Guerra em Gaza amplia distância entre governantes e cidadãos de países árabes


O Bahrein, uma pequena monarquia do Golfo, enfrenta uma crescente pressão de seus habitantes para que a nação corte relações com Israel — um microcosmo de tensões que se espalham pelo Oriente Médio

Por Vivian Nereim

Conforme baixava o sol da tarde, um homem com um megafone na mão posicionou-se diante de um grupo de aproximadamente 200 pessoas em Manama, a capital do Bahrein, e começou a gritar a plenos pulmões.

Os manifestantes, agitando bandeiras palestinas, repetiam suas palavras com entusiasmo, implorando ao seu governo autoritário e aliado dos Estados Unidos para expulsar o embaixador israelense — nomeado dois anos atrás, depois que o Bahrein estabeleceu relações diplomáticas com Israel.

“Tirem a embaixada sionista da terra bahreinita!”, entoavam eles. “Tirem as bases americanas da terra bahreinita!”

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Um manifestante segurando uma bandeira palestina grita slogans anti-Israel durante uma manifestação em apoio aos palestinos, em Manama, Bahrein, em 27 de outubro de 2023. Foto: Hamad I Mohammed / REUTERS

A menos de 7 quilômetros de lá, militares americanos e europeus concentravam-se no Manama Dialogue, uma conferência anual que reúne autoridades graduadas de potências ocidentais e do Oriente Médio para discutir segurança regional. Eles perambularam pelo salão de baile dourado do fortemente guardado Hotel Ritz-Carlton horas após o protesto — a maioria sem saber que a manifestação tinha ocorrido.

Quando subiu ao palco do evento, o príncipe-herdeiro do Bahrein, Salman bin Hamad Al Khalifa, agradou grande parte dos presentes ao condenar o Hamas, o grupo armado palestino que governa Gaza e liderou o ataque de 7 de outubro contra Israel que deixou cerca de 1,2 mil mortos, segundo autoridades israelenses.

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A guerra em Gaza que se seguiu ao ataque não apenas explicitou os abismos entre muitos líderes árabes e seus povos, também os aprofundou.

O Bahrein, um país do Golfo com cerca de 1,6 milhão de habitantes, testemunhou uma erupção de apoio popular aos palestinos e um aumento da hostilidade em relação a Israel desde que a guerra começou. Os militares israelenses responderam ao ataque do Hamas bombardeando e sitiando Gaza em uma campanha militar que deixou mais de 16 mil mortos, de acordo com autoridades de Gaza.

Ainda que seja antiga a desconexão entre muitos Estados árabes e seus cidadãos sobre sua atitude em relação à causa palestina, a guerra trouxe essa diferença ao foco mais evidente em anos. Em muitos protestos por toda a região, as pessoas não apenas condenaram Israel e apoiaram o Hamas, mas também criticaram seus próprios governos.

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No Marrocos e na Jordânia, milhares foram às ruas exigir que seus países cortem relações com Israel. No Cairo, manifestantes pró-palestinos lotaram a Praça Tahrir, onde começou a insurreição da Primavera Árabe, e ressuscitaram seu grito revolucionário por pão, liberdade e justiça social.

Pessoal da Marinha em uma base naval e quartel-general dos EUA que supervisiona missões regionais de navios de guerra e aeronaves de combate e patrulhas antipirataria, em Manama, Bahrein, em 22 de maio de 2023.  Foto: Andrea DiCenzo / NYT

E no Bahrein, manifestantes afirmaram que, além de um sentimento profundo de identidade árabe-islâmica em comum, eles veem conexões entre a libertação palestina a a sua própria libertação da repressão política.

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“Eu tenho esperança de que um dia nós seremos um povo livre”, afirmou a bahreinita Fatima Jumua, de 22 anos, que compareceu ao protesto em Manama. “Nossa existência e nossa liberdade estão conectadas à existência e à liberdade da Palestina.”

Por décadas, a maioria dos governos árabes se recusava a estabelecer relações com Israel antes da criação de um Estado palestino. Mas esse cálculo mudou nos anos que antecederam a guerra conforme líderes autoritários ponderaram sobre a opinião pública negativa a respeito de Israel e os benefícios econômicos e de segurança — além das concessões que extrairiam dos EUA, os maiores aliados dos israelenses.

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“O governo do Bahrein quer ser visto como uma voz de moderação nos EUA. E está usando cada vez mais suas nova relação com Israel para forjar essa percepção em Washington”, afirmou a pesquisadora Elham Fakhro, do instituto de análise Chatham House. “Mas domesticamente o efeito é diferente.”

Em 2020, Bahrein, Emirados Árabes Unidos e Marrocos estabeleceram relações com Israel em pactos intermediados pelo governo Trump que ficaram conhecidos como Acordos de Abraão — juntando-se a Egito e Jordânia, que têm acordos de paz com Israel há décadas.

Os pactos foram celebrados pelos governos ocidentais, que apoiam há muito as famílias reais da região, e em setembro o governo do Bahrein assinou um amplo acordo de segurança com o governo Biden.

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O major-general Yousef Huneiti (dir.), presidente jordaniano do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas da Jordânia, participa da conferência de segurança IISS Manama Dialogue, em Manama, em 18 de novembro de 2023. Foto: MAZEN MAHDI / AFP

Mas pesquisas mostraram que a maioria dos cidadãos árabes comuns considera cada vez mais negativamente o estabelecimento de relações com Israel.

No Bahrein, que possui uma família real sunita e a maioria da população xiita, as autoridades declararam que os acordos encorajaram tolerância e coexistência. Mas isso não convenceu muitos cidadãos conforme o governo continuou a reprimir o dissenso interno.

A causa palestina e a oposição a Israel une bahreinitas de todas das linhas sectárias e políticas — sunitas e xiitas, esquerdistas seculares e islamistas conservadores, jovens e velhos. Questionados em uma pesquisa anterior à guerra sobre o impacto que os Acordos de Abraão surtiria na região, 76% dos barhreinitas responderam que seria negativo.

Os acordos foram “forçados contra a vontade do povo”, afirmou o ativista defensor de direitos humanos bahreinita Abdulnabi Alekry, de 60 anos.

Fakhro, a pesquisadora da Chatham House, afirmou que o Bahrein esteve agitado por muitos anos em razão de tensões entre o governo e movimentos de oposição. “A atual crise está aprofundando esse abismo”, afirmou ela.

O Bahrein esmagou uma insurreição da Primavera Árabe em 2011 com ajuda de forças da Arábia Saudita e dos EAU. E também abriga uma das bases militares americanas mais importantes na região.

Os manifestantes bahreinitas afirmaram que consideram Israel uma potência em estilo colonial e um projeto apoiado pelo Ocidente concebido para dominar a região. Alguns disseram que Israel não deve nem sequer existir.

