Guru do nacionalismo da China, atacado por ex-apoiadores, diz que ‘nacionalismo foi longe demais’


Wang Xiaodong defendia protagonismo de Pequim e hoje é tachado de arrogante, radical e ultrapassado

Por Vivian Wang

PEQUIM - Wang Xiaodong fez um discurso certa vez em que declarou que “a marcha para frente da China não pode ser barrada”. Ele publicou artigos exortando o país a turbinar as Forças Armadas. Foi coautor de um livro com o título nada sutil de “A China Está Infeliz”, em que disse que o país precisava ampliar os territórios sob seu controle e direcionar a política global. “A China deveria liderar este mundo”, disse.

Hoje, Wang, articulista de 66 anos que reside em Pequim e foi descrito no passado como porta-estandarte do nacionalismo chinês, está divulgando uma mensagem diferente: isso foi longe demais.

Durante anos foi ele o descartado como excessivamente radical. Pregava que o establishment estava comprometido demais com as ideias ocidentais e o comércio global, demasiado contente em deixar a China acomodar-se numa ordem mundial manipulada pelos Estados Unidos.

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Wang Xiaodong, um escritor que já foi chamado de bastião do nacionalismo chinês, em uma livraria em Pequim em 1º de setembro de 2022  Foto: Gilles Sabrié/NYT

Então, com a China ficando mais poderosa, sua mensagem de promoção do nacionalismo —assim como seu estilo combativo, do tipo “apenas idiotas discordam de mim”— encontrou seguidores. Seu livro virou best-seller. Hoje, o discurso arrogante sobre a grandeza do país é um elemento habitual do diálogo público chinês, presente em declarações diplomáticas e comentários nas redes sociais.

Porém, em vez de se deleitar com esse êxito de suas ideias, Wang está alarmado. Incentivado pela propaganda do regime, o nacionalismo chinês vem ficando cada vez mais agressivo. E agora Wang se vê na posição inesperada de tentar acalmar a onda que ele ajudou a desencadear quase 35 anos atrás.

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Para seus milhões de seguidores nas redes sociais, Wang prega que a opinião excessivamente positiva da China a seu próprio respeito coloca em risco a ascensão do país, algo que ele já não vê como inevitável. Em posts de tom intelectual, avisa que cortar relações com os EUA seria autodestrutivo. E faz críticas fortes a influenciadores nacionalistas, acusando-os de incitar emoções extremas para atrair seguidores.

Hoje esse pioneiro do chauvinismo nacionalista está tendo que se defender de críticas de que é muito moderado, de que trata o Ocidente com complacência —ele chega a ser acusado de ser traidor. Wang saúda a inversão com espanto e graça. “Nas últimas décadas, esqueceram que eu era chamado de pai do nacionalismo. Fui eu quem criou essas pessoas. Mas nunca lhes disse para serem tão doidas assim.”

A divisão pode ser em parte de natureza geracional. Para jovens que só conheceram uma China em ascensão, a postura estridente em relação ao mundo pode parecer natural. Outras figuras públicas mais velhas têm manifestado preocupações semelhantes. O professor de relações internacionais Yan Xuetong, que frequentemente defende posturas linha-dura, lamentou neste ano que estudantes tenham uma visão indevidamente confiante da estatura global do país, algo que ele qualifica como “faz de conta”.

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A história mais humilde da China foi um elemento fundamental na visão de mundo de Wang.

Um menino assiste a uma tela gigante mostrando o presidente Xi Jinping da China, no Museu Militar em Pequim, em 2 de setembro de 2022  Foto: Gilles Sabrié/NYT

Filho de pais com nível de instrução superior —pai engenheiro e mãe professora—, ele tinha 10 anos quando Mao Tse-tung lançou a Revolução Cultural. A escola de Wang fechou as portas por dois anos. Ele passou o tempo lendo livros didáticos velhos por conta própria.

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Aquele período turbulento lhe infundiu uma atitude combativa duradoura. Vivendo sem supervisão, ele e seus amigos se envolviam em brigas com outros jovens. “O fato de poder brigar daquele jeito, sem ser castigado, me fazia sentir que eu tinha toda a razão do mundo”, conta, com um sorrisinho malicioso com o qual seus espectadores já estão acostumados. “Não foi necessariamente uma lição muito boa.”

Quando a Revolução Cultural acabou, Wang se matriculou na prestigiosa Universidade de Pequim para estudar matemática. É um pedigree educacional que ele, elitista declarado, menciona com frequência.

Mas sua atenção não demorou a se desviar das aulas. Os anos 1980, com o país se distanciando do domínio sufocante de Mao, foram inebriantes, repletos de novas ideias e um exame coletivo de consciência. Wang começou a devorar romances estrangeiros, praticava inglês ouvindo a rádio Voz da América e lendo “Seleções do Reader’s Digest”.

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Mas em pouco tempo ele decidiria que o interesse da China pelo Ocidente já fora longe demais.

Wang identifica seu primeiro contato importante com o nacionalismo em 1988, quando a emissora estatal transmitiu o documentário “Elegia ao Rio”, que atribuía o atraso da China à sua civilização tradicional e exortava o país a aprender com o Japão e o Ocidente. Wang, à época um jovem professor universitário de economia, ficou indignado. Ele escreveu um artigo chamando a obra de autodepreciativa, ideia que mais tarde batizaria de “racismo invertido”.

Considerando que o filme recebera o selo de aprovação do Estado, foi um argumento ousado. Wang contou que só conseguiu publicar o artigo porque implorou a um editor do jornal China Youth Daily, que o publicou não no caderno de política, mas nas páginas de entretenimento, menos prestigiosas.

