Guerra na Ucrânia: Kiev ainda tem um longo caminho adiante, apesar de sucessos surpreendentes


Por estar na ofensiva, os ucranianos serão capazes de forjar a fase seguinte dos combates

Por Marc Santora e Andrew E. Kramer
Atualização:

KIEV, Ucrânia — Em florestas, campos e ferozes combates urbanos, os soldados ucranianos superaram dificuldades e contrariaram expectativas, forçando os russos a consecutivas retiradas durante nove meses brutais de guerra sangrenta. E ainda assim, apesar de seu sucesso — e mesmo com dezenas de milhares de mortos em ambos os lados da guerra — a Ucrânia, segundo uma métrica, está apenas na metade do caminho: seu Exército retomou até aqui cerca de 55% do território ocupado pela Rússia após a invasão de fevereiro.

A Ucrânia está na ofensiva ao longo da maior parte da linha de frente de 965 quilômetros. A Rússia está na defensiva no sul e no nordeste, ao mesmo tempo que ainda ataca uma cidade no leste, Bakhmut.

O sucesso da Ucrânia levou a guerra a uma encruzilhada crítica. Por estar na ofensiva, os ucranianos serão capazes de forjar a fase seguinte dos combates, determinando se pressionarão com sua vantagem e avançarão ainda mais sobre o território ocupado pelos russos ou estagnarão seu avanço durante o inverno, conforme analistas militares afirmam que a Rússia gostaria que ocorresse.

continua após a publicidade
Soldados ucranianos em tanque perto da cidade de Kherson. Foto: Finbarr O'Reilly/The New York Times

Se a Ucrânia pressionar adiante, suas forças encararão dificuldades significativas: já que os ucranianos expulsaram russos, concentrando-os em espaços menores, resulta que as batalhas adiante serão contra territórios mais densamente defendidos, em terreno hostil.

A Ucrânia combate agora em barcos, leitos pantanosos e arquipélagos fluviais do baixo Dnipro; está pressionando várias linhas de trincheiras em planícies nevadas na região de Zaporizhzhia, no sul; e empreende um sangrento combate, de idas e vindas, ao longo da chamada linha Svatove-Kreminna, nas florestas de pinheiros no nordeste da Ucrânia.

continua após a publicidade

Após a retirada dos russos de Kherson, este mês, o presidente ucraniano, Volodmir Zelenski, fez uma dramática visita à cidade, que foi a única capital provincial capturada pelas forças russas. Hasteando uma bandeira da Ucrânia sobre um prédio do governo, Zelenski ecoou um famoso discurso de Winston Churchill, pronunciado após a vitória dos britânicos na Segunda Batalha de El Alamein, em 1942.

Churchill declarou “o fim do início” do conflito, que ainda se arrastaria por três anos. Zelenski tentou reciclar a narrativa. “Este é o início do fim da guerra”, afirmou ele. Mas cerca de um quinto do território ucraniano permanece ocupado pela Rússia.

Um front reformulado

continua após a publicidade

A guerra no inverno, após a Ucrânia libertar a cidade de Kherson e seu entorno este mês, começa agora com uma linha de frente radicalmente alterada e o Exército russo desmoralizado e dilapidado.

“Unidades terrestres da Rússia têm sofrido com baixo moral, execução falha de armas combinadas, treinamento inferior, logística deficiente, corrupção e até alcoolismo”, escreveu Seth Jones, diretor do Programa de Segurança Internacional no Centro para Estudos Estratégicos e Internacionais, instituto de análise com base em Washington.

continua após a publicidade

Os russos continuam a enviar soldados mobilizados recentemente para a Ucrânia para compensar suas baixas acentuadas. As dezenas de milhares de soldados russos retirados da região de Kherson a oeste do rio estão liberados para reacionamento, para reforçar linhas defensivas no nordeste, montar novos ataques na região de Donetsk e fortificar a posição russa sobre a ponte terrestre entre a Rússia e a Crimeia, que é muito importante para o Kremlin.

Ainda que analistas militares com frequência notem que o inverno — a primeira nevasca cobriu as trincheiras no fim de semana passado — provavelmente ralentará o ritmo das ofensivas ucranianas, o clima gelado certamente também impingirá castigo sobre os mal equipados soldados russos. E mesmo que a guerra tenha começado no inverno, em fevereiro, ambos os Exércitos possuem ampla experiência de combate na gelada estepe eurasiana.