Jumua afirmou que os palestinos e todos os outros povos da região vivem sob a influência das potências ocidentais. “Até agora nós vemos que não podemos nos mover sem aprovação dos EUA”, afirmou ela.

Manifestantes participam de um protesto em apoio aos palestinos, em meio ao conflito em curso entre Israel e o grupo islâmico palestino Hamas, em Muharraq, Bahrein, em 18 de novembro de 2023.  Foto: Hamad I Mohammed / REUTERS

Na manhã seguinte ao protesto, as graduadas autoridades árabes e americanas retornaram ao reluzente salão de baile do Hotel Ritz-Carlton para debater um caminho adiante para Gaza.

Questionado a respeito da opinião pública negativa em relação aos Acordos de Abraão, Brett McGurk, alta autoridade da Casa Branca para o Oriente Médio, afirmou que seu foco é a crise imediata. Mas para além disso, afirmou ele, os formuladores de políticas americanos estão comprometidos com a “integração” de Israel e seus vizinhos.

Antes da guerra, a Casa Branca esteve negociando com a Arábia Saudita um acordo complexo, segundo o qual o reino, o país árabe mais poderoso, reconheceria Israel. “Nós não podemos permitir que a ação do Hamas em 7 de outubro afaste completamente esse caminho”, afirmou McGurk.

Mas alguns palestinos temem que um acordo saudita-israelense teria minado ainda mais sua luta por estatuto de Estado.

Uma alta autoridade bahreinita afirmou que o governo de seu país crê que o Estado de Israel tem de ser aceito e que os povos da região devem coexistir. O Bahrein preocupa-se com a possibilidade da guerra alimentar ódio e extremismo, acrescentou a fonte, falando sob condição de anonimato em razão da sensibilidade do tema. Os Acordos de Abraão deveriam ser protegidos como uma ferramenta para a paz, afirmou ele.

Mas quando questionada a respeito dos abismos entre os árabes e a opinião pública, a autoridade não respondeu diretamente à pergunta. Em vez disso, afirmou que o Bahrein acredita que a situação em Gaza é catastrófica e faz de tudo para estimular a paz.

As acusações mais contundentes contra Israel na conferência vieram do ministro de Relações Exteriores da Jordânia — onde grande parte da população tem origem palestina — e de um importante membro da realeza saudita, o príncipe Turki Al Faisal, que pediu sanções contra Israel.

O príncipe Turki — ex-chefe de inteligência saudita — rejeitou a ideia de que construir relações entre Estados árabes e Israel traria paz, chamando-a de “ilusão israelense, americana e europeia”.

Manifestantes marcham em Rabat para expressar apoio aos palestinos em 15 de outubro de 2023. Foto: FADEL SENNA / AFP

Conforme o príncipe Turki falava, outro protesto ganhava força a 10 quilômetros de lá, tomando as ruas estreitas de Muharraq — uma cidade de prédios baixos, em tons de bege e branco. O ar ficou impregnado pelo odor da fumaça dos carros conforme torrentes de gente bloquearam o tráfego, agitando bandeiras palestinas com crianças nos ombros.

As liberdades de associação e reunião permanecem altamente restritas no Bahrein. Mas muitos protestos recentes foram autorizados pelo governo — o que lhes propiciou um espaço tacitamente aprovado para desabafar e expressar suas frustrações.

Milhares de manifestantes berraram em inglês e árabe até ficar roucos:

“Abaixo, abaixo Israel!”

“Os EUA são a cabeça da serpente!”

Alguns expressavam apoio ao Hamas pedindo que o grupo bombardeie Tel-Aviv.

Em seu discurso no dia anterior, o príncipe-herdeiro do Bahrein tinha lamentado o “constante bombardeio” contra Gaza qualificando a situação como “intolerável”. Mas ele não ameaçou nenhum rompimento diplomático com Israel e disse que os EUA são “indispensáveis” em qualquer processo de paz.

Quando o príncipe-herdeiro terminou sua fala, seus convidados deleitaram-se com pêssegos em calda de açafrão e peitos de frango recheados de ratatouille. Nos bastidores da conferência, as autoridades bahreinitas diziam aos participantes que estão determinadas em proteger seu acordo com Israel. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Conforme baixava o sol da tarde, um homem com um megafone na mão posicionou-se diante de um grupo de aproximadamente 200 pessoas em Manama, a capital do Bahrein, e começou a gritar a plenos pulmões.

Os manifestantes, agitando bandeiras palestinas, repetiam suas palavras com entusiasmo, implorando ao seu governo autoritário e aliado dos Estados Unidos para expulsar o embaixador israelense — nomeado dois anos atrás, depois que o Bahrein estabeleceu relações diplomáticas com Israel.

“Tirem a embaixada sionista da terra bahreinita!”, entoavam eles. “Tirem as bases americanas da terra bahreinita!”

Um manifestante segurando uma bandeira palestina grita slogans anti-Israel durante uma manifestação em apoio aos palestinos, em Manama, Bahrein, em 27 de outubro de 2023. Foto: Hamad I Mohammed / REUTERS

A menos de 7 quilômetros de lá, militares americanos e europeus concentravam-se no Manama Dialogue, uma conferência anual que reúne autoridades graduadas de potências ocidentais e do Oriente Médio para discutir segurança regional. Eles perambularam pelo salão de baile dourado do fortemente guardado Hotel Ritz-Carlton horas após o protesto — a maioria sem saber que a manifestação tinha ocorrido.

Quando subiu ao palco do evento, o príncipe-herdeiro do Bahrein, Salman bin Hamad Al Khalifa, agradou grande parte dos presentes ao condenar o Hamas, o grupo armado palestino que governa Gaza e liderou o ataque de 7 de outubro contra Israel que deixou cerca de 1,2 mil mortos, segundo autoridades israelenses.

A guerra em Gaza que se seguiu ao ataque não apenas explicitou os abismos entre muitos líderes árabes e seus povos, também os aprofundou.

O Bahrein, um país do Golfo com cerca de 1,6 milhão de habitantes, testemunhou uma erupção de apoio popular aos palestinos e um aumento da hostilidade em relação a Israel desde que a guerra começou. Os militares israelenses responderam ao ataque do Hamas bombardeando e sitiando Gaza em uma campanha militar que deixou mais de 16 mil mortos, de acordo com autoridades de Gaza.

Ainda que seja antiga a desconexão entre muitos Estados árabes e seus cidadãos sobre sua atitude em relação à causa palestina, a guerra trouxe essa diferença ao foco mais evidente em anos. Em muitos protestos por toda a região, as pessoas não apenas condenaram Israel e apoiaram o Hamas, mas também criticaram seus próprios governos.

