Bloqueio isola 120 mil armênios em área disputada com Azerbaijão e escassez ameaça famílias


Moradores relatam falta de alimentos, gás e medicamentos, cortes de energia e dificuldades para falar com os parentes

Por Fernanda Simas

Quando Manya Karapetyan, de 43 anos, deixou Nagorno-Karabakh e foi para a Armênia por motivos de saúde, em dezembro do ano passado, não imaginou que passaria dois meses longe das filhas Julieta, de 20 anos, e Mariam, de 3. O Azerbaijão fechou a passagem entre a região e a Armênia e, desde então, 120 mil armênios vivem isolados, sem acesso total a alimentos, energia e gás.

No dia 12 de dezembro, dois anos depois da mediação de Vladimir Putin por uma trégua entre Azerbaijão e Armênia na região, a situação voltou a se agravar. A estrada na região montanhosa que liga Nagorno-Karabakh à Armênia - o corredor Lachin - está bloqueada e o Azerbaijão afirma que o motivo são protestos contra operações de mineração na área.

“Foi muito difícil. Nunca fiquei tanto tempo longe da minha família, principalmente por conta da minha filha mais nova. Emocionalmente foi muito difícil. Quando eu voltei, durante um dia, ela não acreditou que eu tinha voltado. Além disso, para mim era duro saber que eu estava em um local seguro e minhas filhas lá”, conta Manya, que voltou a ver as duas filhas apenas em fevereiro. Ela conseguiu regressar, junto com a filha do meio, Milena, de 15 anos, tendo a ajuda da Cruz Vermelha.

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Manya e sua filha mais nova, Mariam, em Stepanakert Foto: Acervo pessoal

O marido ficou na Armênia e agora procura um emprego até a passagem ser reaberta e ele poder voltar a Artsakh, como os armênios chamam a região de Nagorno-Karabakh por ser a denominação dada depois da independência. Assim como ele, estão outras 1.100 pessoas, incluindo 270 crianças, que não conseguem regressar.

O Comitê Internacional da Cruz Vermelha informou, por meio de um comunicado, que, desde janeiro, facilitou a transferência de 95 pessoas pelo corredor de Lachin, “em acordo com os dois lados e com base no desejo de parentes preocupados”.

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Para Rafael Balukian, presidente da União Geral Armênia de Beneficência (UGAB) no Brasil, entidade sem fins lucrativos pela preservação e promoção da identidade e herança armênias, a situação precisa ter mais visibilidade internacional diante do risco de agravamento. “Enquanto muitas potências mundiais se calam, os armênios ao redor do mundo aguardam diariamente uma solução para a crise. A comunidade armênia no Brasil acompanha esse bloqueio preocupada com a falta de visibilidade mundial da situação, que é tão semelhante a demais conflitos em curso, como a guerra da Ucrânia.”

Dificuldades no dia a dia

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Com o bloqueio, as famílias em Nagorno-Karabakh precisam racionar comida e conviver com cortes de energia e falta de gás, em meio a um inverno com temperaturas que variam de 0ºC a -5ºC. “Estamos sem conseguir comprar vegetais e frutas porque usamos cupons de alimentação que só permitem comprar carne e outros tipos de complementos. Temos apenas de 3 a 4 horas por dia de eletricidade, o que cria problemas para cozinhar e nos comunicarmos”, explica Manya.

“A vida diária de uma pessoa que vive em Artsakh hoje é uma luta”, resume o defensor dos direitos humanos Gegham Stepanyan, que está em Yerevan, capital da Armênia, desde que viajou para participar de um fórum um dia antes do bloqueio. “Todos os dias, as pessoas precisam se ajustar ao cronograma de mudança dos apagões contínuos para planejar seu dia e tarefas de acordo. Encontrar alimentos ou qualquer outro produto essencial é um dos maiores desafios. Como a crise alimentar atingiu Artsakh imediatamente, as pessoas têm que fazer filas nas lojas por horas para obter uma quantidade muito limitada de alimentos por meio de cupons introduzidos pelo governo”, afirma.

Com bloqueio, desabastecimento é realidade em diversas partes de Nagorno-Karabakh Foto: Artsakh TV
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Para driblar a falta de energia e gás, as pessoas montaram pequenos fogões a lenha em casa e até nas escolas, para que as crianças pudessem se aquecer. Parte da energia em Nagorno-Karabakh é fornecida pela Armênia e, por isso, a região vive com as interrupções.