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O texto provocou discussão intensa, mesmo assim. E converteu Wang numa das principais vozes do nacionalismo chinês, que estava ganhando ímpeto enquanto o ambiente político mais amplo mudava. Depois do massacre da praça da Paz Celestial, em 1989, o governo voltou-se contra a abertura política da década de 1980 e adotou postura mais defensiva em relação ao mundo externo.

Wang estava ali para aplaudir o regime —e argumentar que ele não estava fazendo o suficiente.

A medida que a bravata nacionalista se torna cada vez mais volátil e cáustica na China, Xiaodong se defende das críticas de ser muito moderado, muito acolhedor com o Ocidente, até mesmo um traidor. "Eles esqueceram", disse ele, "eu os criei."  Foto: Gilles Sabrié/NYT

Ele foi lançando livros e artigos cada vez mais provocativos, postulando que a China precisava ficar mais militante para sobreviver à hegemonia americana. Disse que a população chinesa imensa precisava de mais recursos e que talvez não fosse possível obtê-los por meios exclusivamente pacíficos.

Em “A China Está Infeliz”, de 2009, caracterizou aqueles para quem Pequim não estava preparada para enfrentar os EUA de “escravizados” que “glorificavam a paz”. O livro ascendeu na lista dos mais vendidos, fazendo manchetes internacionais. Mas, num sinal de que a China ainda não definira plenamente sua relação com o nacionalismo, também foi criticado por muitos. Intelectuais o acusaram de militarizar e envenenar a mente dos jovens chineses.

Esse mal-estar não demoraria a se dissipar. Quando a China sediou as Olimpíadas de Pequim, em 2008, e o evento alimentou uma nova onda de confiança nacional, Wang num primeiro momento ficou entusiasmado. Ele apreciou especialmente o modo como a internet ajudou essas ideias a serem difundidas, argumentando que isso comprova a atração intrínseca do nacionalismo —e de suas ideias.

Pouco a pouco, porém, essa sensação de ter tido suas ideias validadas foi se convertendo em temor. As tensões com o Ocidente se intensificaram, enquanto os déficits comerciais cresciam e as Forças Armadas chinesas começaram a flexionar seus músculos em lugares como o mar do Sul da China.

Os ânimos se acirraram com a pandemia, e alguns usuários de redes sociais começaram a aplaudir a ideia de cortar laços comerciais com os EUA. Mesmo intercâmbios culturais viraram alvos de críticas.

Uma visitante no Museu Militar em Pequim, em 2 de setembro de 2022  Foto: Gilles Sabrié/NYT

Fã declarado da TV americana, especialmente “Game of Thrones”, Wang começou a temer que muitos chineses tivessem ido longe demais, passando da autodepreciação à invencibilidade imaginada. Ele reconheceu que seus escritos anteriores exageraram no otimismo sobre o ritmo do desenvolvimento chinês e disse que o país ainda não é tão poderoso quanto os EUA.

“Antes, a autoestima dos chineses era baixa demais. Achavam que a China não podia fazer nada certo”, diz. “Hoje eles pensam que a China é o número 1 e é capaz de encarar qualquer outro país. Isso é algo que também não posso admitir.” Como é de seu hábito, Wang postou essas opiniões no Weibo, o Twitter local, plataforma na qual tem 2,5 milhões de seguidores.

Recentemente, quando alguns usuários de redes sociais previram que Pequim derrubaria o avião em que Nancy Pelosi, a presidente da Câmara dos EUA, estava viajando a Taiwan, Wang disse que o excesso de bazófia faz a China parecer fraca.

Agora, por sua vez, ele está sendo tachado por comentaristas de arrogante e ultrapassado e parece ter prazer em rebater os argumentos em tom condescendente. Quando um usuário o mandou ir aos EUA, Wang respondeu: “Para idiotas como você está faltando não apenas cérebro, mas também moral”.

Há uma ausência que se faz notar em sua lista de alvos. Wang quase nunca critica o regime, que se pode argumentar que já fez mais que todos para fomentar o nacionalismo por meio de sua diplomacia agressiva e campanhas de desinformação.

Wang diz que evita intencionalmente fazer comentários diretos sobre política nacional, enfocando em vez disso as reações dos usuários de redes sociais a determinadas questões. Conta que o faz porque teme a possibilidade de suas contas sociais serem fechadas —ele ganha dinheiro com assinantes pagos.

E hoje tenta fazer mais comentários sobre assuntos internacionais. Muitos de seus vídeos recentes tratam da Guerra da Ucrânia. “Sou bastante tímido, na realidade”, diz, brincando.

Um jovem visitante faz continência durante um vídeo de propaganda do Exército de Libertação Popular, no Museu Militar de Pequim, em 2 de setembro de 2022  Foto: Gilles Sabrié/NYT

Mesmo assim, se ele hoje está sendo visto como moderado, talvez seja apenas devido ao grau de radicalismo de alguns nacionalistas chineses online. Wang ainda defende a ideia da China superpotente; suas ressalvas têm a ver com táticas e timing. Em alguns momentos ele se une às massas online para mobilizar-se contra o Ocidente, como quando aplaudiu um boicote à Nike e à H&M por essas empresas terem anunciado que não usarão algodão produzido em Xinjiang.

Song Qiang, um dos quatro coautores com quem Wang escreveu “A China Está Infeliz”, disse que o nacionalismo chinês de hoje é descendente inequívoco do movimento que Wang ajudou a lançar e moldar. “O despertar nacional alcançou o mainstream”, diz, indicando que não concorda que jovens nacionalistas sejam irracionais. “Não há motivo para dizer que o nacionalismo herdado pela nova geração seja diferente do da década de 1990.”

Mesmo assim, Wang sabe que seu poder persuasivo popular pode estar diminuindo, na medida em que o clima político amplo hoje premia um chauvinismo mais agressivo do que ele considera prudente.

