Guia simples para entender os efeitos da eleição de Donald Trump para a Ásia


Por um lado, o segundo mandato do republicano tende a diminuir a cooperação dos EUA com a região por causa da política ‘American First’; por outro, o sudeste asiático é crucial para competição com a China

Por Luiz Henrique Gomes

O retorno de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos torna a política americana algo imprevisível no sudeste asiático, região em que a disputa de influência com a China é latente. Se por um lado o mandato do republicano tende a diminuir a cooperação dos EUA com a região por causa da política protecionista prometida por ele, o sudeste asiático é importante para Washington conter Pequim.

Embora não esteja clara a política que Trump irá implementar na região, analistas afirmam que o primeiro mandato oferece uma perspectiva do que pode vir a ser. Em 2017, assim que ele assumiu a presidência, Washington saiu da Parceria Transpacífica, um acordo comercial com países do Oceano Pacífico, incluindo muitos do sudeste asiático, e sinalizou a aversão ao multilateralismo. Trump também não aparecia nas cúpulas regionais - algo que o presidente Joe Biden também repetiu - e constantemente afirmava que os países abusavam das relações com os EUA.

Em paralelo, o republicano também iniciou a guerra comercial com a China, implementando tarifas em produtos chineses. A competição se aprofundou desde então, inclusive no governo Biden, e novas tarifas foram prometidas pelo presidente eleito durante toda a campanha eleitoral. Muitas devem ser implementadas no primeiro dia do novo governo, segundo ele afirmou em entrevistas depois de eleito.

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Imagem de junho de 2019 mostra o presidente dos EUA, Donald Trump, ao lado do ditador norte-coreano Kim Jong-un. Americano possui boas relações pessoais com o norte-coreano Foto: Erin Schaff/NYT

No segundo mandato, a competição entre Washington e Pequim deve guiar o modo como os EUA devem tratar as outras relações. Como Pequim mantém laços econômicos com as nações do sudeste asiático, Trump pode exigir de aliados de longa data, como Coreia do Sul e Japão, e de outros parceiros um comprometimento maior na disputa, seja no campo do comércio ou da segurança.

Historicamente, dizem os analistas, as nações da região buscam uma política de equilíbrio, com o objetivo de ter vantagens comerciais com as duas maiores economias do mundo. “Mas um segundo governo Trump pode aumentar as tensões entre Washington e Pequim a ponto de até mesmo os governos do sudeste asiático, há muito habilidosos no jogo do equilíbrio, acharem difícil escolher um lado”, disse o analista associado do Centro de Relações Exteriores (CFR, sediado em Washington), Joshua Kurlantzick.

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Na avaliação de Evan Laksmana, membro sênior do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS), a tendência dos EUA de cobrar mais comprometimento de alianças e parcerias do sudeste asiático esteve em curso durante todo o governo Biden, mas deve se intensificar com Trump. “A expectativa agora é clara: se os parceiros regionais não estiverem dispostos a demonstrar um nível de comprometimento, Washington provavelmente não vai os priorizar”, disse em um seminário virtual para discutir as perspectivas regionais sob Trump promovido pelo Instituto ISEAS-Yusof Ishak, um centro de estudos sediado em Cingapura, no dia 28 de novembro.

Na primeira fase da guerra comercial entre EUA e China, países como o Japão e Vietnã se beneficiaram ao receber a produção de fábricas chinesas que visavam evitar as tarifas americanas. Entretanto, Trump já deu afirmações de que não deve aceitar mais essa manobra – o que na prática pode significar para muitos países ter que fazer uma escolha entre diminuir relações comerciais com a China ou lidar com taxas dos EUA.

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Mesmo que as tarifas sejam direcionadas estritamente à China, pode haver um efeito em cascata para todo o sudeste asiático. Um levantamento da revista britânica The Economist no fim de outubro estima que os países da Associação de Nações do Sudeste Asiático (Asean) exportaram cerca de US$ 70 bilhões (equivalente a R$ 430 bilhões) para a China em 2023, e uma parte desses produtos são posteriormente reexportado para os EUA. “As tarifas sobre a China reduziriam a demanda, especialmente para os países da Asean”, escreveu a Economist.