“Isso, consequentemente, aumenta os riscos de incêndios e explosões em todo o país. As interrupções programadas de eletricidade introduzidas pelo governo de Artsakh, destinadas a organizar o fornecimento de eletricidade com base nos escassos recursos internos, colocam uma pressão adicional sobre o povo. Assim, as pessoas são privadas de aquecimento, luz, eletricidade, Internet estável e conexão telefônica por pelo menos 6 horas por dia”, diz Stepanyan.

Impacto na educação

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Junto com as três filhas, Manya passa a maior parte do tempo dentro de casa porque o comércio na capital Stepanakert fecha cedo e as ruas ficam escuras. “Acordo por volta de 9h e saímos para procurar comida nas lojas, pão, água. Se temos sorte, encontramos algo além de pão para acompanhar o café da manhã. Voltamos e cozinhamos, fazemos um fogareiro com madeira e uma lareira para aquecer a casa. A cidade está com tudo fechado, então nada acontece. Ficamos em casa”, conta.

Crianças se aquecem em escola com fogão a lenha improvisado  Foto: Artsakh TV

As escolas de educação infantil estão fechadas em razão do frio e apenas os adolescentes e jovens saem para estudar. “Temos lições, tentamos ir alguns dias para a universidade. Quando está muito frio, dos 12 alunos aparecerem apenas 3, por exemplo. Muitos ficam gripados com facilidade, mas esse é o único jeito de sairmos de casa. Volto para casa e, com minha mãe aqui, não estou mais tão sozinha, damos apoio uma a outra”, explica Julieta, filha de Manya.

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Impacto na saúde

Com o desabastecimento de combustível, os transportes também foram afetados e muitos passaram a fazer suas atividades a pé, deixando os carros para usos extremos. Vardan Tadevosyan, dono do centro de reabilitação Lady Cox, conta que entre 70% e 80% de seus pacientes com alguma deficiência iam até o local de carro ou transporte público. “Começamos a usar nossos transportes para ir até as pessoas, mas a cada dia fica mais difícil”.

Pessoas improvisam gás em meio a bloqueio em Nagorno-Karabakh  Foto: Artsakh TV

A rotina de Vardan Tadevosyan também foi alterada. Trabalhando durante o dia e ficando em casa durante a noite, as atividades ficaram restritas, mas ele não pensa em deixar a região, mesmo com a família vivendo na Armênia. “Não consigo fazer muita coisa porque justamente de noite não há energia. Não estou aqui a negócios ou para ganhar dinheiro. Vim para fundar esse centro e não planejo deixar esse país porque a maior parte dos meus pacientes ficará sem atendimento. Não tenho o direito de fazer isso com eles.”

“O bloqueio colocou muita pressão sobre o sistema de saúde de Artsakh, que está lutando para tratar os pacientes em estado crítico que normalmente seriam transferidos para instituições médicas na Armênia. Os hospitais enfrentam vários desafios, como a escassez de remédios, incapacidade de aquecer adequadamente os edifícios, incapacidade de realizar cirurgias de horas e fornecer um tratamento hospitalar”, afirma Gegham Stepanyan.

O CICV realizou, desde 19 de dezembro, 18 retiradas médicas, transportando 60 pacientes sob condição médica urgente para a Armênia. No dia 6 de janeiro, a organização entregou comida e suprimentos de higiene para 8 hospitais e clínicas de reabilitação.

Medo da guerra

Apesar das dificuldades impostas pelo bloqueio, a maioria dos moradores de Nagorno-Karabakh deseja permanecer no local e teme que uma nova guerra comece. “Nossa escolha agora seria sair daqui. Se isso continuar por muito tempo, eu temo que a maior parte das pessoas vão deixar o país e Karabakh será ocupada pelo Azerbaijão”, diz Vardan Tadevosyan.

Falta de combustível é consequência de bloqueio na região de Nagorno-Karabakh Foto: Artsakh TV

Esse também é um tema recorrente nas conversas de Manya com as filhas. “Meu maior medo é ter outra guerra. Estamos muito preocupados com as dificuldades e esperamos que o bloqueio acabe, mas espero que não haja guerra, porque uma guerra com esse bloqueio seria muito perigoso”, diz ela.

Sua filha Julieta conta que discute o tema com os amigos e tem o mesmo pensamento que a mãe. “Conversamos sobre o que está acontecendo todo dia. Sempre tentamos entender o que está acontecendo e trocamos ideias. Nosso medo é ter que deixar nosso lar, temos orgulho de viver aqui e não queremos ir para outro lugar. Estamos em nossa terra. Acredito que, se a passagem for aberta, muitos armênios virão para cá.”

