QUITO - Indígenas e camponeses bloquearam estradas em várias províncias do Equador nesta quarta-feira, 27, em um segundo dia de protestos contra o aumento do preço dos combustíveis e o estado de exceção declarado no país. Manifestantes ergueram barricadas nas principais vias de acesso à capital, Quito, e travaram a Panamericana, principal artéria que conecta a cidade à Colômbia. O presidente do país, o banqueiro Guillermo Lasso, pediu diálogo com os manifestantes após relatos de aumento da repressão na periferia de Quito.
Os protestos foram mantidos após uma tentativa de Lasso de apaziguar os ânimos na última sexta-feira, 22. Sob pressão de grupos opositores, o presidente decretou o congelamento dos preços da gasolina e do diesel no país, mas aumentou em 12% o valor fixo dos combustíveis antes de tomar a medida. Com a decisão, o galão da gasolina ( 3,76 litros) passou de US$ 2,50 para US$ 2,55 (cerca de R3,73 por litro).
Na terça-feira, protestos violentos na capital deixaram ao menos oito feridos. Trinta e sete pessoas foram presas. Os incidentes foram registrados após uma marcha que terminou a poucas quadras do Palácio de Carondelet, sede do Executivo. Nesta quarta-feira, foram registradas marchas em Quito e nas províncias de Tungurahua, Bolívar e Pastaza. O Serviço de Segurança Integrado ECU911 relatou bloqueios de estradas nas províncias de Imbabura, Cotopaxi, Tungurahua e Chimborazo.
Lasso pediu diálogo com manifestantes e afirmou que o governo manterá as forças de segurança nas rodovias. “Peço mais uma vez o diálogo, o consenso, para pensar o bem do país e não os interesses pessoais, partidários ou sindicais”, disse o presidente durante uma cerimônia militar. "Nestes momentos de recuperação econômica é hora de nos unirmos." A Conaie ainda não se manifestou publicamente sobre o pedido.
Indígenas retomam protagonismo político
As manifestações são lideradas pela Confederação de Nacionalidades Indígenas (Conaie), que exige uma redução de preço para US $ 1,50 para o galão de diesel e US $ 2,10 para a gasolina. Os protestos acontecem em meio a um estado de exceção de 60 dias, decretado por Lasso no dia 18 de outubro em resposta ao aumento da criminalidade. O governo também enfrenta uma crise econômica agravada pela pandemia.
A Conaie, poderosa entidade que congrega as etnias indígenas do Equador, participou ativamente dos protestos que levaram à queda de três presidentes equatorianos entre o fim dos anos 90 e o começo dos anos 2000. Durante os anos do governo Rafael Correa (2007-2017), o grupo foi parte importante da oposição ao presidente.
A Conaie também esteve à frente dos protestos violentos de 2019. À época, o então presidente Lenín Moreno retirou subsídios milionários da gasolina, que vigoravam no país há 40 anos, após o Equador fechar um acordo de US$ 2 bilhões com o Fundo Monetário Internacional (FMI). O objetivo do acordo era reduzir a dívida pública equatoriana, que vinha aumentando desde que o país perdeu receita com a queda do preço do petróleo, em 2014.
O movimento indígena equatoriano ganhou maior força este ano, com a ascensão do partido Pachakutik, e de seu candidato à presidência, o ativista ambiental Yaku Pérez, de 52 anos. Defendendo bandeiras progressistas como o aborto, o casamento igualitário e o combate às alterações climáticas, Pérez conseguiu obter quase 20% dos votos, e seu partido e seus aliados subiram de nove para 43 cadeiras no Congresso nas eleições, tornando-se lideranças na legislatura fragmentada de 137 cadeiras do país.
Pérez, no entanto, não foi para o segundo turno por uma pequena porcentagem e alegou fraude nas eleições. O candidato se recusou a apoiar o esquerdista Andrés Arauz no segundo turno, defendendo o voto nulo como revolucionário, em uma posição que pode ter favorecido a vitória de Guillermo Lasso.
Problemas de Lasso se acumulam
O inferno astral de Lasso vai muito além das bombas de combustível. Em setembro, uma disputa entre gangues dentro de um presídio terminou com 119 presos mortos – 5 deles decapitados. O presidente culpou o narcotráfico e decretou estado de emergência.
Outro problema enfrentado por Lasso foram as propostas de reforma trabalhista e fiscal. A Assembleia Nacional enviou ao plenário, sem debate, um projeto de lei para aumentar impostos e eliminar benefícios sociais – um dos artigos previa que os trabalhadores indenizassem os patrões em caso de demissão por justa causa. O governo foi obrigado a recuar.
Para completar, o presidente foi citado no escândalo dos Pandora Papers como controlador de 14 empresas offshore, a maioria no Panamá. Lasso admitiu que teve “investimentos em outros países”, mas disse se desfez de tudo para se candidatar à presidência. O estrago, porém, já havia sido feito.
A procuradoria abriu uma investigação de fraude tributária e deu outra dentada na popularidade do presidente. A Assembleia Nacional, controlada pela oposição, também apura o caso, que pode até terminar em pedido de impeachment.
Parte dos problemas de Lasso é ter de lidar com uma fatia da sociedade que se sente órfã de Rafael Correa. Impulsionado pelo boom do petróleo, Correa construiu estradas, refinarias e promoveu programas sociais que dobraram os gastos públicos e deixaram o Equador de pires na mão quando o preço do petróleo caiu. / AFP, REUTERS e AP