Hamas não é o único problema que Israel deve resolver; leia a análise


Após ataque do Hamas, muitos em Israel perguntam-se, compreensivelmente, como uma das melhores operações de inteligência no mundo não conseguiu detectar os sinais da invasão

Por Shimrit Meir*

THE NEW YORK TIMES — Sábado passado será lembrado como um dos dias mais desoladores na história de Israel.

Os eventos lembraram muito os ataques que completaram 50 anos na semana passada, ocorridos na manhã do Yom Kippur, o dia mais sagrado do calendário judaico. Naquele dia, em outubro de 1973, o Estado de Israel foi atacado por uma coalizão árabe, dando início a uma guerra brutal, de três semanas. O país sobreviveu somente em razão do enorme sacrifício de seus jovens homens e mulheres. Esse conflito traumatizou uma geração inteira de israelenses e transformou o país profundamente.

Sábado passado foi nosso 1973.

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Soldados israelenses assumem posições perto do Kibbutz Kfar Azza na terça-feira, 10 de outubro de 2023. Militantes do Hamas invadiram Kfar Azza no sábado, onde muitos israelenses foram mortos e levados em cativeiro.  Foto: Ohad Zwigenberg / AP

Os vídeos que circularam de israelenses — mulheres, crianças, pessoas idosas — tomados como reféns, indefesos, nos assombrarão pelo resto de nossas vidas. Essas imagens são a antítese não apenas do ethos israelense básico de autodefesa, mas também da razão de existência do país enquanto abrigo seguro para os judeus.

Elas abalaram nosso âmago, mas nós não podemos ficar paralisados, em choque. Nós não temos tempo para digerir os horrores. As Forças de Defesa de Israel precisam encontrar vigor para se reagrupar imediatamente e, uma vez que controlarem a situação dentro das fronteiras de Israel, têm de se recalibrar e retaliar de uma maneira que responsabilize o Hamas e seus aliados e possua também lógica estratégica. Nossa liderança política também tem de reexaminar o caminho que traçou e mudar de curso significativamente.

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Esses eventos trágicos têm um protagonista: o Hamas. Mas há dois grandes pontos cegos para Israel que evitaram que nós reconhecêssemos e preveníssemos algo que deveríamos ter detectado. O primeiro foi uma política tentando apaziguar o inimigo, na esperança de que o Hamas algum dia abandonasse sua raiz jihadista. Em vez disso, foi o braço militar do Hamas que cresceu — de uma pequena organização para um poderoso exército. Nosso segundo ponto cego foi permitir que nossas diferenças políticas internas nos consumissem, tirando nosso foco de ameaças externas e dividindo tanto nossa sociedade quanto, criticamente, nosso Exército.

Em quatro anos, Israel realizou três operações militares em Gaza para combater a Jihad Islâmica, uma organização palestina a serviço do Irã. O Hamas, partido governante de Gaza, que opera um exército com dezenas de milhares de mísseis e várias unidades de elite, foi em grande medida deixado em paz desde a operação Guardião das Muralhas, de 2021. Nós pagamos o preço da guerra — assim como os civis em Gaza — por nenhum ganho estratégico. Por quê? Porque a Jihad Islâmica era o alvo fácil. Israel quis evitar uma guerra grande em Gaza e obteve em troca um massacre dentro do país.

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Enquanto isso, o Hamas manobrou para abrir o caminho até este momento. O grupo assegurou uma imunidade de facto com Israel e conseguiu uma mesada do Catar para suprir as necessidades básicas da população, garantindo que não houvesse uma revolta popular. Tanto políticos quanto oficiais militares passaram os dois anos recentes fazendo o público acreditar que o Hamas estava refreado, que o grupo não estava mais interessado numa escalada total e internalizava sua função como governo legítimo de Gaza.

Agora, muitos em Israel perguntam-se, compreensivelmente, como uma das melhores operações de inteligência no mundo não conseguiu detectar os sinais? Uma resposta é que nós tendemos a ignorar detalhes de acordo com nossas pré-concepções — que, neste caso, resultaram de uma percepção equivocada a respeito do que é o Hamas e sobre suas reais intenções.

Soldados israelenses ao lado dos corpos de israelenses mortos por terroristas do Hamas no kibutz Kfar Azza na terça-feira, 10 de outubro de 2023.  Foto: Ohad Zwigenberg / AP
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Mas isto é apenas parte da história.

