Governo aposta em pragmatismo e trabalha nos bastidores por primeiro telefonema entre Lula e Trump


Parlamentares republicanos e até setor privado podem estabelecer pontes entre presidente do Brasil e futuro líder dos Estados Unidos

Por Felipe Frazão e Vera Rosa
Atualização:

BRASÍLIA - O governo brasileiro espera construir uma relação pragmática entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump. Em campos políticos opostos, eles não possuem relacionamento prévio e têm um histórico de declarações pejorativas um sobre o outro. A vitória de Trump com desempenho acachapante - e torcida contrária do governo Lula - motivou cautela na reação e preocupação com possível influência nos rumos políticos do País.

Integrantes do Palácio do Planalto e da chancelaria brasileira interpretam que tanto Lula quanto Trump já vestiram antes o figurino “pragmático” nas relações internacionais, ao exercer a diplomacia presidencial. Acreditam que eles podem estabelecer entre si um diálogo “produtivo”, a despeito do choque ideológico.

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Ao mesmo tempo, lembram que a relação de 200 anos entre Brasil e Estados Unidos ultrapassa a diplomacia presidencial e que as burocracias de Estado cooperam de forma fluída independentemente da amizade entre os governantes de turno. Há um intercâmbio extenso de interesses privados - e empresários e grupos de pressão, organizados em associações, podem também servir de ponte entre governantes, quando há entraves em alto nível político.

Lula e Trump tomaram lados opostos, mas governo brasileiro quer ponte para estabelecer relação pragmática Foto: Wilton Junior/Estadão (Lula) e Evan Vucci/AP Photo (Trump)

Os EUA são o maior investidor externo no Brasil, com estoque de US$ 230 bilhões; o segundo maior parceiro comercial, com fluxo de US$ 75 bilhões - e abrigam a maior comunidade brasileira no exterior, com 2 milhões de pessoas.

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Os contatos para estabelecer um canal entre ambos foram centralizados na diplomacia em Washington. Diante de um cenário eleitoral incerto, nos últimos meses a embaixada brasileira nos EUA reforçou laços, buscou aproximação com os dois lados na disputa e acompanhou de perto eventos da campanha. A embaixadora Maria Luiza Viotti participou pessoalmente dessa estratégia e agora atua nos contatos com o comitê de Trump.

A expectativa do lado brasileiro é que um primeiro telefonema entre eles possa ocorrer não imediatamente, mas dentro de algumas semanas. Integrantes da diplomacia acreditam que essa interação possa se destravar depois de Trump indicar nomes e estabelecer poderes na sua equipe de transição de governo, ocupantes de cargos-chave na Casa Branca e no Departamento de Estado.

Uma das maneiras de estreitar a relação acima de divisões ideológicas foi o relançamento oficial, em fevereiro deste ano, da frente parlamentar Brasil-Estados Unidos no Congresso americano. Ela é co-presidida pelo republicano Lance Gooden (Texas) e pela democrata Sydney Kamlager-Dove (Califórnia). Embora de maioria democrata, participam do grupo as deputadas republicanas María Elvira Salazar (Flórida) e Claudia Tenney (Nova York). A embaixadora Viotti, com anos de atuação nos EUA e amplos contatos, assistiu ao lançamento da frente.

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Pela via parlamentar, outro possível canal de interação da diplomacia com os republicanos são as comissões de Relações Exteriores da Câmara e do Senado, nas quais congressistas ligados a Trump exercem papel relevante. No ano passado, foi realizada uma audiência no Senado sobre o futuro do relacionamento Brasil-EUA.

O senador republicano Jim Risch (Idaho) vocalizou as queixas. Ele tem sido uma voz constante no colegiado a lembrar de episódios que desagradaram aos EUA, no plano regional com o Brasil, como a mediação da crise política na Venezuela, a influência da Rússia, da China e do Irã na região - países cuja atuação os republicanos não aceitam, seguindo a Doutrina Monroe, e classificam como “atores malignos”.

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A autorização de Lula para dois navios de guerra iranianos, sancionados pelos EUA, aportarem no Rio em 2023 foi motivo de reclamações explícitas. O petista não cedeu à pressão de Washington para proibir que a flotilha atracasse no País. Republicanos também protestaram contra o veto de Lula à venda de munição - um pedido da Alemanha - por receio de que fossem enviadas à Ucrânia.

Em Brasília, diplomatas dizem que Lula já sinalizou abertura e disposição política com a mensagem congratulando Trump e apostam que ambos terão interesse em manter uma boa relação e maturidade para discordar. Nem com Biden, lembram diplomatas, houve sempre concordância - os Estados Unidos se irritaram, por exemplo, com declarações do petista comparando a ação militar de Israel em Gaza ao holocausto e sobre a “ajuda a prolongar a guerra” na Ucrânia, por financiarem e armarem as forças militares de Kiev.

No governo Lula, há quem lembre que Lula desenvolveu uma proximidade com o ex-presidente republicano George W. Bush, apesar dos embates geopolíticos como a oposição frontal à invasão do Iraque. A diferença, agora, é que a oposição a Lula, exercida pelo bolsonarismo, se espelha e tenta colar a imagem em Trump, além de ter contado com o incentivo dele em 2022 - na ocasião o republicano classificou o petista como “lunático” e recomendou voto em Jair Bolsonaro.

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Outra possibilidade em discussão no governo seria estender o convite à Cúpula do G-20 no Rio para Trump ou um representante do futuro governo. Nesse caso, diplomatas destacam a necessidade de um entendimento entre Biden e Trump, similar ao que ocorreu no passado entre a ex-chanceler alemã Angela Merkel e seu sucesssor Olaf Scholz - prestes a deixar o governo, ela o inseriu na agenda internacional, inclusive no G-20 nas últimas semanas de exercício do poder.