Uma outra guerra, contra a infraestrutura

continua após a publicidade

Enquanto os soldados russos estão na defensiva nos campos de batalha no sul e no leste, Moscou abriu o equivalente a uma outra guerra, realizando ataques de mísseis e drones com objetivo de destruir a infraestrutura da Ucrânia — degradando a qualidade de vida de milhões de civis, em um esforço para derrubar seu moral.

Na semana passada, a Rússia lançou seu maior bombardeio nesta guerra contra usinas de eletricidade, subestações, instalações de processamento de gás natural e sistemas de fornecimento de água — uma campanha constante de devastação raramente empreendida antes.

O coronel Yurii Ihnat, porta-voz da Força Aérea da Ucrânia, afirmou na segunda-feira que os militares possuem “fontes de energia autônomas”, para que problemas com a rede nacional de transmissão de eletricidade não prejudiquem diretamente os soldados no front. E afirmou que esses ataques motivam soldados que têm famílias sofrendo em razão dessa destruição e fortalecem sua determinação de lutar.

continua após a publicidade
Subestação de energia destruída em ataque de míssil no mês passado no centro da Ucrânia. Foto: Brendan Hoffman/The New York Times

Mas os ataques, reconheceu Ihnat, prejudicam sistemas de defesa antiaérea da Ucrânia. Ele afirmou que os ucranianos disparavam, em média, dois mísseis contra cada foguete russo, esperando aumentar suas chances de acertar o alvo; e agora mais munição e sistemas de defesa antiaérea são necessários para manter o desempenho. Além disso, afirmou ele, a Rússia está usando drones relativamente baratos para exaurir as defesas antiaéreas ucranianas.

Ihnat afirmou no fim de semana que os ataques de mísseis têm objetivo de forçar Kiev à negociação. “É evidente que eles querem impor certas condições, eles querem nos forçar a negociar”, disse ele.

O Kremlin reconhece. O porta-voz do governo russo, Dmitri Peskov, afirmou a repórteres na semana passada que os ataques contra infraestrutura são “as consequências” da falta de disposição da Ucrânia em “entrar na negociação”.

Ataques da Ucrânia no sul

Apesar das ameaças dos russos, as autoridades de Kiev afirmam que não há ambiente para negociar, esperando, em vez disso, usar o impulso das ofensivas do outono para manter as forças russas na defensiva.

Os russos também estão acrescentando novas camadas de defesas nas imediações de Melitopol, no sul, que foi ocupada nos primeiros dias da guerra. A cidade fica no cruzamento de várias estradas do sul ucraniano, o que a torna talvez a posição mais importante sob controle russo.

Analistas militares especularam que a Ucrânia poderá tentar dividir as forças russas no leste e no sul ao avançar para Melitopol.

Derramamento de sangue no Donbas

As onduladas planícies, minas de carvão e vilas rurais da região do Donbas, no leste da Ucrânia, seguem em disputa — e são um território em que a Rússia busca mudar sua maré de fracassos.

De acordo com o general Oleksii Hromov, do Estado-Maior Geral das Forças Armadas da Ucrânia, a linha de frente no leste continua a mais difícil. Entre 12 e 17 de novembro, afirmou ele, o Exército ucraniano relatou mais de 500 combates militares na região.

Soldados ucranianos em Bakhmut, uma cidade fortemente disputada na região ucraniana de Donetsk. Foto: Finbarr O’Reilly/The New York Times

O Donbas se divide em duas batalhas: uma na linha de trincheiras em meio às florestas de pinheiros ao longo de uma importante rota de abastecimento conhecida como linha Svatove-Kreminna, em razão das duas maiores cidades da região; a outra batalha é por Bakhmut, cidade localizada em um vale circular, e ambos os lados ocupam posições elevadas em seu entorno. A cidade e um vilarejo próximo viraram alvo de estande de tiro para os sistemas de artilharia.

Bakhmut tem valor estratégico limitado, mas a luta pela cidade é feroz por várias razões. Para a Rússia, capturá-la poderia abrir caminho para outras cidades importantes no Donbas. Além disso, Bakhmut é considerada um troféu pela empresa privada militar Wagner Group, que almeja conquistá-la como maneira de compensar derrotas em outros campos e favorecer politicamente dentro da Rússia o fundador da firma, Yevgeni Prigozhin.