Nos cinco anos recentes, conforme Israel dissolveu consecutivos governos e manteve-se dividido em consecutivas eleições, ainda mais no ano que passou desde que Binyamin Netanyahu voltou a se eleger primeiro-ministro, o país tem se ocupado com a própria fragmentação vinda de dentro. O Estado judaico parece ter esquecido sua segunda função no mundo, de lugar que simboliza a ideia da solidariedade do povo judeu. Os israelenses, em vez disso, entraram numa guerra total — não contra terroristas, mas contra si mesmos.

Ao longo de quase 40 semanas, conforme as batalhas decorrentes da reforma no Judiciário emergiram violentamente, questões antigas a respeito de identidades e afiliações religiosas, assim como etnias, classes e privilégios, sacudiram a população. O Estado de Israel é mais judaico ou democrático? Muitos em Israel experimentaram ansiedades reais: a mudança no Judiciário, apresentada pelo governo mais direitista na história do país, pareceu ameaçar a natureza progressista de sua amada nação. Eles sentiram que estavam lutando pela alma do país e que nessa luta tudo valia e nada era sagrado — incluindo a anteriormente intocável ideia de os reservistas das Forças Armadas abandonarem obrigações militares. Apesar da turbulência nas ruas, a coalizão de governo se recusou a aceitar o fato de que, com uma tênue maioria, não seria capaz de fazer vigorar mudanças sem estabelecer consensos e avançou com sua agenda aplicando diariamente políticas cada vez mais inquietantes.

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Enquanto nação, o povo israelense agiu como se pudesse se dar ao luxo de travar uma feroz briga interna, do tipo em que seu rival político vira inimigo. Nós permitimos que a animosidade, a demagogia e o discurso envenenado das redes sociais tomassem nossa sociedade e fragmentassem o único Exército judaico no mundo. Eis a nossa tragédia. E ela carrega uma lição para outras democracias polarizadas: há alguém por aí esperando para de beneficiar de suas fraquezas de fabricação própria; este alguém é seu inimigo.

Se for possível algum tipo de reconciliação depois destes dias tão nefastos, Israel recuperará os sentidos pondo fim à crise política e formando um governo de unidade. Há muitas decisões difíceis à nossa espera após os funerais, a maior delas é trazer de volta para casa as crianças e todas outras as pessoas reféns dos terroristas do Hamas.

Os atos de profunda solidariedade que testemunhamos nos dias recentes nos recordam da nossa verdadeira natureza, sob os véus das diferenças políticas e dos antigos ressentimentos. Muitos abriram seus lares para famílias em fuga dos horrores no sul e entraram em fila para doar comida, água e sangue. E há os heróis que arriscaram — e em muitos casos sacrificaram — suas vidas vasculhando residências para salvar famílias.

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Sábado foi um bom dia para jihadistas e seus apoiadores em todo o mundo, para pessoas que celebram o assassinato de civis e que regozijam com o ódio e a violência. Amanhã Israel enterrará seus mortos. Os israelenses pensarão nas pessoas sequestradas, se reagruparão e se lançarão para vencer esta batalha. Mas o acerto de contas com a própria alma terá de ocorrer algum dia. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

*Meir foi conselheira sênior de Naftali Bennett quando ele exerceu a função de primeiro-ministro de Israel.

THE NEW YORK TIMES — Sábado passado será lembrado como um dos dias mais desoladores na história de Israel.

Os eventos lembraram muito os ataques que completaram 50 anos na semana passada, ocorridos na manhã do Yom Kippur, o dia mais sagrado do calendário judaico. Naquele dia, em outubro de 1973, o Estado de Israel foi atacado por uma coalizão árabe, dando início a uma guerra brutal, de três semanas. O país sobreviveu somente em razão do enorme sacrifício de seus jovens homens e mulheres. Esse conflito traumatizou uma geração inteira de israelenses e transformou o país profundamente.

Sábado passado foi nosso 1973.

Soldados israelenses assumem posições perto do Kibbutz Kfar Azza na terça-feira, 10 de outubro de 2023. Militantes do Hamas invadiram Kfar Azza no sábado, onde muitos israelenses foram mortos e levados em cativeiro.  Foto: Ohad Zwigenberg / AP

Os vídeos que circularam de israelenses — mulheres, crianças, pessoas idosas — tomados como reféns, indefesos, nos assombrarão pelo resto de nossas vidas. Essas imagens são a antítese não apenas do ethos israelense básico de autodefesa, mas também da razão de existência do país enquanto abrigo seguro para os judeus.

Elas abalaram nosso âmago, mas nós não podemos ficar paralisados, em choque. Nós não temos tempo para digerir os horrores. As Forças de Defesa de Israel precisam encontrar vigor para se reagrupar imediatamente e, uma vez que controlarem a situação dentro das fronteiras de Israel, têm de se recalibrar e retaliar de uma maneira que responsabilize o Hamas e seus aliados e possua também lógica estratégica. Nossa liderança política também tem de reexaminar o caminho que traçou e mudar de curso significativamente.