Quando Manya Karapetyan, de 43 anos, deixou Nagorno-Karabakh e foi para a Armênia por motivos de saúde, em dezembro do ano passado, não imaginou que passaria dois meses longe das filhas Julieta, de 20 anos, e Mariam, de 3. O Azerbaijão fechou a passagem entre a região e a Armênia e, desde então, 120 mil armênios vivem isolados, sem acesso total a alimentos, energia e gás.

No dia 12 de dezembro, dois anos depois da mediação de Vladimir Putin por uma trégua entre Azerbaijão e Armênia na região, a situação voltou a se agravar. A estrada na região montanhosa que liga Nagorno-Karabakh à Armênia - o corredor Lachin - está bloqueada e o Azerbaijão afirma que o motivo são protestos contra operações de mineração na área.

“Foi muito difícil. Nunca fiquei tanto tempo longe da minha família, principalmente por conta da minha filha mais nova. Emocionalmente foi muito difícil. Quando eu voltei, durante um dia, ela não acreditou que eu tinha voltado. Além disso, para mim era duro saber que eu estava em um local seguro e minhas filhas lá”, conta Manya, que voltou a ver as duas filhas apenas em fevereiro. Ela conseguiu regressar, junto com a filha do meio, Milena, de 15 anos, tendo a ajuda da Cruz Vermelha.

Manya e sua filha mais nova, Mariam, em Stepanakert Foto: Acervo pessoal

O marido ficou na Armênia e agora procura um emprego até a passagem ser reaberta e ele poder voltar a Artsakh, como os armênios chamam a região de Nagorno-Karabakh por ser a denominação dada depois da independência. Assim como ele, estão outras 1.100 pessoas, incluindo 270 crianças, que não conseguem regressar.

O Comitê Internacional da Cruz Vermelha informou, por meio de um comunicado, que, desde janeiro, facilitou a transferência de 95 pessoas pelo corredor de Lachin, “em acordo com os dois lados e com base no desejo de parentes preocupados”.

Para Rafael Balukian, presidente da União Geral Armênia de Beneficência (UGAB) no Brasil, entidade sem fins lucrativos pela preservação e promoção da identidade e herança armênias, a situação precisa ter mais visibilidade internacional diante do risco de agravamento. “Enquanto muitas potências mundiais se calam, os armênios ao redor do mundo aguardam diariamente uma solução para a crise. A comunidade armênia no Brasil acompanha esse bloqueio preocupada com a falta de visibilidade mundial da situação, que é tão semelhante a demais conflitos em curso, como a guerra da Ucrânia.”

Dificuldades no dia a dia

Com o bloqueio, as famílias em Nagorno-Karabakh precisam racionar comida e conviver com cortes de energia e falta de gás, em meio a um inverno com temperaturas que variam de 0ºC a -5ºC. “Estamos sem conseguir comprar vegetais e frutas porque usamos cupons de alimentação que só permitem comprar carne e outros tipos de complementos. Temos apenas de 3 a 4 horas por dia de eletricidade, o que cria problemas para cozinhar e nos comunicarmos”, explica Manya.

“A vida diária de uma pessoa que vive em Artsakh hoje é uma luta”, resume o defensor dos direitos humanos Gegham Stepanyan, que está em Yerevan, capital da Armênia, desde que viajou para participar de um fórum um dia antes do bloqueio. “Todos os dias, as pessoas precisam se ajustar ao cronograma de mudança dos apagões contínuos para planejar seu dia e tarefas de acordo. Encontrar alimentos ou qualquer outro produto essencial é um dos maiores desafios. Como a crise alimentar atingiu Artsakh imediatamente, as pessoas têm que fazer filas nas lojas por horas para obter uma quantidade muito limitada de alimentos por meio de cupons introduzidos pelo governo”, afirma.

Com bloqueio, desabastecimento é realidade em diversas partes de Nagorno-Karabakh Foto: Artsakh TV

Para driblar a falta de energia e gás, as pessoas montaram pequenos fogões a lenha em casa e até nas escolas, para que as crianças pudessem se aquecer. Parte da energia em Nagorno-Karabakh é fornecida pela Armênia e, por isso, a região vive com as interrupções.