Mas ele acredita que suas posições vão continuar a ter um público —por enquanto, pelo menos. “Neste momento, é minha geração que está no comando, não a deles”, diz, sobre os mais jovens. “Veremos o que acontece depois que morrermos.”

PEQUIM - Wang Xiaodong fez um discurso certa vez em que declarou que “a marcha para frente da China não pode ser barrada”. Ele publicou artigos exortando o país a turbinar as Forças Armadas. Foi coautor de um livro com o título nada sutil de “A China Está Infeliz”, em que disse que o país precisava ampliar os territórios sob seu controle e direcionar a política global. “A China deveria liderar este mundo”, disse.

Hoje, Wang, articulista de 66 anos que reside em Pequim e foi descrito no passado como porta-estandarte do nacionalismo chinês, está divulgando uma mensagem diferente: isso foi longe demais.

Durante anos foi ele o descartado como excessivamente radical. Pregava que o establishment estava comprometido demais com as ideias ocidentais e o comércio global, demasiado contente em deixar a China acomodar-se numa ordem mundial manipulada pelos Estados Unidos.

Wang Xiaodong, um escritor que já foi chamado de bastião do nacionalismo chinês, em uma livraria em Pequim em 1º de setembro de 2022  Foto: Gilles Sabrié/NYT

Então, com a China ficando mais poderosa, sua mensagem de promoção do nacionalismo —assim como seu estilo combativo, do tipo “apenas idiotas discordam de mim”— encontrou seguidores. Seu livro virou best-seller. Hoje, o discurso arrogante sobre a grandeza do país é um elemento habitual do diálogo público chinês, presente em declarações diplomáticas e comentários nas redes sociais.

Porém, em vez de se deleitar com esse êxito de suas ideias, Wang está alarmado. Incentivado pela propaganda do regime, o nacionalismo chinês vem ficando cada vez mais agressivo. E agora Wang se vê na posição inesperada de tentar acalmar a onda que ele ajudou a desencadear quase 35 anos atrás.

Para seus milhões de seguidores nas redes sociais, Wang prega que a opinião excessivamente positiva da China a seu próprio respeito coloca em risco a ascensão do país, algo que ele já não vê como inevitável. Em posts de tom intelectual, avisa que cortar relações com os EUA seria autodestrutivo. E faz críticas fortes a influenciadores nacionalistas, acusando-os de incitar emoções extremas para atrair seguidores.

Hoje esse pioneiro do chauvinismo nacionalista está tendo que se defender de críticas de que é muito moderado, de que trata o Ocidente com complacência —ele chega a ser acusado de ser traidor. Wang saúda a inversão com espanto e graça. “Nas últimas décadas, esqueceram que eu era chamado de pai do nacionalismo. Fui eu quem criou essas pessoas. Mas nunca lhes disse para serem tão doidas assim.”

A divisão pode ser em parte de natureza geracional. Para jovens que só conheceram uma China em ascensão, a postura estridente em relação ao mundo pode parecer natural. Outras figuras públicas mais velhas têm manifestado preocupações semelhantes. O professor de relações internacionais Yan Xuetong, que frequentemente defende posturas linha-dura, lamentou neste ano que estudantes tenham uma visão indevidamente confiante da estatura global do país, algo que ele qualifica como “faz de conta”.

A história mais humilde da China foi um elemento fundamental na visão de mundo de Wang.

Um menino assiste a uma tela gigante mostrando o presidente Xi Jinping da China, no Museu Militar em Pequim, em 2 de setembro de 2022  Foto: Gilles Sabrié/NYT

Filho de pais com nível de instrução superior —pai engenheiro e mãe professora—, ele tinha 10 anos quando Mao Tse-tung lançou a Revolução Cultural. A escola de Wang fechou as portas por dois anos. Ele passou o tempo lendo livros didáticos velhos por conta própria.

Aquele período turbulento lhe infundiu uma atitude combativa duradoura. Vivendo sem supervisão, ele e seus amigos se envolviam em brigas com outros jovens. “O fato de poder brigar daquele jeito, sem ser castigado, me fazia sentir que eu tinha toda a razão do mundo”, conta, com um sorrisinho malicioso com o qual seus espectadores já estão acostumados. “Não foi necessariamente uma lição muito boa.”

Quando a Revolução Cultural acabou, Wang se matriculou na prestigiosa Universidade de Pequim para estudar matemática. É um pedigree educacional que ele, elitista declarado, menciona com frequência.

Mas sua atenção não demorou a se desviar das aulas. Os anos 1980, com o país se distanciando do domínio sufocante de Mao, foram inebriantes, repletos de novas ideias e um exame coletivo de consciência. Wang começou a devorar romances estrangeiros, praticava inglês ouvindo a rádio Voz da América e lendo “Seleções do Reader’s Digest”.

Mas em pouco tempo ele decidiria que o interesse da China pelo Ocidente já fora longe demais.

Wang identifica seu primeiro contato importante com o nacionalismo em 1988, quando a emissora estatal transmitiu o documentário “Elegia ao Rio”, que atribuía o atraso da China à sua civilização tradicional e exortava o país a aprender com o Japão e o Ocidente. Wang, à época um jovem professor universitário de economia, ficou indignado. Ele escreveu um artigo chamando a obra de autodepreciativa, ideia que mais tarde batizaria de “racismo invertido”.

Considerando que o filme recebera o selo de aprovação do Estado, foi um argumento ousado. Wang contou que só conseguiu publicar o artigo porque implorou a um editor do jornal China Youth Daily, que o publicou não no caderno de política, mas nas páginas de entretenimento, menos prestigiosas.

O texto provocou discussão intensa, mesmo assim. E converteu Wang numa das principais vozes do nacionalismo chinês, que estava ganhando ímpeto enquanto o ambiente político mais amplo mudava. Depois do massacre da praça da Paz Celestial, em 1989, o governo voltou-se contra a abertura política da década de 1980 e adotou postura mais defensiva em relação ao mundo externo.

