Hong Kong reabre para o turismo descontente com turistas chineses do continente


A volta dos grupos de turismo de baixo custo nos meses recentes, após as fronteiras da China terem sido fechadas no início de 2020, ressuscitou tensões antigas em uma cidade transformada pela repressão política de Pequim

Por David Pierson e Olivia Wang
Atualização:

THE NEW YORK TIMES, HONG KONG -Um a um, os ônibus de turismo chegaram a um bairro de classe trabalhadora em Hong Kong conhecido como To Kwa Wan — traduzido literalmente como Baía da Batata — descarregando uma multidão de viajantes oriundos da China continental diante de grandes restaurantes, onde refeições rápidas aguardavam quem desejasse almoçar.

Usando bonés brancos, vermelhos ou laranjas para indicar a que grupo pertenciam, os turistas lotaram as calçadas, fumando sob um cartaz de “Proibido fumar” e esbarrando na vitrine da agência imobiliária em que a corretora Nicky Lam trabalha.

“Eles são muito barulhentos”, afirmou Lam, reclamando que alguns turistas entram na empresa para usar o banheiro e beber água sem pedir permissão. “Um turista entrou e me pediu indicações de restaurantes”, acrescentou ela. “Eu olhei para o sujeito e disse, ‘Aqui é uma agência imobiliária’.”

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A volta dos grupos de turismo de baixo custo nos meses recentes, após as fronteiras da China terem sido fechadas no início de 2020, ressuscitou tensões antigas em uma cidade transformada pela repressão política de Pequim.

Turistas da China continental na Golden Bauhinia Square, no distrito de Wan Chai, em Hong Kong, em 16 de abril de 2023 Foto: Anthony Kwan/ NYT

Antes da pandemia, o fluxo de chineses do continente e seu dinheiro em Hong Kong mandou preços de mercadorias e valores de aluguéis às alturas, alimentando frustrações entres os moradores da cidade que por vezes se expressava em intolerância franca. Passados quase três anos desde que Pequim impôs uma abrangente lei de segurança nacional sobre Hong Kong para afirmar seu domínio político, críticas ao governo central com frequência foram abafadas.

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Agora, a resposta do público aos turistas de excursões — que adquirem pacotes que cobram a partir de US$ 175 por uma visita de dois dias — não tem sido acolhedora e certas vezes é totalmente rude.

Turistas atrapalham

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Moradores afirmam que os turistas — que tendem a viajar em grupos de duas dezenas ou mais — são ruidosos demais, atrapalham o tráfego e degradam a cidade por comer refeições prontas agachados em espaços públicos. Um grupo ofendeu sensibilidades locais por sorver sopa de macarrão instantâneo diante de um banheiro público em Repulse Bay, uma praia que concentra residências multimilionárias.

Até alguns membros da legislatura de Hong Kong, apinhada de legisladores pró-Pequim, têm perdido a paciência.

“Poderíamos ter alguns grupos turísticos de qualidade?”, perguntou Kitson Yang aos seus colegas durante uma sessão legislativa recente, mostrando fotos impressas de turistas inundando partes da cidade.

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Turistas da China continental comem em uma balsa em Victoria Harbour, Hong Kong, em 19 de abril de 2023 Foto: Anthony Kwan / NYT

Antes da pandemia, visitantes da China continental impulsionavam o turismo em Hong Kong, correspondendo a quase 80% da frequência em 2018. Depois que a cidade impôs algumas das mais rígidas medidas anticovid no planeta, restaurantes, hotéis e comércios de Hong Kong perderam movimento. A chegada das novas excursões de baixo custo coincide com um esforço do governo de ressuscitar o turismo na cidade de 7,5 milhões de habitantes. Principalmente em razão da falta de voos, porém, os visitantes que gastam mais não têm aparecido.

Os turistas dos pacotes de baixo custo não enfrentam esse problema porque viajam de ônibus ou barco. Mas donos de estabelecimentos comerciais na cidade têm reclamado a respeito de seus hábitos de consumo, que normalmente se restringem a pequenas compras de medicamentos nas farmácias locais — como viajar a Nova York e voltar apenas com um tubo de pomada Neosporin comprado em uma unidade da rede Walgreens.

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“Turistas de baixo orçamento são pessoas mais velhas, que não gastam muito”, afirmou recentemente William Chong, operador de uma farmácia em Kowloon, após um frenesi de atividade de seis minutos em sua loja — tempo que os guias turísticos permitem que cada grupo permaneça em qualquer estabelecimento comercial.

Um guia conduz um grupo de turistas chineses para fora de um restaurante no bairro de To Kwa Wan, em Hong Kong, em 11 de abril de 2023 Foto: Anthony Kwan / NYT

Na farmácia, os visitantes arremataram pomadas e café instantâneo, mas nem tocaram em itens mais caros, como ginseng.

