Guerra na Ucrânia impulsiona startups militares nos EUA com drones, satélites e IA


Empresas de tecnologia americanas usam conflito para apresentar uma nova geração de sistemas militares, mas venda ao Pentágono é desafio

Por Eric Lipton

THE NEW YORK TIMES – A startup Capella Space, de São Francisco, está construindo uma frota de satélites pequenos e baratos capazes de rastrear tropas inimigas enquanto elas se movimentam à noite, sob nuvens ou coberturas que as lentes óticas tradicionais não conseguem atravessar.

A Fortem Technologies, uma pequena empresa aeroespacial de Utah, quer fornecer ao Pentágono um novo tipo de veículo aéreo não tripulado capaz de inutilizar drones inimigos.

Já a HawkEye 360, de Virgínia, tem usado fundos de private equity para lançar seus próprios satélites, que usam ondas de rádio emitidas por equipamentos de comunicação e outros dispositivos eletrônicos para detectar a presença de concentrações de tropas inimigas.

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Secretário de Defesa dos EUA, Lloyd Austin, durante depoimento para o Congresso, em 23 de março. Novas tecnologias de guerra são vistas com cautela pelo Pentágono Foto: Pete Marovich/NYT

Todos esses sistemas estão sendo testados no mundo real na guerra na Ucrânia, ganhando elogios de graduadas autoridades de governo e validando investidores que têm despejado dinheiro no setor.

Mas as empresas enfrentam um duro desafio em outro campo da batalha: a vagarosa burocracia do Pentágono, avessa a riscos, destinada ao estabelecimento de contratos de aquisição de equipamentos militares.

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Quando se trata de drones, satélites, inteligência artificial e outros setores, startups com frequência oferecem ao Pentágono opções mais baratas, ágeis e flexíveis do que os sistemas de armamentos produzidos pelas poucas gigantes do setor militar das quais o Pentágono depende normalmente.

Mas, ainda que os militares tenham fornecido financiamentos pequenos e contratos de curto prazo para muitas startups, esses arranjos com frequência expiram rápido demais e não são grandes o suficiente para as empresas bancarem suas folhas de pagamento — ou crescer tão rapidamente quanto seus investidores esperam. Várias foram forçadas a demitir, atrasando avanços em novas tecnologias e ferramentas de guerra.

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Conforme os Estados Unidos buscam manter sua vantagem de segurança nacional em relação a China, Rússia e outros rivais, os líderes do Pentágono começaram finalmente a imaginar maneiras de trazer o ethos do Vale do Silício para um complexo militar-industrial paquidérmico.

“Esse tipo de mudança nem sempre transcorre tão suavemente ou rapidamente quanto eu gostaria”, afirmou o secretário de Defesa, Lloyd Austin, durante discurso pronunciado em dezembro, diante de uma plateia em Simi Valley, Califórnia, que incluía executivos de muitas startups de tecnologia.

Autoridades e ex-autoridades do Pentágono reconheceram em entrevistas que o Departamento de Defesa ainda exige com frequência anos de planejamento e decisões de financiamento aprovadas pelo Congresso antes de poder comprar produtos de startups em quantidades suficientes para manter as empresas funcionando.

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“Às vezes nós temos burocracia demais — muitos verificadores monitorando a supervisão”, afirmou Deborah James, ex-secretária da Força Aérea, no mês passado.

Engenheiros trabalham na fábrica da Capella Space, em São Francisco. Empresa tem cerca de 200 empregados Foto: Loren Elliott/NYT

Executivos da indústria chamam sua situação de “Vale da Morte”, em que o ritmo lento das contratações do governo podem fazer as empresas sangrar seu financiamento enquanto aguardam as decisões.

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Uma startup com base em San Francisco, a Primer Technologies, fabrica uma ferramenta de inteligência artificial que analisou milhares de horas de comunicações russas via rádio desprotegidas para ajudar a localizar alvos, mas tem tido dificuldades em manter-se viva à espera de grandes contratos de defesa.

“As empresas pequenas não podem simplesmente ficar de braços cruzados por dois ou três anos até que os nossos contratos sejam firmados”, afirmou a subsecretária de Defesa para pesquisa e engenharia, Heidi Shyu, no ano passado, no Reagan National Defense Forum.

As autoridades do Pentágono encarregadas das aquisições também foram treinadas para evitar riscos após décadas de escândalos associados a assentos de privada superfaturados, navios que não funcionam e corrupção. Essa cultura não é compatível com empresas de tecnologia que prosperam sobre inovação, velocidade e atualização constante de seus produtos.

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“Os compradores no Pentágono são com frequência treinados para dizer ‘não’ — para seguir as regras da cartilha”, afirmou o fundador e diretor-executivo da Capella Space, Payam Banazadeh.

A guerra na Ucrânia ainda é travada em grande medida com armas do século 20, como fuzis, sistemas de artilharia e obuses.

O subsecretário de Defesa para aquisições e suporte, William LaPlante, escarneceu de algumas afirmações a respeito de quão importante a tecnologia americana tem sido, dizendo a fornecedores de equipamentos militares no ano passado que “seja qual for seu dispositivo, o que importa de verdade é a produção massiva de armamentos realmente sérios”.

Ele acrescentou que os combates contra a Rússia não têm sido travados pelo “Vale do Silício neste momento, apesar deles tentarem obter crédito por isso”.

Os compradores no Pentágono são com frequência treinados para dizer ‘não’ — para seguir as regras da cartilha

Payam Banazadeh, diretor-executivo da Capella Space

Em entrevista, porém, ele disse concordar que tecnologias comerciais transformaram o campo de batalha de maneiras importantes, particularmente com as ferramentas de satélites comerciais que deram à Ucrânia capacidade de vigilância muito maior. “A tecnologia é realmente importante”, afirmou ele.

Para o Pentágono, a tarefa de escolher entre empresas novas é complicada pela tendência de certas startups de exagerar as capacidades de suas tecnologias e em razão das abordagens divergentes que as empresas empreendem para atender uma necessidade militar.

“Nós recomendamos escolher vencedores, apoiá-los significativamente e ver o que eles conseguem entregar”, afirmou a ex-conselheira de ciência do Pentágono Whitney McNamara, descrevendo um novo relatório para o Atlantic Council que examina maneiras de acelerar as aquisições de combate.

Desde os primeiros meses da guerra, o Starlink, da SpaceX, serviço de internet via satélite fundado por Elon Musk, tem desempenhado um papel crítico para os soldados ucranianos na linha de frente. Mas drones pequenos e uma coleção mais densa de satélites também ajudam a prover capacidade para uma vigilância onipresente, permitindo à Ucrânia identificar e rastrear ameaças e alvos constantemente.

Uma nova geração de drones de ataque mais baratos e precisos, armados com bombas, vagueia pelos céus autonomamente até encontrar seus alvos. Sistemas computacionais apoiados por inteligência artificial são capazes de associar esses dados coletados e outros elementos para definir alvos mais rapidamente do que qualquer humano.