Bolsonarismo tenta colar a imagem em Trump, além de ter contado com o incentivo dele em 2022 - na ocasião o republicano classificou o petista como “lunático” e recomendou voto no Bolsonaro. Foto: Alan Santos/PR

Embora seja identificado como isolacionista e agido no passado contra o funcionamento de acordos e fóruns multilaterais - como a OMC e o Acordo de Paris, Trump sempre participou de todas as cúpulas do G-20 durante seu primeiro mandato. Uma dificuldade é que a cúpula será realizada em 18 e 19 de novembro, quando Trump ainda terá agenda doméstica intensa.

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A pauta da cúpula brasileira - combate à fome e pobreza, desenvolvimento sustentável e reforma da governança global - destoa do que Trump defende. Uma preocupação de frente parlamentar é garantir que o próximo governo republicano cumpra uma promessa de Biden e remeta US$ 500 milhões para o Fundo Amazônia em cinco anos - até agora só 10% foi de fato doado.

Lula jamais escondeu a torcida pelos democratas e as coincidências de agenda com o governo Joe Biden. A quatro dias da votação, não só declarou apoio à candidata e vice-presidente Kamala Harris, como também voltou a associar Trump à episódios de violência, intolerância, ódio, mentiras e ao “nazismo e fascismo com outra cara”. Ele culpa Trump por dos ataques à democracia nos EUA, a invasão do Capitólio em 6 de janeiro de 2021, similar aos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, em Brasília.

Agora, a palavra de ordem no governo brasileiro é tentar colocar as diferenças de lado e deixar as declarações mais ofensivas ou provocativas para trás. O recado ficou explícito na mensagem oficial do presidente, publicada rapidamente, como previsto, em reconhecimento ao triunfo trumpista. No texto curto - o único pronunciamento a ser divulgado pelo governo - Lula demonstrou ter abertura para o diálogo, indicam seus assessores.

“Meus parabéns ao presidente Donald Trump pela vitória eleitoral e retorno à presidência dos Estados Unidos. A democracia é a voz do povo e ela deve ser sempre respeitada. O mundo precisa de diálogo e trabalho conjunto para termos mais paz, desenvolvimento e prosperidade. Desejo sorte e sucesso ao novo governo”, afirmou Lula, nas redes sociais.

O governo já previa uma manifestação veloz, se o resultado ficasse claramente demonstrado e um dos candidatos atingisse o mínimo de 270 delegados no colégio eleitoral, feito que Trump consegiu na madrugada desta quarta-feira, dia 6. A aposta era de uma carta a Trump em particular, e de uma nota sucinta em público. Não de telefonema, justamente, por não haver ainda um confiança política criada.

O impacto da vitória de Trump, cujo partido Republicano levou ainda o controle da Câmara e do Senado, foi percebido no governo brasileiro. Um dos primeiros a se manifestar, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que o dia amanheceu “mais tenso” no mundo todo, por causa das declarações de Trump durante a campanha, mas apostou em moderação por parte de um novo governo republicano.

Mesmo diante da liberdade de ação que Trump deverá ter por causa do apoio majoritário no Legislativo, Haddad diz que o tempo poderá “corrigir propostas mais exacerbadas.

“Entre o que foi dito e o que vai ser feito, nós sabemos o que aconteceu no passado. As coisas às vezes não se traduzem na maneira que foram anunciadas. O discurso pós-vitória oficiosa, não é oficial ainda, mas após os primeiros resultados, já é mais moderado do que na campanha.”

O líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), afirmou que “a democracia é o regime político de expressão da vontade da maioria e não da realização de desejos ou vontades individuais” e disse que deseja “a manutenção de diálogo e trabalho conjunto entre Brasil e Estados Unidos”.

“A eleição de Trump é um sinal de alerta para o campo democrático no mundo todo. A polarização se mantém como uma realidade e temos de nos preparar para enfrentá-la também aqui no Brasil, onde a extrema direita já se assanha com o resultado. Temos de fortalecer o campo da democracia em nosso país, mas principalmente dar respostas concretas às necessidade e expectativas do povo, que não cabem na receita neoliberal que o mercado quer impor ao governo e ao País”, afirmou a deputada Gleisi Hoffmann (PT-PR), presidente nacional do partido de Lula.

Na esfera comercial, as atenções estão para o possível tarifaço prometido por Trump. Ele já ameaçou, durante seu primeiro mandato, impor tarifas sobre o aço e alumínio brasileiros. Um observador familiarizado com o assunto diz que o republicano “tende a ser protecionista de maneira geral, porém pragmático” e que um indicador importante para verificar o potencial de atritos com cada país será a existência - e o tamanho - de superávit com os EUA. No caso do Brasil, a balança é deficitária - o País importa mais do que exporta aos norte-americanos.

“Temos de cuidar da nossa casa, qualquer que seja o cenário externo”, disse Haddad. “Há um fenômeno de extrema direita crescente no mundo e isso não é de agora.”

A ordem no governo é por enquanto dar declarações otimistas sobre o impacto da eleição norte-americana e sobre o futuro da economia no Brasil.

Mas, se Trump adotar o pacote anunciado de medidas, a redução da taxa de juros nos EUA pode ficar prejudicada no fim de 2025. Diante desse cenário, a tendência é que a alta dos juros chegue ao Brasil justamente em 2026, quando Lula pretende concorrer a novo mandato.

A leitura política de governistas é de que o triunfo de Trump pode fortalecer o campo do ex-presidente Bolsonaro e seu grupo político. Inelegível até 2030, Bolsonaro está convencido de que conseguirá derrubar essa restrição e tenta se manter em evidência para controlar os rumos da direita.