Esses eventos trágicos têm um protagonista: o Hamas. Mas há dois grandes pontos cegos para Israel que evitaram que nós reconhecêssemos e preveníssemos algo que deveríamos ter detectado. O primeiro foi uma política tentando apaziguar o inimigo, na esperança de que o Hamas algum dia abandonasse sua raiz jihadista. Em vez disso, foi o braço militar do Hamas que cresceu — de uma pequena organização para um poderoso exército. Nosso segundo ponto cego foi permitir que nossas diferenças políticas internas nos consumissem, tirando nosso foco de ameaças externas e dividindo tanto nossa sociedade quanto, criticamente, nosso Exército.

Em quatro anos, Israel realizou três operações militares em Gaza para combater a Jihad Islâmica, uma organização palestina a serviço do Irã. O Hamas, partido governante de Gaza, que opera um exército com dezenas de milhares de mísseis e várias unidades de elite, foi em grande medida deixado em paz desde a operação Guardião das Muralhas, de 2021. Nós pagamos o preço da guerra — assim como os civis em Gaza — por nenhum ganho estratégico. Por quê? Porque a Jihad Islâmica era o alvo fácil. Israel quis evitar uma guerra grande em Gaza e obteve em troca um massacre dentro do país.

Enquanto isso, o Hamas manobrou para abrir o caminho até este momento. O grupo assegurou uma imunidade de facto com Israel e conseguiu uma mesada do Catar para suprir as necessidades básicas da população, garantindo que não houvesse uma revolta popular. Tanto políticos quanto oficiais militares passaram os dois anos recentes fazendo o público acreditar que o Hamas estava refreado, que o grupo não estava mais interessado numa escalada total e internalizava sua função como governo legítimo de Gaza.

Agora, muitos em Israel perguntam-se, compreensivelmente, como uma das melhores operações de inteligência no mundo não conseguiu detectar os sinais? Uma resposta é que nós tendemos a ignorar detalhes de acordo com nossas pré-concepções — que, neste caso, resultaram de uma percepção equivocada a respeito do que é o Hamas e sobre suas reais intenções.

Soldados israelenses ao lado dos corpos de israelenses mortos por terroristas do Hamas no kibutz Kfar Azza na terça-feira, 10 de outubro de 2023.  Foto: Ohad Zwigenberg / AP

Mas isto é apenas parte da história.

Nos cinco anos recentes, conforme Israel dissolveu consecutivos governos e manteve-se dividido em consecutivas eleições, ainda mais no ano que passou desde que Binyamin Netanyahu voltou a se eleger primeiro-ministro, o país tem se ocupado com a própria fragmentação vinda de dentro. O Estado judaico parece ter esquecido sua segunda função no mundo, de lugar que simboliza a ideia da solidariedade do povo judeu. Os israelenses, em vez disso, entraram numa guerra total — não contra terroristas, mas contra si mesmos.

Ao longo de quase 40 semanas, conforme as batalhas decorrentes da reforma no Judiciário emergiram violentamente, questões antigas a respeito de identidades e afiliações religiosas, assim como etnias, classes e privilégios, sacudiram a população. O Estado de Israel é mais judaico ou democrático? Muitos em Israel experimentaram ansiedades reais: a mudança no Judiciário, apresentada pelo governo mais direitista na história do país, pareceu ameaçar a natureza progressista de sua amada nação. Eles sentiram que estavam lutando pela alma do país e que nessa luta tudo valia e nada era sagrado — incluindo a anteriormente intocável ideia de os reservistas das Forças Armadas abandonarem obrigações militares. Apesar da turbulência nas ruas, a coalizão de governo se recusou a aceitar o fato de que, com uma tênue maioria, não seria capaz de fazer vigorar mudanças sem estabelecer consensos e avançou com sua agenda aplicando diariamente políticas cada vez mais inquietantes.

Enquanto nação, o povo israelense agiu como se pudesse se dar ao luxo de travar uma feroz briga interna, do tipo em que seu rival político vira inimigo. Nós permitimos que a animosidade, a demagogia e o discurso envenenado das redes sociais tomassem nossa sociedade e fragmentassem o único Exército judaico no mundo. Eis a nossa tragédia. E ela carrega uma lição para outras democracias polarizadas: há alguém por aí esperando para de beneficiar de suas fraquezas de fabricação própria; este alguém é seu inimigo.