Os ucranianos também inovaram bastante por conta própria, impressionando autoridades do Pentágono ao converter drones comerciais, por exemplo, em minibombardeiros.

Considerados como um todo, afirmou Thomas Hammes, estudioso da história da guerra na Universidade de Defesa Nacional, apoiada pelo Pentágono, os desenvolvimentos representam uma “verdadeira revolução militar e que ocorre muito mais rapidamente do que a transição entre a infantaria que apenas marchava para se deslocar na 1.ª Guerra para os exércitos motorizados e mecanizados da 2.ª Guerra”.

“O ritmo atual de transformação não permite aos EUA e seus aliados e parceiros o luxo de duas décadas de transição”, afirmou Hammes, militar veterano que passou 30 anos no Corpo de Fuzileiros Navais. “Estamos começando a ver uma disposição de aceitar que isso ocorre até os níveis de três e quatro estrelas do generalato. Eles entendem que isso tem de acontecer. A questão é: como fazemos isso acontecer?”

Um laboratório de testes na Ucrânia

Ao som de batidas de tambor e canções patrióticas, uma montagem de vídeo-clips exibe em rápida sucessão uma série de interceptações bem-sucedidas de um novo tipo de ferramenta de guerra: um veículo aéreo não tripulado que decola quando um drone inimigo é detectado, rastreia a posição da arma invasora e, usando uma rede parecida com uma teia do Homem-Aranha, inutiliza a aeronave.

Fabricado pela Fortem, a startup com base em Utah, o equipamento ganhou o apelido de “Caça-Shaheds”, em referência aos drones de ataque fabricado pelo Irã que as aeronaves não tripuladas da Fortem andam interceptando.

Este é apenas um entre pelo menos 30 produtos novos identificados pelo New York Times fabricados principalmente por empresas pequenas de tecnologia americanas que têm sido usados nas linhas de frente na Ucrânia ou por aliados que ajudam os ucranianos.

Essas tecnologias produzidas nos EUA têm chegado à Ucrânia por meio de arranjos variados, que incluem doações de empresas, aquisições diretas por parte do governo ucraniano ou de grupos que o apoiam e compras do governo dos EUA, que posteriormente envia o material para Kiev.

Os mais convencionais desses dispositivos são satélites comerciais que fornecem imagens fotográficas tradicionais dos equipamentos de combate e tropas da Rússia, de empresas como Maxar Technologies, BlackSky e Planet Labs, que foram bem-sucedidas em ganhar contratos do governo de bilhões de dólares.

O governo dos EUA tem mantido satélites avançados no espaço há anos, com capacidades que superam o que as empresas comerciais são capazes de oferecer. Mas aproximadamente a partir de cinco anos atrás, jogadores do setor privado, como a Capella Space, começaram a lançar unidades menores, mais baratas e de fabricação mais rápida, oferecendo uma cobertura do mundo mais frequente do que até mesmo o governo dos EUA é capaz de fornecer.

“Esta é realmente a primeira grande guerra na qual imagens de satélite disponíveis comercialmente desempenham um papel significativo no fornecimento de informações de fonte aberta a respeito de movimentos de tropas, concentrações militares em países vizinhos, fluxos de refugiados e mais”, escreveu o ministro ucraniano da Inovação, Mikhailo Fedorov, em março de 2022, no início da guerra, prevendo com precisão o papel vital que esses dados comerciais desempenhariam desde então.

Membros do Exército ucraniano disparam artilharia Howitzer contra Rússia. Maioria das armas utilizadas na guerra são do século 20 Foto: Tyler Hicks/NYT

Mais próximo do chão, drones pequenos fabricados por uma crescente lista de empresas com base nos EUA — incluindo AeroVironment, Skydio, Shield AI, Teal Drones, BRINC e Anduril Industries — estão ajudando a fornecer a chamada vigilância persistente necessária para identificar e rastrear alvos e movimentos de refugiados, assim como outras ameaças, de acordo com informações fornecidas pelas empresas, pelo Pentágono ou pelo governo ucraniano.

O governo dos EUA usou amplamente seus drones de ataque, muito maiores, no Iraque e no Afeganistão — batizados como Predator e Reaper, ambos são fabricados pela General Atomics, com base na Califórnia, custando até US$ 57 milhões cada. Mas os drones da nova geração são muito menores, mais baratos e mais fáceis de fabricar e poderiam dar aos militares novas opções no campo de batalha.

Wahid Nawabi, diretor-executivo da AeroVironment, com base na Califórnia, que fabrica os drones de ataque Switchblade 300 e 600, ambos usados na Ucrânia, afirmou que os militares estão se movimentando no sentido de usar enxames de drones pequenos nas operações, com 50 ou até várias centenas de aeronaves atacando alvos no mesmo momento. A empresa vendeu 5 mil desses drones de ataque para o Pentágono ao longo da década passada — mas ainda aguarda pedidos muito maiores, pois, segundo Nawabi, sua capacidade de produção chega a 16 mil unidades ao ano.

“Um inimigo consegue derrotar talvez entre 10% e 20% desses recursos atacando-os”, afirmou Nawabi. “Mas não consegue derrotar mais que a metade. E por este motivo um enxame pode ser eficaz.”

Outras empresas de tecnologia militar com base nos EUA, incluindo Dedrone, da Virgínia, e SkySafe, da Califórnia, têm enviado produtos para a Ucrânia que permitem ao governo do país detectar e rastrear drones inimigos — ou, no caso da Dedrone, usar um dispositivo semelhante a um fuzil para inutilizá-los antes que eles atinjam seus alvos.

Talvez o uso mais revolucionário das tecnologias americanas seja a aplicação de um software que usa inteligência artificial, fabricada pela Palantir, para ajudar em esforços de definição de alvos. O diretor-executivo da empresa, Alex Karp, viajou para a Ucrânia no ano passado para se reunir com o presidente Volodmir Zelenski.

“Se você entra na batalha com tecnologia antiga”, afirmou Karp este ano, em um evento para debate a respeito de ferramentas de inteligência artificial na guerra, “e tem um adversário que sabe instalar e implementar definição digitalizada de alvos em IA, você certamente está em desvantagem severa”.

Alguns especialistas esperam que a inteligência artificial, que tem sido usada na Ucrânia para peneirar quantidades massivas de dados gerados pela vigilância, se revelará finalmente tão disruptiva em relação à natureza dos combates quanto as armas nucleares.

“A IA é capaz de tomar milhões de decisões antes mesmo que um humano saiba onde há uma decisão para tomar”, afirmou Will Roper, que foi a principal autoridade para aquisições da Força Aérea até 2021 e ainda atua como conselheiro para o Pentágono. “É como estar na primeira casa do tabuleiro de uma nova era da guerra.”