No Marrocos e na Jordânia, milhares foram às ruas exigir que seus países cortem relações com Israel. No Cairo, manifestantes pró-palestinos lotaram a Praça Tahrir, onde começou a insurreição da Primavera Árabe, e ressuscitaram seu grito revolucionário por pão, liberdade e justiça social.

Pessoal da Marinha em uma base naval e quartel-general dos EUA que supervisiona missões regionais de navios de guerra e aeronaves de combate e patrulhas antipirataria, em Manama, Bahrein, em 22 de maio de 2023.  Foto: Andrea DiCenzo / NYT

E no Bahrein, manifestantes afirmaram que, além de um sentimento profundo de identidade árabe-islâmica em comum, eles veem conexões entre a libertação palestina a a sua própria libertação da repressão política.

“Eu tenho esperança de que um dia nós seremos um povo livre”, afirmou a bahreinita Fatima Jumua, de 22 anos, que compareceu ao protesto em Manama. “Nossa existência e nossa liberdade estão conectadas à existência e à liberdade da Palestina.”

Por décadas, a maioria dos governos árabes se recusava a estabelecer relações com Israel antes da criação de um Estado palestino. Mas esse cálculo mudou nos anos que antecederam a guerra conforme líderes autoritários ponderaram sobre a opinião pública negativa a respeito de Israel e os benefícios econômicos e de segurança — além das concessões que extrairiam dos EUA, os maiores aliados dos israelenses.

“O governo do Bahrein quer ser visto como uma voz de moderação nos EUA. E está usando cada vez mais suas nova relação com Israel para forjar essa percepção em Washington”, afirmou a pesquisadora Elham Fakhro, do instituto de análise Chatham House. “Mas domesticamente o efeito é diferente.”

Em 2020, Bahrein, Emirados Árabes Unidos e Marrocos estabeleceram relações com Israel em pactos intermediados pelo governo Trump que ficaram conhecidos como Acordos de Abraão — juntando-se a Egito e Jordânia, que têm acordos de paz com Israel há décadas.

Os pactos foram celebrados pelos governos ocidentais, que apoiam há muito as famílias reais da região, e em setembro o governo do Bahrein assinou um amplo acordo de segurança com o governo Biden.

O major-general Yousef Huneiti (dir.), presidente jordaniano do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas da Jordânia, participa da conferência de segurança IISS Manama Dialogue, em Manama, em 18 de novembro de 2023. Foto: MAZEN MAHDI / AFP

Mas pesquisas mostraram que a maioria dos cidadãos árabes comuns considera cada vez mais negativamente o estabelecimento de relações com Israel.

No Bahrein, que possui uma família real sunita e a maioria da população xiita, as autoridades declararam que os acordos encorajaram tolerância e coexistência. Mas isso não convenceu muitos cidadãos conforme o governo continuou a reprimir o dissenso interno.

A causa palestina e a oposição a Israel une bahreinitas de todas das linhas sectárias e políticas — sunitas e xiitas, esquerdistas seculares e islamistas conservadores, jovens e velhos. Questionados em uma pesquisa anterior à guerra sobre o impacto que os Acordos de Abraão surtiria na região, 76% dos barhreinitas responderam que seria negativo.

Os acordos foram “forçados contra a vontade do povo”, afirmou o ativista defensor de direitos humanos bahreinita Abdulnabi Alekry, de 60 anos.

Fakhro, a pesquisadora da Chatham House, afirmou que o Bahrein esteve agitado por muitos anos em razão de tensões entre o governo e movimentos de oposição. “A atual crise está aprofundando esse abismo”, afirmou ela.

O Bahrein esmagou uma insurreição da Primavera Árabe em 2011 com ajuda de forças da Arábia Saudita e dos EAU. E também abriga uma das bases militares americanas mais importantes na região.

Os manifestantes bahreinitas afirmaram que consideram Israel uma potência em estilo colonial e um projeto apoiado pelo Ocidente concebido para dominar a região. Alguns disseram que Israel não deve nem sequer existir.

Jumua afirmou que os palestinos e todos os outros povos da região vivem sob a influência das potências ocidentais. “Até agora nós vemos que não podemos nos mover sem aprovação dos EUA”, afirmou ela.

Manifestantes participam de um protesto em apoio aos palestinos, em meio ao conflito em curso entre Israel e o grupo islâmico palestino Hamas, em Muharraq, Bahrein, em 18 de novembro de 2023.  Foto: Hamad I Mohammed / REUTERS

Na manhã seguinte ao protesto, as graduadas autoridades árabes e americanas retornaram ao reluzente salão de baile do Hotel Ritz-Carlton para debater um caminho adiante para Gaza.

Questionado a respeito da opinião pública negativa em relação aos Acordos de Abraão, Brett McGurk, alta autoridade da Casa Branca para o Oriente Médio, afirmou que seu foco é a crise imediata. Mas para além disso, afirmou ele, os formuladores de políticas americanos estão comprometidos com a “integração” de Israel e seus vizinhos.

Antes da guerra, a Casa Branca esteve negociando com a Arábia Saudita um acordo complexo, segundo o qual o reino, o país árabe mais poderoso, reconheceria Israel. “Nós não podemos permitir que a ação do Hamas em 7 de outubro afaste completamente esse caminho”, afirmou McGurk.

Mas alguns palestinos temem que um acordo saudita-israelense teria minado ainda mais sua luta por estatuto de Estado.

Uma alta autoridade bahreinita afirmou que o governo de seu país crê que o Estado de Israel tem de ser aceito e que os povos da região devem coexistir. O Bahrein preocupa-se com a possibilidade da guerra alimentar ódio e extremismo, acrescentou a fonte, falando sob condição de anonimato em razão da sensibilidade do tema. Os Acordos de Abraão deveriam ser protegidos como uma ferramenta para a paz, afirmou ele.

Mas quando questionada a respeito dos abismos entre os árabes e a opinião pública, a autoridade não respondeu diretamente à pergunta. Em vez disso, afirmou que o Bahrein acredita que a situação em Gaza é catastrófica e faz de tudo para estimular a paz.

As acusações mais contundentes contra Israel na conferência vieram do ministro de Relações Exteriores da Jordânia — onde grande parte da população tem origem palestina — e de um importante membro da realeza saudita, o príncipe Turki Al Faisal, que pediu sanções contra Israel.

O príncipe Turki — ex-chefe de inteligência saudita — rejeitou a ideia de que construir relações entre Estados árabes e Israel traria paz, chamando-a de “ilusão israelense, americana e europeia”.