“Isso, consequentemente, aumenta os riscos de incêndios e explosões em todo o país. As interrupções programadas de eletricidade introduzidas pelo governo de Artsakh, destinadas a organizar o fornecimento de eletricidade com base nos escassos recursos internos, colocam uma pressão adicional sobre o povo. Assim, as pessoas são privadas de aquecimento, luz, eletricidade, Internet estável e conexão telefônica por pelo menos 6 horas por dia”, diz Stepanyan.

Impacto na educação

Junto com as três filhas, Manya passa a maior parte do tempo dentro de casa porque o comércio na capital Stepanakert fecha cedo e as ruas ficam escuras. “Acordo por volta de 9h e saímos para procurar comida nas lojas, pão, água. Se temos sorte, encontramos algo além de pão para acompanhar o café da manhã. Voltamos e cozinhamos, fazemos um fogareiro com madeira e uma lareira para aquecer a casa. A cidade está com tudo fechado, então nada acontece. Ficamos em casa”, conta.

Crianças se aquecem em escola com fogão a lenha improvisado  Foto: Artsakh TV

As escolas de educação infantil estão fechadas em razão do frio e apenas os adolescentes e jovens saem para estudar. “Temos lições, tentamos ir alguns dias para a universidade. Quando está muito frio, dos 12 alunos aparecerem apenas 3, por exemplo. Muitos ficam gripados com facilidade, mas esse é o único jeito de sairmos de casa. Volto para casa e, com minha mãe aqui, não estou mais tão sozinha, damos apoio uma a outra”, explica Julieta, filha de Manya.

Impacto na saúde

Com o desabastecimento de combustível, os transportes também foram afetados e muitos passaram a fazer suas atividades a pé, deixando os carros para usos extremos. Vardan Tadevosyan, dono do centro de reabilitação Lady Cox, conta que entre 70% e 80% de seus pacientes com alguma deficiência iam até o local de carro ou transporte público. “Começamos a usar nossos transportes para ir até as pessoas, mas a cada dia fica mais difícil”.

Pessoas improvisam gás em meio a bloqueio em Nagorno-Karabakh  Foto: Artsakh TV

A rotina de Vardan Tadevosyan também foi alterada. Trabalhando durante o dia e ficando em casa durante a noite, as atividades ficaram restritas, mas ele não pensa em deixar a região, mesmo com a família vivendo na Armênia. “Não consigo fazer muita coisa porque justamente de noite não há energia. Não estou aqui a negócios ou para ganhar dinheiro. Vim para fundar esse centro e não planejo deixar esse país porque a maior parte dos meus pacientes ficará sem atendimento. Não tenho o direito de fazer isso com eles.”

“O bloqueio colocou muita pressão sobre o sistema de saúde de Artsakh, que está lutando para tratar os pacientes em estado crítico que normalmente seriam transferidos para instituições médicas na Armênia. Os hospitais enfrentam vários desafios, como a escassez de remédios, incapacidade de aquecer adequadamente os edifícios, incapacidade de realizar cirurgias de horas e fornecer um tratamento hospitalar”, afirma Gegham Stepanyan.

O CICV realizou, desde 19 de dezembro, 18 retiradas médicas, transportando 60 pacientes sob condição médica urgente para a Armênia. No dia 6 de janeiro, a organização entregou comida e suprimentos de higiene para 8 hospitais e clínicas de reabilitação.

Medo da guerra

Apesar das dificuldades impostas pelo bloqueio, a maioria dos moradores de Nagorno-Karabakh deseja permanecer no local e teme que uma nova guerra comece. “Nossa escolha agora seria sair daqui. Se isso continuar por muito tempo, eu temo que a maior parte das pessoas vão deixar o país e Karabakh será ocupada pelo Azerbaijão”, diz Vardan Tadevosyan.

Falta de combustível é consequência de bloqueio na região de Nagorno-Karabakh Foto: Artsakh TV

Esse também é um tema recorrente nas conversas de Manya com as filhas. “Meu maior medo é ter outra guerra. Estamos muito preocupados com as dificuldades e esperamos que o bloqueio acabe, mas espero que não haja guerra, porque uma guerra com esse bloqueio seria muito perigoso”, diz ela.

Sua filha Julieta conta que discute o tema com os amigos e tem o mesmo pensamento que a mãe. “Conversamos sobre o que está acontecendo todo dia. Sempre tentamos entender o que está acontecendo e trocamos ideias. Nosso medo é ter que deixar nosso lar, temos orgulho de viver aqui e não queremos ir para outro lugar. Estamos em nossa terra. Acredito que, se a passagem for aberta, muitos armênios virão para cá.”