Wang estava ali para aplaudir o regime —e argumentar que ele não estava fazendo o suficiente.

A medida que a bravata nacionalista se torna cada vez mais volátil e cáustica na China, Xiaodong se defende das críticas de ser muito moderado, muito acolhedor com o Ocidente, até mesmo um traidor. "Eles esqueceram", disse ele, "eu os criei."  Foto: Gilles Sabrié/NYT

Ele foi lançando livros e artigos cada vez mais provocativos, postulando que a China precisava ficar mais militante para sobreviver à hegemonia americana. Disse que a população chinesa imensa precisava de mais recursos e que talvez não fosse possível obtê-los por meios exclusivamente pacíficos.

Em “A China Está Infeliz”, de 2009, caracterizou aqueles para quem Pequim não estava preparada para enfrentar os EUA de “escravizados” que “glorificavam a paz”. O livro ascendeu na lista dos mais vendidos, fazendo manchetes internacionais. Mas, num sinal de que a China ainda não definira plenamente sua relação com o nacionalismo, também foi criticado por muitos. Intelectuais o acusaram de militarizar e envenenar a mente dos jovens chineses.

Esse mal-estar não demoraria a se dissipar. Quando a China sediou as Olimpíadas de Pequim, em 2008, e o evento alimentou uma nova onda de confiança nacional, Wang num primeiro momento ficou entusiasmado. Ele apreciou especialmente o modo como a internet ajudou essas ideias a serem difundidas, argumentando que isso comprova a atração intrínseca do nacionalismo —e de suas ideias.

Pouco a pouco, porém, essa sensação de ter tido suas ideias validadas foi se convertendo em temor. As tensões com o Ocidente se intensificaram, enquanto os déficits comerciais cresciam e as Forças Armadas chinesas começaram a flexionar seus músculos em lugares como o mar do Sul da China.

Os ânimos se acirraram com a pandemia, e alguns usuários de redes sociais começaram a aplaudir a ideia de cortar laços comerciais com os EUA. Mesmo intercâmbios culturais viraram alvos de críticas.

Uma visitante no Museu Militar em Pequim, em 2 de setembro de 2022  Foto: Gilles Sabrié/NYT

Fã declarado da TV americana, especialmente “Game of Thrones”, Wang começou a temer que muitos chineses tivessem ido longe demais, passando da autodepreciação à invencibilidade imaginada. Ele reconheceu que seus escritos anteriores exageraram no otimismo sobre o ritmo do desenvolvimento chinês e disse que o país ainda não é tão poderoso quanto os EUA.

“Antes, a autoestima dos chineses era baixa demais. Achavam que a China não podia fazer nada certo”, diz. “Hoje eles pensam que a China é o número 1 e é capaz de encarar qualquer outro país. Isso é algo que também não posso admitir.” Como é de seu hábito, Wang postou essas opiniões no Weibo, o Twitter local, plataforma na qual tem 2,5 milhões de seguidores.

Recentemente, quando alguns usuários de redes sociais previram que Pequim derrubaria o avião em que Nancy Pelosi, a presidente da Câmara dos EUA, estava viajando a Taiwan, Wang disse que o excesso de bazófia faz a China parecer fraca.

Agora, por sua vez, ele está sendo tachado por comentaristas de arrogante e ultrapassado e parece ter prazer em rebater os argumentos em tom condescendente. Quando um usuário o mandou ir aos EUA, Wang respondeu: “Para idiotas como você está faltando não apenas cérebro, mas também moral”.

Há uma ausência que se faz notar em sua lista de alvos. Wang quase nunca critica o regime, que se pode argumentar que já fez mais que todos para fomentar o nacionalismo por meio de sua diplomacia agressiva e campanhas de desinformação.

Wang diz que evita intencionalmente fazer comentários diretos sobre política nacional, enfocando em vez disso as reações dos usuários de redes sociais a determinadas questões. Conta que o faz porque teme a possibilidade de suas contas sociais serem fechadas —ele ganha dinheiro com assinantes pagos.

E hoje tenta fazer mais comentários sobre assuntos internacionais. Muitos de seus vídeos recentes tratam da Guerra da Ucrânia. “Sou bastante tímido, na realidade”, diz, brincando.

Um jovem visitante faz continência durante um vídeo de propaganda do Exército de Libertação Popular, no Museu Militar de Pequim, em 2 de setembro de 2022  Foto: Gilles Sabrié/NYT

Mesmo assim, se ele hoje está sendo visto como moderado, talvez seja apenas devido ao grau de radicalismo de alguns nacionalistas chineses online. Wang ainda defende a ideia da China superpotente; suas ressalvas têm a ver com táticas e timing. Em alguns momentos ele se une às massas online para mobilizar-se contra o Ocidente, como quando aplaudiu um boicote à Nike e à H&M por essas empresas terem anunciado que não usarão algodão produzido em Xinjiang.

Song Qiang, um dos quatro coautores com quem Wang escreveu “A China Está Infeliz”, disse que o nacionalismo chinês de hoje é descendente inequívoco do movimento que Wang ajudou a lançar e moldar. “O despertar nacional alcançou o mainstream”, diz, indicando que não concorda que jovens nacionalistas sejam irracionais. “Não há motivo para dizer que o nacionalismo herdado pela nova geração seja diferente do da década de 1990.”

Mesmo assim, Wang sabe que seu poder persuasivo popular pode estar diminuindo, na medida em que o clima político amplo hoje premia um chauvinismo mais agressivo do que ele considera prudente.

