Grupos de justiceiros fazem criminalidade cair no Haiti


Civis mataram pelo menos 160 membros de gangues no Haiti, segundo organização de direitos humanos. Os residentes dizem que se sentem mais seguros, mas outros temem que isso leve a mais violência.

Por Frances Robles e Andre Paultre

THE NEW YORK TIMES, PORTO PRÍNCIPE - Em abril, 14 membros de gangues foram presos e chegavam a uma delegacia de Porto Príncipe, quando um grupo dominou os policiais e usou gasolina para queimar os bandidos vivos. As execuções marcaram o início de uma campanha de justiceiros para recuperar as ruas da capital das gangues que aterrorizam os haitianos.

Em um país devastado pela pobreza e pela violência, civis resolveram pegar em armas e mataram pelo menos 160 suspeitos de envolvimento com gangues nas últimas seis semanas, desde que um grupo de cidadãos conhecido como “Bwa Kale” decidiu fazer justiça com as próprias mãos naquela delegacia de Porto Príncipe.

O resultado foi uma queda acentuada nos sequestros e assassinatos atribuídos a gangues em bairros onde as pessoas não pisavam fora de casa. “Antes, todo dia alguém me exigia dinheiro”, disse Marie, de 62 anos, que vende sapatos – seu sobrenome foi omitido, assim como outros entrevistados, por questões de segurança. “Quando não tinha, eles pegavam o que queriam.”

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Homens com facões, integrantes do "Bwa Kale", uma iniciativa para impedir que as gangues assumam o controle de seus bairros, seguram seus facões no distrito de Delma, em Porto Príncipe, Haiti, domingo, 28 de maio de 2023.  Foto: Ariana Cubillos / AP

Duas semanas atrás, membros do “Bwa Kale” – gíria grosseira para ereção – queimaram um homem que seria membro de uma gangue em frente a sua barraca de sapatos. Embora veja com bons olhos os justiceiros, Marie tem dúvidas. “Apoio, mas não gosto da maneira como eles fazem”, disse. “Eles poderiam punir de outra forma.”

Justiça popular

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O surto de justiça popular é preocupante, dizem especialistas, porque pode ser usado para atingir pessoas que não têm nada a ver com gangues e provocar uma explosão de violência ainda maior, caso as gangues busquem vingança.

O fato de ter sido necessário um movimento de justiceiros para trazer uma aparência de calma ressalta o caos que envolve o Haiti, país sem presidente há dois anos que registrou uma fuga em massa de policiais mal pagos.

Há dois anos, o último presidente eleito, Jovenel Moïse, foi assassinado em casa e substituído por um primeiro-ministro interino, visto como inepto. Desde então, novas eleições nunca foram realizadas. O premiê interino, Ariel Henry, pediu intervenção internacional, mas os EUA não conseguiram montar uma nova missão de paz porque ninguém quis liderá-la.

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As gangues há muito controlam os bairros mais pobres do Haiti, mas sua influência aumentou após o assassinato de Moïse.

Os bandos lutam pelo controle de partes de Porto Príncipe usando como arma assassinatos, estupros e sequestros. Em um período de nove dias, em julho de 2022, foram 470 homicídios, segundo a ONU. A violência impediu que os moradores trabalhassem ou comprassem comida, levando muitas pessoas a partirem para os EUA.

“As pessoas viviam como ratos, que só saíam de suas tocas para comer”, disse Arnold Antonin, de 80 anos, cineasta haitiano que vive na República Dominicana. Ele fugiu no ano passado, quando sua esposa, Beatriz Larghi, foi sequestrada e gangues tomaram conta de seu bairro.

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“O país está à beira da anarquia”, afirmou Nicole Phillips, advogada de direitos humanos que acompanha a crise de perto. Para ela, os assassinatos cometidos por justiceiros são preocupantes, porque dentro das gangues há muitas crianças recrutadas à força.