Bolsonaristas ecoam a esperança de que Trump venha a exercer pressão por isso, principalmente, sobre o Supremo Tribunal Federal (STF). Eleito como inimigo preferencial do bolsonarismo, o tribunal e o ministro Alexandre de Moraes recentemente enfrentaram a desobediência processual de Elon Musk, o bilionário que também foi cabo eleitoral de Trump e controla a rede X (antigo Twitter).

BRASÍLIA - O governo brasileiro espera construir uma relação pragmática entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump. Em campos políticos opostos, eles não possuem relacionamento prévio e têm um histórico de declarações pejorativas um sobre o outro. A vitória de Trump com desempenho acachapante - e torcida contrária do governo Lula - motivou cautela na reação e preocupação com possível influência nos rumos políticos do País.

Integrantes do Palácio do Planalto e da chancelaria brasileira interpretam que tanto Lula quanto Trump já vestiram antes o figurino “pragmático” nas relações internacionais, ao exercer a diplomacia presidencial. Acreditam que eles podem estabelecer entre si um diálogo “produtivo”, a despeito do choque ideológico.

Ao mesmo tempo, lembram que a relação de 200 anos entre Brasil e Estados Unidos ultrapassa a diplomacia presidencial e que as burocracias de Estado cooperam de forma fluída independentemente da amizade entre os governantes de turno. Há um intercâmbio extenso de interesses privados - e empresários e grupos de pressão, organizados em associações, podem também servir de ponte entre governantes, quando há entraves em alto nível político.

Lula e Trump tomaram lados opostos, mas governo brasileiro quer ponte para estabelecer relação pragmática Foto: Wilton Junior/Estadão (Lula) e Evan Vucci/AP Photo (Trump)

Os EUA são o maior investidor externo no Brasil, com estoque de US$ 230 bilhões; o segundo maior parceiro comercial, com fluxo de US$ 75 bilhões - e abrigam a maior comunidade brasileira no exterior, com 2 milhões de pessoas.

Os contatos para estabelecer um canal entre ambos foram centralizados na diplomacia em Washington. Diante de um cenário eleitoral incerto, nos últimos meses a embaixada brasileira nos EUA reforçou laços, buscou aproximação com os dois lados na disputa e acompanhou de perto eventos da campanha. A embaixadora Maria Luiza Viotti participou pessoalmente dessa estratégia e agora atua nos contatos com o comitê de Trump.

A expectativa do lado brasileiro é que um primeiro telefonema entre eles possa ocorrer não imediatamente, mas dentro de algumas semanas. Integrantes da diplomacia acreditam que essa interação possa se destravar depois de Trump indicar nomes e estabelecer poderes na sua equipe de transição de governo, ocupantes de cargos-chave na Casa Branca e no Departamento de Estado.

Uma das maneiras de estreitar a relação acima de divisões ideológicas foi o relançamento oficial, em fevereiro deste ano, da frente parlamentar Brasil-Estados Unidos no Congresso americano. Ela é co-presidida pelo republicano Lance Gooden (Texas) e pela democrata Sydney Kamlager-Dove (Califórnia). Embora de maioria democrata, participam do grupo as deputadas republicanas María Elvira Salazar (Flórida) e Claudia Tenney (Nova York). A embaixadora Viotti, com anos de atuação nos EUA e amplos contatos, assistiu ao lançamento da frente.

Pela via parlamentar, outro possível canal de interação da diplomacia com os republicanos são as comissões de Relações Exteriores da Câmara e do Senado, nas quais congressistas ligados a Trump exercem papel relevante. No ano passado, foi realizada uma audiência no Senado sobre o futuro do relacionamento Brasil-EUA.

O senador republicano Jim Risch (Idaho) vocalizou as queixas. Ele tem sido uma voz constante no colegiado a lembrar de episódios que desagradaram aos EUA, no plano regional com o Brasil, como a mediação da crise política na Venezuela, a influência da Rússia, da China e do Irã na região - países cuja atuação os republicanos não aceitam, seguindo a Doutrina Monroe, e classificam como “atores malignos”.

A autorização de Lula para dois navios de guerra iranianos, sancionados pelos EUA, aportarem no Rio em 2023 foi motivo de reclamações explícitas. O petista não cedeu à pressão de Washington para proibir que a flotilha atracasse no País. Republicanos também protestaram contra o veto de Lula à venda de munição - um pedido da Alemanha - por receio de que fossem enviadas à Ucrânia.

Em Brasília, diplomatas dizem que Lula já sinalizou abertura e disposição política com a mensagem congratulando Trump e apostam que ambos terão interesse em manter uma boa relação e maturidade para discordar. Nem com Biden, lembram diplomatas, houve sempre concordância - os Estados Unidos se irritaram, por exemplo, com declarações do petista comparando a ação militar de Israel em Gaza ao holocausto e sobre a “ajuda a prolongar a guerra” na Ucrânia, por financiarem e armarem as forças militares de Kiev.

No governo Lula, há quem lembre que Lula desenvolveu uma proximidade com o ex-presidente republicano George W. Bush, apesar dos embates geopolíticos como a oposição frontal à invasão do Iraque. A diferença, agora, é que a oposição a Lula, exercida pelo bolsonarismo, se espelha e tenta colar a imagem em Trump, além de ter contado com o incentivo dele em 2022 - na ocasião o republicano classificou o petista como “lunático” e recomendou voto em Jair Bolsonaro.

Outra possibilidade em discussão no governo seria estender o convite à Cúpula do G-20 no Rio para Trump ou um representante do futuro governo. Nesse caso, diplomatas destacam a necessidade de um entendimento entre Biden e Trump, similar ao que ocorreu no passado entre a ex-chanceler alemã Angela Merkel e seu sucesssor Olaf Scholz - prestes a deixar o governo, ela o inseriu na agenda internacional, inclusive no G-20 nas últimas semanas de exercício do poder.

