A violência nas manifestações que ocorrem em diversas cidades peruanas há uma semana levou o novo governo a declarar estado de emergência em todo o país nesta quarta-feira, 14, por 30 dias. A partir de agora, as Forças Armadas podem dar apoio tático à polícia para preservar a ordem pública.
A noite de terça-feira havia sido de muitos enfrentamentos e violência na capital Lima, mas a sensação nas ruas era de mais calma nesta quarta. Agora, há o temor do que pode acontecer com essa declaração.
Peruanos afirmam que a sensação de calmaria não significa paz, mas que há uma expectativa sobre o que deve acontecer com o estado de emergência e como será o dia amanhã. Os detalhes sobre possível toque de recolher e medidas específicas do estado de emergência serão publicados no diário oficial do Peru.
O anúncio da medida foi feito pelo ministro da Defesa, Alberto Otárola. “Ficou acordado declarar estado de emergência para todo o país, devido ao vandalismo e à violência, à tomada de estradas e vias (...), que estão sendo controlados pela Polícia Nacional e pelas Forças Armadas”.
O estado de emergência é um estado de exceção, no qual os direitos civis e políticos ficam suspensos. A polícia e o Exército podem a partir desta quarta, por exemplo, entrar em casas sem aviso prévio toda vez que considerarem que há algum risco, podem desmobilizar qualquer tipo de reunião social, seja uma manifestação ou uma festa de aniversário.
Para analistas, a medida era a única saída do governo neste momento, mas pode ter um resultado ainda mais desastroso dado o histórico das Forças Armadas peruanas.
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“A declaração de emergência pode incentivar mais rebeldia e piorar os protestos. As forças militares peruanas não têm antecedentes positivos em matéria de direitos humanos no momento de enfrentar manifestações sociais. Há um grande risco de que a repressão seja excessiva e acabe em mais protestos”, afirma Carlos Meléndez, analista político e integrante do 50+1 Grupo de Análises Peru.
Meléndez explica que o governo tinha a alternativa de mobilizar as Forças Armadas para proteger ativos estratégicos sem a necessidade de declarar estado de emergência, mas que isso deveria ter sido feito no começo dos protestos.
Desde a tentativa de golpe do agora ex-presidente Pedro Castillo, há uma semana, manifestações se espalham pelo Peru pedindo a realização de novas eleições, a troca do Congresso e a soltura de Castillo. Estradas foram bloqueadas e aeroportos tomados.
Nesta quarta, estradas continuam bloqueadas em 14 das 24 regiões do país e quatro aeroportos estão sem funcionar. Os locais com mais distúrbios ficam ao sul, onde fica a cidade turística de Cusco, Arequipa - a segunda maior cidade do país - e Apurímac, berço político da atual presidente, Dina Boluarte.
“É uma decisão dura, mas necessária diante a situação de descontrole, principalmente fora de Lima. Houve ataques a empresas privadas e instalações estratégicas. Dado a situação que o país está passando, acredito que não havia outra opção”, afirma o analista político José Carlos Requena.
Segundo o Ministério da Saúde, as manifestações registradas em Lima, Apurímac, Huancavelica e Arequipa deixaram um total de 7 mortos, 26 feridos internados em hospitais e 142 feridos que já voltaram às suas casas.
Eleições antecipadas
A presidente Boluarte, que assumiu após a destituição de Castillo, afirmou nesta quarta-feira que acredita ser viável a antecipação das eleições gerais para dezembro de 2023. Após o aumento dos protestos, no começo da semana, a presidente, que assumiu dizendo que ficaria no cargo até 2026 - quando acaba o atual mandato - apresentou uma proposta ao Congresso para antecipar as eleições para abril de 2024.
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Em crise política, o Peru registrou manifestações contra e a favor da destituição do ex-presidente Pedro Castillo, que foi retirado do poder
A medida não foi suficiente para conter os manifestantes, que pedem eleições já. A data de 2024 foi proposta para dar tempo ao governo de fazer reformas eleitorais antes da nova votação. “Sem as reformas, se prevê que as consequências (de uma nova eleição) serão as mesmas: fragmentação política e facilidade de corrupção em uma nova campanha eleitoral no financiamento partidário. No entanto, não estamos no melhor momento para armar reformar pacientes pré-eleitorais enquanto o país pega fogo, literalmente”, diz Meléndez.
O Congresso - eleito em 2021 - vai discutir a antecipação das eleições nesta quinta-feira, mas o cenário é incerto. Alguns congressistas acreditam que a votação não deva ser antecipada, outros pensam que sim e divergem sobre a data: se fala em fim de 2023 e até mesmo abril de 2023, como pedem alguns do partido Peru Livre (de Castillo).
Vários sindicatos agrários e indígenas começaram uma paralisação por tempo indeterminado exigindo eleições gerais imediatas, levando à suspensão de serviços de trens entre Cusco e Machu Picchu.
Futuro de Castillo
Nesta quinta-feira será votado também o pedido de prisão preventiva de Castillo. Ele está preso em uma base policial desde o dia 7, quando tentou dar um golpe de Estado, foi destituído pelo Congresso e detido. Um pedido de liberdade foi negado nesta quarta porque a Justiça considerou que há risco de fuga.
O ex-presidente é acusado de rebelião e conspiração e pode ficar 18 meses preso preventivamente. A audiência estava programada para esta quarta, mas o juiz responsável, Juan Checkley adiou a decisão atendendo um pedido da defesa.