Manifestantes marcham em Rabat para expressar apoio aos palestinos em 15 de outubro de 2023. Foto: FADEL SENNA / AFP

Conforme o príncipe Turki falava, outro protesto ganhava força a 10 quilômetros de lá, tomando as ruas estreitas de Muharraq — uma cidade de prédios baixos, em tons de bege e branco. O ar ficou impregnado pelo odor da fumaça dos carros conforme torrentes de gente bloquearam o tráfego, agitando bandeiras palestinas com crianças nos ombros.

As liberdades de associação e reunião permanecem altamente restritas no Bahrein. Mas muitos protestos recentes foram autorizados pelo governo — o que lhes propiciou um espaço tacitamente aprovado para desabafar e expressar suas frustrações.

Milhares de manifestantes berraram em inglês e árabe até ficar roucos:

“Abaixo, abaixo Israel!”

“Os EUA são a cabeça da serpente!”

Alguns expressavam apoio ao Hamas pedindo que o grupo bombardeie Tel-Aviv.

Em seu discurso no dia anterior, o príncipe-herdeiro do Bahrein tinha lamentado o “constante bombardeio” contra Gaza qualificando a situação como “intolerável”. Mas ele não ameaçou nenhum rompimento diplomático com Israel e disse que os EUA são “indispensáveis” em qualquer processo de paz.

Quando o príncipe-herdeiro terminou sua fala, seus convidados deleitaram-se com pêssegos em calda de açafrão e peitos de frango recheados de ratatouille. Nos bastidores da conferência, as autoridades bahreinitas diziam aos participantes que estão determinadas em proteger seu acordo com Israel. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Conforme baixava o sol da tarde, um homem com um megafone na mão posicionou-se diante de um grupo de aproximadamente 200 pessoas em Manama, a capital do Bahrein, e começou a gritar a plenos pulmões.

Os manifestantes, agitando bandeiras palestinas, repetiam suas palavras com entusiasmo, implorando ao seu governo autoritário e aliado dos Estados Unidos para expulsar o embaixador israelense — nomeado dois anos atrás, depois que o Bahrein estabeleceu relações diplomáticas com Israel.

“Tirem a embaixada sionista da terra bahreinita!”, entoavam eles. “Tirem as bases americanas da terra bahreinita!”

Um manifestante segurando uma bandeira palestina grita slogans anti-Israel durante uma manifestação em apoio aos palestinos, em Manama, Bahrein, em 27 de outubro de 2023. Foto: Hamad I Mohammed / REUTERS

A menos de 7 quilômetros de lá, militares americanos e europeus concentravam-se no Manama Dialogue, uma conferência anual que reúne autoridades graduadas de potências ocidentais e do Oriente Médio para discutir segurança regional. Eles perambularam pelo salão de baile dourado do fortemente guardado Hotel Ritz-Carlton horas após o protesto — a maioria sem saber que a manifestação tinha ocorrido.

Quando subiu ao palco do evento, o príncipe-herdeiro do Bahrein, Salman bin Hamad Al Khalifa, agradou grande parte dos presentes ao condenar o Hamas, o grupo armado palestino que governa Gaza e liderou o ataque de 7 de outubro contra Israel que deixou cerca de 1,2 mil mortos, segundo autoridades israelenses.

A guerra em Gaza que se seguiu ao ataque não apenas explicitou os abismos entre muitos líderes árabes e seus povos, também os aprofundou.

O Bahrein, um país do Golfo com cerca de 1,6 milhão de habitantes, testemunhou uma erupção de apoio popular aos palestinos e um aumento da hostilidade em relação a Israel desde que a guerra começou. Os militares israelenses responderam ao ataque do Hamas bombardeando e sitiando Gaza em uma campanha militar que deixou mais de 16 mil mortos, de acordo com autoridades de Gaza.

Ainda que seja antiga a desconexão entre muitos Estados árabes e seus cidadãos sobre sua atitude em relação à causa palestina, a guerra trouxe essa diferença ao foco mais evidente em anos. Em muitos protestos por toda a região, as pessoas não apenas condenaram Israel e apoiaram o Hamas, mas também criticaram seus próprios governos.

No Marrocos e na Jordânia, milhares foram às ruas exigir que seus países cortem relações com Israel. No Cairo, manifestantes pró-palestinos lotaram a Praça Tahrir, onde começou a insurreição da Primavera Árabe, e ressuscitaram seu grito revolucionário por pão, liberdade e justiça social.

Pessoal da Marinha em uma base naval e quartel-general dos EUA que supervisiona missões regionais de navios de guerra e aeronaves de combate e patrulhas antipirataria, em Manama, Bahrein, em 22 de maio de 2023.  Foto: Andrea DiCenzo / NYT

E no Bahrein, manifestantes afirmaram que, além de um sentimento profundo de identidade árabe-islâmica em comum, eles veem conexões entre a libertação palestina a a sua própria libertação da repressão política.

“Eu tenho esperança de que um dia nós seremos um povo livre”, afirmou a bahreinita Fatima Jumua, de 22 anos, que compareceu ao protesto em Manama. “Nossa existência e nossa liberdade estão conectadas à existência e à liberdade da Palestina.”

Por décadas, a maioria dos governos árabes se recusava a estabelecer relações com Israel antes da criação de um Estado palestino. Mas esse cálculo mudou nos anos que antecederam a guerra conforme líderes autoritários ponderaram sobre a opinião pública negativa a respeito de Israel e os benefícios econômicos e de segurança — além das concessões que extrairiam dos EUA, os maiores aliados dos israelenses.

“O governo do Bahrein quer ser visto como uma voz de moderação nos EUA. E está usando cada vez mais suas nova relação com Israel para forjar essa percepção em Washington”, afirmou a pesquisadora Elham Fakhro, do instituto de análise Chatham House. “Mas domesticamente o efeito é diferente.”

Em 2020, Bahrein, Emirados Árabes Unidos e Marrocos estabeleceram relações com Israel em pactos intermediados pelo governo Trump que ficaram conhecidos como Acordos de Abraão — juntando-se a Egito e Jordânia, que têm acordos de paz com Israel há décadas.

Os pactos foram celebrados pelos governos ocidentais, que apoiam há muito as famílias reais da região, e em setembro o governo do Bahrein assinou um amplo acordo de segurança com o governo Biden.

O major-general Yousef Huneiti (dir.), presidente jordaniano do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas da Jordânia, participa da conferência de segurança IISS Manama Dialogue, em Manama, em 18 de novembro de 2023. Foto: MAZEN MAHDI / AFP

Mas pesquisas mostraram que a maioria dos cidadãos árabes comuns considera cada vez mais negativamente o estabelecimento de relações com Israel.