Um padrão de manutenção dos negócios

Para a Primer, a pequena empresa de inteligência artificial com base na região central de San Francisco, tratou-se de um momento de inflexão. Pouco após a guerra na Ucrânia começar, seus engenheiros, trabalhando com aliados ocidentais, se depararam com um tsunami de comunicações via rádio interceptadas dos russos. Sua ferramenta usou um software avançado para limpar ruídos, traduzir automaticamente as conversas e, o mais importante, isolar momentos em que os soldados russos na Ucrânia falavam a respeito de sistemas de armamentos, localizações e outras informações importantes taticamente.

Esse mesmo trabalho demandaria centenas de analistas de inteligência para identificar pistas relevantes em meio à massa de tráfego de comunicações via rádio. E agora é feito em questão de minutos.

As descobertas foram rapidamente associadas a outros fluxos de inteligência de fonte aberta, como dados de geolocalização retirados de perfis em redes sociais, fornecendo atualizações a respeito da localização de tropas ou equipamentos, que podem ser combinadas a vídeos de vigilância registrados por drones ou imagens de satélites.

Painel exibe drone Altius, fabricado pela Indústria Anduril, durante uma convenção militar nos EUA, em 3 de abril Foto: Jason Andrew/NYT

“É uma questão de consciência situacional”, afirmou Sean Gourley, fundador da Primer. Mas, ao mesmo tempo, o Pentágono ainda está decidindo quando avançar com compras maiores de sua tecnologia. A empresa estava queimando reservas em dinheiro rapidamente demais, então Gourley demitiu engenheiros e outros membros da equipe.

“Esses engenheiros são ótimos em criar soluções para esses problemas, e é isso que importa”, afirmou Gourley. “Mas existe a incerteza: quando fecharemos esse contrato? É muito, muito difícil justificar esse gasto.”

Gourley afirmou que decidiu, em vez disso, investir mais dinheiro em um esforço para melhorar as relações com o governo, contratando um ex-conselheiro graduado da Comissão de Serviços Armados do Senado para ajudar sua empresa a promover negócios em Washington.

“As grandes empresas de defesa não investem realmente em tecnologia”, afirmou ele. “Elas investem apenas em como navegar essa burocracia. Isso é frustrante, mas é como nós temos de jogar este jogo.”

Em entrevistas, cerca de uma dúzia de graduados executivos de empresas de tecnologia compartilharam relatos de esforços ou frustração.

A Capella Space tem aproximadamente 200 funcionários e captou cerca de US$ 250 milhões em investimentos de capital privado — e usou parte desse dinheiro para lançar dez de seus pequenos satélites.

O Pentágono informou a Capella Space que continuará adquirindo serviços como parte de um projeto de demonstração, mas que provavelmente não estará pronto para oferecer um “programa de registro” total antes de 2025, afirmou Banazadeh, o diretor-executivo da empresa.

“Eles não são promovidos por assumir riscos”, disse Banazadeh a respeito dos funcionários responsáveis pelos contratos. “Então nós temos de passar por esse processo enigmático, de três anos de planejamento de orçamento, enquanto os combatentes estão berrando desesperados, ‘Eu realmente quero essas coisas!’. Enquanto aguarda uma decisão do Pentágono, a empresa demitiu recentemente alguns funcionários.

Roper, o ex-chefe de aquisições da Força Aérea, afirmou que outro problema é a insistência histórica do Departamento de Defesa em criar suas próprias soluções para problemas em vez de comprar novas tecnologias de empresas comerciais. Ele notou que inteligência artificial, por exemplo, ainda não foi integrada às operações de voo da Força Aérea exceto por alguns experimentos.

“O Pentágono ainda está no modo de ‘só inventar’, que remete ao longínquo passado da Guerra Fria, quando o que precisa neste momento é estar em modo de colaboração, para acelerar a indústria privada”, afirmou Roper. “E está fracassando nisso.”

Há algumas histórias de sucesso. A Unidade de Inovação em Defesa criou um programa que avaliou vários drones de vigilância chegando ao mercado e criou uma ferramenta de contratação que permite a agências do Pentágono comprá-los diretamente, sem um processo de aquisição que demore anos. Austin, o secretário de Defesa, anunciou recentemente que a Unidade de Inovação em Defesa se reportará diretamente a ele, supervisionada por um novo recruta da Apple.

A Skydio, uma das empresas aprovadas por meio do programa, está atualmente vendendo um drone que usa inteligência artificial que permite à aeronave ser pilotada remotamente evitando quedas mesmo quando operada por um piloto inexperiente. O drone reforçado com inteligência artificial é capaz de voar em ambientes fechados, através de espaços apertados, o que permite observar o que ocorre dentro de um prédio, por exemplo, antes de soldados receberem ordens para entrar.

Mas para cada história de sucesso há outra de startups em dificuldades para pagar as contas enquanto aguardam que o Pentágono se decida pela compra. “Estamos tentando realmente solucionar muitos desses gargalos no sistema de aquisições”, afirmou Shyu, a subsecretária do Pentágono para pesquisa e engenharia e diretora de tecnologia. “Estou trabalhando na construção de uma ponte no Vale da Morte.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

THE NEW YORK TIMES – A startup Capella Space, de São Francisco, está construindo uma frota de satélites pequenos e baratos capazes de rastrear tropas inimigas enquanto elas se movimentam à noite, sob nuvens ou coberturas que as lentes óticas tradicionais não conseguem atravessar.

A Fortem Technologies, uma pequena empresa aeroespacial de Utah, quer fornecer ao Pentágono um novo tipo de veículo aéreo não tripulado capaz de inutilizar drones inimigos.

Já a HawkEye 360, de Virgínia, tem usado fundos de private equity para lançar seus próprios satélites, que usam ondas de rádio emitidas por equipamentos de comunicação e outros dispositivos eletrônicos para detectar a presença de concentrações de tropas inimigas.

Secretário de Defesa dos EUA, Lloyd Austin, durante depoimento para o Congresso, em 23 de março. Novas tecnologias de guerra são vistas com cautela pelo Pentágono Foto: Pete Marovich/NYT

Todos esses sistemas estão sendo testados no mundo real na guerra na Ucrânia, ganhando elogios de graduadas autoridades de governo e validando investidores que têm despejado dinheiro no setor.

Mas as empresas enfrentam um duro desafio em outro campo da batalha: a vagarosa burocracia do Pentágono, avessa a riscos, destinada ao estabelecimento de contratos de aquisição de equipamentos militares.

Quando se trata de drones, satélites, inteligência artificial e outros setores, startups com frequência oferecem ao Pentágono opções mais baratas, ágeis e flexíveis do que os sistemas de armamentos produzidos pelas poucas gigantes do setor militar das quais o Pentágono depende normalmente.

Mas, ainda que os militares tenham fornecido financiamentos pequenos e contratos de curto prazo para muitas startups, esses arranjos com frequência expiram rápido demais e não são grandes o suficiente para as empresas bancarem suas folhas de pagamento — ou crescer tão rapidamente quanto seus investidores esperam. Várias foram forçadas a demitir, atrasando avanços em novas tecnologias e ferramentas de guerra.

Conforme os Estados Unidos buscam manter sua vantagem de segurança nacional em relação a China, Rússia e outros rivais, os líderes do Pentágono começaram finalmente a imaginar maneiras de trazer o ethos do Vale do Silício para um complexo militar-industrial paquidérmico.