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Em fóruns online contra o governo, os grupos de turistas fornecem matéria-prima para o escárnio, que remete aos dias em que alguns habitantes de Hong Kong usavam abertamente o termo “gafanhotos” para se referir aos chineses do continente que iam à cidade comprar fórmula de bebê em pó, medicamentos e cosméticos para revender na China continental.

Língua

A zombaria é recíproca. Usuários no continente do aplicativo Douyin, a versão do TikTok para consumo interno na China, têm feito vídeos em estilo câmera escondida zombando da falta de domínio sobre o mandarim dos cidadãos de Hong Kong, que falam predominantemente língua cantonesa. Outros postaram vídeos de situações em que sentiram ter sido ofendidos por garçons por falarem mandarim.

O ministro do turismo de Hong Kong, Kevin Yeung, pediu boa vontade aos cidadãos, apesar de defender mais controle em relação aos visitantes. “Os turistas lotam as ruas, mas isso é sinal de crescimento econômico”, afirmou Yeung recentemente em uma entrevista transmitida na TV. “O povo de Hong Kong sabe ser acolhedor. É hora de mostrarmos esse espírito novamente.”

Para lidar com as multidões cada vez maiores, policiais de tráfego passaram a direcionar os ônibus para bairros como To Kwa Wan. Grades de controle de multidão instaladas nas calçadas direcionam os turistas para os restaurantes.

Turistas da China continental fazem fila para embarcar em um ônibus no bairro de To Kwa Wan, em Hong Kong, em 11 de abril de 2023 Foto: Anthony Kwan/ NYT

“Eu passei três anos querendo viajar para cá, mas não conseguia por causa da pandemia”, afirmou Zhang Zhanbin, de 43 anos, da Província de Hebei, no norte da China, que visitava Hong Kong pela primeira vez em uma excursão de quatro dias que lhe custou cerca de US$ 400.

Zhang, um funcionário de fábrica que usa bigode, afirmou que não se importa com as queixas, porque Hong Kong está de volta às mãos da China, não é mais colônia britânica. “Eu não me preocupo muito a respeito das pessoas em Hong Kong nos discriminarem”, afirmou ele. “Afinal, Hong Kong foi devolvida.”

Hong Kong deveria ter mantido um alto grau de autonomia por 50 anos após sua devolução para o governo chinês, em 1997. Os protestos que tomaram a cidade em 2019 tinham objetivo de preservar essas liberdades e, em última instância, fracassaram. Sinais da virada autoritária passaram a salpicar a paisagem urbana, entre outdoors promovendo o Dia Nacional da Segurança na Educação e cartazes em exaltação ao líder supremo chinês, Xi Jinping.

Turistas da China continental esperam por um ônibus do lado de fora de um restaurante no bairro de To Kwa Wan, em Hong Kong Foto: Anthony Kwan/ NYT

Essas mudança tornaram Hong Kong mais atraente para visitantes do continente como Guo Xiuli, de 56 anos, funcionária pública aposentada da cidade de Chaozhou, no sul da China, que em uma manhã recente tirava fotos na Praça Golden Bauhinia, um popular ponto turístico no centro do distrito financeiro de Hong Kong.

Guo, que não integrava nenhum grupo de turismo de baixo custo, afirmou que foi tratada com mais respeito em comparação à sua primeira visita à cidade, em 2004, quando ela sentiu que falar mandarim a tornava alvo de intolerância.

“Eu senti rejeição, indiferença e impaciência especialmente quando falava com algum garçom ou pedia informações na rua”, afirmou Guo, que calçava sapatos de salto alto feitos de veludo vermelho e usava uma máscara enfeitada com renda e lantejoulas brilhantes. “Eu acho que é porque a economia do continente se desenvolveu”, continuou ela. “Hong Kong não é tão especial em comparação.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

THE NEW YORK TIMES, HONG KONG -Um a um, os ônibus de turismo chegaram a um bairro de classe trabalhadora em Hong Kong conhecido como To Kwa Wan — traduzido literalmente como Baía da Batata — descarregando uma multidão de viajantes oriundos da China continental diante de grandes restaurantes, onde refeições rápidas aguardavam quem desejasse almoçar.

Usando bonés brancos, vermelhos ou laranjas para indicar a que grupo pertenciam, os turistas lotaram as calçadas, fumando sob um cartaz de “Proibido fumar” e esbarrando na vitrine da agência imobiliária em que a corretora Nicky Lam trabalha.

“Eles são muito barulhentos”, afirmou Lam, reclamando que alguns turistas entram na empresa para usar o banheiro e beber água sem pedir permissão. “Um turista entrou e me pediu indicações de restaurantes”, acrescentou ela. “Eu olhei para o sujeito e disse, ‘Aqui é uma agência imobiliária’.”

A volta dos grupos de turismo de baixo custo nos meses recentes, após as fronteiras da China terem sido fechadas no início de 2020, ressuscitou tensões antigas em uma cidade transformada pela repressão política de Pequim.

