resultou em seu pedido de renúncia e abriu caminho para sua vice-governadora, Kathy Hochul, assumir o cargo.
Nesta terça-feira, Hochul torna-se a primeira mulher a ocupar o cargo mais alto do Estado. Um evento cerimonial está programado para a manhã; em seguida, ela se encontrará com líderes do Senado e da Assembleia do Estado e fará seu primeiro discurso virtual como governadora às 15h (horário local, 16h no Brasil).
Nas próximas semanas, Hochul enfrentará difíceis decisões políticas enquanto conduz o Estado através de uma terrível crise de saúde pública, uma moratória de despejo prestes a expirar e um verão marcado por violência armada. Ela terá que fazer isso enquanto reúne sua equipe, se apresentando à maioria dos nova-iorquinos e consertando as relações entre o gabinete do governador e a prefeitura, bem como a legislatura estadual.
Questões eleitorais também podem aparecer rapidamente: Hochul, que já disse que pretende concorrer a um mandato completo no ano que vem, teria vantagens significativas no cargo - mas será observada de perto nos próximos meses por outros candidatos democratas à procura de qualquer abertura para derrotá-la.
No final desta semana, ela deve nomear um vice-governador, alguém nascido na cidade de Nova York, enquanto tenta equilibrar sua chapa do ano que vem.
Nos últimos dias, Hochul - que passou grande parte de seu mandato como vice-governadora viajando internamente - visitou líderes em todo o Estado e começou a anunciar novos membros de sua equipe administrativa. Na semana passada, ela nomeou Marissa Shorenstein, uma estrategista experiente de Albany, para chefiar sua equipe de transição; na segunda-feira, anunciou que suas duas principais assessoras serão mulheres: Karen Persichilli Keogh se tornará a secretária da governadora, o cargo indicado mais alto no Estado. Elizabeth Fine será a conselheira de Hochul.
Mesmo assim, Hochul disse que levará até 45 dias para avaliar quem do governo anterior ela pode manter, com Nova York ainda se defendendo de uma pandemia e seus efeitos econômicos.
Cuomo se tornou uma estrela em ascensão durante a pandemia e enfatizou isso em seu discurso de despedida, tentando evocar memórias do que muitos nova-iorquinos mais gostaram em sua liderança. Cuomo relembrou seu pai, o ex-governador Mario M. Cuomo; fez referência aos esforços de sua administração para combater o coronavírus; sugeriu uma lei estadual para obrigar a vacinação e o uso de máscaras em algumas circunstâncias; e evocoua linguagem que usou no início da pandemia.
“Sempre continue firme em Nova York”, aconselhou.
Mas o principal objetivo de Cuomo foi questionar mais uma vez o relatório do procurador-geral do Estado, que confirmou as denúncias de 11 mulheres contra ele, elaborado a partir de milhares de documentos e entrevistas com mais de 179 testemunhas.
Em um sinal de que pode não estar totalmente pronto para sair da arena pública, Cuomo comparou o relatório a um foguete que iniciou uma "debandada política e da mídia", acrescentando no discurso de 15 minutos que "haverá outro momento para falar sobre a verdade e a ética da situação recente que me envolveu. ”
“A verdade é, em última análise, sempre revelada”, disse ele.
Sob imensa pressão política e pública, Cuomo anunciou que renunciaria há duas semanas. Em suas últimas horas, ele decidiu redefinir seu legado, assinalando os esforços de seu governo em temas como energia verde, casamento igualitário e aumento do salário mínimo. Ele também aproveitou a oportunidade para se distanciar da ala mais à esquerda de seu partido, defendendo sua política centrista e fazendo críticas ao movimento “defund the police”, que pede menos verbas para a polícia e mais investimentos em políticas sociais e educacionais.
“Desenvolvemos na última década um novo paradigma de governo neste Estado”, declarou Cuomo. “Um governo que realmente funciona, e realmente trabalha para as pessoas”.
Cuomo se manteve praticamente fora de vista desde que anunciou seus planos de renúncia. Ele apresentou seus papéis de aposentadoria ao Estado, assinou um punhado de projetos de lei e estava ocupado movendo seus pertences para fora da Mansão Executiva em Albany, um lugar que há muito é importante para ele e sua família.
O governador, cujo estilo de governo agressivo se baseava mais no medo do que na cortesia, saiu com poucos aliados políticos ao final de seu mandato. Um senador estadual que pediu anonimato disse ao New York Times que "ninguém ouviu falar dele". O presidente Biden, um amigo de longa data de Cuomo, não fala com ele desde que o relatório do procurador-geral foi divulgado, confirmou um funcionário da Casa Branca na segunda-feira.
Seu círculo íntimo se contraiu. Pessoas que falaram com Cuomo na última semana disseram que ele está convencido de que poderia virar a opinião pública ao longo do tempo- uma crença que ficou evidente no vídeo desta segunda-feira.
Alguns aliados criticaram seu discurso, dizendo que ele foi hipócrita e recheado de auto-engrandecimento e argumentando que Cuomo só renunciou porque sabia que seu impeachment era inevitável - no vídeo, ele afirma ter deixado o cargo porque sua permanência “só causaria paralisia governamental.”
Nos últimos dias, Cuomo reapareceu pessoalmente, realizando duas reuniões informativas relacionadas à tempestade que atingiu a região e instruindo sua advogada pessoal, Rita Glavin, a conduzir uma apresentação virtual de 22 minutos na sexta-feira, destinada a rebater o relatório do procurador-geral. Glavin também procurou lançar dúvidas sobre os relatos de muitas das mulheres que acusaram o governador de comportamento impróprio.
Cuomo deixa o governo com uma plataforma que pode usar para continuar expressando suas queixas, um séquito, grande ou pequeno, de apoiadores leais, cuja admiração ele conquistou durante a pandemia, e um enorme baú de guerra de campanha de US$ 18 milhões, de longe o maior de qualquer político do Estado.
Na segunda-feira, Melissa DeRosa, a principal assessora do governador, emitiu uma declaração buscando conter as especulações sobre o futuro político de Cuomo. DeRosa anunciou seus planos de renunciar dois dias antes de Cuomo, e sua renúncia entrará em vigor à meia-noite também.
“Ele espera passar um tempo com sua família e tem muito que pescar”, disse DeRosa. “Ele está explorando uma série de opções, mas não tem interesse em se candidatar novamente.”
Ainda não está claro onde Cuomo, que não possui propriedade, vai morar depois que ele se mudar da Mansão Executiva, localizada a apenas alguns quarteirões do Capitólio do Estado.
“Tenho certeza de que ele está se despedindo do pessoal da Mansão Executiva, fazendo as malas, se preparando para uma nova situação de vida”, disse Jay Jacobs, o presidente democrata do Estado de Nova York, que pediu a renúncia de Cuomo, mas tem conversado com ele, na semana passada.
“Ele também está terminando o trabalho governamental. Há coisas que precisam ser colocadas no lugar, coisas que precisam ser concluídas”, disse ele.
Uma pessoa próxima ao governador afirmou que ele pensa em alugar uma casa no condado de Westchester, onde morou antes e onde reside sua irmã, Maria Cuomo. Na sexta-feira, caminhões de mudança transportaram caixas da mansão do governador em Albany para a de Maria.