Sudeste asiático busca se proteger de disputa

Com o equilíbrio das relações com Pequim e Washington cada vez mais difícil, algumas nações do sudeste asiático podem optar por estabelecer cooperações maiores com potências médias. De acordo com Joshua Kurlantzick, essa tendência está em curso desde antes da eleição americana, à medida que parte das nações perceberam um desinteresse crescente dos EUA na região e a pressão territorial da China. “Mas a segunda vitória de Trump acelerou a tendência de olhar para as potências regionais para afastar escolhas binárias entre Pequim e Washington, e para criar uma Ásia mais multilateral”, afirmou.

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Na busca por alternativas, nações como o Japão e Índia ganham espaço no mercado regional. Fora da Ásia, o sudeste asiático tem encontrado parcerias comerciais com a Austrália e a União Europeia.

A cooperação com outras nações não se restringe somente ao comércio. Ela também inclui as preocupações de segurança, que cresceram nos últimos anos com a reivindicação da China no Mar do Sul da China e o risco de um conflito direto entre Washington e Pequim. “A retórica e ações cada vez mais agressivas de Xi em águas regionais disputadas, como o Mar do Sul da China, levantaram preocupações na região. Agora há temores de que ele possa usar mais atividades coercitivas, já que a economia chinesa vacila”, acrescentou Kulantzick.

Imagem de março mostra contêineres estacionados em um porto da China. Gigante asiático é destino de exportações do sudeste asiático Foto: Gilles Sabrie/NYT
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Essa política está em prática, por exemplo, por Indonésia, Malásia e Tailândia. Já governos que vivem problemas diretos com a China, como as Filipinas e Taiwan, aproveitaram a disputa EUA-China para se aproximar mais dos EUA em parcerias que cresceram durante o governo de Joe Biden, incluindo exercícios militares conjuntos.

Sob Trump, os EUA não devem recuar o engajamento atual dessas alianças e parcerias, mas elas também não devem se aprofundar. Pelo menos, não da maneira de alianças estratégicas. “(Trump) certamente deixará os aliados saberem que os EUA não está assinando cheques em branco, e esperaria mais gastos dos próprios países em troca”, disse a ex-diplomata americana Susan Thornton, hoje professora na Universidade de Yale.

Essa nova abordagem também deve afetar alianças mais tradicionais dos EUA, como o Japão e a Coreia do Sul. As duas nações têm tropas americanas estacionadas em seus territórios, mas planejam aumento em seus gastos de defesa cientes de que isso deve ser mais exigido. No mês passado, por exemplo, Trump disse que faria a Coreia do Sul pagar US$ 10 bilhões anualmente para hospedar tropas americanas no país.

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‘Boas relações’ com autocratas

No seu primeiro mandato, Trump cultivou boas relações com os líderes autoritários da Ásia, incluindo o ditador norte-coreano Kim Jong-un e o presidente russo Vladimir Putin. O presidente eleito parece estar disposto a se envolver com ambos novamente, dado que as relações com os dois, sobretudo o norte-coreano, foram citadas na campanha eleitoral diversas vezes.

Essa característica pode ser crucial numa região em que o autoritarismo é crescente, sendo observado em países como Paquistão, Camboja, Indonésia e mesmo na Coreia do Sul, que tem uma democracia consolidada, mas que enfrenta uma crise após o então presidente Yoon Suk Yeol declarar lei marcial e tentar um autogolpe - no dia 14, Yoon foi deposto do cargo por impeachment.

Para os analistas, essas nações podem se favorecer das relações com os EUA se a política de “aliança baseada em valores” for abandonada por Trump - o que é provável, desde que isso seja favorável a Washington em algum grau. “Haverá uma recepção muito mais ampla à provável despriorização de Trump na promoção de valores, como democracia e direitos humanos, no exterior em favor de uma abordagem mais transacional que visa estritamente atingir os interesses nacionais dos EUA, especialmente entre regimes autoritários e semiautoritários que compreendem a maioria dos estados do Sudeste Asiático”, avaliou o analista sênior do centro de estudos Rand Corporation, Derek Grossman.