“A reação da população, depois de anos de gangues impondo sua lei, pode ser atribuída à legítima defesa”, disse Gédéon Jean, diretor do Centro de Análise e Pesquisa em Direitos Humanos. “As gangues são apoiadas por autoridades, políticos e empresários. Elas têm ligações com todos os níveis da força policial. Não há como confrontá-las.”

“O medo mudou de lado”

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O movimento “Bwa Kale” causou uma queda nos índices de violência das gangues. Em maio, 43 assassinatos foram registrados, a maioria em Porto Príncipe, em comparação com 146 em abril – quase não houve sequestros no período.

“O medo mudou de lado”, disse Antonin, que planeja voltar ao Haiti agora que seu bairro está de volta nas mãos da comunidade.

“Embora a violência das gangues tenha diminuído vertiginosamente, os banidos ainda permanecem poderosos e controlam alguns bairros e estradas importantes”, disse Pierre Espérance, diretor da Rede Nacional de Defesa dos Direitos Humanos do Haiti.

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“O problema é a correlação entre as gangues e o poder. Não vemos nenhuma vontade das autoridades de melhorar a situação”, continua Espérence. “Não vou dizer que apoio o Bwa Kale, mas entendo a população, porque há muita impunidade e ausência das autoridades, e eles não têm opção.”

A ação de milícias civis não é novidade no Haiti. Justiceiros atuaram na Revolução Haitiana contra os franceses, no fim do século 18, e eram comuns nos anos 80, quando o ex-ditador Jean-Claude Duvalier foi expulso e multidões atacaram e massacraram a população.

Amanda, de 29 anos, disse que fugiu de casa no bairro de La Grotte, em Porto Príncipe, em abril, quando gangues dominaram sua rua. Ela passou a dormir nas calçadas.

Então, os justiceiros mataram alguns bandidos e montaram postos de controle, verificando documentos de quem entra no bairro. “Apoio as brigadas de justiceiros”, disse. “Quando passo por um posto de controle, aceito que me revistem.”

Um adolescente que trabalha em um ponto de checagem prometeu manter a pressão a noite toda, interrogando todos que tentam entrar. Segundo ele, a ação era necessária, porque a polícia tem medo das gangues. “Estamos prontos para lutar até que as coisas mudem”, disse. “Nada pode nos parar.”

THE NEW YORK TIMES, PORTO PRÍNCIPE - Em abril, 14 membros de gangues foram presos e chegavam a uma delegacia de Porto Príncipe, quando um grupo dominou os policiais e usou gasolina para queimar os bandidos vivos. As execuções marcaram o início de uma campanha de justiceiros para recuperar as ruas da capital das gangues que aterrorizam os haitianos.

Em um país devastado pela pobreza e pela violência, civis resolveram pegar em armas e mataram pelo menos 160 suspeitos de envolvimento com gangues nas últimas seis semanas, desde que um grupo de cidadãos conhecido como “Bwa Kale” decidiu fazer justiça com as próprias mãos naquela delegacia de Porto Príncipe.

O resultado foi uma queda acentuada nos sequestros e assassinatos atribuídos a gangues em bairros onde as pessoas não pisavam fora de casa. “Antes, todo dia alguém me exigia dinheiro”, disse Marie, de 62 anos, que vende sapatos – seu sobrenome foi omitido, assim como outros entrevistados, por questões de segurança. “Quando não tinha, eles pegavam o que queriam.”

Homens com facões, integrantes do "Bwa Kale", uma iniciativa para impedir que as gangues assumam o controle de seus bairros, seguram seus facões no distrito de Delma, em Porto Príncipe, Haiti, domingo, 28 de maio de 2023.  Foto: Ariana Cubillos / AP

Duas semanas atrás, membros do “Bwa Kale” – gíria grosseira para ereção – queimaram um homem que seria membro de uma gangue em frente a sua barraca de sapatos. Embora veja com bons olhos os justiceiros, Marie tem dúvidas. “Apoio, mas não gosto da maneira como eles fazem”, disse. “Eles poderiam punir de outra forma.”