Bolsonarismo tenta colar a imagem em Trump, além de ter contado com o incentivo dele em 2022 - na ocasião o republicano classificou o petista como “lunático” e recomendou voto no Bolsonaro. Foto: Alan Santos/PR

Embora seja identificado como isolacionista e agido no passado contra o funcionamento de acordos e fóruns multilaterais - como a OMC e o Acordo de Paris, Trump sempre participou de todas as cúpulas do G-20 durante seu primeiro mandato. Uma dificuldade é que a cúpula será realizada em 18 e 19 de novembro, quando Trump ainda terá agenda doméstica intensa.

A pauta da cúpula brasileira - combate à fome e pobreza, desenvolvimento sustentável e reforma da governança global - destoa do que Trump defende. Uma preocupação de frente parlamentar é garantir que o próximo governo republicano cumpra uma promessa de Biden e remeta US$ 500 milhões para o Fundo Amazônia em cinco anos - até agora só 10% foi de fato doado.

Lula jamais escondeu a torcida pelos democratas e as coincidências de agenda com o governo Joe Biden. A quatro dias da votação, não só declarou apoio à candidata e vice-presidente Kamala Harris, como também voltou a associar Trump à episódios de violência, intolerância, ódio, mentiras e ao “nazismo e fascismo com outra cara”. Ele culpa Trump por dos ataques à democracia nos EUA, a invasão do Capitólio em 6 de janeiro de 2021, similar aos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, em Brasília.

Agora, a palavra de ordem no governo brasileiro é tentar colocar as diferenças de lado e deixar as declarações mais ofensivas ou provocativas para trás. O recado ficou explícito na mensagem oficial do presidente, publicada rapidamente, como previsto, em reconhecimento ao triunfo trumpista. No texto curto - o único pronunciamento a ser divulgado pelo governo - Lula demonstrou ter abertura para o diálogo, indicam seus assessores.

“Meus parabéns ao presidente Donald Trump pela vitória eleitoral e retorno à presidência dos Estados Unidos. A democracia é a voz do povo e ela deve ser sempre respeitada. O mundo precisa de diálogo e trabalho conjunto para termos mais paz, desenvolvimento e prosperidade. Desejo sorte e sucesso ao novo governo”, afirmou Lula, nas redes sociais.

O governo já previa uma manifestação veloz, se o resultado ficasse claramente demonstrado e um dos candidatos atingisse o mínimo de 270 delegados no colégio eleitoral, feito que Trump consegiu na madrugada desta quarta-feira, dia 6. A aposta era de uma carta a Trump em particular, e de uma nota sucinta em público. Não de telefonema, justamente, por não haver ainda um confiança política criada.

O impacto da vitória de Trump, cujo partido Republicano levou ainda o controle da Câmara e do Senado, foi percebido no governo brasileiro. Um dos primeiros a se manifestar, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que o dia amanheceu “mais tenso” no mundo todo, por causa das declarações de Trump durante a campanha, mas apostou em moderação por parte de um novo governo republicano.

Mesmo diante da liberdade de ação que Trump deverá ter por causa do apoio majoritário no Legislativo, Haddad diz que o tempo poderá “corrigir propostas mais exacerbadas.

“Entre o que foi dito e o que vai ser feito, nós sabemos o que aconteceu no passado. As coisas às vezes não se traduzem na maneira que foram anunciadas. O discurso pós-vitória oficiosa, não é oficial ainda, mas após os primeiros resultados, já é mais moderado do que na campanha.”

O líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), afirmou que “a democracia é o regime político de expressão da vontade da maioria e não da realização de desejos ou vontades individuais” e disse que deseja “a manutenção de diálogo e trabalho conjunto entre Brasil e Estados Unidos”.

“A eleição de Trump é um sinal de alerta para o campo democrático no mundo todo. A polarização se mantém como uma realidade e temos de nos preparar para enfrentá-la também aqui no Brasil, onde a extrema direita já se assanha com o resultado. Temos de fortalecer o campo da democracia em nosso país, mas principalmente dar respostas concretas às necessidade e expectativas do povo, que não cabem na receita neoliberal que o mercado quer impor ao governo e ao País”, afirmou a deputada Gleisi Hoffmann (PT-PR), presidente nacional do partido de Lula.

Na esfera comercial, as atenções estão para o possível tarifaço prometido por Trump. Ele já ameaçou, durante seu primeiro mandato, impor tarifas sobre o aço e alumínio brasileiros. Um observador familiarizado com o assunto diz que o republicano “tende a ser protecionista de maneira geral, porém pragmático” e que um indicador importante para verificar o potencial de atritos com cada país será a existência - e o tamanho - de superávit com os EUA. No caso do Brasil, a balança é deficitária - o País importa mais do que exporta aos norte-americanos.

“Temos de cuidar da nossa casa, qualquer que seja o cenário externo”, disse Haddad. “Há um fenômeno de extrema direita crescente no mundo e isso não é de agora.”

A ordem no governo é por enquanto dar declarações otimistas sobre o impacto da eleição norte-americana e sobre o futuro da economia no Brasil.

Mas, se Trump adotar o pacote anunciado de medidas, a redução da taxa de juros nos EUA pode ficar prejudicada no fim de 2025. Diante desse cenário, a tendência é que a alta dos juros chegue ao Brasil justamente em 2026, quando Lula pretende concorrer a novo mandato.

A leitura política de governistas é de que o triunfo de Trump pode fortalecer o campo do ex-presidente Bolsonaro e seu grupo político. Inelegível até 2030, Bolsonaro está convencido de que conseguirá derrubar essa restrição e tenta se manter em evidência para controlar os rumos da direita.

Bolsonaristas ecoam a esperança de que Trump venha a exercer pressão por isso, principalmente, sobre o Supremo Tribunal Federal (STF). Eleito como inimigo preferencial do bolsonarismo, o tribunal e o ministro Alexandre de Moraes recentemente enfrentaram a desobediência processual de Elon Musk, o bilionário que também foi cabo eleitoral de Trump e controla a rede X (antigo Twitter).