O retorno de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos torna a política americana algo imprevisível no sudeste asiático, região em que a disputa de influência com a China é latente. Se por um lado o mandato do republicano tende a diminuir a cooperação dos EUA com a região por causa da política protecionista prometida por ele, o sudeste asiático é importante para Washington conter Pequim.

Embora não esteja clara a política que Trump irá implementar na região, analistas afirmam que o primeiro mandato oferece uma perspectiva do que pode vir a ser. Em 2017, assim que ele assumiu a presidência, Washington saiu da Parceria Transpacífica, um acordo comercial com países do Oceano Pacífico, incluindo muitos do sudeste asiático, e sinalizou a aversão ao multilateralismo. Trump também não aparecia nas cúpulas regionais - algo que o presidente Joe Biden também repetiu - e constantemente afirmava que os países abusavam das relações com os EUA.

Em paralelo, o republicano também iniciou a guerra comercial com a China, implementando tarifas em produtos chineses. A competição se aprofundou desde então, inclusive no governo Biden, e novas tarifas foram prometidas pelo presidente eleito durante toda a campanha eleitoral. Muitas devem ser implementadas no primeiro dia do novo governo, segundo ele afirmou em entrevistas depois de eleito.

Imagem de junho de 2019 mostra o presidente dos EUA, Donald Trump, ao lado do ditador norte-coreano Kim Jong-un. Americano possui boas relações pessoais com o norte-coreano Foto: Erin Schaff/NYT

No segundo mandato, a competição entre Washington e Pequim deve guiar o modo como os EUA devem tratar as outras relações. Como Pequim mantém laços econômicos com as nações do sudeste asiático, Trump pode exigir de aliados de longa data, como Coreia do Sul e Japão, e de outros parceiros um comprometimento maior na disputa, seja no campo do comércio ou da segurança.

Historicamente, dizem os analistas, as nações da região buscam uma política de equilíbrio, com o objetivo de ter vantagens comerciais com as duas maiores economias do mundo. “Mas um segundo governo Trump pode aumentar as tensões entre Washington e Pequim a ponto de até mesmo os governos do sudeste asiático, há muito habilidosos no jogo do equilíbrio, acharem difícil escolher um lado”, disse o analista associado do Centro de Relações Exteriores (CFR, sediado em Washington), Joshua Kurlantzick.

Na avaliação de Evan Laksmana, membro sênior do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS), a tendência dos EUA de cobrar mais comprometimento de alianças e parcerias do sudeste asiático esteve em curso durante todo o governo Biden, mas deve se intensificar com Trump. “A expectativa agora é clara: se os parceiros regionais não estiverem dispostos a demonstrar um nível de comprometimento, Washington provavelmente não vai os priorizar”, disse em um seminário virtual para discutir as perspectivas regionais sob Trump promovido pelo Instituto ISEAS-Yusof Ishak, um centro de estudos sediado em Cingapura, no dia 28 de novembro.

Na primeira fase da guerra comercial entre EUA e China, países como o Japão e Vietnã se beneficiaram ao receber a produção de fábricas chinesas que visavam evitar as tarifas americanas. Entretanto, Trump já deu afirmações de que não deve aceitar mais essa manobra – o que na prática pode significar para muitos países ter que fazer uma escolha entre diminuir relações comerciais com a China ou lidar com taxas dos EUA.

Mesmo que as tarifas sejam direcionadas estritamente à China, pode haver um efeito em cascata para todo o sudeste asiático. Um levantamento da revista britânica The Economist no fim de outubro estima que os países da Associação de Nações do Sudeste Asiático (Asean) exportaram cerca de US$ 70 bilhões (equivalente a R$ 430 bilhões) para a China em 2023, e uma parte desses produtos são posteriormente reexportado para os EUA. “As tarifas sobre a China reduziriam a demanda, especialmente para os países da Asean”, escreveu a Economist.