Justiça popular

O surto de justiça popular é preocupante, dizem especialistas, porque pode ser usado para atingir pessoas que não têm nada a ver com gangues e provocar uma explosão de violência ainda maior, caso as gangues busquem vingança.

O fato de ter sido necessário um movimento de justiceiros para trazer uma aparência de calma ressalta o caos que envolve o Haiti, país sem presidente há dois anos que registrou uma fuga em massa de policiais mal pagos.

Há dois anos, o último presidente eleito, Jovenel Moïse, foi assassinado em casa e substituído por um primeiro-ministro interino, visto como inepto. Desde então, novas eleições nunca foram realizadas. O premiê interino, Ariel Henry, pediu intervenção internacional, mas os EUA não conseguiram montar uma nova missão de paz porque ninguém quis liderá-la.

As gangues há muito controlam os bairros mais pobres do Haiti, mas sua influência aumentou após o assassinato de Moïse.

Os bandos lutam pelo controle de partes de Porto Príncipe usando como arma assassinatos, estupros e sequestros. Em um período de nove dias, em julho de 2022, foram 470 homicídios, segundo a ONU. A violência impediu que os moradores trabalhassem ou comprassem comida, levando muitas pessoas a partirem para os EUA.

“As pessoas viviam como ratos, que só saíam de suas tocas para comer”, disse Arnold Antonin, de 80 anos, cineasta haitiano que vive na República Dominicana. Ele fugiu no ano passado, quando sua esposa, Beatriz Larghi, foi sequestrada e gangues tomaram conta de seu bairro.

“O país está à beira da anarquia”, afirmou Nicole Phillips, advogada de direitos humanos que acompanha a crise de perto. Para ela, os assassinatos cometidos por justiceiros são preocupantes, porque dentro das gangues há muitas crianças recrutadas à força.

“A reação da população, depois de anos de gangues impondo sua lei, pode ser atribuída à legítima defesa”, disse Gédéon Jean, diretor do Centro de Análise e Pesquisa em Direitos Humanos. “As gangues são apoiadas por autoridades, políticos e empresários. Elas têm ligações com todos os níveis da força policial. Não há como confrontá-las.”

“O medo mudou de lado”

O movimento “Bwa Kale” causou uma queda nos índices de violência das gangues. Em maio, 43 assassinatos foram registrados, a maioria em Porto Príncipe, em comparação com 146 em abril – quase não houve sequestros no período.

“O medo mudou de lado”, disse Antonin, que planeja voltar ao Haiti agora que seu bairro está de volta nas mãos da comunidade.

“Embora a violência das gangues tenha diminuído vertiginosamente, os banidos ainda permanecem poderosos e controlam alguns bairros e estradas importantes”, disse Pierre Espérance, diretor da Rede Nacional de Defesa dos Direitos Humanos do Haiti.

“O problema é a correlação entre as gangues e o poder. Não vemos nenhuma vontade das autoridades de melhorar a situação”, continua Espérence. “Não vou dizer que apoio o Bwa Kale, mas entendo a população, porque há muita impunidade e ausência das autoridades, e eles não têm opção.”

A ação de milícias civis não é novidade no Haiti. Justiceiros atuaram na Revolução Haitiana contra os franceses, no fim do século 18, e eram comuns nos anos 80, quando o ex-ditador Jean-Claude Duvalier foi expulso e multidões atacaram e massacraram a população.

Amanda, de 29 anos, disse que fugiu de casa no bairro de La Grotte, em Porto Príncipe, em abril, quando gangues dominaram sua rua. Ela passou a dormir nas calçadas.

Então, os justiceiros mataram alguns bandidos e montaram postos de controle, verificando documentos de quem entra no bairro. “Apoio as brigadas de justiceiros”, disse. “Quando passo por um posto de controle, aceito que me revistem.”