Mas ele acredita que suas posições vão continuar a ter um público —por enquanto, pelo menos. “Neste momento, é minha geração que está no comando, não a deles”, diz, sobre os mais jovens. “Veremos o que acontece depois que morrermos.”

PEQUIM - Wang Xiaodong fez um discurso certa vez em que declarou que “a marcha para frente da China não pode ser barrada”. Ele publicou artigos exortando o país a turbinar as Forças Armadas. Foi coautor de um livro com o título nada sutil de “A China Está Infeliz”, em que disse que o país precisava ampliar os territórios sob seu controle e direcionar a política global. “A China deveria liderar este mundo”, disse.

Hoje, Wang, articulista de 66 anos que reside em Pequim e foi descrito no passado como porta-estandarte do nacionalismo chinês, está divulgando uma mensagem diferente: isso foi longe demais.

Durante anos foi ele o descartado como excessivamente radical. Pregava que o establishment estava comprometido demais com as ideias ocidentais e o comércio global, demasiado contente em deixar a China acomodar-se numa ordem mundial manipulada pelos Estados Unidos.

Wang Xiaodong, um escritor que já foi chamado de bastião do nacionalismo chinês, em uma livraria em Pequim em 1º de setembro de 2022  Foto: Gilles Sabrié/NYT

Então, com a China ficando mais poderosa, sua mensagem de promoção do nacionalismo —assim como seu estilo combativo, do tipo “apenas idiotas discordam de mim”— encontrou seguidores. Seu livro virou best-seller. Hoje, o discurso arrogante sobre a grandeza do país é um elemento habitual do diálogo público chinês, presente em declarações diplomáticas e comentários nas redes sociais.

Porém, em vez de se deleitar com esse êxito de suas ideias, Wang está alarmado. Incentivado pela propaganda do regime, o nacionalismo chinês vem ficando cada vez mais agressivo. E agora Wang se vê na posição inesperada de tentar acalmar a onda que ele ajudou a desencadear quase 35 anos atrás.

Para seus milhões de seguidores nas redes sociais, Wang prega que a opinião excessivamente positiva da China a seu próprio respeito coloca em risco a ascensão do país, algo que ele já não vê como inevitável. Em posts de tom intelectual, avisa que cortar relações com os EUA seria autodestrutivo. E faz críticas fortes a influenciadores nacionalistas, acusando-os de incitar emoções extremas para atrair seguidores.

Hoje esse pioneiro do chauvinismo nacionalista está tendo que se defender de críticas de que é muito moderado, de que trata o Ocidente com complacência —ele chega a ser acusado de ser traidor. Wang saúda a inversão com espanto e graça. “Nas últimas décadas, esqueceram que eu era chamado de pai do nacionalismo. Fui eu quem criou essas pessoas. Mas nunca lhes disse para serem tão doidas assim.”

A divisão pode ser em parte de natureza geracional. Para jovens que só conheceram uma China em ascensão, a postura estridente em relação ao mundo pode parecer natural. Outras figuras públicas mais velhas têm manifestado preocupações semelhantes. O professor de relações internacionais Yan Xuetong, que frequentemente defende posturas linha-dura, lamentou neste ano que estudantes tenham uma visão indevidamente confiante da estatura global do país, algo que ele qualifica como “faz de conta”.

A história mais humilde da China foi um elemento fundamental na visão de mundo de Wang.

Um menino assiste a uma tela gigante mostrando o presidente Xi Jinping da China, no Museu Militar em Pequim, em 2 de setembro de 2022  Foto: Gilles Sabrié/NYT

Filho de pais com nível de instrução superior —pai engenheiro e mãe professora—, ele tinha 10 anos quando Mao Tse-tung lançou a Revolução Cultural. A escola de Wang fechou as portas por dois anos. Ele passou o tempo lendo livros didáticos velhos por conta própria.

Aquele período turbulento lhe infundiu uma atitude combativa duradoura. Vivendo sem supervisão, ele e seus amigos se envolviam em brigas com outros jovens. “O fato de poder brigar daquele jeito, sem ser castigado, me fazia sentir que eu tinha toda a razão do mundo”, conta, com um sorrisinho malicioso com o qual seus espectadores já estão acostumados. “Não foi necessariamente uma lição muito boa.”

Quando a Revolução Cultural acabou, Wang se matriculou na prestigiosa Universidade de Pequim para estudar matemática. É um pedigree educacional que ele, elitista declarado, menciona com frequência.

Mas sua atenção não demorou a se desviar das aulas. Os anos 1980, com o país se distanciando do domínio sufocante de Mao, foram inebriantes, repletos de novas ideias e um exame coletivo de consciência. Wang começou a devorar romances estrangeiros, praticava inglês ouvindo a rádio Voz da América e lendo “Seleções do Reader’s Digest”.

Mas em pouco tempo ele decidiria que o interesse da China pelo Ocidente já fora longe demais.

Wang identifica seu primeiro contato importante com o nacionalismo em 1988, quando a emissora estatal transmitiu o documentário “Elegia ao Rio”, que atribuía o atraso da China à sua civilização tradicional e exortava o país a aprender com o Japão e o Ocidente. Wang, à época um jovem professor universitário de economia, ficou indignado. Ele escreveu um artigo chamando a obra de autodepreciativa, ideia que mais tarde batizaria de “racismo invertido”.

Considerando que o filme recebera o selo de aprovação do Estado, foi um argumento ousado. Wang contou que só conseguiu publicar o artigo porque implorou a um editor do jornal China Youth Daily, que o publicou não no caderno de política, mas nas páginas de entretenimento, menos prestigiosas.

O texto provocou discussão intensa, mesmo assim. E converteu Wang numa das principais vozes do nacionalismo chinês, que estava ganhando ímpeto enquanto o ambiente político mais amplo mudava. Depois do massacre da praça da Paz Celestial, em 1989, o governo voltou-se contra a abertura política da década de 1980 e adotou postura mais defensiva em relação ao mundo externo.