“Esse tipo de mudança nem sempre transcorre tão suavemente ou rapidamente quanto eu gostaria”, afirmou o secretário de Defesa, Lloyd Austin, durante discurso pronunciado em dezembro, diante de uma plateia em Simi Valley, Califórnia, que incluía executivos de muitas startups de tecnologia.

Autoridades e ex-autoridades do Pentágono reconheceram em entrevistas que o Departamento de Defesa ainda exige com frequência anos de planejamento e decisões de financiamento aprovadas pelo Congresso antes de poder comprar produtos de startups em quantidades suficientes para manter as empresas funcionando.

“Às vezes nós temos burocracia demais — muitos verificadores monitorando a supervisão”, afirmou Deborah James, ex-secretária da Força Aérea, no mês passado.

Engenheiros trabalham na fábrica da Capella Space, em São Francisco. Empresa tem cerca de 200 empregados Foto: Loren Elliott/NYT

Executivos da indústria chamam sua situação de “Vale da Morte”, em que o ritmo lento das contratações do governo podem fazer as empresas sangrar seu financiamento enquanto aguardam as decisões.

Uma startup com base em San Francisco, a Primer Technologies, fabrica uma ferramenta de inteligência artificial que analisou milhares de horas de comunicações russas via rádio desprotegidas para ajudar a localizar alvos, mas tem tido dificuldades em manter-se viva à espera de grandes contratos de defesa.

“As empresas pequenas não podem simplesmente ficar de braços cruzados por dois ou três anos até que os nossos contratos sejam firmados”, afirmou a subsecretária de Defesa para pesquisa e engenharia, Heidi Shyu, no ano passado, no Reagan National Defense Forum.

As autoridades do Pentágono encarregadas das aquisições também foram treinadas para evitar riscos após décadas de escândalos associados a assentos de privada superfaturados, navios que não funcionam e corrupção. Essa cultura não é compatível com empresas de tecnologia que prosperam sobre inovação, velocidade e atualização constante de seus produtos.

“Os compradores no Pentágono são com frequência treinados para dizer ‘não’ — para seguir as regras da cartilha”, afirmou o fundador e diretor-executivo da Capella Space, Payam Banazadeh.

A guerra na Ucrânia ainda é travada em grande medida com armas do século 20, como fuzis, sistemas de artilharia e obuses.

O subsecretário de Defesa para aquisições e suporte, William LaPlante, escarneceu de algumas afirmações a respeito de quão importante a tecnologia americana tem sido, dizendo a fornecedores de equipamentos militares no ano passado que “seja qual for seu dispositivo, o que importa de verdade é a produção massiva de armamentos realmente sérios”.

Ele acrescentou que os combates contra a Rússia não têm sido travados pelo “Vale do Silício neste momento, apesar deles tentarem obter crédito por isso”.

Os compradores no Pentágono são com frequência treinados para dizer ‘não’ — para seguir as regras da cartilha

Payam Banazadeh, diretor-executivo da Capella Space

Em entrevista, porém, ele disse concordar que tecnologias comerciais transformaram o campo de batalha de maneiras importantes, particularmente com as ferramentas de satélites comerciais que deram à Ucrânia capacidade de vigilância muito maior. “A tecnologia é realmente importante”, afirmou ele.

Para o Pentágono, a tarefa de escolher entre empresas novas é complicada pela tendência de certas startups de exagerar as capacidades de suas tecnologias e em razão das abordagens divergentes que as empresas empreendem para atender uma necessidade militar.

“Nós recomendamos escolher vencedores, apoiá-los significativamente e ver o que eles conseguem entregar”, afirmou a ex-conselheira de ciência do Pentágono Whitney McNamara, descrevendo um novo relatório para o Atlantic Council que examina maneiras de acelerar as aquisições de combate.

Desde os primeiros meses da guerra, o Starlink, da SpaceX, serviço de internet via satélite fundado por Elon Musk, tem desempenhado um papel crítico para os soldados ucranianos na linha de frente. Mas drones pequenos e uma coleção mais densa de satélites também ajudam a prover capacidade para uma vigilância onipresente, permitindo à Ucrânia identificar e rastrear ameaças e alvos constantemente.

Uma nova geração de drones de ataque mais baratos e precisos, armados com bombas, vagueia pelos céus autonomamente até encontrar seus alvos. Sistemas computacionais apoiados por inteligência artificial são capazes de associar esses dados coletados e outros elementos para definir alvos mais rapidamente do que qualquer humano.

Os ucranianos também inovaram bastante por conta própria, impressionando autoridades do Pentágono ao converter drones comerciais, por exemplo, em minibombardeiros.

Considerados como um todo, afirmou Thomas Hammes, estudioso da história da guerra na Universidade de Defesa Nacional, apoiada pelo Pentágono, os desenvolvimentos representam uma “verdadeira revolução militar e que ocorre muito mais rapidamente do que a transição entre a infantaria que apenas marchava para se deslocar na 1.ª Guerra para os exércitos motorizados e mecanizados da 2.ª Guerra”.

“O ritmo atual de transformação não permite aos EUA e seus aliados e parceiros o luxo de duas décadas de transição”, afirmou Hammes, militar veterano que passou 30 anos no Corpo de Fuzileiros Navais. “Estamos começando a ver uma disposição de aceitar que isso ocorre até os níveis de três e quatro estrelas do generalato. Eles entendem que isso tem de acontecer. A questão é: como fazemos isso acontecer?”

Um laboratório de testes na Ucrânia

Ao som de batidas de tambor e canções patrióticas, uma montagem de vídeo-clips exibe em rápida sucessão uma série de interceptações bem-sucedidas de um novo tipo de ferramenta de guerra: um veículo aéreo não tripulado que decola quando um drone inimigo é detectado, rastreia a posição da arma invasora e, usando uma rede parecida com uma teia do Homem-Aranha, inutiliza a aeronave.

Fabricado pela Fortem, a startup com base em Utah, o equipamento ganhou o apelido de “Caça-Shaheds”, em referência aos drones de ataque fabricado pelo Irã que as aeronaves não tripuladas da Fortem andam interceptando.

Este é apenas um entre pelo menos 30 produtos novos identificados pelo New York Times fabricados principalmente por empresas pequenas de tecnologia americanas que têm sido usados nas linhas de frente na Ucrânia ou por aliados que ajudam os ucranianos.

Essas tecnologias produzidas nos EUA têm chegado à Ucrânia por meio de arranjos variados, que incluem doações de empresas, aquisições diretas por parte do governo ucraniano ou de grupos que o apoiam e compras do governo dos EUA, que posteriormente envia o material para Kiev.

Os mais convencionais desses dispositivos são satélites comerciais que fornecem imagens fotográficas tradicionais dos equipamentos de combate e tropas da Rússia, de empresas como Maxar Technologies, BlackSky e Planet Labs, que foram bem-sucedidas em ganhar contratos do governo de bilhões de dólares.