Se for possível algum tipo de reconciliação depois destes dias tão nefastos, Israel recuperará os sentidos pondo fim à crise política e formando um governo de unidade. Há muitas decisões difíceis à nossa espera após os funerais, a maior delas é trazer de volta para casa as crianças e todas outras as pessoas reféns dos terroristas do Hamas.

Os atos de profunda solidariedade que testemunhamos nos dias recentes nos recordam da nossa verdadeira natureza, sob os véus das diferenças políticas e dos antigos ressentimentos. Muitos abriram seus lares para famílias em fuga dos horrores no sul e entraram em fila para doar comida, água e sangue. E há os heróis que arriscaram — e em muitos casos sacrificaram — suas vidas vasculhando residências para salvar famílias.

Sábado foi um bom dia para jihadistas e seus apoiadores em todo o mundo, para pessoas que celebram o assassinato de civis e que regozijam com o ódio e a violência. Amanhã Israel enterrará seus mortos. Os israelenses pensarão nas pessoas sequestradas, se reagruparão e se lançarão para vencer esta batalha. Mas o acerto de contas com a própria alma terá de ocorrer algum dia. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

*Meir foi conselheira sênior de Naftali Bennett quando ele exerceu a função de primeiro-ministro de Israel.

THE NEW YORK TIMES — Sábado passado será lembrado como um dos dias mais desoladores na história de Israel.

Os eventos lembraram muito os ataques que completaram 50 anos na semana passada, ocorridos na manhã do Yom Kippur, o dia mais sagrado do calendário judaico. Naquele dia, em outubro de 1973, o Estado de Israel foi atacado por uma coalizão árabe, dando início a uma guerra brutal, de três semanas. O país sobreviveu somente em razão do enorme sacrifício de seus jovens homens e mulheres. Esse conflito traumatizou uma geração inteira de israelenses e transformou o país profundamente.

Sábado passado foi nosso 1973.

Soldados israelenses assumem posições perto do Kibbutz Kfar Azza na terça-feira, 10 de outubro de 2023. Militantes do Hamas invadiram Kfar Azza no sábado, onde muitos israelenses foram mortos e levados em cativeiro.  Foto: Ohad Zwigenberg / AP

Os vídeos que circularam de israelenses — mulheres, crianças, pessoas idosas — tomados como reféns, indefesos, nos assombrarão pelo resto de nossas vidas. Essas imagens são a antítese não apenas do ethos israelense básico de autodefesa, mas também da razão de existência do país enquanto abrigo seguro para os judeus.

Elas abalaram nosso âmago, mas nós não podemos ficar paralisados, em choque. Nós não temos tempo para digerir os horrores. As Forças de Defesa de Israel precisam encontrar vigor para se reagrupar imediatamente e, uma vez que controlarem a situação dentro das fronteiras de Israel, têm de se recalibrar e retaliar de uma maneira que responsabilize o Hamas e seus aliados e possua também lógica estratégica. Nossa liderança política também tem de reexaminar o caminho que traçou e mudar de curso significativamente.

Esses eventos trágicos têm um protagonista: o Hamas. Mas há dois grandes pontos cegos para Israel que evitaram que nós reconhecêssemos e preveníssemos algo que deveríamos ter detectado. O primeiro foi uma política tentando apaziguar o inimigo, na esperança de que o Hamas algum dia abandonasse sua raiz jihadista. Em vez disso, foi o braço militar do Hamas que cresceu — de uma pequena organização para um poderoso exército. Nosso segundo ponto cego foi permitir que nossas diferenças políticas internas nos consumissem, tirando nosso foco de ameaças externas e dividindo tanto nossa sociedade quanto, criticamente, nosso Exército.

Em quatro anos, Israel realizou três operações militares em Gaza para combater a Jihad Islâmica, uma organização palestina a serviço do Irã. O Hamas, partido governante de Gaza, que opera um exército com dezenas de milhares de mísseis e várias unidades de elite, foi em grande medida deixado em paz desde a operação Guardião das Muralhas, de 2021. Nós pagamos o preço da guerra — assim como os civis em Gaza — por nenhum ganho estratégico. Por quê? Porque a Jihad Islâmica era o alvo fácil. Israel quis evitar uma guerra grande em Gaza e obteve em troca um massacre dentro do país.

Enquanto isso, o Hamas manobrou para abrir o caminho até este momento. O grupo assegurou uma imunidade de facto com Israel e conseguiu uma mesada do Catar para suprir as necessidades básicas da população, garantindo que não houvesse uma revolta popular. Tanto políticos quanto oficiais militares passaram os dois anos recentes fazendo o público acreditar que o Hamas estava refreado, que o grupo não estava mais interessado numa escalada total e internalizava sua função como governo legítimo de Gaza.