No Bahrein, que possui uma família real sunita e a maioria da população xiita, as autoridades declararam que os acordos encorajaram tolerância e coexistência. Mas isso não convenceu muitos cidadãos conforme o governo continuou a reprimir o dissenso interno.

A causa palestina e a oposição a Israel une bahreinitas de todas das linhas sectárias e políticas — sunitas e xiitas, esquerdistas seculares e islamistas conservadores, jovens e velhos. Questionados em uma pesquisa anterior à guerra sobre o impacto que os Acordos de Abraão surtiria na região, 76% dos barhreinitas responderam que seria negativo.

Os acordos foram “forçados contra a vontade do povo”, afirmou o ativista defensor de direitos humanos bahreinita Abdulnabi Alekry, de 60 anos.

Fakhro, a pesquisadora da Chatham House, afirmou que o Bahrein esteve agitado por muitos anos em razão de tensões entre o governo e movimentos de oposição. “A atual crise está aprofundando esse abismo”, afirmou ela.

O Bahrein esmagou uma insurreição da Primavera Árabe em 2011 com ajuda de forças da Arábia Saudita e dos EAU. E também abriga uma das bases militares americanas mais importantes na região.

Os manifestantes bahreinitas afirmaram que consideram Israel uma potência em estilo colonial e um projeto apoiado pelo Ocidente concebido para dominar a região. Alguns disseram que Israel não deve nem sequer existir.

Jumua afirmou que os palestinos e todos os outros povos da região vivem sob a influência das potências ocidentais. “Até agora nós vemos que não podemos nos mover sem aprovação dos EUA”, afirmou ela.

Manifestantes participam de um protesto em apoio aos palestinos, em meio ao conflito em curso entre Israel e o grupo islâmico palestino Hamas, em Muharraq, Bahrein, em 18 de novembro de 2023.  Foto: Hamad I Mohammed / REUTERS

Na manhã seguinte ao protesto, as graduadas autoridades árabes e americanas retornaram ao reluzente salão de baile do Hotel Ritz-Carlton para debater um caminho adiante para Gaza.

Questionado a respeito da opinião pública negativa em relação aos Acordos de Abraão, Brett McGurk, alta autoridade da Casa Branca para o Oriente Médio, afirmou que seu foco é a crise imediata. Mas para além disso, afirmou ele, os formuladores de políticas americanos estão comprometidos com a “integração” de Israel e seus vizinhos.

Antes da guerra, a Casa Branca esteve negociando com a Arábia Saudita um acordo complexo, segundo o qual o reino, o país árabe mais poderoso, reconheceria Israel. “Nós não podemos permitir que a ação do Hamas em 7 de outubro afaste completamente esse caminho”, afirmou McGurk.

Mas alguns palestinos temem que um acordo saudita-israelense teria minado ainda mais sua luta por estatuto de Estado.

Uma alta autoridade bahreinita afirmou que o governo de seu país crê que o Estado de Israel tem de ser aceito e que os povos da região devem coexistir. O Bahrein preocupa-se com a possibilidade da guerra alimentar ódio e extremismo, acrescentou a fonte, falando sob condição de anonimato em razão da sensibilidade do tema. Os Acordos de Abraão deveriam ser protegidos como uma ferramenta para a paz, afirmou ele.

Mas quando questionada a respeito dos abismos entre os árabes e a opinião pública, a autoridade não respondeu diretamente à pergunta. Em vez disso, afirmou que o Bahrein acredita que a situação em Gaza é catastrófica e faz de tudo para estimular a paz.

As acusações mais contundentes contra Israel na conferência vieram do ministro de Relações Exteriores da Jordânia — onde grande parte da população tem origem palestina — e de um importante membro da realeza saudita, o príncipe Turki Al Faisal, que pediu sanções contra Israel.

O príncipe Turki — ex-chefe de inteligência saudita — rejeitou a ideia de que construir relações entre Estados árabes e Israel traria paz, chamando-a de “ilusão israelense, americana e europeia”.

Manifestantes marcham em Rabat para expressar apoio aos palestinos em 15 de outubro de 2023. Foto: FADEL SENNA / AFP

Conforme o príncipe Turki falava, outro protesto ganhava força a 10 quilômetros de lá, tomando as ruas estreitas de Muharraq — uma cidade de prédios baixos, em tons de bege e branco. O ar ficou impregnado pelo odor da fumaça dos carros conforme torrentes de gente bloquearam o tráfego, agitando bandeiras palestinas com crianças nos ombros.

As liberdades de associação e reunião permanecem altamente restritas no Bahrein. Mas muitos protestos recentes foram autorizados pelo governo — o que lhes propiciou um espaço tacitamente aprovado para desabafar e expressar suas frustrações.

Milhares de manifestantes berraram em inglês e árabe até ficar roucos:

“Abaixo, abaixo Israel!”

“Os EUA são a cabeça da serpente!”

Alguns expressavam apoio ao Hamas pedindo que o grupo bombardeie Tel-Aviv.

Em seu discurso no dia anterior, o príncipe-herdeiro do Bahrein tinha lamentado o “constante bombardeio” contra Gaza qualificando a situação como “intolerável”. Mas ele não ameaçou nenhum rompimento diplomático com Israel e disse que os EUA são “indispensáveis” em qualquer processo de paz.

Quando o príncipe-herdeiro terminou sua fala, seus convidados deleitaram-se com pêssegos em calda de açafrão e peitos de frango recheados de ratatouille. Nos bastidores da conferência, as autoridades bahreinitas diziam aos participantes que estão determinadas em proteger seu acordo com Israel. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Conforme baixava o sol da tarde, um homem com um megafone na mão posicionou-se diante de um grupo de aproximadamente 200 pessoas em Manama, a capital do Bahrein, e começou a gritar a plenos pulmões.

Os manifestantes, agitando bandeiras palestinas, repetiam suas palavras com entusiasmo, implorando ao seu governo autoritário e aliado dos Estados Unidos para expulsar o embaixador israelense — nomeado dois anos atrás, depois que o Bahrein estabeleceu relações diplomáticas com Israel.

“Tirem a embaixada sionista da terra bahreinita!”, entoavam eles. “Tirem as bases americanas da terra bahreinita!”

Um manifestante segurando uma bandeira palestina grita slogans anti-Israel durante uma manifestação em apoio aos palestinos, em Manama, Bahrein, em 27 de outubro de 2023. Foto: Hamad I Mohammed / REUTERS

A menos de 7 quilômetros de lá, militares americanos e europeus concentravam-se no Manama Dialogue, uma conferência anual que reúne autoridades graduadas de potências ocidentais e do Oriente Médio para discutir segurança regional. Eles perambularam pelo salão de baile dourado do fortemente guardado Hotel Ritz-Carlton horas após o protesto — a maioria sem saber que a manifestação tinha ocorrido.