Quando Manya Karapetyan, de 43 anos, deixou Nagorno-Karabakh e foi para a Armênia por motivos de saúde, em dezembro do ano passado, não imaginou que passaria dois meses longe das filhas Julieta, de 20 anos, e Mariam, de 3. O Azerbaijão fechou a passagem entre a região e a Armênia e, desde então, 120 mil armênios vivem isolados, sem acesso total a alimentos, energia e gás.

No dia 12 de dezembro, dois anos depois da mediação de Vladimir Putin por uma trégua entre Azerbaijão e Armênia na região, a situação voltou a se agravar. A estrada na região montanhosa que liga Nagorno-Karabakh à Armênia - o corredor Lachin - está bloqueada e o Azerbaijão afirma que o motivo são protestos contra operações de mineração na área.

“Foi muito difícil. Nunca fiquei tanto tempo longe da minha família, principalmente por conta da minha filha mais nova. Emocionalmente foi muito difícil. Quando eu voltei, durante um dia, ela não acreditou que eu tinha voltado. Além disso, para mim era duro saber que eu estava em um local seguro e minhas filhas lá”, conta Manya, que voltou a ver as duas filhas apenas em fevereiro. Ela conseguiu regressar, junto com a filha do meio, Milena, de 15 anos, tendo a ajuda da Cruz Vermelha.

Manya e sua filha mais nova, Mariam, em Stepanakert Foto: Acervo pessoal

O marido ficou na Armênia e agora procura um emprego até a passagem ser reaberta e ele poder voltar a Artsakh, como os armênios chamam a região de Nagorno-Karabakh por ser a denominação dada depois da independência. Assim como ele, estão outras 1.100 pessoas, incluindo 270 crianças, que não conseguem regressar.

O Comitê Internacional da Cruz Vermelha informou, por meio de um comunicado, que, desde janeiro, facilitou a transferência de 95 pessoas pelo corredor de Lachin, “em acordo com os dois lados e com base no desejo de parentes preocupados”.

Para Rafael Balukian, presidente da União Geral Armênia de Beneficência (UGAB) no Brasil, entidade sem fins lucrativos pela preservação e promoção da identidade e herança armênias, a situação precisa ter mais visibilidade internacional diante do risco de agravamento. “Enquanto muitas potências mundiais se calam, os armênios ao redor do mundo aguardam diariamente uma solução para a crise. A comunidade armênia no Brasil acompanha esse bloqueio preocupada com a falta de visibilidade mundial da situação, que é tão semelhante a demais conflitos em curso, como a guerra da Ucrânia.”

Dificuldades no dia a dia

Com o bloqueio, as famílias em Nagorno-Karabakh precisam racionar comida e conviver com cortes de energia e falta de gás, em meio a um inverno com temperaturas que variam de 0ºC a -5ºC. “Estamos sem conseguir comprar vegetais e frutas porque usamos cupons de alimentação que só permitem comprar carne e outros tipos de complementos. Temos apenas de 3 a 4 horas por dia de eletricidade, o que cria problemas para cozinhar e nos comunicarmos”, explica Manya.

“A vida diária de uma pessoa que vive em Artsakh hoje é uma luta”, resume o defensor dos direitos humanos Gegham Stepanyan, que está em Yerevan, capital da Armênia, desde que viajou para participar de um fórum um dia antes do bloqueio. “Todos os dias, as pessoas precisam se ajustar ao cronograma de mudança dos apagões contínuos para planejar seu dia e tarefas de acordo. Encontrar alimentos ou qualquer outro produto essencial é um dos maiores desafios. Como a crise alimentar atingiu Artsakh imediatamente, as pessoas têm que fazer filas nas lojas por horas para obter uma quantidade muito limitada de alimentos por meio de cupons introduzidos pelo governo”, afirma.

Com bloqueio, desabastecimento é realidade em diversas partes de Nagorno-Karabakh Foto: Artsakh TV

Para driblar a falta de energia e gás, as pessoas montaram pequenos fogões a lenha em casa e até nas escolas, para que as crianças pudessem se aquecer. Parte da energia em Nagorno-Karabakh é fornecida pela Armênia e, por isso, a região vive com as interrupções.