BRASÍLIA - O governo brasileiro espera construir uma relação pragmática entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump. Em campos políticos opostos, eles não possuem relacionamento prévio e têm um histórico de declarações pejorativas um sobre o outro. A vitória de Trump com desempenho acachapante - e torcida contrária do governo Lula - motivou cautela na reação e preocupação com possível influência nos rumos políticos do País.

Integrantes do Palácio do Planalto e da chancelaria brasileira interpretam que tanto Lula quanto Trump já vestiram antes o figurino “pragmático” nas relações internacionais, ao exercer a diplomacia presidencial. Acreditam que eles podem estabelecer entre si um diálogo “produtivo”, a despeito do choque ideológico.

Ao mesmo tempo, lembram que a relação de 200 anos entre Brasil e Estados Unidos ultrapassa a diplomacia presidencial e que as burocracias de Estado cooperam de forma fluída independentemente da amizade entre os governantes de turno. Há um intercâmbio extenso de interesses privados - e empresários e grupos de pressão, organizados em associações, podem também servir de ponte entre governantes, quando há entraves em alto nível político.

Lula e Trump tomaram lados opostos, mas governo brasileiro quer ponte para estabelecer relação pragmática Foto: Wilton Junior/Estadão (Lula) e Evan Vucci/AP Photo (Trump)

Os EUA são o maior investidor externo no Brasil, com estoque de US$ 230 bilhões; o segundo maior parceiro comercial, com fluxo de US$ 75 bilhões - e abrigam a maior comunidade brasileira no exterior, com 2 milhões de pessoas.

Os contatos para estabelecer um canal entre ambos foram centralizados na diplomacia em Washington. Diante de um cenário eleitoral incerto, nos últimos meses a embaixada brasileira nos EUA reforçou laços, buscou aproximação com os dois lados na disputa e acompanhou de perto eventos da campanha. A embaixadora Maria Luiza Viotti participou pessoalmente dessa estratégia e agora atua nos contatos com o comitê de Trump.

A expectativa do lado brasileiro é que um primeiro telefonema entre eles possa ocorrer não imediatamente, mas dentro de algumas semanas. Integrantes da diplomacia acreditam que essa interação possa se destravar depois de Trump indicar nomes e estabelecer poderes na sua equipe de transição de governo, ocupantes de cargos-chave na Casa Branca e no Departamento de Estado.

Uma das maneiras de estreitar a relação acima de divisões ideológicas foi o relançamento oficial, em fevereiro deste ano, da frente parlamentar Brasil-Estados Unidos no Congresso americano. Ela é co-presidida pelo republicano Lance Gooden (Texas) e pela democrata Sydney Kamlager-Dove (Califórnia). Embora de maioria democrata, participam do grupo as deputadas republicanas María Elvira Salazar (Flórida) e Claudia Tenney (Nova York). A embaixadora Viotti, com anos de atuação nos EUA e amplos contatos, assistiu ao lançamento da frente.

Pela via parlamentar, outro possível canal de interação da diplomacia com os republicanos são as comissões de Relações Exteriores da Câmara e do Senado, nas quais congressistas ligados a Trump exercem papel relevante. No ano passado, foi realizada uma audiência no Senado sobre o futuro do relacionamento Brasil-EUA.

O senador republicano Jim Risch (Idaho) vocalizou as queixas. Ele tem sido uma voz constante no colegiado a lembrar de episódios que desagradaram aos EUA, no plano regional com o Brasil, como a mediação da crise política na Venezuela, a influência da Rússia, da China e do Irã na região - países cuja atuação os republicanos não aceitam, seguindo a Doutrina Monroe, e classificam como “atores malignos”.

A autorização de Lula para dois navios de guerra iranianos, sancionados pelos EUA, aportarem no Rio em 2023 foi motivo de reclamações explícitas. O petista não cedeu à pressão de Washington para proibir que a flotilha atracasse no País. Republicanos também protestaram contra o veto de Lula à venda de munição - um pedido da Alemanha - por receio de que fossem enviadas à Ucrânia.

Em Brasília, diplomatas dizem que Lula já sinalizou abertura e disposição política com a mensagem congratulando Trump e apostam que ambos terão interesse em manter uma boa relação e maturidade para discordar. Nem com Biden, lembram diplomatas, houve sempre concordância - os Estados Unidos se irritaram, por exemplo, com declarações do petista comparando a ação militar de Israel em Gaza ao holocausto e sobre a “ajuda a prolongar a guerra” na Ucrânia, por financiarem e armarem as forças militares de Kiev.

No governo Lula, há quem lembre que Lula desenvolveu uma proximidade com o ex-presidente republicano George W. Bush, apesar dos embates geopolíticos como a oposição frontal à invasão do Iraque. A diferença, agora, é que a oposição a Lula, exercida pelo bolsonarismo, se espelha e tenta colar a imagem em Trump, além de ter contado com o incentivo dele em 2022 - na ocasião o republicano classificou o petista como “lunático” e recomendou voto em Jair Bolsonaro.

Outra possibilidade em discussão no governo seria estender o convite à Cúpula do G-20 no Rio para Trump ou um representante do futuro governo. Nesse caso, diplomatas destacam a necessidade de um entendimento entre Biden e Trump, similar ao que ocorreu no passado entre a ex-chanceler alemã Angela Merkel e seu sucesssor Olaf Scholz - prestes a deixar o governo, ela o inseriu na agenda internacional, inclusive no G-20 nas últimas semanas de exercício do poder.