Agora, muitos em Israel perguntam-se, compreensivelmente, como uma das melhores operações de inteligência no mundo não conseguiu detectar os sinais? Uma resposta é que nós tendemos a ignorar detalhes de acordo com nossas pré-concepções — que, neste caso, resultaram de uma percepção equivocada a respeito do que é o Hamas e sobre suas reais intenções.

Soldados israelenses ao lado dos corpos de israelenses mortos por terroristas do Hamas no kibutz Kfar Azza na terça-feira, 10 de outubro de 2023.  Foto: Ohad Zwigenberg / AP

Mas isto é apenas parte da história.

Nos cinco anos recentes, conforme Israel dissolveu consecutivos governos e manteve-se dividido em consecutivas eleições, ainda mais no ano que passou desde que Binyamin Netanyahu voltou a se eleger primeiro-ministro, o país tem se ocupado com a própria fragmentação vinda de dentro. O Estado judaico parece ter esquecido sua segunda função no mundo, de lugar que simboliza a ideia da solidariedade do povo judeu. Os israelenses, em vez disso, entraram numa guerra total — não contra terroristas, mas contra si mesmos.

Ao longo de quase 40 semanas, conforme as batalhas decorrentes da reforma no Judiciário emergiram violentamente, questões antigas a respeito de identidades e afiliações religiosas, assim como etnias, classes e privilégios, sacudiram a população. O Estado de Israel é mais judaico ou democrático? Muitos em Israel experimentaram ansiedades reais: a mudança no Judiciário, apresentada pelo governo mais direitista na história do país, pareceu ameaçar a natureza progressista de sua amada nação. Eles sentiram que estavam lutando pela alma do país e que nessa luta tudo valia e nada era sagrado — incluindo a anteriormente intocável ideia de os reservistas das Forças Armadas abandonarem obrigações militares. Apesar da turbulência nas ruas, a coalizão de governo se recusou a aceitar o fato de que, com uma tênue maioria, não seria capaz de fazer vigorar mudanças sem estabelecer consensos e avançou com sua agenda aplicando diariamente políticas cada vez mais inquietantes.

Enquanto nação, o povo israelense agiu como se pudesse se dar ao luxo de travar uma feroz briga interna, do tipo em que seu rival político vira inimigo. Nós permitimos que a animosidade, a demagogia e o discurso envenenado das redes sociais tomassem nossa sociedade e fragmentassem o único Exército judaico no mundo. Eis a nossa tragédia. E ela carrega uma lição para outras democracias polarizadas: há alguém por aí esperando para de beneficiar de suas fraquezas de fabricação própria; este alguém é seu inimigo.

Se for possível algum tipo de reconciliação depois destes dias tão nefastos, Israel recuperará os sentidos pondo fim à crise política e formando um governo de unidade. Há muitas decisões difíceis à nossa espera após os funerais, a maior delas é trazer de volta para casa as crianças e todas outras as pessoas reféns dos terroristas do Hamas.

Os atos de profunda solidariedade que testemunhamos nos dias recentes nos recordam da nossa verdadeira natureza, sob os véus das diferenças políticas e dos antigos ressentimentos. Muitos abriram seus lares para famílias em fuga dos horrores no sul e entraram em fila para doar comida, água e sangue. E há os heróis que arriscaram — e em muitos casos sacrificaram — suas vidas vasculhando residências para salvar famílias.

Sábado foi um bom dia para jihadistas e seus apoiadores em todo o mundo, para pessoas que celebram o assassinato de civis e que regozijam com o ódio e a violência. Amanhã Israel enterrará seus mortos. Os israelenses pensarão nas pessoas sequestradas, se reagruparão e se lançarão para vencer esta batalha. Mas o acerto de contas com a própria alma terá de ocorrer algum dia. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

*Meir foi conselheira sênior de Naftali Bennett quando ele exerceu a função de primeiro-ministro de Israel.

THE NEW YORK TIMES — Sábado passado será lembrado como um dos dias mais desoladores na história de Israel.

Os eventos lembraram muito os ataques que completaram 50 anos na semana passada, ocorridos na manhã do Yom Kippur, o dia mais sagrado do calendário judaico. Naquele dia, em outubro de 1973, o Estado de Israel foi atacado por uma coalizão árabe, dando início a uma guerra brutal, de três semanas. O país sobreviveu somente em razão do enorme sacrifício de seus jovens homens e mulheres. Esse conflito traumatizou uma geração inteira de israelenses e transformou o país profundamente.

Sábado passado foi nosso 1973.

