SÃO PAULO E BRASÍLIA - O governo Luiz Inácio Lula da Silva decidiu expulsar nesta quinta-feira, 8, a embaixadora da Nicarágua no Brasil, Fulvia Patricia Castro Matu. O Itamaraty se valeu do princípio da reciprocidade depois de a ditadura de Daniel Ortega ordenar que o embaixador brasileiro Breno Souza da Costa saísse do país.
A vice-presidente, Rosario Murillo, que é mulher de Ortega e principal porta-voz da ditadura, disse mais cedo que o diplomata brasileiro deixou Manágua nesta quinta-feira, informou o jornal local La Prensa. No entanto, o Ministério das Relações Exteriores informou que Costa decolou da capital nicaraguense apenas na noite desta quinta-feira. A pasta publicou nota sobre o caso após a efetiva saída do embaixador.
“O governo brasileiro decidiu pela retirada da embaixadora da Nicarágua em Brasília como resultado da aplicação do princípio da reciprocidade à medida adotada pelo governo nicaraguense em relação ao embaixador brasileiro em Manágua. O embaixador brasileiro deixou a Nicarágua na noite de hoje, 8 de agosto”, disse o Itamaraty.
A previsão de diplomatas era que a representante da Nicarágua também deixasse o Brasil ao longo do dia, após a comunicação formal da expulsão à embaixada. Funcionários locais da representação e colegas embaixadores de países centro-americanos disseram que ela trabalhou até a véspera em Brasília e teria se antecipado e saído do País em voo de madrugada, antes mesmo de o governo Lula formalizar a represália. Procurada, ela não respondeu a tentativas de contato da reportagem.
A expulsão da embaixadora da Nicarágua foi anunciada após reunião entre o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, e Lula, na manhã desta quinta. Fulvia Patricia Castro Matu estava no Brasil há poucos meses. Ela apresentou ao Itamaraty as cópias de suas credenciais no fim de maio e não chegou a ser recebida pelo presidente para levar as originais.
Ela ainda estava na fila de apresentação das cartas credenciais ao presidente, quando a crise irrompeu. A cerimônia no Palácio do Planalto serve para formalizar a chegada de um novo embaixador e permite que ele passe a exercer suas funções plenamente perante o governo.
A ordem da ditadura Daniel Ortega para expulsar o embaixador brasileiro, que se tornou pública ontem pela impresa local, foi uma retaliação pela ausência de Breno Souza da Costa na celebração dos 45 anos da Revolução Sandinista. Ao ser notificado sobre a queixa, o governo brasileiro chegou a pedir à Nicarágua que reconsiderasse a decisão, mas ficou sem resposta.
O gesto de expulsar embaixadores, algo grave em linguagem diplomática, marca o distanciamento entre Lula e Ortega, outrora amigos. Um passo além seria o fechamento total das embaixadas e o rompimento de relações diplomáticas.
O presidente brasileiro tem com o ditador uma relação de longa data, tensionada pela perseguição a líderes católicos na Nicarágua. Lula disse há pouco mais de duas semanas que Ortega já não atende às suas ligações.
O afastamento ocorreu depois que ele criticou o ditador, em junho de 2023, e se dispôs a interceder pela libertação do bispo católico Rolando Álvarez. Lula atendeu a um apelo do papa Francisco, como revelou o Estadão.
O religioso foi condenado a 26 anos de prisão após se recusar a deixar o país com 222 presos políticos, enviados aos Estados Unidos. Ele cumpriu pena em regime domiciliar, depois foi recolhido em prisão de segurança máxima, apelidada de “Inferninho”. Em janeiro deste ano, após novos apelos do papa, o regime libertou o bispo e o despachou de vez ao Vaticano.
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O acirramento da tensão com a Nicarágua ocorre no momento em que o Brasil tenta se posicionar como mediador diante de outro regime autoritário de esquerda, o de Nicolás Maduro, na Venezuela. E as crises têm relação entre si.
“É preciso analisar essa situação muito em paralelo com o que está acontecendo na Venezuela”, afirma Daniel Buarque, jornalista, doutor em Relações Internacionais e editor-executivo do portal Interesse Nacional.
Isso porque o rompimento das relações da Nicarágua com o Brasil e a tensão que se segue após a reeleição de Nicolás Maduro sob suspeita de fraude evidenciam a radicalização desses regimes — o que representa um desafio, mas também uma oportunidade para o governo.
“É uma oportunidade para o governo Lula adotar uma postura menos leniente do que estava tendo com esses governos autoritários de esquerda. Uma oportunidade para o governo demonstrar que vai defender a democracia e não vai ficar aceitando governos autoritários apenas por questões ideológicas”, sugere Buarque.
Ao mesmo tempo, ele pondera que as relações com esses países são importantes para o Brasil se posicionar como líder na América Latina, como almeja o presidente Lula. “Fica mais difícil propor saídas para o autoritarismo agora que esses países estão mais hostis à presença do Brasil, mas esse é um desafio que o País tem que enfrentar sem ser leniente”, afirma.
“Não adianta querer ser um líder global que respeita a soberania dos países e abraçar ditador como se estivesse tudo bem nesses países porque não está”, continua. “É a oportunidade de ter uma relação mais formal, que consiga pressionar esses países sem partir da simpatia ideológica.”