O governo dos EUA tem mantido satélites avançados no espaço há anos, com capacidades que superam o que as empresas comerciais são capazes de oferecer. Mas aproximadamente a partir de cinco anos atrás, jogadores do setor privado, como a Capella Space, começaram a lançar unidades menores, mais baratas e de fabricação mais rápida, oferecendo uma cobertura do mundo mais frequente do que até mesmo o governo dos EUA é capaz de fornecer.

“Esta é realmente a primeira grande guerra na qual imagens de satélite disponíveis comercialmente desempenham um papel significativo no fornecimento de informações de fonte aberta a respeito de movimentos de tropas, concentrações militares em países vizinhos, fluxos de refugiados e mais”, escreveu o ministro ucraniano da Inovação, Mikhailo Fedorov, em março de 2022, no início da guerra, prevendo com precisão o papel vital que esses dados comerciais desempenhariam desde então.

Membros do Exército ucraniano disparam artilharia Howitzer contra Rússia. Maioria das armas utilizadas na guerra são do século 20 Foto: Tyler Hicks/NYT

Mais próximo do chão, drones pequenos fabricados por uma crescente lista de empresas com base nos EUA — incluindo AeroVironment, Skydio, Shield AI, Teal Drones, BRINC e Anduril Industries — estão ajudando a fornecer a chamada vigilância persistente necessária para identificar e rastrear alvos e movimentos de refugiados, assim como outras ameaças, de acordo com informações fornecidas pelas empresas, pelo Pentágono ou pelo governo ucraniano.

O governo dos EUA usou amplamente seus drones de ataque, muito maiores, no Iraque e no Afeganistão — batizados como Predator e Reaper, ambos são fabricados pela General Atomics, com base na Califórnia, custando até US$ 57 milhões cada. Mas os drones da nova geração são muito menores, mais baratos e mais fáceis de fabricar e poderiam dar aos militares novas opções no campo de batalha.

Wahid Nawabi, diretor-executivo da AeroVironment, com base na Califórnia, que fabrica os drones de ataque Switchblade 300 e 600, ambos usados na Ucrânia, afirmou que os militares estão se movimentando no sentido de usar enxames de drones pequenos nas operações, com 50 ou até várias centenas de aeronaves atacando alvos no mesmo momento. A empresa vendeu 5 mil desses drones de ataque para o Pentágono ao longo da década passada — mas ainda aguarda pedidos muito maiores, pois, segundo Nawabi, sua capacidade de produção chega a 16 mil unidades ao ano.

“Um inimigo consegue derrotar talvez entre 10% e 20% desses recursos atacando-os”, afirmou Nawabi. “Mas não consegue derrotar mais que a metade. E por este motivo um enxame pode ser eficaz.”

Outras empresas de tecnologia militar com base nos EUA, incluindo Dedrone, da Virgínia, e SkySafe, da Califórnia, têm enviado produtos para a Ucrânia que permitem ao governo do país detectar e rastrear drones inimigos — ou, no caso da Dedrone, usar um dispositivo semelhante a um fuzil para inutilizá-los antes que eles atinjam seus alvos.

Talvez o uso mais revolucionário das tecnologias americanas seja a aplicação de um software que usa inteligência artificial, fabricada pela Palantir, para ajudar em esforços de definição de alvos. O diretor-executivo da empresa, Alex Karp, viajou para a Ucrânia no ano passado para se reunir com o presidente Volodmir Zelenski.

“Se você entra na batalha com tecnologia antiga”, afirmou Karp este ano, em um evento para debate a respeito de ferramentas de inteligência artificial na guerra, “e tem um adversário que sabe instalar e implementar definição digitalizada de alvos em IA, você certamente está em desvantagem severa”.

Alguns especialistas esperam que a inteligência artificial, que tem sido usada na Ucrânia para peneirar quantidades massivas de dados gerados pela vigilância, se revelará finalmente tão disruptiva em relação à natureza dos combates quanto as armas nucleares.

“A IA é capaz de tomar milhões de decisões antes mesmo que um humano saiba onde há uma decisão para tomar”, afirmou Will Roper, que foi a principal autoridade para aquisições da Força Aérea até 2021 e ainda atua como conselheiro para o Pentágono. “É como estar na primeira casa do tabuleiro de uma nova era da guerra.”

Um padrão de manutenção dos negócios

Para a Primer, a pequena empresa de inteligência artificial com base na região central de San Francisco, tratou-se de um momento de inflexão. Pouco após a guerra na Ucrânia começar, seus engenheiros, trabalhando com aliados ocidentais, se depararam com um tsunami de comunicações via rádio interceptadas dos russos. Sua ferramenta usou um software avançado para limpar ruídos, traduzir automaticamente as conversas e, o mais importante, isolar momentos em que os soldados russos na Ucrânia falavam a respeito de sistemas de armamentos, localizações e outras informações importantes taticamente.

Esse mesmo trabalho demandaria centenas de analistas de inteligência para identificar pistas relevantes em meio à massa de tráfego de comunicações via rádio. E agora é feito em questão de minutos.

As descobertas foram rapidamente associadas a outros fluxos de inteligência de fonte aberta, como dados de geolocalização retirados de perfis em redes sociais, fornecendo atualizações a respeito da localização de tropas ou equipamentos, que podem ser combinadas a vídeos de vigilância registrados por drones ou imagens de satélites.

Painel exibe drone Altius, fabricado pela Indústria Anduril, durante uma convenção militar nos EUA, em 3 de abril Foto: Jason Andrew/NYT

“É uma questão de consciência situacional”, afirmou Sean Gourley, fundador da Primer. Mas, ao mesmo tempo, o Pentágono ainda está decidindo quando avançar com compras maiores de sua tecnologia. A empresa estava queimando reservas em dinheiro rapidamente demais, então Gourley demitiu engenheiros e outros membros da equipe.

“Esses engenheiros são ótimos em criar soluções para esses problemas, e é isso que importa”, afirmou Gourley. “Mas existe a incerteza: quando fecharemos esse contrato? É muito, muito difícil justificar esse gasto.”

Gourley afirmou que decidiu, em vez disso, investir mais dinheiro em um esforço para melhorar as relações com o governo, contratando um ex-conselheiro graduado da Comissão de Serviços Armados do Senado para ajudar sua empresa a promover negócios em Washington.

“As grandes empresas de defesa não investem realmente em tecnologia”, afirmou ele. “Elas investem apenas em como navegar essa burocracia. Isso é frustrante, mas é como nós temos de jogar este jogo.”

Em entrevistas, cerca de uma dúzia de graduados executivos de empresas de tecnologia compartilharam relatos de esforços ou frustração.

A Capella Space tem aproximadamente 200 funcionários e captou cerca de US$ 250 milhões em investimentos de capital privado — e usou parte desse dinheiro para lançar dez de seus pequenos satélites.