Soldados israelenses assumem posições perto do Kibbutz Kfar Azza na terça-feira, 10 de outubro de 2023. Militantes do Hamas invadiram Kfar Azza no sábado, onde muitos israelenses foram mortos e levados em cativeiro.  Foto: Ohad Zwigenberg / AP

Os vídeos que circularam de israelenses — mulheres, crianças, pessoas idosas — tomados como reféns, indefesos, nos assombrarão pelo resto de nossas vidas. Essas imagens são a antítese não apenas do ethos israelense básico de autodefesa, mas também da razão de existência do país enquanto abrigo seguro para os judeus.

Elas abalaram nosso âmago, mas nós não podemos ficar paralisados, em choque. Nós não temos tempo para digerir os horrores. As Forças de Defesa de Israel precisam encontrar vigor para se reagrupar imediatamente e, uma vez que controlarem a situação dentro das fronteiras de Israel, têm de se recalibrar e retaliar de uma maneira que responsabilize o Hamas e seus aliados e possua também lógica estratégica. Nossa liderança política também tem de reexaminar o caminho que traçou e mudar de curso significativamente.

Esses eventos trágicos têm um protagonista: o Hamas. Mas há dois grandes pontos cegos para Israel que evitaram que nós reconhecêssemos e preveníssemos algo que deveríamos ter detectado. O primeiro foi uma política tentando apaziguar o inimigo, na esperança de que o Hamas algum dia abandonasse sua raiz jihadista. Em vez disso, foi o braço militar do Hamas que cresceu — de uma pequena organização para um poderoso exército. Nosso segundo ponto cego foi permitir que nossas diferenças políticas internas nos consumissem, tirando nosso foco de ameaças externas e dividindo tanto nossa sociedade quanto, criticamente, nosso Exército.

Em quatro anos, Israel realizou três operações militares em Gaza para combater a Jihad Islâmica, uma organização palestina a serviço do Irã. O Hamas, partido governante de Gaza, que opera um exército com dezenas de milhares de mísseis e várias unidades de elite, foi em grande medida deixado em paz desde a operação Guardião das Muralhas, de 2021. Nós pagamos o preço da guerra — assim como os civis em Gaza — por nenhum ganho estratégico. Por quê? Porque a Jihad Islâmica era o alvo fácil. Israel quis evitar uma guerra grande em Gaza e obteve em troca um massacre dentro do país.

Enquanto isso, o Hamas manobrou para abrir o caminho até este momento. O grupo assegurou uma imunidade de facto com Israel e conseguiu uma mesada do Catar para suprir as necessidades básicas da população, garantindo que não houvesse uma revolta popular. Tanto políticos quanto oficiais militares passaram os dois anos recentes fazendo o público acreditar que o Hamas estava refreado, que o grupo não estava mais interessado numa escalada total e internalizava sua função como governo legítimo de Gaza.

Agora, muitos em Israel perguntam-se, compreensivelmente, como uma das melhores operações de inteligência no mundo não conseguiu detectar os sinais? Uma resposta é que nós tendemos a ignorar detalhes de acordo com nossas pré-concepções — que, neste caso, resultaram de uma percepção equivocada a respeito do que é o Hamas e sobre suas reais intenções.

Soldados israelenses ao lado dos corpos de israelenses mortos por terroristas do Hamas no kibutz Kfar Azza na terça-feira, 10 de outubro de 2023.  Foto: Ohad Zwigenberg / AP

Mas isto é apenas parte da história.

Nos cinco anos recentes, conforme Israel dissolveu consecutivos governos e manteve-se dividido em consecutivas eleições, ainda mais no ano que passou desde que Binyamin Netanyahu voltou a se eleger primeiro-ministro, o país tem se ocupado com a própria fragmentação vinda de dentro. O Estado judaico parece ter esquecido sua segunda função no mundo, de lugar que simboliza a ideia da solidariedade do povo judeu. Os israelenses, em vez disso, entraram numa guerra total — não contra terroristas, mas contra si mesmos.

Ao longo de quase 40 semanas, conforme as batalhas decorrentes da reforma no Judiciário emergiram violentamente, questões antigas a respeito de identidades e afiliações religiosas, assim como etnias, classes e privilégios, sacudiram a população. O Estado de Israel é mais judaico ou democrático? Muitos em Israel experimentaram ansiedades reais: a mudança no Judiciário, apresentada pelo governo mais direitista na história do país, pareceu ameaçar a natureza progressista de sua amada nação. Eles sentiram que estavam lutando pela alma do país e que nessa luta tudo valia e nada era sagrado — incluindo a anteriormente intocável ideia de os reservistas das Forças Armadas abandonarem obrigações militares. Apesar da turbulência nas ruas, a coalizão de governo se recusou a aceitar o fato de que, com uma tênue maioria, não seria capaz de fazer vigorar mudanças sem estabelecer consensos e avançou com sua agenda aplicando diariamente políticas cada vez mais inquietantes.