Wang estava ali para aplaudir o regime —e argumentar que ele não estava fazendo o suficiente.

A medida que a bravata nacionalista se torna cada vez mais volátil e cáustica na China, Xiaodong se defende das críticas de ser muito moderado, muito acolhedor com o Ocidente, até mesmo um traidor. "Eles esqueceram", disse ele, "eu os criei."  Foto: Gilles Sabrié/NYT

Ele foi lançando livros e artigos cada vez mais provocativos, postulando que a China precisava ficar mais militante para sobreviver à hegemonia americana. Disse que a população chinesa imensa precisava de mais recursos e que talvez não fosse possível obtê-los por meios exclusivamente pacíficos.

Em “A China Está Infeliz”, de 2009, caracterizou aqueles para quem Pequim não estava preparada para enfrentar os EUA de “escravizados” que “glorificavam a paz”. O livro ascendeu na lista dos mais vendidos, fazendo manchetes internacionais. Mas, num sinal de que a China ainda não definira plenamente sua relação com o nacionalismo, também foi criticado por muitos. Intelectuais o acusaram de militarizar e envenenar a mente dos jovens chineses.

Esse mal-estar não demoraria a se dissipar. Quando a China sediou as Olimpíadas de Pequim, em 2008, e o evento alimentou uma nova onda de confiança nacional, Wang num primeiro momento ficou entusiasmado. Ele apreciou especialmente o modo como a internet ajudou essas ideias a serem difundidas, argumentando que isso comprova a atração intrínseca do nacionalismo —e de suas ideias.

Pouco a pouco, porém, essa sensação de ter tido suas ideias validadas foi se convertendo em temor. As tensões com o Ocidente se intensificaram, enquanto os déficits comerciais cresciam e as Forças Armadas chinesas começaram a flexionar seus músculos em lugares como o mar do Sul da China.

Os ânimos se acirraram com a pandemia, e alguns usuários de redes sociais começaram a aplaudir a ideia de cortar laços comerciais com os EUA. Mesmo intercâmbios culturais viraram alvos de críticas.

Uma visitante no Museu Militar em Pequim, em 2 de setembro de 2022  Foto: Gilles Sabrié/NYT

Fã declarado da TV americana, especialmente “Game of Thrones”, Wang começou a temer que muitos chineses tivessem ido longe demais, passando da autodepreciação à invencibilidade imaginada. Ele reconheceu que seus escritos anteriores exageraram no otimismo sobre o ritmo do desenvolvimento chinês e disse que o país ainda não é tão poderoso quanto os EUA.

“Antes, a autoestima dos chineses era baixa demais. Achavam que a China não podia fazer nada certo”, diz. “Hoje eles pensam que a China é o número 1 e é capaz de encarar qualquer outro país. Isso é algo que também não posso admitir.” Como é de seu hábito, Wang postou essas opiniões no Weibo, o Twitter local, plataforma na qual tem 2,5 milhões de seguidores.

Recentemente, quando alguns usuários de redes sociais previram que Pequim derrubaria o avião em que Nancy Pelosi, a presidente da Câmara dos EUA, estava viajando a Taiwan, Wang disse que o excesso de bazófia faz a China parecer fraca.

Agora, por sua vez, ele está sendo tachado por comentaristas de arrogante e ultrapassado e parece ter prazer em rebater os argumentos em tom condescendente. Quando um usuário o mandou ir aos EUA, Wang respondeu: “Para idiotas como você está faltando não apenas cérebro, mas também moral”.

Há uma ausência que se faz notar em sua lista de alvos. Wang quase nunca critica o regime, que se pode argumentar que já fez mais que todos para fomentar o nacionalismo por meio de sua diplomacia agressiva e campanhas de desinformação.

Wang diz que evita intencionalmente fazer comentários diretos sobre política nacional, enfocando em vez disso as reações dos usuários de redes sociais a determinadas questões. Conta que o faz porque teme a possibilidade de suas contas sociais serem fechadas —ele ganha dinheiro com assinantes pagos.

E hoje tenta fazer mais comentários sobre assuntos internacionais. Muitos de seus vídeos recentes tratam da Guerra da Ucrânia. “Sou bastante tímido, na realidade”, diz, brincando.

Um jovem visitante faz continência durante um vídeo de propaganda do Exército de Libertação Popular, no Museu Militar de Pequim, em 2 de setembro de 2022  Foto: Gilles Sabrié/NYT

Mesmo assim, se ele hoje está sendo visto como moderado, talvez seja apenas devido ao grau de radicalismo de alguns nacionalistas chineses online. Wang ainda defende a ideia da China superpotente; suas ressalvas têm a ver com táticas e timing. Em alguns momentos ele se une às massas online para mobilizar-se contra o Ocidente, como quando aplaudiu um boicote à Nike e à H&M por essas empresas terem anunciado que não usarão algodão produzido em Xinjiang.

Song Qiang, um dos quatro coautores com quem Wang escreveu “A China Está Infeliz”, disse que o nacionalismo chinês de hoje é descendente inequívoco do movimento que Wang ajudou a lançar e moldar. “O despertar nacional alcançou o mainstream”, diz, indicando que não concorda que jovens nacionalistas sejam irracionais. “Não há motivo para dizer que o nacionalismo herdado pela nova geração seja diferente do da década de 1990.”

Mesmo assim, Wang sabe que seu poder persuasivo popular pode estar diminuindo, na medida em que o clima político amplo hoje premia um chauvinismo mais agressivo do que ele considera prudente.

Mas ele acredita que suas posições vão continuar a ter um público —por enquanto, pelo menos. “Neste momento, é minha geração que está no comando, não a deles”, diz, sobre os mais jovens. “Veremos o que acontece depois que morrermos.”