Quando subiu ao palco do evento, o príncipe-herdeiro do Bahrein, Salman bin Hamad Al Khalifa, agradou grande parte dos presentes ao condenar o Hamas, o grupo armado palestino que governa Gaza e liderou o ataque de 7 de outubro contra Israel que deixou cerca de 1,2 mil mortos, segundo autoridades israelenses.

A guerra em Gaza que se seguiu ao ataque não apenas explicitou os abismos entre muitos líderes árabes e seus povos, também os aprofundou.

O Bahrein, um país do Golfo com cerca de 1,6 milhão de habitantes, testemunhou uma erupção de apoio popular aos palestinos e um aumento da hostilidade em relação a Israel desde que a guerra começou. Os militares israelenses responderam ao ataque do Hamas bombardeando e sitiando Gaza em uma campanha militar que deixou mais de 16 mil mortos, de acordo com autoridades de Gaza.

Ainda que seja antiga a desconexão entre muitos Estados árabes e seus cidadãos sobre sua atitude em relação à causa palestina, a guerra trouxe essa diferença ao foco mais evidente em anos. Em muitos protestos por toda a região, as pessoas não apenas condenaram Israel e apoiaram o Hamas, mas também criticaram seus próprios governos.

No Marrocos e na Jordânia, milhares foram às ruas exigir que seus países cortem relações com Israel. No Cairo, manifestantes pró-palestinos lotaram a Praça Tahrir, onde começou a insurreição da Primavera Árabe, e ressuscitaram seu grito revolucionário por pão, liberdade e justiça social.

Pessoal da Marinha em uma base naval e quartel-general dos EUA que supervisiona missões regionais de navios de guerra e aeronaves de combate e patrulhas antipirataria, em Manama, Bahrein, em 22 de maio de 2023.  Foto: Andrea DiCenzo / NYT

E no Bahrein, manifestantes afirmaram que, além de um sentimento profundo de identidade árabe-islâmica em comum, eles veem conexões entre a libertação palestina a a sua própria libertação da repressão política.

“Eu tenho esperança de que um dia nós seremos um povo livre”, afirmou a bahreinita Fatima Jumua, de 22 anos, que compareceu ao protesto em Manama. “Nossa existência e nossa liberdade estão conectadas à existência e à liberdade da Palestina.”

Por décadas, a maioria dos governos árabes se recusava a estabelecer relações com Israel antes da criação de um Estado palestino. Mas esse cálculo mudou nos anos que antecederam a guerra conforme líderes autoritários ponderaram sobre a opinião pública negativa a respeito de Israel e os benefícios econômicos e de segurança — além das concessões que extrairiam dos EUA, os maiores aliados dos israelenses.

“O governo do Bahrein quer ser visto como uma voz de moderação nos EUA. E está usando cada vez mais suas nova relação com Israel para forjar essa percepção em Washington”, afirmou a pesquisadora Elham Fakhro, do instituto de análise Chatham House. “Mas domesticamente o efeito é diferente.”

Em 2020, Bahrein, Emirados Árabes Unidos e Marrocos estabeleceram relações com Israel em pactos intermediados pelo governo Trump que ficaram conhecidos como Acordos de Abraão — juntando-se a Egito e Jordânia, que têm acordos de paz com Israel há décadas.

Os pactos foram celebrados pelos governos ocidentais, que apoiam há muito as famílias reais da região, e em setembro o governo do Bahrein assinou um amplo acordo de segurança com o governo Biden.

O major-general Yousef Huneiti (dir.), presidente jordaniano do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas da Jordânia, participa da conferência de segurança IISS Manama Dialogue, em Manama, em 18 de novembro de 2023. Foto: MAZEN MAHDI / AFP

Mas pesquisas mostraram que a maioria dos cidadãos árabes comuns considera cada vez mais negativamente o estabelecimento de relações com Israel.

No Bahrein, que possui uma família real sunita e a maioria da população xiita, as autoridades declararam que os acordos encorajaram tolerância e coexistência. Mas isso não convenceu muitos cidadãos conforme o governo continuou a reprimir o dissenso interno.

A causa palestina e a oposição a Israel une bahreinitas de todas das linhas sectárias e políticas — sunitas e xiitas, esquerdistas seculares e islamistas conservadores, jovens e velhos. Questionados em uma pesquisa anterior à guerra sobre o impacto que os Acordos de Abraão surtiria na região, 76% dos barhreinitas responderam que seria negativo.

Os acordos foram “forçados contra a vontade do povo”, afirmou o ativista defensor de direitos humanos bahreinita Abdulnabi Alekry, de 60 anos.

Fakhro, a pesquisadora da Chatham House, afirmou que o Bahrein esteve agitado por muitos anos em razão de tensões entre o governo e movimentos de oposição. “A atual crise está aprofundando esse abismo”, afirmou ela.

O Bahrein esmagou uma insurreição da Primavera Árabe em 2011 com ajuda de forças da Arábia Saudita e dos EAU. E também abriga uma das bases militares americanas mais importantes na região.

Os manifestantes bahreinitas afirmaram que consideram Israel uma potência em estilo colonial e um projeto apoiado pelo Ocidente concebido para dominar a região. Alguns disseram que Israel não deve nem sequer existir.

Jumua afirmou que os palestinos e todos os outros povos da região vivem sob a influência das potências ocidentais. “Até agora nós vemos que não podemos nos mover sem aprovação dos EUA”, afirmou ela.

Manifestantes participam de um protesto em apoio aos palestinos, em meio ao conflito em curso entre Israel e o grupo islâmico palestino Hamas, em Muharraq, Bahrein, em 18 de novembro de 2023.  Foto: Hamad I Mohammed / REUTERS

Na manhã seguinte ao protesto, as graduadas autoridades árabes e americanas retornaram ao reluzente salão de baile do Hotel Ritz-Carlton para debater um caminho adiante para Gaza.

Questionado a respeito da opinião pública negativa em relação aos Acordos de Abraão, Brett McGurk, alta autoridade da Casa Branca para o Oriente Médio, afirmou que seu foco é a crise imediata. Mas para além disso, afirmou ele, os formuladores de políticas americanos estão comprometidos com a “integração” de Israel e seus vizinhos.

Antes da guerra, a Casa Branca esteve negociando com a Arábia Saudita um acordo complexo, segundo o qual o reino, o país árabe mais poderoso, reconheceria Israel. “Nós não podemos permitir que a ação do Hamas em 7 de outubro afaste completamente esse caminho”, afirmou McGurk.

Mas alguns palestinos temem que um acordo saudita-israelense teria minado ainda mais sua luta por estatuto de Estado.