Enquanto nação, o povo israelense agiu como se pudesse se dar ao luxo de travar uma feroz briga interna, do tipo em que seu rival político vira inimigo. Nós permitimos que a animosidade, a demagogia e o discurso envenenado das redes sociais tomassem nossa sociedade e fragmentassem o único Exército judaico no mundo. Eis a nossa tragédia. E ela carrega uma lição para outras democracias polarizadas: há alguém por aí esperando para de beneficiar de suas fraquezas de fabricação própria; este alguém é seu inimigo.

Se for possível algum tipo de reconciliação depois destes dias tão nefastos, Israel recuperará os sentidos pondo fim à crise política e formando um governo de unidade. Há muitas decisões difíceis à nossa espera após os funerais, a maior delas é trazer de volta para casa as crianças e todas outras as pessoas reféns dos terroristas do Hamas.

Os atos de profunda solidariedade que testemunhamos nos dias recentes nos recordam da nossa verdadeira natureza, sob os véus das diferenças políticas e dos antigos ressentimentos. Muitos abriram seus lares para famílias em fuga dos horrores no sul e entraram em fila para doar comida, água e sangue. E há os heróis que arriscaram — e em muitos casos sacrificaram — suas vidas vasculhando residências para salvar famílias.

Sábado foi um bom dia para jihadistas e seus apoiadores em todo o mundo, para pessoas que celebram o assassinato de civis e que regozijam com o ódio e a violência. Amanhã Israel enterrará seus mortos. Os israelenses pensarão nas pessoas sequestradas, se reagruparão e se lançarão para vencer esta batalha. Mas o acerto de contas com a própria alma terá de ocorrer algum dia. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

*Meir foi conselheira sênior de Naftali Bennett quando ele exerceu a função de primeiro-ministro de Israel.

THE NEW YORK TIMES — Sábado passado será lembrado como um dos dias mais desoladores na história de Israel.

Os eventos lembraram muito os ataques que completaram 50 anos na semana passada, ocorridos na manhã do Yom Kippur, o dia mais sagrado do calendário judaico. Naquele dia, em outubro de 1973, o Estado de Israel foi atacado por uma coalizão árabe, dando início a uma guerra brutal, de três semanas. O país sobreviveu somente em razão do enorme sacrifício de seus jovens homens e mulheres. Esse conflito traumatizou uma geração inteira de israelenses e transformou o país profundamente.

Sábado passado foi nosso 1973.

Soldados israelenses assumem posições perto do Kibbutz Kfar Azza na terça-feira, 10 de outubro de 2023. Militantes do Hamas invadiram Kfar Azza no sábado, onde muitos israelenses foram mortos e levados em cativeiro.  Foto: Ohad Zwigenberg / AP

Os vídeos que circularam de israelenses — mulheres, crianças, pessoas idosas — tomados como reféns, indefesos, nos assombrarão pelo resto de nossas vidas. Essas imagens são a antítese não apenas do ethos israelense básico de autodefesa, mas também da razão de existência do país enquanto abrigo seguro para os judeus.

Elas abalaram nosso âmago, mas nós não podemos ficar paralisados, em choque. Nós não temos tempo para digerir os horrores. As Forças de Defesa de Israel precisam encontrar vigor para se reagrupar imediatamente e, uma vez que controlarem a situação dentro das fronteiras de Israel, têm de se recalibrar e retaliar de uma maneira que responsabilize o Hamas e seus aliados e possua também lógica estratégica. Nossa liderança política também tem de reexaminar o caminho que traçou e mudar de curso significativamente.

Esses eventos trágicos têm um protagonista: o Hamas. Mas há dois grandes pontos cegos para Israel que evitaram que nós reconhecêssemos e preveníssemos algo que deveríamos ter detectado. O primeiro foi uma política tentando apaziguar o inimigo, na esperança de que o Hamas algum dia abandonasse sua raiz jihadista. Em vez disso, foi o braço militar do Hamas que cresceu — de uma pequena organização para um poderoso exército. Nosso segundo ponto cego foi permitir que nossas diferenças políticas internas nos consumissem, tirando nosso foco de ameaças externas e dividindo tanto nossa sociedade quanto, criticamente, nosso Exército.

Em quatro anos, Israel realizou três operações militares em Gaza para combater a Jihad Islâmica, uma organização palestina a serviço do Irã. O Hamas, partido governante de Gaza, que opera um exército com dezenas de milhares de mísseis e várias unidades de elite, foi em grande medida deixado em paz desde a operação Guardião das Muralhas, de 2021. Nós pagamos o preço da guerra — assim como os civis em Gaza — por nenhum ganho estratégico. Por quê? Porque a Jihad Islâmica era o alvo fácil. Israel quis evitar uma guerra grande em Gaza e obteve em troca um massacre dentro do país.