Um adolescente que trabalha em um ponto de checagem prometeu manter a pressão a noite toda, interrogando todos que tentam entrar. Segundo ele, a ação era necessária, porque a polícia tem medo das gangues. “Estamos prontos para lutar até que as coisas mudem”, disse. “Nada pode nos parar.”

THE NEW YORK TIMES, PORTO PRÍNCIPE - Em abril, 14 membros de gangues foram presos e chegavam a uma delegacia de Porto Príncipe, quando um grupo dominou os policiais e usou gasolina para queimar os bandidos vivos. As execuções marcaram o início de uma campanha de justiceiros para recuperar as ruas da capital das gangues que aterrorizam os haitianos.

Em um país devastado pela pobreza e pela violência, civis resolveram pegar em armas e mataram pelo menos 160 suspeitos de envolvimento com gangues nas últimas seis semanas, desde que um grupo de cidadãos conhecido como “Bwa Kale” decidiu fazer justiça com as próprias mãos naquela delegacia de Porto Príncipe.

O resultado foi uma queda acentuada nos sequestros e assassinatos atribuídos a gangues em bairros onde as pessoas não pisavam fora de casa. “Antes, todo dia alguém me exigia dinheiro”, disse Marie, de 62 anos, que vende sapatos – seu sobrenome foi omitido, assim como outros entrevistados, por questões de segurança. “Quando não tinha, eles pegavam o que queriam.”

Homens com facões, integrantes do "Bwa Kale", uma iniciativa para impedir que as gangues assumam o controle de seus bairros, seguram seus facões no distrito de Delma, em Porto Príncipe, Haiti, domingo, 28 de maio de 2023.  Foto: Ariana Cubillos / AP

Duas semanas atrás, membros do “Bwa Kale” – gíria grosseira para ereção – queimaram um homem que seria membro de uma gangue em frente a sua barraca de sapatos. Embora veja com bons olhos os justiceiros, Marie tem dúvidas. “Apoio, mas não gosto da maneira como eles fazem”, disse. “Eles poderiam punir de outra forma.”

Justiça popular

O surto de justiça popular é preocupante, dizem especialistas, porque pode ser usado para atingir pessoas que não têm nada a ver com gangues e provocar uma explosão de violência ainda maior, caso as gangues busquem vingança.

O fato de ter sido necessário um movimento de justiceiros para trazer uma aparência de calma ressalta o caos que envolve o Haiti, país sem presidente há dois anos que registrou uma fuga em massa de policiais mal pagos.

Há dois anos, o último presidente eleito, Jovenel Moïse, foi assassinado em casa e substituído por um primeiro-ministro interino, visto como inepto. Desde então, novas eleições nunca foram realizadas. O premiê interino, Ariel Henry, pediu intervenção internacional, mas os EUA não conseguiram montar uma nova missão de paz porque ninguém quis liderá-la.

As gangues há muito controlam os bairros mais pobres do Haiti, mas sua influência aumentou após o assassinato de Moïse.

Os bandos lutam pelo controle de partes de Porto Príncipe usando como arma assassinatos, estupros e sequestros. Em um período de nove dias, em julho de 2022, foram 470 homicídios, segundo a ONU. A violência impediu que os moradores trabalhassem ou comprassem comida, levando muitas pessoas a partirem para os EUA.

“As pessoas viviam como ratos, que só saíam de suas tocas para comer”, disse Arnold Antonin, de 80 anos, cineasta haitiano que vive na República Dominicana. Ele fugiu no ano passado, quando sua esposa, Beatriz Larghi, foi sequestrada e gangues tomaram conta de seu bairro.

“O país está à beira da anarquia”, afirmou Nicole Phillips, advogada de direitos humanos que acompanha a crise de perto. Para ela, os assassinatos cometidos por justiceiros são preocupantes, porque dentro das gangues há muitas crianças recrutadas à força.

“A reação da população, depois de anos de gangues impondo sua lei, pode ser atribuída à legítima defesa”, disse Gédéon Jean, diretor do Centro de Análise e Pesquisa em Direitos Humanos. “As gangues são apoiadas por autoridades, políticos e empresários. Elas têm ligações com todos os níveis da força policial. Não há como confrontá-las.”