O Pentágono informou a Capella Space que continuará adquirindo serviços como parte de um projeto de demonstração, mas que provavelmente não estará pronto para oferecer um “programa de registro” total antes de 2025, afirmou Banazadeh, o diretor-executivo da empresa.

“Eles não são promovidos por assumir riscos”, disse Banazadeh a respeito dos funcionários responsáveis pelos contratos. “Então nós temos de passar por esse processo enigmático, de três anos de planejamento de orçamento, enquanto os combatentes estão berrando desesperados, ‘Eu realmente quero essas coisas!’. Enquanto aguarda uma decisão do Pentágono, a empresa demitiu recentemente alguns funcionários.

Roper, o ex-chefe de aquisições da Força Aérea, afirmou que outro problema é a insistência histórica do Departamento de Defesa em criar suas próprias soluções para problemas em vez de comprar novas tecnologias de empresas comerciais. Ele notou que inteligência artificial, por exemplo, ainda não foi integrada às operações de voo da Força Aérea exceto por alguns experimentos.

“O Pentágono ainda está no modo de ‘só inventar’, que remete ao longínquo passado da Guerra Fria, quando o que precisa neste momento é estar em modo de colaboração, para acelerar a indústria privada”, afirmou Roper. “E está fracassando nisso.”

Há algumas histórias de sucesso. A Unidade de Inovação em Defesa criou um programa que avaliou vários drones de vigilância chegando ao mercado e criou uma ferramenta de contratação que permite a agências do Pentágono comprá-los diretamente, sem um processo de aquisição que demore anos. Austin, o secretário de Defesa, anunciou recentemente que a Unidade de Inovação em Defesa se reportará diretamente a ele, supervisionada por um novo recruta da Apple.

A Skydio, uma das empresas aprovadas por meio do programa, está atualmente vendendo um drone que usa inteligência artificial que permite à aeronave ser pilotada remotamente evitando quedas mesmo quando operada por um piloto inexperiente. O drone reforçado com inteligência artificial é capaz de voar em ambientes fechados, através de espaços apertados, o que permite observar o que ocorre dentro de um prédio, por exemplo, antes de soldados receberem ordens para entrar.

Mas para cada história de sucesso há outra de startups em dificuldades para pagar as contas enquanto aguardam que o Pentágono se decida pela compra. “Estamos tentando realmente solucionar muitos desses gargalos no sistema de aquisições”, afirmou Shyu, a subsecretária do Pentágono para pesquisa e engenharia e diretora de tecnologia. “Estou trabalhando na construção de uma ponte no Vale da Morte.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

THE NEW YORK TIMES – A startup Capella Space, de São Francisco, está construindo uma frota de satélites pequenos e baratos capazes de rastrear tropas inimigas enquanto elas se movimentam à noite, sob nuvens ou coberturas que as lentes óticas tradicionais não conseguem atravessar.

A Fortem Technologies, uma pequena empresa aeroespacial de Utah, quer fornecer ao Pentágono um novo tipo de veículo aéreo não tripulado capaz de inutilizar drones inimigos.

Já a HawkEye 360, de Virgínia, tem usado fundos de private equity para lançar seus próprios satélites, que usam ondas de rádio emitidas por equipamentos de comunicação e outros dispositivos eletrônicos para detectar a presença de concentrações de tropas inimigas.

Secretário de Defesa dos EUA, Lloyd Austin, durante depoimento para o Congresso, em 23 de março. Novas tecnologias de guerra são vistas com cautela pelo Pentágono Foto: Pete Marovich/NYT

Todos esses sistemas estão sendo testados no mundo real na guerra na Ucrânia, ganhando elogios de graduadas autoridades de governo e validando investidores que têm despejado dinheiro no setor.

Mas as empresas enfrentam um duro desafio em outro campo da batalha: a vagarosa burocracia do Pentágono, avessa a riscos, destinada ao estabelecimento de contratos de aquisição de equipamentos militares.

Quando se trata de drones, satélites, inteligência artificial e outros setores, startups com frequência oferecem ao Pentágono opções mais baratas, ágeis e flexíveis do que os sistemas de armamentos produzidos pelas poucas gigantes do setor militar das quais o Pentágono depende normalmente.

Mas, ainda que os militares tenham fornecido financiamentos pequenos e contratos de curto prazo para muitas startups, esses arranjos com frequência expiram rápido demais e não são grandes o suficiente para as empresas bancarem suas folhas de pagamento — ou crescer tão rapidamente quanto seus investidores esperam. Várias foram forçadas a demitir, atrasando avanços em novas tecnologias e ferramentas de guerra.

Conforme os Estados Unidos buscam manter sua vantagem de segurança nacional em relação a China, Rússia e outros rivais, os líderes do Pentágono começaram finalmente a imaginar maneiras de trazer o ethos do Vale do Silício para um complexo militar-industrial paquidérmico.

“Esse tipo de mudança nem sempre transcorre tão suavemente ou rapidamente quanto eu gostaria”, afirmou o secretário de Defesa, Lloyd Austin, durante discurso pronunciado em dezembro, diante de uma plateia em Simi Valley, Califórnia, que incluía executivos de muitas startups de tecnologia.

Autoridades e ex-autoridades do Pentágono reconheceram em entrevistas que o Departamento de Defesa ainda exige com frequência anos de planejamento e decisões de financiamento aprovadas pelo Congresso antes de poder comprar produtos de startups em quantidades suficientes para manter as empresas funcionando.

“Às vezes nós temos burocracia demais — muitos verificadores monitorando a supervisão”, afirmou Deborah James, ex-secretária da Força Aérea, no mês passado.

Engenheiros trabalham na fábrica da Capella Space, em São Francisco. Empresa tem cerca de 200 empregados Foto: Loren Elliott/NYT

Executivos da indústria chamam sua situação de “Vale da Morte”, em que o ritmo lento das contratações do governo podem fazer as empresas sangrar seu financiamento enquanto aguardam as decisões.

Uma startup com base em San Francisco, a Primer Technologies, fabrica uma ferramenta de inteligência artificial que analisou milhares de horas de comunicações russas via rádio desprotegidas para ajudar a localizar alvos, mas tem tido dificuldades em manter-se viva à espera de grandes contratos de defesa.

“As empresas pequenas não podem simplesmente ficar de braços cruzados por dois ou três anos até que os nossos contratos sejam firmados”, afirmou a subsecretária de Defesa para pesquisa e engenharia, Heidi Shyu, no ano passado, no Reagan National Defense Forum.

As autoridades do Pentágono encarregadas das aquisições também foram treinadas para evitar riscos após décadas de escândalos associados a assentos de privada superfaturados, navios que não funcionam e corrupção. Essa cultura não é compatível com empresas de tecnologia que prosperam sobre inovação, velocidade e atualização constante de seus produtos.

“Os compradores no Pentágono são com frequência treinados para dizer ‘não’ — para seguir as regras da cartilha”, afirmou o fundador e diretor-executivo da Capella Space, Payam Banazadeh.

A guerra na Ucrânia ainda é travada em grande medida com armas do século 20, como fuzis, sistemas de artilharia e obuses.