Enquanto isso, o Hamas manobrou para abrir o caminho até este momento. O grupo assegurou uma imunidade de facto com Israel e conseguiu uma mesada do Catar para suprir as necessidades básicas da população, garantindo que não houvesse uma revolta popular. Tanto políticos quanto oficiais militares passaram os dois anos recentes fazendo o público acreditar que o Hamas estava refreado, que o grupo não estava mais interessado numa escalada total e internalizava sua função como governo legítimo de Gaza.

Agora, muitos em Israel perguntam-se, compreensivelmente, como uma das melhores operações de inteligência no mundo não conseguiu detectar os sinais? Uma resposta é que nós tendemos a ignorar detalhes de acordo com nossas pré-concepções — que, neste caso, resultaram de uma percepção equivocada a respeito do que é o Hamas e sobre suas reais intenções.

Soldados israelenses ao lado dos corpos de israelenses mortos por terroristas do Hamas no kibutz Kfar Azza na terça-feira, 10 de outubro de 2023.  Foto: Ohad Zwigenberg / AP

Mas isto é apenas parte da história.

Nos cinco anos recentes, conforme Israel dissolveu consecutivos governos e manteve-se dividido em consecutivas eleições, ainda mais no ano que passou desde que Binyamin Netanyahu voltou a se eleger primeiro-ministro, o país tem se ocupado com a própria fragmentação vinda de dentro. O Estado judaico parece ter esquecido sua segunda função no mundo, de lugar que simboliza a ideia da solidariedade do povo judeu. Os israelenses, em vez disso, entraram numa guerra total — não contra terroristas, mas contra si mesmos.

Ao longo de quase 40 semanas, conforme as batalhas decorrentes da reforma no Judiciário emergiram violentamente, questões antigas a respeito de identidades e afiliações religiosas, assim como etnias, classes e privilégios, sacudiram a população. O Estado de Israel é mais judaico ou democrático? Muitos em Israel experimentaram ansiedades reais: a mudança no Judiciário, apresentada pelo governo mais direitista na história do país, pareceu ameaçar a natureza progressista de sua amada nação. Eles sentiram que estavam lutando pela alma do país e que nessa luta tudo valia e nada era sagrado — incluindo a anteriormente intocável ideia de os reservistas das Forças Armadas abandonarem obrigações militares. Apesar da turbulência nas ruas, a coalizão de governo se recusou a aceitar o fato de que, com uma tênue maioria, não seria capaz de fazer vigorar mudanças sem estabelecer consensos e avançou com sua agenda aplicando diariamente políticas cada vez mais inquietantes.

Enquanto nação, o povo israelense agiu como se pudesse se dar ao luxo de travar uma feroz briga interna, do tipo em que seu rival político vira inimigo. Nós permitimos que a animosidade, a demagogia e o discurso envenenado das redes sociais tomassem nossa sociedade e fragmentassem o único Exército judaico no mundo. Eis a nossa tragédia. E ela carrega uma lição para outras democracias polarizadas: há alguém por aí esperando para de beneficiar de suas fraquezas de fabricação própria; este alguém é seu inimigo.

Se for possível algum tipo de reconciliação depois destes dias tão nefastos, Israel recuperará os sentidos pondo fim à crise política e formando um governo de unidade. Há muitas decisões difíceis à nossa espera após os funerais, a maior delas é trazer de volta para casa as crianças e todas outras as pessoas reféns dos terroristas do Hamas.

Os atos de profunda solidariedade que testemunhamos nos dias recentes nos recordam da nossa verdadeira natureza, sob os véus das diferenças políticas e dos antigos ressentimentos. Muitos abriram seus lares para famílias em fuga dos horrores no sul e entraram em fila para doar comida, água e sangue. E há os heróis que arriscaram — e em muitos casos sacrificaram — suas vidas vasculhando residências para salvar famílias.

Sábado foi um bom dia para jihadistas e seus apoiadores em todo o mundo, para pessoas que celebram o assassinato de civis e que regozijam com o ódio e a violência. Amanhã Israel enterrará seus mortos. Os israelenses pensarão nas pessoas sequestradas, se reagruparão e se lançarão para vencer esta batalha. Mas o acerto de contas com a própria alma terá de ocorrer algum dia. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

*Meir foi conselheira sênior de Naftali Bennett quando ele exerceu a função de primeiro-ministro de Israel.

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