A Ucrânia, de sua parte, não tem entregado nenhuma posição sem lutar — a batalha de meses por Sievierodonetsk, cidade próxima a Bakhmut que acabou tomada pelos russos, e os combates em Mikolaiv, no sul, que permanece sob controle ucraniano, são testemunha disso. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

KIEV, Ucrânia — Em florestas, campos e ferozes combates urbanos, os soldados ucranianos superaram dificuldades e contrariaram expectativas, forçando os russos a consecutivas retiradas durante nove meses brutais de guerra sangrenta. E ainda assim, apesar de seu sucesso — e mesmo com dezenas de milhares de mortos em ambos os lados da guerra — a Ucrânia, segundo uma métrica, está apenas na metade do caminho: seu Exército retomou até aqui cerca de 55% do território ocupado pela Rússia após a invasão de fevereiro.

A Ucrânia está na ofensiva ao longo da maior parte da linha de frente de 965 quilômetros. A Rússia está na defensiva no sul e no nordeste, ao mesmo tempo que ainda ataca uma cidade no leste, Bakhmut.

O sucesso da Ucrânia levou a guerra a uma encruzilhada crítica. Por estar na ofensiva, os ucranianos serão capazes de forjar a fase seguinte dos combates, determinando se pressionarão com sua vantagem e avançarão ainda mais sobre o território ocupado pelos russos ou estagnarão seu avanço durante o inverno, conforme analistas militares afirmam que a Rússia gostaria que ocorresse.

Soldados ucranianos em tanque perto da cidade de Kherson. Foto: Finbarr O'Reilly/The New York Times

Se a Ucrânia pressionar adiante, suas forças encararão dificuldades significativas: já que os ucranianos expulsaram russos, concentrando-os em espaços menores, resulta que as batalhas adiante serão contra territórios mais densamente defendidos, em terreno hostil.

A Ucrânia combate agora em barcos, leitos pantanosos e arquipélagos fluviais do baixo Dnipro; está pressionando várias linhas de trincheiras em planícies nevadas na região de Zaporizhzhia, no sul; e empreende um sangrento combate, de idas e vindas, ao longo da chamada linha Svatove-Kreminna, nas florestas de pinheiros no nordeste da Ucrânia.

Após a retirada dos russos de Kherson, este mês, o presidente ucraniano, Volodmir Zelenski, fez uma dramática visita à cidade, que foi a única capital provincial capturada pelas forças russas. Hasteando uma bandeira da Ucrânia sobre um prédio do governo, Zelenski ecoou um famoso discurso de Winston Churchill, pronunciado após a vitória dos britânicos na Segunda Batalha de El Alamein, em 1942.

Churchill declarou “o fim do início” do conflito, que ainda se arrastaria por três anos. Zelenski tentou reciclar a narrativa. “Este é o início do fim da guerra”, afirmou ele. Mas cerca de um quinto do território ucraniano permanece ocupado pela Rússia.

Um front reformulado

A guerra no inverno, após a Ucrânia libertar a cidade de Kherson e seu entorno este mês, começa agora com uma linha de frente radicalmente alterada e o Exército russo desmoralizado e dilapidado.

“Unidades terrestres da Rússia têm sofrido com baixo moral, execução falha de armas combinadas, treinamento inferior, logística deficiente, corrupção e até alcoolismo”, escreveu Seth Jones, diretor do Programa de Segurança Internacional no Centro para Estudos Estratégicos e Internacionais, instituto de análise com base em Washington.

Os russos continuam a enviar soldados mobilizados recentemente para a Ucrânia para compensar suas baixas acentuadas. As dezenas de milhares de soldados russos retirados da região de Kherson a oeste do rio estão liberados para reacionamento, para reforçar linhas defensivas no nordeste, montar novos ataques na região de Donetsk e fortificar a posição russa sobre a ponte terrestre entre a Rússia e a Crimeia, que é muito importante para o Kremlin.

Ainda que analistas militares com frequência notem que o inverno — a primeira nevasca cobriu as trincheiras no fim de semana passado — provavelmente ralentará o ritmo das ofensivas ucranianas, o clima gelado certamente também impingirá castigo sobre os mal equipados soldados russos. E mesmo que a guerra tenha começado no inverno, em fevereiro, ambos os Exércitos possuem ampla experiência de combate na gelada estepe eurasiana.