Uma alta autoridade bahreinita afirmou que o governo de seu país crê que o Estado de Israel tem de ser aceito e que os povos da região devem coexistir. O Bahrein preocupa-se com a possibilidade da guerra alimentar ódio e extremismo, acrescentou a fonte, falando sob condição de anonimato em razão da sensibilidade do tema. Os Acordos de Abraão deveriam ser protegidos como uma ferramenta para a paz, afirmou ele.

Mas quando questionada a respeito dos abismos entre os árabes e a opinião pública, a autoridade não respondeu diretamente à pergunta. Em vez disso, afirmou que o Bahrein acredita que a situação em Gaza é catastrófica e faz de tudo para estimular a paz.

As acusações mais contundentes contra Israel na conferência vieram do ministro de Relações Exteriores da Jordânia — onde grande parte da população tem origem palestina — e de um importante membro da realeza saudita, o príncipe Turki Al Faisal, que pediu sanções contra Israel.

O príncipe Turki — ex-chefe de inteligência saudita — rejeitou a ideia de que construir relações entre Estados árabes e Israel traria paz, chamando-a de “ilusão israelense, americana e europeia”.

Manifestantes marcham em Rabat para expressar apoio aos palestinos em 15 de outubro de 2023. Foto: FADEL SENNA / AFP

Conforme o príncipe Turki falava, outro protesto ganhava força a 10 quilômetros de lá, tomando as ruas estreitas de Muharraq — uma cidade de prédios baixos, em tons de bege e branco. O ar ficou impregnado pelo odor da fumaça dos carros conforme torrentes de gente bloquearam o tráfego, agitando bandeiras palestinas com crianças nos ombros.

As liberdades de associação e reunião permanecem altamente restritas no Bahrein. Mas muitos protestos recentes foram autorizados pelo governo — o que lhes propiciou um espaço tacitamente aprovado para desabafar e expressar suas frustrações.

Milhares de manifestantes berraram em inglês e árabe até ficar roucos:

“Abaixo, abaixo Israel!”

“Os EUA são a cabeça da serpente!”

Alguns expressavam apoio ao Hamas pedindo que o grupo bombardeie Tel-Aviv.

Em seu discurso no dia anterior, o príncipe-herdeiro do Bahrein tinha lamentado o “constante bombardeio” contra Gaza qualificando a situação como “intolerável”. Mas ele não ameaçou nenhum rompimento diplomático com Israel e disse que os EUA são “indispensáveis” em qualquer processo de paz.

Quando o príncipe-herdeiro terminou sua fala, seus convidados deleitaram-se com pêssegos em calda de açafrão e peitos de frango recheados de ratatouille. Nos bastidores da conferência, as autoridades bahreinitas diziam aos participantes que estão determinadas em proteger seu acordo com Israel. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Conforme baixava o sol da tarde, um homem com um megafone na mão posicionou-se diante de um grupo de aproximadamente 200 pessoas em Manama, a capital do Bahrein, e começou a gritar a plenos pulmões.

Os manifestantes, agitando bandeiras palestinas, repetiam suas palavras com entusiasmo, implorando ao seu governo autoritário e aliado dos Estados Unidos para expulsar o embaixador israelense — nomeado dois anos atrás, depois que o Bahrein estabeleceu relações diplomáticas com Israel.

“Tirem a embaixada sionista da terra bahreinita!”, entoavam eles. “Tirem as bases americanas da terra bahreinita!”

Um manifestante segurando uma bandeira palestina grita slogans anti-Israel durante uma manifestação em apoio aos palestinos, em Manama, Bahrein, em 27 de outubro de 2023. Foto: Hamad I Mohammed / REUTERS

A menos de 7 quilômetros de lá, militares americanos e europeus concentravam-se no Manama Dialogue, uma conferência anual que reúne autoridades graduadas de potências ocidentais e do Oriente Médio para discutir segurança regional. Eles perambularam pelo salão de baile dourado do fortemente guardado Hotel Ritz-Carlton horas após o protesto — a maioria sem saber que a manifestação tinha ocorrido.

Quando subiu ao palco do evento, o príncipe-herdeiro do Bahrein, Salman bin Hamad Al Khalifa, agradou grande parte dos presentes ao condenar o Hamas, o grupo armado palestino que governa Gaza e liderou o ataque de 7 de outubro contra Israel que deixou cerca de 1,2 mil mortos, segundo autoridades israelenses.

A guerra em Gaza que se seguiu ao ataque não apenas explicitou os abismos entre muitos líderes árabes e seus povos, também os aprofundou.

O Bahrein, um país do Golfo com cerca de 1,6 milhão de habitantes, testemunhou uma erupção de apoio popular aos palestinos e um aumento da hostilidade em relação a Israel desde que a guerra começou. Os militares israelenses responderam ao ataque do Hamas bombardeando e sitiando Gaza em uma campanha militar que deixou mais de 16 mil mortos, de acordo com autoridades de Gaza.

Ainda que seja antiga a desconexão entre muitos Estados árabes e seus cidadãos sobre sua atitude em relação à causa palestina, a guerra trouxe essa diferença ao foco mais evidente em anos. Em muitos protestos por toda a região, as pessoas não apenas condenaram Israel e apoiaram o Hamas, mas também criticaram seus próprios governos.

No Marrocos e na Jordânia, milhares foram às ruas exigir que seus países cortem relações com Israel. No Cairo, manifestantes pró-palestinos lotaram a Praça Tahrir, onde começou a insurreição da Primavera Árabe, e ressuscitaram seu grito revolucionário por pão, liberdade e justiça social.

Pessoal da Marinha em uma base naval e quartel-general dos EUA que supervisiona missões regionais de navios de guerra e aeronaves de combate e patrulhas antipirataria, em Manama, Bahrein, em 22 de maio de 2023.  Foto: Andrea DiCenzo / NYT

E no Bahrein, manifestantes afirmaram que, além de um sentimento profundo de identidade árabe-islâmica em comum, eles veem conexões entre a libertação palestina a a sua própria libertação da repressão política.

“Eu tenho esperança de que um dia nós seremos um povo livre”, afirmou a bahreinita Fatima Jumua, de 22 anos, que compareceu ao protesto em Manama. “Nossa existência e nossa liberdade estão conectadas à existência e à liberdade da Palestina.”

Por décadas, a maioria dos governos árabes se recusava a estabelecer relações com Israel antes da criação de um Estado palestino. Mas esse cálculo mudou nos anos que antecederam a guerra conforme líderes autoritários ponderaram sobre a opinião pública negativa a respeito de Israel e os benefícios econômicos e de segurança — além das concessões que extrairiam dos EUA, os maiores aliados dos israelenses.