“O medo mudou de lado”

O movimento “Bwa Kale” causou uma queda nos índices de violência das gangues. Em maio, 43 assassinatos foram registrados, a maioria em Porto Príncipe, em comparação com 146 em abril – quase não houve sequestros no período.

“O medo mudou de lado”, disse Antonin, que planeja voltar ao Haiti agora que seu bairro está de volta nas mãos da comunidade.

“Embora a violência das gangues tenha diminuído vertiginosamente, os banidos ainda permanecem poderosos e controlam alguns bairros e estradas importantes”, disse Pierre Espérance, diretor da Rede Nacional de Defesa dos Direitos Humanos do Haiti.

“O problema é a correlação entre as gangues e o poder. Não vemos nenhuma vontade das autoridades de melhorar a situação”, continua Espérence. “Não vou dizer que apoio o Bwa Kale, mas entendo a população, porque há muita impunidade e ausência das autoridades, e eles não têm opção.”

A ação de milícias civis não é novidade no Haiti. Justiceiros atuaram na Revolução Haitiana contra os franceses, no fim do século 18, e eram comuns nos anos 80, quando o ex-ditador Jean-Claude Duvalier foi expulso e multidões atacaram e massacraram a população.

Amanda, de 29 anos, disse que fugiu de casa no bairro de La Grotte, em Porto Príncipe, em abril, quando gangues dominaram sua rua. Ela passou a dormir nas calçadas.

Então, os justiceiros mataram alguns bandidos e montaram postos de controle, verificando documentos de quem entra no bairro. “Apoio as brigadas de justiceiros”, disse. “Quando passo por um posto de controle, aceito que me revistem.”

Um adolescente que trabalha em um ponto de checagem prometeu manter a pressão a noite toda, interrogando todos que tentam entrar. Segundo ele, a ação era necessária, porque a polícia tem medo das gangues. “Estamos prontos para lutar até que as coisas mudem”, disse. “Nada pode nos parar.”

THE NEW YORK TIMES, PORTO PRÍNCIPE - Em abril, 14 membros de gangues foram presos e chegavam a uma delegacia de Porto Príncipe, quando um grupo dominou os policiais e usou gasolina para queimar os bandidos vivos. As execuções marcaram o início de uma campanha de justiceiros para recuperar as ruas da capital das gangues que aterrorizam os haitianos.

Em um país devastado pela pobreza e pela violência, civis resolveram pegar em armas e mataram pelo menos 160 suspeitos de envolvimento com gangues nas últimas seis semanas, desde que um grupo de cidadãos conhecido como “Bwa Kale” decidiu fazer justiça com as próprias mãos naquela delegacia de Porto Príncipe.

O resultado foi uma queda acentuada nos sequestros e assassinatos atribuídos a gangues em bairros onde as pessoas não pisavam fora de casa. “Antes, todo dia alguém me exigia dinheiro”, disse Marie, de 62 anos, que vende sapatos – seu sobrenome foi omitido, assim como outros entrevistados, por questões de segurança. “Quando não tinha, eles pegavam o que queriam.”

Homens com facões, integrantes do "Bwa Kale", uma iniciativa para impedir que as gangues assumam o controle de seus bairros, seguram seus facões no distrito de Delma, em Porto Príncipe, Haiti, domingo, 28 de maio de 2023.  Foto: Ariana Cubillos / AP

Duas semanas atrás, membros do “Bwa Kale” – gíria grosseira para ereção – queimaram um homem que seria membro de uma gangue em frente a sua barraca de sapatos. Embora veja com bons olhos os justiceiros, Marie tem dúvidas. “Apoio, mas não gosto da maneira como eles fazem”, disse. “Eles poderiam punir de outra forma.”

Justiça popular

O surto de justiça popular é preocupante, dizem especialistas, porque pode ser usado para atingir pessoas que não têm nada a ver com gangues e provocar uma explosão de violência ainda maior, caso as gangues busquem vingança.