Uma outra guerra, contra a infraestrutura

Enquanto os soldados russos estão na defensiva nos campos de batalha no sul e no leste, Moscou abriu o equivalente a uma outra guerra, realizando ataques de mísseis e drones com objetivo de destruir a infraestrutura da Ucrânia — degradando a qualidade de vida de milhões de civis, em um esforço para derrubar seu moral.

Na semana passada, a Rússia lançou seu maior bombardeio nesta guerra contra usinas de eletricidade, subestações, instalações de processamento de gás natural e sistemas de fornecimento de água — uma campanha constante de devastação raramente empreendida antes.

O coronel Yurii Ihnat, porta-voz da Força Aérea da Ucrânia, afirmou na segunda-feira que os militares possuem “fontes de energia autônomas”, para que problemas com a rede nacional de transmissão de eletricidade não prejudiquem diretamente os soldados no front. E afirmou que esses ataques motivam soldados que têm famílias sofrendo em razão dessa destruição e fortalecem sua determinação de lutar.

Subestação de energia destruída em ataque de míssil no mês passado no centro da Ucrânia. Foto: Brendan Hoffman/The New York Times

Mas os ataques, reconheceu Ihnat, prejudicam sistemas de defesa antiaérea da Ucrânia. Ele afirmou que os ucranianos disparavam, em média, dois mísseis contra cada foguete russo, esperando aumentar suas chances de acertar o alvo; e agora mais munição e sistemas de defesa antiaérea são necessários para manter o desempenho. Além disso, afirmou ele, a Rússia está usando drones relativamente baratos para exaurir as defesas antiaéreas ucranianas.

Ihnat afirmou no fim de semana que os ataques de mísseis têm objetivo de forçar Kiev à negociação. “É evidente que eles querem impor certas condições, eles querem nos forçar a negociar”, disse ele.

O Kremlin reconhece. O porta-voz do governo russo, Dmitri Peskov, afirmou a repórteres na semana passada que os ataques contra infraestrutura são “as consequências” da falta de disposição da Ucrânia em “entrar na negociação”.

Ataques da Ucrânia no sul

Apesar das ameaças dos russos, as autoridades de Kiev afirmam que não há ambiente para negociar, esperando, em vez disso, usar o impulso das ofensivas do outono para manter as forças russas na defensiva.

Os russos também estão acrescentando novas camadas de defesas nas imediações de Melitopol, no sul, que foi ocupada nos primeiros dias da guerra. A cidade fica no cruzamento de várias estradas do sul ucraniano, o que a torna talvez a posição mais importante sob controle russo.

Analistas militares especularam que a Ucrânia poderá tentar dividir as forças russas no leste e no sul ao avançar para Melitopol.

Derramamento de sangue no Donbas

As onduladas planícies, minas de carvão e vilas rurais da região do Donbas, no leste da Ucrânia, seguem em disputa — e são um território em que a Rússia busca mudar sua maré de fracassos.

De acordo com o general Oleksii Hromov, do Estado-Maior Geral das Forças Armadas da Ucrânia, a linha de frente no leste continua a mais difícil. Entre 12 e 17 de novembro, afirmou ele, o Exército ucraniano relatou mais de 500 combates militares na região.

Soldados ucranianos em Bakhmut, uma cidade fortemente disputada na região ucraniana de Donetsk. Foto: Finbarr O’Reilly/The New York Times

O Donbas se divide em duas batalhas: uma na linha de trincheiras em meio às florestas de pinheiros ao longo de uma importante rota de abastecimento conhecida como linha Svatove-Kreminna, em razão das duas maiores cidades da região; a outra batalha é por Bakhmut, cidade localizada em um vale circular, e ambos os lados ocupam posições elevadas em seu entorno. A cidade e um vilarejo próximo viraram alvo de estande de tiro para os sistemas de artilharia.

Bakhmut tem valor estratégico limitado, mas a luta pela cidade é feroz por várias razões. Para a Rússia, capturá-la poderia abrir caminho para outras cidades importantes no Donbas. Além disso, Bakhmut é considerada um troféu pela empresa privada militar Wagner Group, que almeja conquistá-la como maneira de compensar derrotas em outros campos e favorecer politicamente dentro da Rússia o fundador da firma, Yevgeni Prigozhin.