“Isso, consequentemente, aumenta os riscos de incêndios e explosões em todo o país. As interrupções programadas de eletricidade introduzidas pelo governo de Artsakh, destinadas a organizar o fornecimento de eletricidade com base nos escassos recursos internos, colocam uma pressão adicional sobre o povo. Assim, as pessoas são privadas de aquecimento, luz, eletricidade, Internet estável e conexão telefônica por pelo menos 6 horas por dia”, diz Stepanyan.

Impacto na educação

Junto com as três filhas, Manya passa a maior parte do tempo dentro de casa porque o comércio na capital Stepanakert fecha cedo e as ruas ficam escuras. “Acordo por volta de 9h e saímos para procurar comida nas lojas, pão, água. Se temos sorte, encontramos algo além de pão para acompanhar o café da manhã. Voltamos e cozinhamos, fazemos um fogareiro com madeira e uma lareira para aquecer a casa. A cidade está com tudo fechado, então nada acontece. Ficamos em casa”, conta.

Crianças se aquecem em escola com fogão a lenha improvisado  Foto: Artsakh TV

As escolas de educação infantil estão fechadas em razão do frio e apenas os adolescentes e jovens saem para estudar. “Temos lições, tentamos ir alguns dias para a universidade. Quando está muito frio, dos 12 alunos aparecerem apenas 3, por exemplo. Muitos ficam gripados com facilidade, mas esse é o único jeito de sairmos de casa. Volto para casa e, com minha mãe aqui, não estou mais tão sozinha, damos apoio uma a outra”, explica Julieta, filha de Manya.

Impacto na saúde

Com o desabastecimento de combustível, os transportes também foram afetados e muitos passaram a fazer suas atividades a pé, deixando os carros para usos extremos. Vardan Tadevosyan, dono do centro de reabilitação Lady Cox, conta que entre 70% e 80% de seus pacientes com alguma deficiência iam até o local de carro ou transporte público. “Começamos a usar nossos transportes para ir até as pessoas, mas a cada dia fica mais difícil”.

Pessoas improvisam gás em meio a bloqueio em Nagorno-Karabakh  Foto: Artsakh TV

A rotina de Vardan Tadevosyan também foi alterada. Trabalhando durante o dia e ficando em casa durante a noite, as atividades ficaram restritas, mas ele não pensa em deixar a região, mesmo com a família vivendo na Armênia. “Não consigo fazer muita coisa porque justamente de noite não há energia. Não estou aqui a negócios ou para ganhar dinheiro. Vim para fundar esse centro e não planejo deixar esse país porque a maior parte dos meus pacientes ficará sem atendimento. Não tenho o direito de fazer isso com eles.”

“O bloqueio colocou muita pressão sobre o sistema de saúde de Artsakh, que está lutando para tratar os pacientes em estado crítico que normalmente seriam transferidos para instituições médicas na Armênia. Os hospitais enfrentam vários desafios, como a escassez de remédios, incapacidade de aquecer adequadamente os edifícios, incapacidade de realizar cirurgias de horas e fornecer um tratamento hospitalar”, afirma Gegham Stepanyan.

O CICV realizou, desde 19 de dezembro, 18 retiradas médicas, transportando 60 pacientes sob condição médica urgente para a Armênia. No dia 6 de janeiro, a organização entregou comida e suprimentos de higiene para 8 hospitais e clínicas de reabilitação.

Medo da guerra

Apesar das dificuldades impostas pelo bloqueio, a maioria dos moradores de Nagorno-Karabakh deseja permanecer no local e teme que uma nova guerra comece. “Nossa escolha agora seria sair daqui. Se isso continuar por muito tempo, eu temo que a maior parte das pessoas vão deixar o país e Karabakh será ocupada pelo Azerbaijão”, diz Vardan Tadevosyan.

Falta de combustível é consequência de bloqueio na região de Nagorno-Karabakh Foto: Artsakh TV

Esse também é um tema recorrente nas conversas de Manya com as filhas. “Meu maior medo é ter outra guerra. Estamos muito preocupados com as dificuldades e esperamos que o bloqueio acabe, mas espero que não haja guerra, porque uma guerra com esse bloqueio seria muito perigoso”, diz ela.

Sua filha Julieta conta que discute o tema com os amigos e tem o mesmo pensamento que a mãe. “Conversamos sobre o que está acontecendo todo dia. Sempre tentamos entender o que está acontecendo e trocamos ideias. Nosso medo é ter que deixar nosso lar, temos orgulho de viver aqui e não queremos ir para outro lugar. Estamos em nossa terra. Acredito que, se a passagem for aberta, muitos armênios virão para cá.”