Sudeste asiático busca se proteger de disputa

Com o equilíbrio das relações com Pequim e Washington cada vez mais difícil, algumas nações do sudeste asiático podem optar por estabelecer cooperações maiores com potências médias. De acordo com Joshua Kurlantzick, essa tendência está em curso desde antes da eleição americana, à medida que parte das nações perceberam um desinteresse crescente dos EUA na região e a pressão territorial da China. “Mas a segunda vitória de Trump acelerou a tendência de olhar para as potências regionais para afastar escolhas binárias entre Pequim e Washington, e para criar uma Ásia mais multilateral”, afirmou.

Na busca por alternativas, nações como o Japão e Índia ganham espaço no mercado regional. Fora da Ásia, o sudeste asiático tem encontrado parcerias comerciais com a Austrália e a União Europeia.

A cooperação com outras nações não se restringe somente ao comércio. Ela também inclui as preocupações de segurança, que cresceram nos últimos anos com a reivindicação da China no Mar do Sul da China e o risco de um conflito direto entre Washington e Pequim. “A retórica e ações cada vez mais agressivas de Xi em águas regionais disputadas, como o Mar do Sul da China, levantaram preocupações na região. Agora há temores de que ele possa usar mais atividades coercitivas, já que a economia chinesa vacila”, acrescentou Kulantzick.

Imagem de março mostra contêineres estacionados em um porto da China. Gigante asiático é destino de exportações do sudeste asiático Foto: Gilles Sabrie/NYT

Essa política está em prática, por exemplo, por Indonésia, Malásia e Tailândia. Já governos que vivem problemas diretos com a China, como as Filipinas e Taiwan, aproveitaram a disputa EUA-China para se aproximar mais dos EUA em parcerias que cresceram durante o governo de Joe Biden, incluindo exercícios militares conjuntos.

Sob Trump, os EUA não devem recuar o engajamento atual dessas alianças e parcerias, mas elas também não devem se aprofundar. Pelo menos, não da maneira de alianças estratégicas. “(Trump) certamente deixará os aliados saberem que os EUA não está assinando cheques em branco, e esperaria mais gastos dos próprios países em troca”, disse a ex-diplomata americana Susan Thornton, hoje professora na Universidade de Yale.

Essa nova abordagem também deve afetar alianças mais tradicionais dos EUA, como o Japão e a Coreia do Sul. As duas nações têm tropas americanas estacionadas em seus territórios, mas planejam aumento em seus gastos de defesa cientes de que isso deve ser mais exigido. No mês passado, por exemplo, Trump disse que faria a Coreia do Sul pagar US$ 10 bilhões anualmente para hospedar tropas americanas no país.

‘Boas relações’ com autocratas

No seu primeiro mandato, Trump cultivou boas relações com os líderes autoritários da Ásia, incluindo o ditador norte-coreano Kim Jong-un e o presidente russo Vladimir Putin. O presidente eleito parece estar disposto a se envolver com ambos novamente, dado que as relações com os dois, sobretudo o norte-coreano, foram citadas na campanha eleitoral diversas vezes.

Essa característica pode ser crucial numa região em que o autoritarismo é crescente, sendo observado em países como Paquistão, Camboja, Indonésia e mesmo na Coreia do Sul, que tem uma democracia consolidada, mas que enfrenta uma crise após o então presidente Yoon Suk Yeol declarar lei marcial e tentar um autogolpe - no dia 14, Yoon foi deposto do cargo por impeachment.

Para os analistas, essas nações podem se favorecer das relações com os EUA se a política de “aliança baseada em valores” for abandonada por Trump - o que é provável, desde que isso seja favorável a Washington em algum grau. “Haverá uma recepção muito mais ampla à provável despriorização de Trump na promoção de valores, como democracia e direitos humanos, no exterior em favor de uma abordagem mais transacional que visa estritamente atingir os interesses nacionais dos EUA, especialmente entre regimes autoritários e semiautoritários que compreendem a maioria dos estados do Sudeste Asiático”, avaliou o analista sênior do centro de estudos Rand Corporation, Derek Grossman.