Bolsonarismo tenta colar a imagem em Trump, além de ter contado com o incentivo dele em 2022 - na ocasião o republicano classificou o petista como “lunático” e recomendou voto no Bolsonaro. Foto: Alan Santos/PR

Embora seja identificado como isolacionista e agido no passado contra o funcionamento de acordos e fóruns multilaterais - como a OMC e o Acordo de Paris, Trump sempre participou de todas as cúpulas do G-20 durante seu primeiro mandato. Uma dificuldade é que a cúpula será realizada em 18 e 19 de novembro, quando Trump ainda terá agenda doméstica intensa.

A pauta da cúpula brasileira - combate à fome e pobreza, desenvolvimento sustentável e reforma da governança global - destoa do que Trump defende. Uma preocupação de frente parlamentar é garantir que o próximo governo republicano cumpra uma promessa de Biden e remeta US$ 500 milhões para o Fundo Amazônia em cinco anos - até agora só 10% foi de fato doado.

Lula jamais escondeu a torcida pelos democratas e as coincidências de agenda com o governo Joe Biden. A quatro dias da votação, não só declarou apoio à candidata e vice-presidente Kamala Harris, como também voltou a associar Trump à episódios de violência, intolerância, ódio, mentiras e ao “nazismo e fascismo com outra cara”. Ele culpa Trump por dos ataques à democracia nos EUA, a invasão do Capitólio em 6 de janeiro de 2021, similar aos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, em Brasília.

Agora, a palavra de ordem no governo brasileiro é tentar colocar as diferenças de lado e deixar as declarações mais ofensivas ou provocativas para trás. O recado ficou explícito na mensagem oficial do presidente, publicada rapidamente, como previsto, em reconhecimento ao triunfo trumpista. No texto curto - o único pronunciamento a ser divulgado pelo governo - Lula demonstrou ter abertura para o diálogo, indicam seus assessores.

“Meus parabéns ao presidente Donald Trump pela vitória eleitoral e retorno à presidência dos Estados Unidos. A democracia é a voz do povo e ela deve ser sempre respeitada. O mundo precisa de diálogo e trabalho conjunto para termos mais paz, desenvolvimento e prosperidade. Desejo sorte e sucesso ao novo governo”, afirmou Lula, nas redes sociais.

O governo já previa uma manifestação veloz, se o resultado ficasse claramente demonstrado e um dos candidatos atingisse o mínimo de 270 delegados no colégio eleitoral, feito que Trump consegiu na madrugada desta quarta-feira, dia 6. A aposta era de uma carta a Trump em particular, e de uma nota sucinta em público. Não de telefonema, justamente, por não haver ainda um confiança política criada.

O impacto da vitória de Trump, cujo partido Republicano levou ainda o controle da Câmara e do Senado, foi percebido no governo brasileiro. Um dos primeiros a se manifestar, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que o dia amanheceu “mais tenso” no mundo todo, por causa das declarações de Trump durante a campanha, mas apostou em moderação por parte de um novo governo republicano.

Mesmo diante da liberdade de ação que Trump deverá ter por causa do apoio majoritário no Legislativo, Haddad diz que o tempo poderá “corrigir propostas mais exacerbadas.

“Entre o que foi dito e o que vai ser feito, nós sabemos o que aconteceu no passado. As coisas às vezes não se traduzem na maneira que foram anunciadas. O discurso pós-vitória oficiosa, não é oficial ainda, mas após os primeiros resultados, já é mais moderado do que na campanha.”

O líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), afirmou que “a democracia é o regime político de expressão da vontade da maioria e não da realização de desejos ou vontades individuais” e disse que deseja “a manutenção de diálogo e trabalho conjunto entre Brasil e Estados Unidos”.

“A eleição de Trump é um sinal de alerta para o campo democrático no mundo todo. A polarização se mantém como uma realidade e temos de nos preparar para enfrentá-la também aqui no Brasil, onde a extrema direita já se assanha com o resultado. Temos de fortalecer o campo da democracia em nosso país, mas principalmente dar respostas concretas às necessidade e expectativas do povo, que não cabem na receita neoliberal que o mercado quer impor ao governo e ao País”, afirmou a deputada Gleisi Hoffmann (PT-PR), presidente nacional do partido de Lula.

Na esfera comercial, as atenções estão para o possível tarifaço prometido por Trump. Ele já ameaçou, durante seu primeiro mandato, impor tarifas sobre o aço e alumínio brasileiros. Um observador familiarizado com o assunto diz que o republicano “tende a ser protecionista de maneira geral, porém pragmático” e que um indicador importante para verificar o potencial de atritos com cada país será a existência - e o tamanho - de superávit com os EUA. No caso do Brasil, a balança é deficitária - o País importa mais do que exporta aos norte-americanos.

“Temos de cuidar da nossa casa, qualquer que seja o cenário externo”, disse Haddad. “Há um fenômeno de extrema direita crescente no mundo e isso não é de agora.”

A ordem no governo é por enquanto dar declarações otimistas sobre o impacto da eleição norte-americana e sobre o futuro da economia no Brasil.

Mas, se Trump adotar o pacote anunciado de medidas, a redução da taxa de juros nos EUA pode ficar prejudicada no fim de 2025. Diante desse cenário, a tendência é que a alta dos juros chegue ao Brasil justamente em 2026, quando Lula pretende concorrer a novo mandato.

A leitura política de governistas é de que o triunfo de Trump pode fortalecer o campo do ex-presidente Bolsonaro e seu grupo político. Inelegível até 2030, Bolsonaro está convencido de que conseguirá derrubar essa restrição e tenta se manter em evidência para controlar os rumos da direita.

Bolsonaristas ecoam a esperança de que Trump venha a exercer pressão por isso, principalmente, sobre o Supremo Tribunal Federal (STF). Eleito como inimigo preferencial do bolsonarismo, o tribunal e o ministro Alexandre de Moraes recentemente enfrentaram a desobediência processual de Elon Musk, o bilionário que também foi cabo eleitoral de Trump e controla a rede X (antigo Twitter).