Quando Manya Karapetyan, de 43 anos, deixou Nagorno-Karabakh e foi para a Armênia por motivos de saúde, em dezembro do ano passado, não imaginou que passaria dois meses longe das filhas Julieta, de 20 anos, e Mariam, de 3. O Azerbaijão fechou a passagem entre a região e a Armênia e, desde então, 120 mil armênios vivem isolados, sem acesso total a alimentos, energia e gás.

No dia 12 de dezembro, dois anos depois da mediação de Vladimir Putin por uma trégua entre Azerbaijão e Armênia na região, a situação voltou a se agravar. A estrada na região montanhosa que liga Nagorno-Karabakh à Armênia - o corredor Lachin - está bloqueada e o Azerbaijão afirma que o motivo são protestos contra operações de mineração na área.

“Foi muito difícil. Nunca fiquei tanto tempo longe da minha família, principalmente por conta da minha filha mais nova. Emocionalmente foi muito difícil. Quando eu voltei, durante um dia, ela não acreditou que eu tinha voltado. Além disso, para mim era duro saber que eu estava em um local seguro e minhas filhas lá”, conta Manya, que voltou a ver as duas filhas apenas em fevereiro. Ela conseguiu regressar, junto com a filha do meio, Milena, de 15 anos, tendo a ajuda da Cruz Vermelha.

Manya e sua filha mais nova, Mariam, em Stepanakert Foto: Acervo pessoal

O marido ficou na Armênia e agora procura um emprego até a passagem ser reaberta e ele poder voltar a Artsakh, como os armênios chamam a região de Nagorno-Karabakh por ser a denominação dada depois da independência. Assim como ele, estão outras 1.100 pessoas, incluindo 270 crianças, que não conseguem regressar.

O Comitê Internacional da Cruz Vermelha informou, por meio de um comunicado, que, desde janeiro, facilitou a transferência de 95 pessoas pelo corredor de Lachin, “em acordo com os dois lados e com base no desejo de parentes preocupados”.

Para Rafael Balukian, presidente da União Geral Armênia de Beneficência (UGAB) no Brasil, entidade sem fins lucrativos pela preservação e promoção da identidade e herança armênias, a situação precisa ter mais visibilidade internacional diante do risco de agravamento. “Enquanto muitas potências mundiais se calam, os armênios ao redor do mundo aguardam diariamente uma solução para a crise. A comunidade armênia no Brasil acompanha esse bloqueio preocupada com a falta de visibilidade mundial da situação, que é tão semelhante a demais conflitos em curso, como a guerra da Ucrânia.”

Dificuldades no dia a dia

Com o bloqueio, as famílias em Nagorno-Karabakh precisam racionar comida e conviver com cortes de energia e falta de gás, em meio a um inverno com temperaturas que variam de 0ºC a -5ºC. “Estamos sem conseguir comprar vegetais e frutas porque usamos cupons de alimentação que só permitem comprar carne e outros tipos de complementos. Temos apenas de 3 a 4 horas por dia de eletricidade, o que cria problemas para cozinhar e nos comunicarmos”, explica Manya.

“A vida diária de uma pessoa que vive em Artsakh hoje é uma luta”, resume o defensor dos direitos humanos Gegham Stepanyan, que está em Yerevan, capital da Armênia, desde que viajou para participar de um fórum um dia antes do bloqueio. “Todos os dias, as pessoas precisam se ajustar ao cronograma de mudança dos apagões contínuos para planejar seu dia e tarefas de acordo. Encontrar alimentos ou qualquer outro produto essencial é um dos maiores desafios. Como a crise alimentar atingiu Artsakh imediatamente, as pessoas têm que fazer filas nas lojas por horas para obter uma quantidade muito limitada de alimentos por meio de cupons introduzidos pelo governo”, afirma.

Com bloqueio, desabastecimento é realidade em diversas partes de Nagorno-Karabakh Foto: Artsakh TV

Para driblar a falta de energia e gás, as pessoas montaram pequenos fogões a lenha em casa e até nas escolas, para que as crianças pudessem se aquecer. Parte da energia em Nagorno-Karabakh é fornecida pela Armênia e, por isso, a região vive com as interrupções.