O subsecretário de Defesa para aquisições e suporte, William LaPlante, escarneceu de algumas afirmações a respeito de quão importante a tecnologia americana tem sido, dizendo a fornecedores de equipamentos militares no ano passado que “seja qual for seu dispositivo, o que importa de verdade é a produção massiva de armamentos realmente sérios”.

Ele acrescentou que os combates contra a Rússia não têm sido travados pelo “Vale do Silício neste momento, apesar deles tentarem obter crédito por isso”.

Os compradores no Pentágono são com frequência treinados para dizer ‘não’ — para seguir as regras da cartilha

Payam Banazadeh, diretor-executivo da Capella Space

Em entrevista, porém, ele disse concordar que tecnologias comerciais transformaram o campo de batalha de maneiras importantes, particularmente com as ferramentas de satélites comerciais que deram à Ucrânia capacidade de vigilância muito maior. “A tecnologia é realmente importante”, afirmou ele.

Para o Pentágono, a tarefa de escolher entre empresas novas é complicada pela tendência de certas startups de exagerar as capacidades de suas tecnologias e em razão das abordagens divergentes que as empresas empreendem para atender uma necessidade militar.

“Nós recomendamos escolher vencedores, apoiá-los significativamente e ver o que eles conseguem entregar”, afirmou a ex-conselheira de ciência do Pentágono Whitney McNamara, descrevendo um novo relatório para o Atlantic Council que examina maneiras de acelerar as aquisições de combate.

Desde os primeiros meses da guerra, o Starlink, da SpaceX, serviço de internet via satélite fundado por Elon Musk, tem desempenhado um papel crítico para os soldados ucranianos na linha de frente. Mas drones pequenos e uma coleção mais densa de satélites também ajudam a prover capacidade para uma vigilância onipresente, permitindo à Ucrânia identificar e rastrear ameaças e alvos constantemente.

Uma nova geração de drones de ataque mais baratos e precisos, armados com bombas, vagueia pelos céus autonomamente até encontrar seus alvos. Sistemas computacionais apoiados por inteligência artificial são capazes de associar esses dados coletados e outros elementos para definir alvos mais rapidamente do que qualquer humano.

Os ucranianos também inovaram bastante por conta própria, impressionando autoridades do Pentágono ao converter drones comerciais, por exemplo, em minibombardeiros.

Considerados como um todo, afirmou Thomas Hammes, estudioso da história da guerra na Universidade de Defesa Nacional, apoiada pelo Pentágono, os desenvolvimentos representam uma “verdadeira revolução militar e que ocorre muito mais rapidamente do que a transição entre a infantaria que apenas marchava para se deslocar na 1.ª Guerra para os exércitos motorizados e mecanizados da 2.ª Guerra”.

“O ritmo atual de transformação não permite aos EUA e seus aliados e parceiros o luxo de duas décadas de transição”, afirmou Hammes, militar veterano que passou 30 anos no Corpo de Fuzileiros Navais. “Estamos começando a ver uma disposição de aceitar que isso ocorre até os níveis de três e quatro estrelas do generalato. Eles entendem que isso tem de acontecer. A questão é: como fazemos isso acontecer?”

Um laboratório de testes na Ucrânia

Ao som de batidas de tambor e canções patrióticas, uma montagem de vídeo-clips exibe em rápida sucessão uma série de interceptações bem-sucedidas de um novo tipo de ferramenta de guerra: um veículo aéreo não tripulado que decola quando um drone inimigo é detectado, rastreia a posição da arma invasora e, usando uma rede parecida com uma teia do Homem-Aranha, inutiliza a aeronave.

Fabricado pela Fortem, a startup com base em Utah, o equipamento ganhou o apelido de “Caça-Shaheds”, em referência aos drones de ataque fabricado pelo Irã que as aeronaves não tripuladas da Fortem andam interceptando.

Este é apenas um entre pelo menos 30 produtos novos identificados pelo New York Times fabricados principalmente por empresas pequenas de tecnologia americanas que têm sido usados nas linhas de frente na Ucrânia ou por aliados que ajudam os ucranianos.

Essas tecnologias produzidas nos EUA têm chegado à Ucrânia por meio de arranjos variados, que incluem doações de empresas, aquisições diretas por parte do governo ucraniano ou de grupos que o apoiam e compras do governo dos EUA, que posteriormente envia o material para Kiev.

Os mais convencionais desses dispositivos são satélites comerciais que fornecem imagens fotográficas tradicionais dos equipamentos de combate e tropas da Rússia, de empresas como Maxar Technologies, BlackSky e Planet Labs, que foram bem-sucedidas em ganhar contratos do governo de bilhões de dólares.

O governo dos EUA tem mantido satélites avançados no espaço há anos, com capacidades que superam o que as empresas comerciais são capazes de oferecer. Mas aproximadamente a partir de cinco anos atrás, jogadores do setor privado, como a Capella Space, começaram a lançar unidades menores, mais baratas e de fabricação mais rápida, oferecendo uma cobertura do mundo mais frequente do que até mesmo o governo dos EUA é capaz de fornecer.

“Esta é realmente a primeira grande guerra na qual imagens de satélite disponíveis comercialmente desempenham um papel significativo no fornecimento de informações de fonte aberta a respeito de movimentos de tropas, concentrações militares em países vizinhos, fluxos de refugiados e mais”, escreveu o ministro ucraniano da Inovação, Mikhailo Fedorov, em março de 2022, no início da guerra, prevendo com precisão o papel vital que esses dados comerciais desempenhariam desde então.

Membros do Exército ucraniano disparam artilharia Howitzer contra Rússia. Maioria das armas utilizadas na guerra são do século 20 Foto: Tyler Hicks/NYT

Mais próximo do chão, drones pequenos fabricados por uma crescente lista de empresas com base nos EUA — incluindo AeroVironment, Skydio, Shield AI, Teal Drones, BRINC e Anduril Industries — estão ajudando a fornecer a chamada vigilância persistente necessária para identificar e rastrear alvos e movimentos de refugiados, assim como outras ameaças, de acordo com informações fornecidas pelas empresas, pelo Pentágono ou pelo governo ucraniano.

O governo dos EUA usou amplamente seus drones de ataque, muito maiores, no Iraque e no Afeganistão — batizados como Predator e Reaper, ambos são fabricados pela General Atomics, com base na Califórnia, custando até US$ 57 milhões cada. Mas os drones da nova geração são muito menores, mais baratos e mais fáceis de fabricar e poderiam dar aos militares novas opções no campo de batalha.

Wahid Nawabi, diretor-executivo da AeroVironment, com base na Califórnia, que fabrica os drones de ataque Switchblade 300 e 600, ambos usados na Ucrânia, afirmou que os militares estão se movimentando no sentido de usar enxames de drones pequenos nas operações, com 50 ou até várias centenas de aeronaves atacando alvos no mesmo momento. A empresa vendeu 5 mil desses drones de ataque para o Pentágono ao longo da década passada — mas ainda aguarda pedidos muito maiores, pois, segundo Nawabi, sua capacidade de produção chega a 16 mil unidades ao ano.