BRASÍLIA - O governo brasileiro espera construir uma relação pragmática entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump. Em campos políticos opostos, eles não possuem relacionamento prévio e têm um histórico de declarações pejorativas um sobre o outro. A vitória de Trump com desempenho acachapante - e torcida contrária do governo Lula - motivou cautela na reação e preocupação com possível influência nos rumos políticos do País.

Integrantes do Palácio do Planalto e da chancelaria brasileira interpretam que tanto Lula quanto Trump já vestiram antes o figurino “pragmático” nas relações internacionais, ao exercer a diplomacia presidencial. Acreditam que eles podem estabelecer entre si um diálogo “produtivo”, a despeito do choque ideológico.

Ao mesmo tempo, lembram que a relação de 200 anos entre Brasil e Estados Unidos ultrapassa a diplomacia presidencial e que as burocracias de Estado cooperam de forma fluída independentemente da amizade entre os governantes de turno. Há um intercâmbio extenso de interesses privados - e empresários e grupos de pressão, organizados em associações, podem também servir de ponte entre governantes, quando há entraves em alto nível político.

Lula e Trump tomaram lados opostos, mas governo brasileiro quer ponte para estabelecer relação pragmática Foto: Wilton Junior/Estadão (Lula) e Evan Vucci/AP Photo (Trump)

Os EUA são o maior investidor externo no Brasil, com estoque de US$ 230 bilhões; o segundo maior parceiro comercial, com fluxo de US$ 75 bilhões - e abrigam a maior comunidade brasileira no exterior, com 2 milhões de pessoas.

Os contatos para estabelecer um canal entre ambos foram centralizados na diplomacia em Washington. Diante de um cenário eleitoral incerto, nos últimos meses a embaixada brasileira nos EUA reforçou laços, buscou aproximação com os dois lados na disputa e acompanhou de perto eventos da campanha. A embaixadora Maria Luiza Viotti participou pessoalmente dessa estratégia e agora atua nos contatos com o comitê de Trump.

A expectativa do lado brasileiro é que um primeiro telefonema entre eles possa ocorrer não imediatamente, mas dentro de algumas semanas. Integrantes da diplomacia acreditam que essa interação possa se destravar depois de Trump indicar nomes e estabelecer poderes na sua equipe de transição de governo, ocupantes de cargos-chave na Casa Branca e no Departamento de Estado.

Uma das maneiras de estreitar a relação acima de divisões ideológicas foi o relançamento oficial, em fevereiro deste ano, da frente parlamentar Brasil-Estados Unidos no Congresso americano. Ela é co-presidida pelo republicano Lance Gooden (Texas) e pela democrata Sydney Kamlager-Dove (Califórnia). Embora de maioria democrata, participam do grupo as deputadas republicanas María Elvira Salazar (Flórida) e Claudia Tenney (Nova York). A embaixadora Viotti, com anos de atuação nos EUA e amplos contatos, assistiu ao lançamento da frente.

Pela via parlamentar, outro possível canal de interação da diplomacia com os republicanos são as comissões de Relações Exteriores da Câmara e do Senado, nas quais congressistas ligados a Trump exercem papel relevante. No ano passado, foi realizada uma audiência no Senado sobre o futuro do relacionamento Brasil-EUA.

O senador republicano Jim Risch (Idaho) vocalizou as queixas. Ele tem sido uma voz constante no colegiado a lembrar de episódios que desagradaram aos EUA, no plano regional com o Brasil, como a mediação da crise política na Venezuela, a influência da Rússia, da China e do Irã na região - países cuja atuação os republicanos não aceitam, seguindo a Doutrina Monroe, e classificam como “atores malignos”.

A autorização de Lula para dois navios de guerra iranianos, sancionados pelos EUA, aportarem no Rio em 2023 foi motivo de reclamações explícitas. O petista não cedeu à pressão de Washington para proibir que a flotilha atracasse no País. Republicanos também protestaram contra o veto de Lula à venda de munição - um pedido da Alemanha - por receio de que fossem enviadas à Ucrânia.

Em Brasília, diplomatas dizem que Lula já sinalizou abertura e disposição política com a mensagem congratulando Trump e apostam que ambos terão interesse em manter uma boa relação e maturidade para discordar. Nem com Biden, lembram diplomatas, houve sempre concordância - os Estados Unidos se irritaram, por exemplo, com declarações do petista comparando a ação militar de Israel em Gaza ao holocausto e sobre a “ajuda a prolongar a guerra” na Ucrânia, por financiarem e armarem as forças militares de Kiev.

No governo Lula, há quem lembre que Lula desenvolveu uma proximidade com o ex-presidente republicano George W. Bush, apesar dos embates geopolíticos como a oposição frontal à invasão do Iraque. A diferença, agora, é que a oposição a Lula, exercida pelo bolsonarismo, se espelha e tenta colar a imagem em Trump, além de ter contado com o incentivo dele em 2022 - na ocasião o republicano classificou o petista como “lunático” e recomendou voto em Jair Bolsonaro.

Outra possibilidade em discussão no governo seria estender o convite à Cúpula do G-20 no Rio para Trump ou um representante do futuro governo. Nesse caso, diplomatas destacam a necessidade de um entendimento entre Biden e Trump, similar ao que ocorreu no passado entre a ex-chanceler alemã Angela Merkel e seu sucesssor Olaf Scholz - prestes a deixar o governo, ela o inseriu na agenda internacional, inclusive no G-20 nas últimas semanas de exercício do poder.