“O governo do Bahrein quer ser visto como uma voz de moderação nos EUA. E está usando cada vez mais suas nova relação com Israel para forjar essa percepção em Washington”, afirmou a pesquisadora Elham Fakhro, do instituto de análise Chatham House. “Mas domesticamente o efeito é diferente.”

Em 2020, Bahrein, Emirados Árabes Unidos e Marrocos estabeleceram relações com Israel em pactos intermediados pelo governo Trump que ficaram conhecidos como Acordos de Abraão — juntando-se a Egito e Jordânia, que têm acordos de paz com Israel há décadas.

Os pactos foram celebrados pelos governos ocidentais, que apoiam há muito as famílias reais da região, e em setembro o governo do Bahrein assinou um amplo acordo de segurança com o governo Biden.

O major-general Yousef Huneiti (dir.), presidente jordaniano do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas da Jordânia, participa da conferência de segurança IISS Manama Dialogue, em Manama, em 18 de novembro de 2023. Foto: MAZEN MAHDI / AFP

Mas pesquisas mostraram que a maioria dos cidadãos árabes comuns considera cada vez mais negativamente o estabelecimento de relações com Israel.

No Bahrein, que possui uma família real sunita e a maioria da população xiita, as autoridades declararam que os acordos encorajaram tolerância e coexistência. Mas isso não convenceu muitos cidadãos conforme o governo continuou a reprimir o dissenso interno.

A causa palestina e a oposição a Israel une bahreinitas de todas das linhas sectárias e políticas — sunitas e xiitas, esquerdistas seculares e islamistas conservadores, jovens e velhos. Questionados em uma pesquisa anterior à guerra sobre o impacto que os Acordos de Abraão surtiria na região, 76% dos barhreinitas responderam que seria negativo.

Os acordos foram “forçados contra a vontade do povo”, afirmou o ativista defensor de direitos humanos bahreinita Abdulnabi Alekry, de 60 anos.

Fakhro, a pesquisadora da Chatham House, afirmou que o Bahrein esteve agitado por muitos anos em razão de tensões entre o governo e movimentos de oposição. “A atual crise está aprofundando esse abismo”, afirmou ela.

O Bahrein esmagou uma insurreição da Primavera Árabe em 2011 com ajuda de forças da Arábia Saudita e dos EAU. E também abriga uma das bases militares americanas mais importantes na região.

Os manifestantes bahreinitas afirmaram que consideram Israel uma potência em estilo colonial e um projeto apoiado pelo Ocidente concebido para dominar a região. Alguns disseram que Israel não deve nem sequer existir.

Jumua afirmou que os palestinos e todos os outros povos da região vivem sob a influência das potências ocidentais. “Até agora nós vemos que não podemos nos mover sem aprovação dos EUA”, afirmou ela.

Manifestantes participam de um protesto em apoio aos palestinos, em meio ao conflito em curso entre Israel e o grupo islâmico palestino Hamas, em Muharraq, Bahrein, em 18 de novembro de 2023.  Foto: Hamad I Mohammed / REUTERS

Na manhã seguinte ao protesto, as graduadas autoridades árabes e americanas retornaram ao reluzente salão de baile do Hotel Ritz-Carlton para debater um caminho adiante para Gaza.

Questionado a respeito da opinião pública negativa em relação aos Acordos de Abraão, Brett McGurk, alta autoridade da Casa Branca para o Oriente Médio, afirmou que seu foco é a crise imediata. Mas para além disso, afirmou ele, os formuladores de políticas americanos estão comprometidos com a “integração” de Israel e seus vizinhos.

Antes da guerra, a Casa Branca esteve negociando com a Arábia Saudita um acordo complexo, segundo o qual o reino, o país árabe mais poderoso, reconheceria Israel. “Nós não podemos permitir que a ação do Hamas em 7 de outubro afaste completamente esse caminho”, afirmou McGurk.

Mas alguns palestinos temem que um acordo saudita-israelense teria minado ainda mais sua luta por estatuto de Estado.

Uma alta autoridade bahreinita afirmou que o governo de seu país crê que o Estado de Israel tem de ser aceito e que os povos da região devem coexistir. O Bahrein preocupa-se com a possibilidade da guerra alimentar ódio e extremismo, acrescentou a fonte, falando sob condição de anonimato em razão da sensibilidade do tema. Os Acordos de Abraão deveriam ser protegidos como uma ferramenta para a paz, afirmou ele.

Mas quando questionada a respeito dos abismos entre os árabes e a opinião pública, a autoridade não respondeu diretamente à pergunta. Em vez disso, afirmou que o Bahrein acredita que a situação em Gaza é catastrófica e faz de tudo para estimular a paz.

As acusações mais contundentes contra Israel na conferência vieram do ministro de Relações Exteriores da Jordânia — onde grande parte da população tem origem palestina — e de um importante membro da realeza saudita, o príncipe Turki Al Faisal, que pediu sanções contra Israel.

O príncipe Turki — ex-chefe de inteligência saudita — rejeitou a ideia de que construir relações entre Estados árabes e Israel traria paz, chamando-a de “ilusão israelense, americana e europeia”.

Manifestantes marcham em Rabat para expressar apoio aos palestinos em 15 de outubro de 2023. Foto: FADEL SENNA / AFP

Conforme o príncipe Turki falava, outro protesto ganhava força a 10 quilômetros de lá, tomando as ruas estreitas de Muharraq — uma cidade de prédios baixos, em tons de bege e branco. O ar ficou impregnado pelo odor da fumaça dos carros conforme torrentes de gente bloquearam o tráfego, agitando bandeiras palestinas com crianças nos ombros.

As liberdades de associação e reunião permanecem altamente restritas no Bahrein. Mas muitos protestos recentes foram autorizados pelo governo — o que lhes propiciou um espaço tacitamente aprovado para desabafar e expressar suas frustrações.

Milhares de manifestantes berraram em inglês e árabe até ficar roucos:

“Abaixo, abaixo Israel!”

“Os EUA são a cabeça da serpente!”

Alguns expressavam apoio ao Hamas pedindo que o grupo bombardeie Tel-Aviv.

Em seu discurso no dia anterior, o príncipe-herdeiro do Bahrein tinha lamentado o “constante bombardeio” contra Gaza qualificando a situação como “intolerável”. Mas ele não ameaçou nenhum rompimento diplomático com Israel e disse que os EUA são “indispensáveis” em qualquer processo de paz.

Quando o príncipe-herdeiro terminou sua fala, seus convidados deleitaram-se com pêssegos em calda de açafrão e peitos de frango recheados de ratatouille. Nos bastidores da conferência, as autoridades bahreinitas diziam aos participantes que estão determinadas em proteger seu acordo com Israel. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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