PEQUIM - Wang Xiaodong fez um discurso certa vez em que declarou que “a marcha para frente da China não pode ser barrada”. Ele publicou artigos exortando o país a turbinar as Forças Armadas. Foi coautor de um livro com o título nada sutil de “A China Está Infeliz”, em que disse que o país precisava ampliar os territórios sob seu controle e direcionar a política global. “A China deveria liderar este mundo”, disse.

Hoje, Wang, articulista de 66 anos que reside em Pequim e foi descrito no passado como porta-estandarte do nacionalismo chinês, está divulgando uma mensagem diferente: isso foi longe demais.

Durante anos foi ele o descartado como excessivamente radical. Pregava que o establishment estava comprometido demais com as ideias ocidentais e o comércio global, demasiado contente em deixar a China acomodar-se numa ordem mundial manipulada pelos Estados Unidos.

Wang Xiaodong, um escritor que já foi chamado de bastião do nacionalismo chinês, em uma livraria em Pequim em 1º de setembro de 2022  Foto: Gilles Sabrié/NYT

Então, com a China ficando mais poderosa, sua mensagem de promoção do nacionalismo —assim como seu estilo combativo, do tipo “apenas idiotas discordam de mim”— encontrou seguidores. Seu livro virou best-seller. Hoje, o discurso arrogante sobre a grandeza do país é um elemento habitual do diálogo público chinês, presente em declarações diplomáticas e comentários nas redes sociais.

Porém, em vez de se deleitar com esse êxito de suas ideias, Wang está alarmado. Incentivado pela propaganda do regime, o nacionalismo chinês vem ficando cada vez mais agressivo. E agora Wang se vê na posição inesperada de tentar acalmar a onda que ele ajudou a desencadear quase 35 anos atrás.

Para seus milhões de seguidores nas redes sociais, Wang prega que a opinião excessivamente positiva da China a seu próprio respeito coloca em risco a ascensão do país, algo que ele já não vê como inevitável. Em posts de tom intelectual, avisa que cortar relações com os EUA seria autodestrutivo. E faz críticas fortes a influenciadores nacionalistas, acusando-os de incitar emoções extremas para atrair seguidores.

Hoje esse pioneiro do chauvinismo nacionalista está tendo que se defender de críticas de que é muito moderado, de que trata o Ocidente com complacência —ele chega a ser acusado de ser traidor. Wang saúda a inversão com espanto e graça. “Nas últimas décadas, esqueceram que eu era chamado de pai do nacionalismo. Fui eu quem criou essas pessoas. Mas nunca lhes disse para serem tão doidas assim.”

A divisão pode ser em parte de natureza geracional. Para jovens que só conheceram uma China em ascensão, a postura estridente em relação ao mundo pode parecer natural. Outras figuras públicas mais velhas têm manifestado preocupações semelhantes. O professor de relações internacionais Yan Xuetong, que frequentemente defende posturas linha-dura, lamentou neste ano que estudantes tenham uma visão indevidamente confiante da estatura global do país, algo que ele qualifica como “faz de conta”.

A história mais humilde da China foi um elemento fundamental na visão de mundo de Wang.

Um menino assiste a uma tela gigante mostrando o presidente Xi Jinping da China, no Museu Militar em Pequim, em 2 de setembro de 2022  Foto: Gilles Sabrié/NYT

Filho de pais com nível de instrução superior —pai engenheiro e mãe professora—, ele tinha 10 anos quando Mao Tse-tung lançou a Revolução Cultural. A escola de Wang fechou as portas por dois anos. Ele passou o tempo lendo livros didáticos velhos por conta própria.

Aquele período turbulento lhe infundiu uma atitude combativa duradoura. Vivendo sem supervisão, ele e seus amigos se envolviam em brigas com outros jovens. “O fato de poder brigar daquele jeito, sem ser castigado, me fazia sentir que eu tinha toda a razão do mundo”, conta, com um sorrisinho malicioso com o qual seus espectadores já estão acostumados. “Não foi necessariamente uma lição muito boa.”

Quando a Revolução Cultural acabou, Wang se matriculou na prestigiosa Universidade de Pequim para estudar matemática. É um pedigree educacional que ele, elitista declarado, menciona com frequência.

Mas sua atenção não demorou a se desviar das aulas. Os anos 1980, com o país se distanciando do domínio sufocante de Mao, foram inebriantes, repletos de novas ideias e um exame coletivo de consciência. Wang começou a devorar romances estrangeiros, praticava inglês ouvindo a rádio Voz da América e lendo “Seleções do Reader’s Digest”.

Mas em pouco tempo ele decidiria que o interesse da China pelo Ocidente já fora longe demais.

Wang identifica seu primeiro contato importante com o nacionalismo em 1988, quando a emissora estatal transmitiu o documentário “Elegia ao Rio”, que atribuía o atraso da China à sua civilização tradicional e exortava o país a aprender com o Japão e o Ocidente. Wang, à época um jovem professor universitário de economia, ficou indignado. Ele escreveu um artigo chamando a obra de autodepreciativa, ideia que mais tarde batizaria de “racismo invertido”.

Considerando que o filme recebera o selo de aprovação do Estado, foi um argumento ousado. Wang contou que só conseguiu publicar o artigo porque implorou a um editor do jornal China Youth Daily, que o publicou não no caderno de política, mas nas páginas de entretenimento, menos prestigiosas.

O texto provocou discussão intensa, mesmo assim. E converteu Wang numa das principais vozes do nacionalismo chinês, que estava ganhando ímpeto enquanto o ambiente político mais amplo mudava. Depois do massacre da praça da Paz Celestial, em 1989, o governo voltou-se contra a abertura política da década de 1980 e adotou postura mais defensiva em relação ao mundo externo.