A Ucrânia, de sua parte, não tem entregado nenhuma posição sem lutar — a batalha de meses por Sievierodonetsk, cidade próxima a Bakhmut que acabou tomada pelos russos, e os combates em Mikolaiv, no sul, que permanece sob controle ucraniano, são testemunha disso. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

KIEV, Ucrânia — Em florestas, campos e ferozes combates urbanos, os soldados ucranianos superaram dificuldades e contrariaram expectativas, forçando os russos a consecutivas retiradas durante nove meses brutais de guerra sangrenta. E ainda assim, apesar de seu sucesso — e mesmo com dezenas de milhares de mortos em ambos os lados da guerra — a Ucrânia, segundo uma métrica, está apenas na metade do caminho: seu Exército retomou até aqui cerca de 55% do território ocupado pela Rússia após a invasão de fevereiro.

A Ucrânia está na ofensiva ao longo da maior parte da linha de frente de 965 quilômetros. A Rússia está na defensiva no sul e no nordeste, ao mesmo tempo que ainda ataca uma cidade no leste, Bakhmut.

O sucesso da Ucrânia levou a guerra a uma encruzilhada crítica. Por estar na ofensiva, os ucranianos serão capazes de forjar a fase seguinte dos combates, determinando se pressionarão com sua vantagem e avançarão ainda mais sobre o território ocupado pelos russos ou estagnarão seu avanço durante o inverno, conforme analistas militares afirmam que a Rússia gostaria que ocorresse.

Soldados ucranianos em tanque perto da cidade de Kherson. Foto: Finbarr O'Reilly/The New York Times

Se a Ucrânia pressionar adiante, suas forças encararão dificuldades significativas: já que os ucranianos expulsaram russos, concentrando-os em espaços menores, resulta que as batalhas adiante serão contra territórios mais densamente defendidos, em terreno hostil.

A Ucrânia combate agora em barcos, leitos pantanosos e arquipélagos fluviais do baixo Dnipro; está pressionando várias linhas de trincheiras em planícies nevadas na região de Zaporizhzhia, no sul; e empreende um sangrento combate, de idas e vindas, ao longo da chamada linha Svatove-Kreminna, nas florestas de pinheiros no nordeste da Ucrânia.

Após a retirada dos russos de Kherson, este mês, o presidente ucraniano, Volodmir Zelenski, fez uma dramática visita à cidade, que foi a única capital provincial capturada pelas forças russas. Hasteando uma bandeira da Ucrânia sobre um prédio do governo, Zelenski ecoou um famoso discurso de Winston Churchill, pronunciado após a vitória dos britânicos na Segunda Batalha de El Alamein, em 1942.

Churchill declarou “o fim do início” do conflito, que ainda se arrastaria por três anos. Zelenski tentou reciclar a narrativa. “Este é o início do fim da guerra”, afirmou ele. Mas cerca de um quinto do território ucraniano permanece ocupado pela Rússia.

Um front reformulado

A guerra no inverno, após a Ucrânia libertar a cidade de Kherson e seu entorno este mês, começa agora com uma linha de frente radicalmente alterada e o Exército russo desmoralizado e dilapidado.

“Unidades terrestres da Rússia têm sofrido com baixo moral, execução falha de armas combinadas, treinamento inferior, logística deficiente, corrupção e até alcoolismo”, escreveu Seth Jones, diretor do Programa de Segurança Internacional no Centro para Estudos Estratégicos e Internacionais, instituto de análise com base em Washington.

Os russos continuam a enviar soldados mobilizados recentemente para a Ucrânia para compensar suas baixas acentuadas. As dezenas de milhares de soldados russos retirados da região de Kherson a oeste do rio estão liberados para reacionamento, para reforçar linhas defensivas no nordeste, montar novos ataques na região de Donetsk e fortificar a posição russa sobre a ponte terrestre entre a Rússia e a Crimeia, que é muito importante para o Kremlin.

Ainda que analistas militares com frequência notem que o inverno — a primeira nevasca cobriu as trincheiras no fim de semana passado — provavelmente ralentará o ritmo das ofensivas ucranianas, o clima gelado certamente também impingirá castigo sobre os mal equipados soldados russos. E mesmo que a guerra tenha começado no inverno, em fevereiro, ambos os Exércitos possuem ampla experiência de combate na gelada estepe eurasiana.

Uma outra guerra, contra a infraestrutura

Enquanto os soldados russos estão na defensiva nos campos de batalha no sul e no leste, Moscou abriu o equivalente a uma outra guerra, realizando ataques de mísseis e drones com objetivo de destruir a infraestrutura da Ucrânia — degradando a qualidade de vida de milhões de civis, em um esforço para derrubar seu moral.

