BERLIM - Depois de previsões pessimistas para este inverno do Hemisfério Norte na Alemanha, frente ao corte pela Rússia de fornecimento de gás natural para o país altamente dependente, os próximos meses dão sinais de que não serão, no final das contas, tão difíceis assim. O país conseguiu encher seus reservatórios de gás antes que a torneira secasse e nesta quarta-feira, 23, chegou o primeiro de vários navios que servirão como terminais flutuantes para receber importações de gás natural liquefeito.
O navio, batizado de Netuno, chegou ao porto de Mukran, no Mar Báltico, e deve começar a operar nas proximidades de Lubmin em 1º de dezembro. Unidades semelhantes de armazenamento flutuante estão programadas para chegar aos portos de Wilhelmshaven e Brunsbuettel no Mar do Norte ainda este ano.
O gás natural liquefeito (GNL) será uma das principais apostas para garantir a sua segurança energética neste inverno, que ficou prejudicada depois da invasão russa à Ucrânia. Altamente dependente do gás natural importado da Rússia, o país viu sua principal fonte de energia sendo utilizada como arma na guerra e buscou outras formas de diversificar sua matriz.
Juntamente com outras medidas tomadas pelo governo - como reviver carvão desativado e usinas a óleo e estender a vida útil de seus três reatores nucleares restantes - “neste inverno a segurança energética da Alemanha parece garantida”, disse o chanceler Olaf Scholz aos legisladores nesta quarta-feira.
O GNL é basicamente o mesmo gás natural, porém resfriado até atingir a forma líquida, a fim de reduzir seu volume e facilitar o transporte. Em seguida, ele é convertido novamente à forma gasosa. A estratégia, porém, levanta outras preocupações, como tornar a Europa dependente da matriz que não é renovável e porque será suficiente para este inverno apenas, o próximo ainda é uma preocupação.
Inicialmente o governo alemão tinha previsto que o projeto de terminais flutuantes custariam menos de 3 bilhões de euros, mas uma reportagem da Der Spiegel revelou que os custos poderiam ser o dobro, o que foi posteriormente confirmado pelo Ministério da Economia. O país, conhecido pela burocracia pesada, também aprovou uma lei para acelerar o desenvolvimento dos terminais, suspendendo a exigência de avaliações ambientais.
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Outra preocupação é com o mercado para alimentar estes terminais, já que o GNL não é tão disponível no mundo e pode prejudicar nações que são dependentes, mas com poder de compra menor que o da Alemanha.
“A Alemanha precisa utilizar cerca de 3% da produção anual mundial de GNL para abastecer seus novos terminais. Uma maneira é através do capitalismo selvagem. A maioria dos contratos de GNL são de longo prazo, mas os fornecedores podem não cumprir os termos, pagar uma multa por quebra de contrato e vender o GNL ao maior lance. A indústria alemã pode fazer lances altos”, explicou Rui Soares, da empresa de investimentos independente FAM Frankfurt Asset Management ao Financial Times.
Aos terminais, se somam os estoques de gás natural que já estão 100% cheios, muito antes do que o previsto, o uso de carvão e a manutenção das usinas nucleares que estavam inicialmente previstas para serem desligadas até o fim deste ano. Com este plano, e a esperança de um inverno mais quente que o normal, a Alemanha espera precisar economizar apenas 20% de energia neste inverno, algo que pode ser feito com atitudes menores da população.
“A indústria alemã já reduziu o consumo em mais de 20% por meio de medidas de eficiência, paradas de produção e troca de combustível. As famílias poderiam fazer a mesma economia diminuindo seus termostatos em aproximadamente 3 ºC, ou talvez menos, uma vez que fogões a óleo, aquecedores elétricos e até lareiras são levados em consideração. Isso significaria que as famílias alemãs viveriam com uma temperatura ambiente entre 17 ºC e 19 ºC. Não é um sacrifício insuportável”, completa Soares ao FT. Com todos os terminais prontos, a expectativa é ainda mais animadora.
O inverno futuro
Mas se por um lado a Alemanha e demais países da Europa conseguiram se preparar para o inverno que se aproxima, o seguinte ainda é um mistério e pode levar à escassez de gás, segundo Agência Internacional de Energia (AIE), que insta os governos a atuar imediatamente para reduzir a demanda.
A região pode enfrentar um déficit de 30 bilhões de metros cúbicos de gás no ano que vem, o que pode se concretizar se a Rússia interromper por completo o fornecimento e a China começar a consumir grande parte do gás natural liquefeito, calcula a agência com sede em Paris.
As reservas europeias podem estar em apenas 65% no início do inverno de 2023-2024, em comparação com 95% atualmente, disse seu diretor, Fatih Birol, durante uma entrevista coletiva no início de novembro.
“Os atuais níveis de reservas, além da recente queda nos preços do gás e temperaturas excepcionalmente amenas, não devem levar a conclusões excessivamente otimistas para o futuro”, adverte a AIE, que disse que para o verão de 2023 as condições geopolíticas e econômicas mundiais para o abastecimento estarão certamente diferentes das de 2022. Neste verão, o abastecimento das reservas contou com “fatores-chave que podem não se repetir em 2023″.
Começando pela posição da Rússia, cujos gasodutos entregaram este ano quantidades quase normais no primeiro semestre, antes da redução do fornecimento pela guerra na Ucrânia. No total, o país já forneceu cerca de 60 bilhões de metros cúbicos à União Europeia este ano, mas a AIE indicou que é altamente improvável que a Rússia entregue a mesma quantidade em 2023 e pode até encerrar por completo.
Além disso, a China necessitou de menos GNL este ano, facilitando as compras europeias. A produção mundial de GNL deve aumentar, mas somente em 20 bilhões de metro cúbicos. Se as importações chinesas voltarem em 2023 ao nível de 2021, absorverão grande parte do aumento, considera o estudo intitulado “Nunca é cedo demais para se preparar para o inverno 2023-24″.
Com o relaxamento de preços neste outono e a limitada demanda pelo clima ameno, “há um risco de excesso de confiança sobre o tema do abastecimento de gás da Europa. No entanto, não chegamos ao fim de nossos problemas”, comentou Birol.
Os governos devem “tomar medidas imediatas para acelerar a eficiência energética, a implantação de energias renováveis, de bombas de calor, e qualquer outro meio para reduzir estruturalmente a demanda de gás”, indicou o economista.
A Agência prevê publicar em breve um roteiro que colocará uma lista destas ações concretas que “permitirão ter reservas a 95% no começo da temporada de aquecimento de 2023-24 e reduzir estruturalmente o consumo de gás durante o inverno”./Com informações da AFP e AP