Wang estava ali para aplaudir o regime —e argumentar que ele não estava fazendo o suficiente.

A medida que a bravata nacionalista se torna cada vez mais volátil e cáustica na China, Xiaodong se defende das críticas de ser muito moderado, muito acolhedor com o Ocidente, até mesmo um traidor. "Eles esqueceram", disse ele, "eu os criei."  Foto: Gilles Sabrié/NYT

Ele foi lançando livros e artigos cada vez mais provocativos, postulando que a China precisava ficar mais militante para sobreviver à hegemonia americana. Disse que a população chinesa imensa precisava de mais recursos e que talvez não fosse possível obtê-los por meios exclusivamente pacíficos.

Em “A China Está Infeliz”, de 2009, caracterizou aqueles para quem Pequim não estava preparada para enfrentar os EUA de “escravizados” que “glorificavam a paz”. O livro ascendeu na lista dos mais vendidos, fazendo manchetes internacionais. Mas, num sinal de que a China ainda não definira plenamente sua relação com o nacionalismo, também foi criticado por muitos. Intelectuais o acusaram de militarizar e envenenar a mente dos jovens chineses.

Esse mal-estar não demoraria a se dissipar. Quando a China sediou as Olimpíadas de Pequim, em 2008, e o evento alimentou uma nova onda de confiança nacional, Wang num primeiro momento ficou entusiasmado. Ele apreciou especialmente o modo como a internet ajudou essas ideias a serem difundidas, argumentando que isso comprova a atração intrínseca do nacionalismo —e de suas ideias.

Pouco a pouco, porém, essa sensação de ter tido suas ideias validadas foi se convertendo em temor. As tensões com o Ocidente se intensificaram, enquanto os déficits comerciais cresciam e as Forças Armadas chinesas começaram a flexionar seus músculos em lugares como o mar do Sul da China.

Os ânimos se acirraram com a pandemia, e alguns usuários de redes sociais começaram a aplaudir a ideia de cortar laços comerciais com os EUA. Mesmo intercâmbios culturais viraram alvos de críticas.

Uma visitante no Museu Militar em Pequim, em 2 de setembro de 2022  Foto: Gilles Sabrié/NYT

Fã declarado da TV americana, especialmente “Game of Thrones”, Wang começou a temer que muitos chineses tivessem ido longe demais, passando da autodepreciação à invencibilidade imaginada. Ele reconheceu que seus escritos anteriores exageraram no otimismo sobre o ritmo do desenvolvimento chinês e disse que o país ainda não é tão poderoso quanto os EUA.

“Antes, a autoestima dos chineses era baixa demais. Achavam que a China não podia fazer nada certo”, diz. “Hoje eles pensam que a China é o número 1 e é capaz de encarar qualquer outro país. Isso é algo que também não posso admitir.” Como é de seu hábito, Wang postou essas opiniões no Weibo, o Twitter local, plataforma na qual tem 2,5 milhões de seguidores.

Recentemente, quando alguns usuários de redes sociais previram que Pequim derrubaria o avião em que Nancy Pelosi, a presidente da Câmara dos EUA, estava viajando a Taiwan, Wang disse que o excesso de bazófia faz a China parecer fraca.

Agora, por sua vez, ele está sendo tachado por comentaristas de arrogante e ultrapassado e parece ter prazer em rebater os argumentos em tom condescendente. Quando um usuário o mandou ir aos EUA, Wang respondeu: “Para idiotas como você está faltando não apenas cérebro, mas também moral”.

Há uma ausência que se faz notar em sua lista de alvos. Wang quase nunca critica o regime, que se pode argumentar que já fez mais que todos para fomentar o nacionalismo por meio de sua diplomacia agressiva e campanhas de desinformação.

Wang diz que evita intencionalmente fazer comentários diretos sobre política nacional, enfocando em vez disso as reações dos usuários de redes sociais a determinadas questões. Conta que o faz porque teme a possibilidade de suas contas sociais serem fechadas —ele ganha dinheiro com assinantes pagos.

E hoje tenta fazer mais comentários sobre assuntos internacionais. Muitos de seus vídeos recentes tratam da Guerra da Ucrânia. “Sou bastante tímido, na realidade”, diz, brincando.

Um jovem visitante faz continência durante um vídeo de propaganda do Exército de Libertação Popular, no Museu Militar de Pequim, em 2 de setembro de 2022  Foto: Gilles Sabrié/NYT

Mesmo assim, se ele hoje está sendo visto como moderado, talvez seja apenas devido ao grau de radicalismo de alguns nacionalistas chineses online. Wang ainda defende a ideia da China superpotente; suas ressalvas têm a ver com táticas e timing. Em alguns momentos ele se une às massas online para mobilizar-se contra o Ocidente, como quando aplaudiu um boicote à Nike e à H&M por essas empresas terem anunciado que não usarão algodão produzido em Xinjiang.

Song Qiang, um dos quatro coautores com quem Wang escreveu “A China Está Infeliz”, disse que o nacionalismo chinês de hoje é descendente inequívoco do movimento que Wang ajudou a lançar e moldar. “O despertar nacional alcançou o mainstream”, diz, indicando que não concorda que jovens nacionalistas sejam irracionais. “Não há motivo para dizer que o nacionalismo herdado pela nova geração seja diferente do da década de 1990.”

Mesmo assim, Wang sabe que seu poder persuasivo popular pode estar diminuindo, na medida em que o clima político amplo hoje premia um chauvinismo mais agressivo do que ele considera prudente.

Mas ele acredita que suas posições vão continuar a ter um público —por enquanto, pelo menos. “Neste momento, é minha geração que está no comando, não a deles”, diz, sobre os mais jovens. “Veremos o que acontece depois que morrermos.”

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