“Isso, consequentemente, aumenta os riscos de incêndios e explosões em todo o país. As interrupções programadas de eletricidade introduzidas pelo governo de Artsakh, destinadas a organizar o fornecimento de eletricidade com base nos escassos recursos internos, colocam uma pressão adicional sobre o povo. Assim, as pessoas são privadas de aquecimento, luz, eletricidade, Internet estável e conexão telefônica por pelo menos 6 horas por dia”, diz Stepanyan.

Impacto na educação

Junto com as três filhas, Manya passa a maior parte do tempo dentro de casa porque o comércio na capital Stepanakert fecha cedo e as ruas ficam escuras. “Acordo por volta de 9h e saímos para procurar comida nas lojas, pão, água. Se temos sorte, encontramos algo além de pão para acompanhar o café da manhã. Voltamos e cozinhamos, fazemos um fogareiro com madeira e uma lareira para aquecer a casa. A cidade está com tudo fechado, então nada acontece. Ficamos em casa”, conta.

Crianças se aquecem em escola com fogão a lenha improvisado  Foto: Artsakh TV

As escolas de educação infantil estão fechadas em razão do frio e apenas os adolescentes e jovens saem para estudar. “Temos lições, tentamos ir alguns dias para a universidade. Quando está muito frio, dos 12 alunos aparecerem apenas 3, por exemplo. Muitos ficam gripados com facilidade, mas esse é o único jeito de sairmos de casa. Volto para casa e, com minha mãe aqui, não estou mais tão sozinha, damos apoio uma a outra”, explica Julieta, filha de Manya.

Impacto na saúde

Com o desabastecimento de combustível, os transportes também foram afetados e muitos passaram a fazer suas atividades a pé, deixando os carros para usos extremos. Vardan Tadevosyan, dono do centro de reabilitação Lady Cox, conta que entre 70% e 80% de seus pacientes com alguma deficiência iam até o local de carro ou transporte público. “Começamos a usar nossos transportes para ir até as pessoas, mas a cada dia fica mais difícil”.

Pessoas improvisam gás em meio a bloqueio em Nagorno-Karabakh  Foto: Artsakh TV

A rotina de Vardan Tadevosyan também foi alterada. Trabalhando durante o dia e ficando em casa durante a noite, as atividades ficaram restritas, mas ele não pensa em deixar a região, mesmo com a família vivendo na Armênia. “Não consigo fazer muita coisa porque justamente de noite não há energia. Não estou aqui a negócios ou para ganhar dinheiro. Vim para fundar esse centro e não planejo deixar esse país porque a maior parte dos meus pacientes ficará sem atendimento. Não tenho o direito de fazer isso com eles.”

“O bloqueio colocou muita pressão sobre o sistema de saúde de Artsakh, que está lutando para tratar os pacientes em estado crítico que normalmente seriam transferidos para instituições médicas na Armênia. Os hospitais enfrentam vários desafios, como a escassez de remédios, incapacidade de aquecer adequadamente os edifícios, incapacidade de realizar cirurgias de horas e fornecer um tratamento hospitalar”, afirma Gegham Stepanyan.

O CICV realizou, desde 19 de dezembro, 18 retiradas médicas, transportando 60 pacientes sob condição médica urgente para a Armênia. No dia 6 de janeiro, a organização entregou comida e suprimentos de higiene para 8 hospitais e clínicas de reabilitação.

Medo da guerra

Apesar das dificuldades impostas pelo bloqueio, a maioria dos moradores de Nagorno-Karabakh deseja permanecer no local e teme que uma nova guerra comece. “Nossa escolha agora seria sair daqui. Se isso continuar por muito tempo, eu temo que a maior parte das pessoas vão deixar o país e Karabakh será ocupada pelo Azerbaijão”, diz Vardan Tadevosyan.

Falta de combustível é consequência de bloqueio na região de Nagorno-Karabakh Foto: Artsakh TV

Esse também é um tema recorrente nas conversas de Manya com as filhas. “Meu maior medo é ter outra guerra. Estamos muito preocupados com as dificuldades e esperamos que o bloqueio acabe, mas espero que não haja guerra, porque uma guerra com esse bloqueio seria muito perigoso”, diz ela.

Sua filha Julieta conta que discute o tema com os amigos e tem o mesmo pensamento que a mãe. “Conversamos sobre o que está acontecendo todo dia. Sempre tentamos entender o que está acontecendo e trocamos ideias. Nosso medo é ter que deixar nosso lar, temos orgulho de viver aqui e não queremos ir para outro lugar. Estamos em nossa terra. Acredito que, se a passagem for aberta, muitos armênios virão para cá.”

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