O fato de ter sido necessário um movimento de justiceiros para trazer uma aparência de calma ressalta o caos que envolve o Haiti, país sem presidente há dois anos que registrou uma fuga em massa de policiais mal pagos.

Há dois anos, o último presidente eleito, Jovenel Moïse, foi assassinado em casa e substituído por um primeiro-ministro interino, visto como inepto. Desde então, novas eleições nunca foram realizadas. O premiê interino, Ariel Henry, pediu intervenção internacional, mas os EUA não conseguiram montar uma nova missão de paz porque ninguém quis liderá-la.

As gangues há muito controlam os bairros mais pobres do Haiti, mas sua influência aumentou após o assassinato de Moïse.

Os bandos lutam pelo controle de partes de Porto Príncipe usando como arma assassinatos, estupros e sequestros. Em um período de nove dias, em julho de 2022, foram 470 homicídios, segundo a ONU. A violência impediu que os moradores trabalhassem ou comprassem comida, levando muitas pessoas a partirem para os EUA.

“As pessoas viviam como ratos, que só saíam de suas tocas para comer”, disse Arnold Antonin, de 80 anos, cineasta haitiano que vive na República Dominicana. Ele fugiu no ano passado, quando sua esposa, Beatriz Larghi, foi sequestrada e gangues tomaram conta de seu bairro.

“O país está à beira da anarquia”, afirmou Nicole Phillips, advogada de direitos humanos que acompanha a crise de perto. Para ela, os assassinatos cometidos por justiceiros são preocupantes, porque dentro das gangues há muitas crianças recrutadas à força.

“A reação da população, depois de anos de gangues impondo sua lei, pode ser atribuída à legítima defesa”, disse Gédéon Jean, diretor do Centro de Análise e Pesquisa em Direitos Humanos. “As gangues são apoiadas por autoridades, políticos e empresários. Elas têm ligações com todos os níveis da força policial. Não há como confrontá-las.”

“O medo mudou de lado”

O movimento “Bwa Kale” causou uma queda nos índices de violência das gangues. Em maio, 43 assassinatos foram registrados, a maioria em Porto Príncipe, em comparação com 146 em abril – quase não houve sequestros no período.

“O medo mudou de lado”, disse Antonin, que planeja voltar ao Haiti agora que seu bairro está de volta nas mãos da comunidade.

“Embora a violência das gangues tenha diminuído vertiginosamente, os banidos ainda permanecem poderosos e controlam alguns bairros e estradas importantes”, disse Pierre Espérance, diretor da Rede Nacional de Defesa dos Direitos Humanos do Haiti.

“O problema é a correlação entre as gangues e o poder. Não vemos nenhuma vontade das autoridades de melhorar a situação”, continua Espérence. “Não vou dizer que apoio o Bwa Kale, mas entendo a população, porque há muita impunidade e ausência das autoridades, e eles não têm opção.”

A ação de milícias civis não é novidade no Haiti. Justiceiros atuaram na Revolução Haitiana contra os franceses, no fim do século 18, e eram comuns nos anos 80, quando o ex-ditador Jean-Claude Duvalier foi expulso e multidões atacaram e massacraram a população.

Amanda, de 29 anos, disse que fugiu de casa no bairro de La Grotte, em Porto Príncipe, em abril, quando gangues dominaram sua rua. Ela passou a dormir nas calçadas.

Então, os justiceiros mataram alguns bandidos e montaram postos de controle, verificando documentos de quem entra no bairro. “Apoio as brigadas de justiceiros”, disse. “Quando passo por um posto de controle, aceito que me revistem.”

Um adolescente que trabalha em um ponto de checagem prometeu manter a pressão a noite toda, interrogando todos que tentam entrar. Segundo ele, a ação era necessária, porque a polícia tem medo das gangues. “Estamos prontos para lutar até que as coisas mudem”, disse. “Nada pode nos parar.”

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