“Um inimigo consegue derrotar talvez entre 10% e 20% desses recursos atacando-os”, afirmou Nawabi. “Mas não consegue derrotar mais que a metade. E por este motivo um enxame pode ser eficaz.”

Outras empresas de tecnologia militar com base nos EUA, incluindo Dedrone, da Virgínia, e SkySafe, da Califórnia, têm enviado produtos para a Ucrânia que permitem ao governo do país detectar e rastrear drones inimigos — ou, no caso da Dedrone, usar um dispositivo semelhante a um fuzil para inutilizá-los antes que eles atinjam seus alvos.

Talvez o uso mais revolucionário das tecnologias americanas seja a aplicação de um software que usa inteligência artificial, fabricada pela Palantir, para ajudar em esforços de definição de alvos. O diretor-executivo da empresa, Alex Karp, viajou para a Ucrânia no ano passado para se reunir com o presidente Volodmir Zelenski.

“Se você entra na batalha com tecnologia antiga”, afirmou Karp este ano, em um evento para debate a respeito de ferramentas de inteligência artificial na guerra, “e tem um adversário que sabe instalar e implementar definição digitalizada de alvos em IA, você certamente está em desvantagem severa”.

Alguns especialistas esperam que a inteligência artificial, que tem sido usada na Ucrânia para peneirar quantidades massivas de dados gerados pela vigilância, se revelará finalmente tão disruptiva em relação à natureza dos combates quanto as armas nucleares.

“A IA é capaz de tomar milhões de decisões antes mesmo que um humano saiba onde há uma decisão para tomar”, afirmou Will Roper, que foi a principal autoridade para aquisições da Força Aérea até 2021 e ainda atua como conselheiro para o Pentágono. “É como estar na primeira casa do tabuleiro de uma nova era da guerra.”

Um padrão de manutenção dos negócios

Para a Primer, a pequena empresa de inteligência artificial com base na região central de San Francisco, tratou-se de um momento de inflexão. Pouco após a guerra na Ucrânia começar, seus engenheiros, trabalhando com aliados ocidentais, se depararam com um tsunami de comunicações via rádio interceptadas dos russos. Sua ferramenta usou um software avançado para limpar ruídos, traduzir automaticamente as conversas e, o mais importante, isolar momentos em que os soldados russos na Ucrânia falavam a respeito de sistemas de armamentos, localizações e outras informações importantes taticamente.

Esse mesmo trabalho demandaria centenas de analistas de inteligência para identificar pistas relevantes em meio à massa de tráfego de comunicações via rádio. E agora é feito em questão de minutos.

As descobertas foram rapidamente associadas a outros fluxos de inteligência de fonte aberta, como dados de geolocalização retirados de perfis em redes sociais, fornecendo atualizações a respeito da localização de tropas ou equipamentos, que podem ser combinadas a vídeos de vigilância registrados por drones ou imagens de satélites.

Painel exibe drone Altius, fabricado pela Indústria Anduril, durante uma convenção militar nos EUA, em 3 de abril Foto: Jason Andrew/NYT

“É uma questão de consciência situacional”, afirmou Sean Gourley, fundador da Primer. Mas, ao mesmo tempo, o Pentágono ainda está decidindo quando avançar com compras maiores de sua tecnologia. A empresa estava queimando reservas em dinheiro rapidamente demais, então Gourley demitiu engenheiros e outros membros da equipe.

“Esses engenheiros são ótimos em criar soluções para esses problemas, e é isso que importa”, afirmou Gourley. “Mas existe a incerteza: quando fecharemos esse contrato? É muito, muito difícil justificar esse gasto.”

Gourley afirmou que decidiu, em vez disso, investir mais dinheiro em um esforço para melhorar as relações com o governo, contratando um ex-conselheiro graduado da Comissão de Serviços Armados do Senado para ajudar sua empresa a promover negócios em Washington.

“As grandes empresas de defesa não investem realmente em tecnologia”, afirmou ele. “Elas investem apenas em como navegar essa burocracia. Isso é frustrante, mas é como nós temos de jogar este jogo.”

Em entrevistas, cerca de uma dúzia de graduados executivos de empresas de tecnologia compartilharam relatos de esforços ou frustração.

A Capella Space tem aproximadamente 200 funcionários e captou cerca de US$ 250 milhões em investimentos de capital privado — e usou parte desse dinheiro para lançar dez de seus pequenos satélites.

O Pentágono informou a Capella Space que continuará adquirindo serviços como parte de um projeto de demonstração, mas que provavelmente não estará pronto para oferecer um “programa de registro” total antes de 2025, afirmou Banazadeh, o diretor-executivo da empresa.

“Eles não são promovidos por assumir riscos”, disse Banazadeh a respeito dos funcionários responsáveis pelos contratos. “Então nós temos de passar por esse processo enigmático, de três anos de planejamento de orçamento, enquanto os combatentes estão berrando desesperados, ‘Eu realmente quero essas coisas!’. Enquanto aguarda uma decisão do Pentágono, a empresa demitiu recentemente alguns funcionários.

Roper, o ex-chefe de aquisições da Força Aérea, afirmou que outro problema é a insistência histórica do Departamento de Defesa em criar suas próprias soluções para problemas em vez de comprar novas tecnologias de empresas comerciais. Ele notou que inteligência artificial, por exemplo, ainda não foi integrada às operações de voo da Força Aérea exceto por alguns experimentos.

“O Pentágono ainda está no modo de ‘só inventar’, que remete ao longínquo passado da Guerra Fria, quando o que precisa neste momento é estar em modo de colaboração, para acelerar a indústria privada”, afirmou Roper. “E está fracassando nisso.”

Há algumas histórias de sucesso. A Unidade de Inovação em Defesa criou um programa que avaliou vários drones de vigilância chegando ao mercado e criou uma ferramenta de contratação que permite a agências do Pentágono comprá-los diretamente, sem um processo de aquisição que demore anos. Austin, o secretário de Defesa, anunciou recentemente que a Unidade de Inovação em Defesa se reportará diretamente a ele, supervisionada por um novo recruta da Apple.

A Skydio, uma das empresas aprovadas por meio do programa, está atualmente vendendo um drone que usa inteligência artificial que permite à aeronave ser pilotada remotamente evitando quedas mesmo quando operada por um piloto inexperiente. O drone reforçado com inteligência artificial é capaz de voar em ambientes fechados, através de espaços apertados, o que permite observar o que ocorre dentro de um prédio, por exemplo, antes de soldados receberem ordens para entrar.

Mas para cada história de sucesso há outra de startups em dificuldades para pagar as contas enquanto aguardam que o Pentágono se decida pela compra. “Estamos tentando realmente solucionar muitos desses gargalos no sistema de aquisições”, afirmou Shyu, a subsecretária do Pentágono para pesquisa e engenharia e diretora de tecnologia. “Estou trabalhando na construção de uma ponte no Vale da Morte.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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