Bolsonarismo tenta colar a imagem em Trump, além de ter contado com o incentivo dele em 2022 - na ocasião o republicano classificou o petista como “lunático” e recomendou voto no Bolsonaro. Foto: Alan Santos/PR

Embora seja identificado como isolacionista e agido no passado contra o funcionamento de acordos e fóruns multilaterais - como a OMC e o Acordo de Paris, Trump sempre participou de todas as cúpulas do G-20 durante seu primeiro mandato. Uma dificuldade é que a cúpula será realizada em 18 e 19 de novembro, quando Trump ainda terá agenda doméstica intensa.

A pauta da cúpula brasileira - combate à fome e pobreza, desenvolvimento sustentável e reforma da governança global - destoa do que Trump defende. Uma preocupação de frente parlamentar é garantir que o próximo governo republicano cumpra uma promessa de Biden e remeta US$ 500 milhões para o Fundo Amazônia em cinco anos - até agora só 10% foi de fato doado.

Lula jamais escondeu a torcida pelos democratas e as coincidências de agenda com o governo Joe Biden. A quatro dias da votação, não só declarou apoio à candidata e vice-presidente Kamala Harris, como também voltou a associar Trump à episódios de violência, intolerância, ódio, mentiras e ao “nazismo e fascismo com outra cara”. Ele culpa Trump por dos ataques à democracia nos EUA, a invasão do Capitólio em 6 de janeiro de 2021, similar aos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, em Brasília.

Agora, a palavra de ordem no governo brasileiro é tentar colocar as diferenças de lado e deixar as declarações mais ofensivas ou provocativas para trás. O recado ficou explícito na mensagem oficial do presidente, publicada rapidamente, como previsto, em reconhecimento ao triunfo trumpista. No texto curto - o único pronunciamento a ser divulgado pelo governo - Lula demonstrou ter abertura para o diálogo, indicam seus assessores.

“Meus parabéns ao presidente Donald Trump pela vitória eleitoral e retorno à presidência dos Estados Unidos. A democracia é a voz do povo e ela deve ser sempre respeitada. O mundo precisa de diálogo e trabalho conjunto para termos mais paz, desenvolvimento e prosperidade. Desejo sorte e sucesso ao novo governo”, afirmou Lula, nas redes sociais.

O governo já previa uma manifestação veloz, se o resultado ficasse claramente demonstrado e um dos candidatos atingisse o mínimo de 270 delegados no colégio eleitoral, feito que Trump consegiu na madrugada desta quarta-feira, dia 6. A aposta era de uma carta a Trump em particular, e de uma nota sucinta em público. Não de telefonema, justamente, por não haver ainda um confiança política criada.

O impacto da vitória de Trump, cujo partido Republicano levou ainda o controle da Câmara e do Senado, foi percebido no governo brasileiro. Um dos primeiros a se manifestar, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que o dia amanheceu “mais tenso” no mundo todo, por causa das declarações de Trump durante a campanha, mas apostou em moderação por parte de um novo governo republicano.

Mesmo diante da liberdade de ação que Trump deverá ter por causa do apoio majoritário no Legislativo, Haddad diz que o tempo poderá “corrigir propostas mais exacerbadas.

“Entre o que foi dito e o que vai ser feito, nós sabemos o que aconteceu no passado. As coisas às vezes não se traduzem na maneira que foram anunciadas. O discurso pós-vitória oficiosa, não é oficial ainda, mas após os primeiros resultados, já é mais moderado do que na campanha.”

O líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), afirmou que “a democracia é o regime político de expressão da vontade da maioria e não da realização de desejos ou vontades individuais” e disse que deseja “a manutenção de diálogo e trabalho conjunto entre Brasil e Estados Unidos”.

“A eleição de Trump é um sinal de alerta para o campo democrático no mundo todo. A polarização se mantém como uma realidade e temos de nos preparar para enfrentá-la também aqui no Brasil, onde a extrema direita já se assanha com o resultado. Temos de fortalecer o campo da democracia em nosso país, mas principalmente dar respostas concretas às necessidade e expectativas do povo, que não cabem na receita neoliberal que o mercado quer impor ao governo e ao País”, afirmou a deputada Gleisi Hoffmann (PT-PR), presidente nacional do partido de Lula.

Na esfera comercial, as atenções estão para o possível tarifaço prometido por Trump. Ele já ameaçou, durante seu primeiro mandato, impor tarifas sobre o aço e alumínio brasileiros. Um observador familiarizado com o assunto diz que o republicano “tende a ser protecionista de maneira geral, porém pragmático” e que um indicador importante para verificar o potencial de atritos com cada país será a existência - e o tamanho - de superávit com os EUA. No caso do Brasil, a balança é deficitária - o País importa mais do que exporta aos norte-americanos.

“Temos de cuidar da nossa casa, qualquer que seja o cenário externo”, disse Haddad. “Há um fenômeno de extrema direita crescente no mundo e isso não é de agora.”

A ordem no governo é por enquanto dar declarações otimistas sobre o impacto da eleição norte-americana e sobre o futuro da economia no Brasil.

Mas, se Trump adotar o pacote anunciado de medidas, a redução da taxa de juros nos EUA pode ficar prejudicada no fim de 2025. Diante desse cenário, a tendência é que a alta dos juros chegue ao Brasil justamente em 2026, quando Lula pretende concorrer a novo mandato.

A leitura política de governistas é de que o triunfo de Trump pode fortalecer o campo do ex-presidente Bolsonaro e seu grupo político. Inelegível até 2030, Bolsonaro está convencido de que conseguirá derrubar essa restrição e tenta se manter em evidência para controlar os rumos da direita.

Bolsonaristas ecoam a esperança de que Trump venha a exercer pressão por isso, principalmente, sobre o Supremo Tribunal Federal (STF). Eleito como inimigo preferencial do bolsonarismo, o tribunal e o ministro Alexandre de Moraes recentemente enfrentaram a desobediência processual de Elon Musk, o bilionário que também foi cabo eleitoral de Trump e controla a rede X (antigo Twitter).

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