O retorno de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos torna a política americana algo imprevisível no sudeste asiático, região em que a disputa de influência com a China é latente. Se por um lado o mandato do republicano tende a diminuir a cooperação dos EUA com a região por causa da política protecionista prometida por ele, o sudeste asiático é importante para Washington conter Pequim.

Embora não esteja clara a política que Trump irá implementar na região, analistas afirmam que o primeiro mandato oferece uma perspectiva do que pode vir a ser. Em 2017, assim que ele assumiu a presidência, Washington saiu da Parceria Transpacífica, um acordo comercial com países do Oceano Pacífico, incluindo muitos do sudeste asiático, e sinalizou a aversão ao multilateralismo. Trump também não aparecia nas cúpulas regionais - algo que o presidente Joe Biden também repetiu - e constantemente afirmava que os países abusavam das relações com os EUA.

Em paralelo, o republicano também iniciou a guerra comercial com a China, implementando tarifas em produtos chineses. A competição se aprofundou desde então, inclusive no governo Biden, e novas tarifas foram prometidas pelo presidente eleito durante toda a campanha eleitoral. Muitas devem ser implementadas no primeiro dia do novo governo, segundo ele afirmou em entrevistas depois de eleito.

Imagem de junho de 2019 mostra o presidente dos EUA, Donald Trump, ao lado do ditador norte-coreano Kim Jong-un. Americano possui boas relações pessoais com o norte-coreano Foto: Erin Schaff/NYT

No segundo mandato, a competição entre Washington e Pequim deve guiar o modo como os EUA devem tratar as outras relações. Como Pequim mantém laços econômicos com as nações do sudeste asiático, Trump pode exigir de aliados de longa data, como Coreia do Sul e Japão, e de outros parceiros um comprometimento maior na disputa, seja no campo do comércio ou da segurança.

Historicamente, dizem os analistas, as nações da região buscam uma política de equilíbrio, com o objetivo de ter vantagens comerciais com as duas maiores economias do mundo. “Mas um segundo governo Trump pode aumentar as tensões entre Washington e Pequim a ponto de até mesmo os governos do sudeste asiático, há muito habilidosos no jogo do equilíbrio, acharem difícil escolher um lado”, disse o analista associado do Centro de Relações Exteriores (CFR, sediado em Washington), Joshua Kurlantzick.

Na avaliação de Evan Laksmana, membro sênior do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS), a tendência dos EUA de cobrar mais comprometimento de alianças e parcerias do sudeste asiático esteve em curso durante todo o governo Biden, mas deve se intensificar com Trump. “A expectativa agora é clara: se os parceiros regionais não estiverem dispostos a demonstrar um nível de comprometimento, Washington provavelmente não vai os priorizar”, disse em um seminário virtual para discutir as perspectivas regionais sob Trump promovido pelo Instituto ISEAS-Yusof Ishak, um centro de estudos sediado em Cingapura, no dia 28 de novembro.

Na primeira fase da guerra comercial entre EUA e China, países como o Japão e Vietnã se beneficiaram ao receber a produção de fábricas chinesas que visavam evitar as tarifas americanas. Entretanto, Trump já deu afirmações de que não deve aceitar mais essa manobra – o que na prática pode significar para muitos países ter que fazer uma escolha entre diminuir relações comerciais com a China ou lidar com taxas dos EUA.

Mesmo que as tarifas sejam direcionadas estritamente à China, pode haver um efeito em cascata para todo o sudeste asiático. Um levantamento da revista britânica The Economist no fim de outubro estima que os países da Associação de Nações do Sudeste Asiático (Asean) exportaram cerca de US$ 70 bilhões (equivalente a R$ 430 bilhões) para a China em 2023, e uma parte desses produtos são posteriormente reexportado para os EUA. “As tarifas sobre a China reduziriam a demanda, especialmente para os países da Asean”, escreveu a Economist.

