BRASÍLIA - O embaixador de Israel em Brasília, Daniel Zonshine, foi convocado nesta segunda-feira, 19, para prestar esclarecimentos ao Itamaraty sobre o tratamento dado pela diplomacia israelense ao embaixador brasileiro em Tel-Aviv, Frederico Meyer. Ele saiu da reunião sem falar com a imprensa.
Também nesta segunda, Meyer recebeu uma reprimenda pública do governo israelense pelas declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva comparando a guerra de Israel contra o grupo terrorista Hamas ao Holocausto. Na reunião em Jerusalém, o petista foi declarado persona non grata em Israel.
“O que está acontecendo em Gaza não aconteceu em nenhum outro momento histórico, só quando Hitler resolveu matar os judeus”, disse Lula em coletiva de imprensa no domingo, em Adis Abeba, Etiópia. “Não é uma guerra entre soldados e soldados, é uma guerra entre um Exército altamente preparado e mulheres e crianças. Não é uma guerra, é um genocídio.”
A declaração de Lula é a mais recente de uma série de críticas a atuação de Israel do Hamas em Gaza. Desde os atentados de 7 de outubro, o presidente repudiou os ataques do Hamas e condenou a resposta israelense, que chamou, mais de uma vez, de genocídio.
A comparação da atuação militar de Israel ao Holocausto, quando 6 milhões de judeus foram exterminados pelos nazistas, é considerada um tipo de antissemitismo, por tentar equiparar as vítimas a seus algozes.
Essa é a quarta vez que Zonshine foi convocado pelo Itamaraty para conversas de reprimenda desde o início do governo, informaram fontes diplomáticas ao Estadão. A quantidade de reclamações mostra o grau e a recorrência de desgastes no relacionamento recente entre o governo Lula e Israel.
Graus de insatisfação
Na linguagem diplomática, a convocação para reprimenda de um embaixador pela chancelaria do país no qual ele reside é o primeiro sinal de descontentamento na relação bilateral. Um segundo passo, de maior gravidade, é quando um governo manda seu embaixador no país onde ocorre a crise voltar para consultas. O terceiro é o rompimento de relações diplomáticas.
Na atual crise entre Brasil e Israel, Tel-Aviv deu o primeiro sinal de descontentamento ao convocar Meyer para explicações. O Brasil retribuiu com uma convocação de Zonshine, mas deu um passo além ao chamar Meyer de volta ao País. As relações diplomáticas, no entanto, ainda estão mantidas.
O ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, quis expor a Zonshine o descontentamento do governo brasileiro com as reações em série de autoridades israelenses a Lula e com o tratamento dispensado ao embaixador brasileiro em Tel-Aviv.
Nem o governo brasileiro nem a embaixada israelense divulgaram o teor da conversa. O embaixador deixou o Palácio Itamaraty, no Rio, à noite, sem dar declarações a jornalistas.
Em resposta à intervenção de Lula na Etiópia, o primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, chamou então as declarações de vergonhosas e disse que o presidente cruzou uma linha vermelha. Ele escalou ministros que repetiram as críticas e acusaram o petista de apoiar uma organização terrorista.
Além disso, o governo de Israel disse que Lula não é bem-vindo no país até que ele peça desculpas, num ato que chamou a atenção da diplomacia brasileira pela quebra de protocolos.
Saia justa
Coube ao chanceler Israel Katz anunciar a exigência israelense. Ele levou o embaixador Frederico Meyer para visitar o museu do Holocausto Yad Vashem, em Jerusalém. Em seguida, diante de câmeras e jornalistas o ministrou Katz falou que Lula passaria a ter o status indesejado, em hebraico - a língua oficial de Israel, mas que não costuma ser usada na diplomacia e Meyer não compreende.
O embaixador brasileiro ficou parado e calado diante das câmeras, com semblante constrangido. No entendimento do Itamaraty os israelenses armaram um “circo” e expuseram o embaixador Meyer, representante de Lula, a uma situação de “humilhação”.
Após uma longa reunião matinal, Lula mandou que Meyer fosse chamado às pressas a Brasília. Depois, o MRE anunciou também a convocação de Zonshine. Nas três ocasiões anteriores em que o Itamaraty manifestou descontentamento a Zonshine em privado, longe de câmeras e sem dar declarações públicas. Somente a convocação desta segunda-feira foi divulgada, por nota, em razão da escalada da crise diplomática.
Relação ruim
No ano passado, segundo diplomatas da Secretaria de Estado, Zonshine havia sido chamado outras três vezes, por ocasiões em que seu comportamento diplomático gerou insatisfação no governo Lula. O motivo, em duas ocasiões, foram declarações do israelense à imprensa, de teor crítico ao Brasil e a assuntos internos, após os ataques terroristas do Hamas e por causa do aval de Lula para que dois navios de guerra do Irã atracassem no Porto do Rio.
O terceiro e até então momento de maior tensão foi uma reunião em novembro passado, organizada pela embaixada israelense no Congresso Nacional, a fim de expor imagens do massacre terrorista de 7 de outubro a parlamentares. Compareceram majoritariamente membros da oposição, entre eles o ex-presidente Jair Bolsonaro, que se sentou ao lado de Zonshine.
O encontro irritou Lula e governistas. Além da chamada para que Zonshine fosse ao Ministério das Relações Exteriores se explicar, parlamentares do PT passaram a defender publicamente que ele fosse expulso do Brasil. O embaixador disse que não sabia da presença de Bolsonaro. A interlocutores já disse ter se sentido numa espécie de armadilha.