Na semana passada, a Rússia lançou seu maior bombardeio nesta guerra contra usinas de eletricidade, subestações, instalações de processamento de gás natural e sistemas de fornecimento de água — uma campanha constante de devastação raramente empreendida antes.

O coronel Yurii Ihnat, porta-voz da Força Aérea da Ucrânia, afirmou na segunda-feira que os militares possuem “fontes de energia autônomas”, para que problemas com a rede nacional de transmissão de eletricidade não prejudiquem diretamente os soldados no front. E afirmou que esses ataques motivam soldados que têm famílias sofrendo em razão dessa destruição e fortalecem sua determinação de lutar.

Subestação de energia destruída em ataque de míssil no mês passado no centro da Ucrânia. Foto: Brendan Hoffman/The New York Times

Mas os ataques, reconheceu Ihnat, prejudicam sistemas de defesa antiaérea da Ucrânia. Ele afirmou que os ucranianos disparavam, em média, dois mísseis contra cada foguete russo, esperando aumentar suas chances de acertar o alvo; e agora mais munição e sistemas de defesa antiaérea são necessários para manter o desempenho. Além disso, afirmou ele, a Rússia está usando drones relativamente baratos para exaurir as defesas antiaéreas ucranianas.

Ihnat afirmou no fim de semana que os ataques de mísseis têm objetivo de forçar Kiev à negociação. “É evidente que eles querem impor certas condições, eles querem nos forçar a negociar”, disse ele.

O Kremlin reconhece. O porta-voz do governo russo, Dmitri Peskov, afirmou a repórteres na semana passada que os ataques contra infraestrutura são “as consequências” da falta de disposição da Ucrânia em “entrar na negociação”.

Ataques da Ucrânia no sul

Apesar das ameaças dos russos, as autoridades de Kiev afirmam que não há ambiente para negociar, esperando, em vez disso, usar o impulso das ofensivas do outono para manter as forças russas na defensiva.

Os russos também estão acrescentando novas camadas de defesas nas imediações de Melitopol, no sul, que foi ocupada nos primeiros dias da guerra. A cidade fica no cruzamento de várias estradas do sul ucraniano, o que a torna talvez a posição mais importante sob controle russo.

Analistas militares especularam que a Ucrânia poderá tentar dividir as forças russas no leste e no sul ao avançar para Melitopol.

Derramamento de sangue no Donbas

As onduladas planícies, minas de carvão e vilas rurais da região do Donbas, no leste da Ucrânia, seguem em disputa — e são um território em que a Rússia busca mudar sua maré de fracassos.

De acordo com o general Oleksii Hromov, do Estado-Maior Geral das Forças Armadas da Ucrânia, a linha de frente no leste continua a mais difícil. Entre 12 e 17 de novembro, afirmou ele, o Exército ucraniano relatou mais de 500 combates militares na região.

Soldados ucranianos em Bakhmut, uma cidade fortemente disputada na região ucraniana de Donetsk. Foto: Finbarr O’Reilly/The New York Times

O Donbas se divide em duas batalhas: uma na linha de trincheiras em meio às florestas de pinheiros ao longo de uma importante rota de abastecimento conhecida como linha Svatove-Kreminna, em razão das duas maiores cidades da região; a outra batalha é por Bakhmut, cidade localizada em um vale circular, e ambos os lados ocupam posições elevadas em seu entorno. A cidade e um vilarejo próximo viraram alvo de estande de tiro para os sistemas de artilharia.

Bakhmut tem valor estratégico limitado, mas a luta pela cidade é feroz por várias razões. Para a Rússia, capturá-la poderia abrir caminho para outras cidades importantes no Donbas. Além disso, Bakhmut é considerada um troféu pela empresa privada militar Wagner Group, que almeja conquistá-la como maneira de compensar derrotas em outros campos e favorecer politicamente dentro da Rússia o fundador da firma, Yevgeni Prigozhin.

A Ucrânia, de sua parte, não tem entregado nenhuma posição sem lutar — a batalha de meses por Sievierodonetsk, cidade próxima a Bakhmut que acabou tomada pelos russos, e os combates em Mikolaiv, no sul, que permanece sob controle ucraniano, são testemunha disso. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.