Sudeste asiático busca se proteger de disputa

Com o equilíbrio das relações com Pequim e Washington cada vez mais difícil, algumas nações do sudeste asiático podem optar por estabelecer cooperações maiores com potências médias. De acordo com Joshua Kurlantzick, essa tendência está em curso desde antes da eleição americana, à medida que parte das nações perceberam um desinteresse crescente dos EUA na região e a pressão territorial da China. “Mas a segunda vitória de Trump acelerou a tendência de olhar para as potências regionais para afastar escolhas binárias entre Pequim e Washington, e para criar uma Ásia mais multilateral”, afirmou.

Na busca por alternativas, nações como o Japão e Índia ganham espaço no mercado regional. Fora da Ásia, o sudeste asiático tem encontrado parcerias comerciais com a Austrália e a União Europeia.

A cooperação com outras nações não se restringe somente ao comércio. Ela também inclui as preocupações de segurança, que cresceram nos últimos anos com a reivindicação da China no Mar do Sul da China e o risco de um conflito direto entre Washington e Pequim. “A retórica e ações cada vez mais agressivas de Xi em águas regionais disputadas, como o Mar do Sul da China, levantaram preocupações na região. Agora há temores de que ele possa usar mais atividades coercitivas, já que a economia chinesa vacila”, acrescentou Kulantzick.

Imagem de março mostra contêineres estacionados em um porto da China. Gigante asiático é destino de exportações do sudeste asiático Foto: Gilles Sabrie/NYT

Essa política está em prática, por exemplo, por Indonésia, Malásia e Tailândia. Já governos que vivem problemas diretos com a China, como as Filipinas e Taiwan, aproveitaram a disputa EUA-China para se aproximar mais dos EUA em parcerias que cresceram durante o governo de Joe Biden, incluindo exercícios militares conjuntos.

Sob Trump, os EUA não devem recuar o engajamento atual dessas alianças e parcerias, mas elas também não devem se aprofundar. Pelo menos, não da maneira de alianças estratégicas. “(Trump) certamente deixará os aliados saberem que os EUA não está assinando cheques em branco, e esperaria mais gastos dos próprios países em troca”, disse a ex-diplomata americana Susan Thornton, hoje professora na Universidade de Yale.

Essa nova abordagem também deve afetar alianças mais tradicionais dos EUA, como o Japão e a Coreia do Sul. As duas nações têm tropas americanas estacionadas em seus territórios, mas planejam aumento em seus gastos de defesa cientes de que isso deve ser mais exigido. No mês passado, por exemplo, Trump disse que faria a Coreia do Sul pagar US$ 10 bilhões anualmente para hospedar tropas americanas no país.

‘Boas relações’ com autocratas

No seu primeiro mandato, Trump cultivou boas relações com os líderes autoritários da Ásia, incluindo o ditador norte-coreano Kim Jong-un e o presidente russo Vladimir Putin. O presidente eleito parece estar disposto a se envolver com ambos novamente, dado que as relações com os dois, sobretudo o norte-coreano, foram citadas na campanha eleitoral diversas vezes.

Essa característica pode ser crucial numa região em que o autoritarismo é crescente, sendo observado em países como Paquistão, Camboja, Indonésia e mesmo na Coreia do Sul, que tem uma democracia consolidada, mas que enfrenta uma crise após o então presidente Yoon Suk Yeol declarar lei marcial e tentar um autogolpe - no dia 14, Yoon foi deposto do cargo por impeachment.

Para os analistas, essas nações podem se favorecer das relações com os EUA se a política de “aliança baseada em valores” for abandonada por Trump - o que é provável, desde que isso seja favorável a Washington em algum grau. “Haverá uma recepção muito mais ampla à provável despriorização de Trump na promoção de valores, como democracia e direitos humanos, no exterior em favor de uma abordagem mais transacional que visa estritamente atingir os interesses nacionais dos EUA, especialmente entre regimes autoritários e semiautoritários que compreendem a maioria dos estados do Sudeste Asiático”, avaliou o analista sênior do centro de estudos Rand Corporation, Derek Grossman.

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