Turistas da China continental na Golden Bauhinia Square, no distrito de Wan Chai, em Hong Kong, em 16 de abril de 2023 Foto: Anthony Kwan/ NYT

Antes da pandemia, o fluxo de chineses do continente e seu dinheiro em Hong Kong mandou preços de mercadorias e valores de aluguéis às alturas, alimentando frustrações entres os moradores da cidade que por vezes se expressava em intolerância franca. Passados quase três anos desde que Pequim impôs uma abrangente lei de segurança nacional sobre Hong Kong para afirmar seu domínio político, críticas ao governo central com frequência foram abafadas.

Agora, a resposta do público aos turistas de excursões — que adquirem pacotes que cobram a partir de US$ 175 por uma visita de dois dias — não tem sido acolhedora e certas vezes é totalmente rude.

Turistas atrapalham

Moradores afirmam que os turistas — que tendem a viajar em grupos de duas dezenas ou mais — são ruidosos demais, atrapalham o tráfego e degradam a cidade por comer refeições prontas agachados em espaços públicos. Um grupo ofendeu sensibilidades locais por sorver sopa de macarrão instantâneo diante de um banheiro público em Repulse Bay, uma praia que concentra residências multimilionárias.

Até alguns membros da legislatura de Hong Kong, apinhada de legisladores pró-Pequim, têm perdido a paciência.

“Poderíamos ter alguns grupos turísticos de qualidade?”, perguntou Kitson Yang aos seus colegas durante uma sessão legislativa recente, mostrando fotos impressas de turistas inundando partes da cidade.

Turistas da China continental comem em uma balsa em Victoria Harbour, Hong Kong, em 19 de abril de 2023 Foto: Anthony Kwan / NYT

Antes da pandemia, visitantes da China continental impulsionavam o turismo em Hong Kong, correspondendo a quase 80% da frequência em 2018. Depois que a cidade impôs algumas das mais rígidas medidas anticovid no planeta, restaurantes, hotéis e comércios de Hong Kong perderam movimento. A chegada das novas excursões de baixo custo coincide com um esforço do governo de ressuscitar o turismo na cidade de 7,5 milhões de habitantes. Principalmente em razão da falta de voos, porém, os visitantes que gastam mais não têm aparecido.

Os turistas dos pacotes de baixo custo não enfrentam esse problema porque viajam de ônibus ou barco. Mas donos de estabelecimentos comerciais na cidade têm reclamado a respeito de seus hábitos de consumo, que normalmente se restringem a pequenas compras de medicamentos nas farmácias locais — como viajar a Nova York e voltar apenas com um tubo de pomada Neosporin comprado em uma unidade da rede Walgreens.

“Turistas de baixo orçamento são pessoas mais velhas, que não gastam muito”, afirmou recentemente William Chong, operador de uma farmácia em Kowloon, após um frenesi de atividade de seis minutos em sua loja — tempo que os guias turísticos permitem que cada grupo permaneça em qualquer estabelecimento comercial.

Um guia conduz um grupo de turistas chineses para fora de um restaurante no bairro de To Kwa Wan, em Hong Kong, em 11 de abril de 2023 Foto: Anthony Kwan / NYT

Na farmácia, os visitantes arremataram pomadas e café instantâneo, mas nem tocaram em itens mais caros, como ginseng.

Em fóruns online contra o governo, os grupos de turistas fornecem matéria-prima para o escárnio, que remete aos dias em que alguns habitantes de Hong Kong usavam abertamente o termo “gafanhotos” para se referir aos chineses do continente que iam à cidade comprar fórmula de bebê em pó, medicamentos e cosméticos para revender na China continental.

Língua

A zombaria é recíproca. Usuários no continente do aplicativo Douyin, a versão do TikTok para consumo interno na China, têm feito vídeos em estilo câmera escondida zombando da falta de domínio sobre o mandarim dos cidadãos de Hong Kong, que falam predominantemente língua cantonesa. Outros postaram vídeos de situações em que sentiram ter sido ofendidos por garçons por falarem mandarim.

O ministro do turismo de Hong Kong, Kevin Yeung, pediu boa vontade aos cidadãos, apesar de defender mais controle em relação aos visitantes. “Os turistas lotam as ruas, mas isso é sinal de crescimento econômico”, afirmou Yeung recentemente em uma entrevista transmitida na TV. “O povo de Hong Kong sabe ser acolhedor. É hora de mostrarmos esse espírito novamente.”

Para lidar com as multidões cada vez maiores, policiais de tráfego passaram a direcionar os ônibus para bairros como To Kwa Wan. Grades de controle de multidão instaladas nas calçadas direcionam os turistas para os restaurantes.

Turistas da China continental fazem fila para embarcar em um ônibus no bairro de To Kwa Wan, em Hong Kong, em 11 de abril de 2023 Foto: Anthony Kwan/ NYT

“Eu passei três anos querendo viajar para cá, mas não conseguia por causa da pandemia”, afirmou Zhang Zhanbin, de 43 anos, da Província de Hebei, no norte da China, que visitava Hong Kong pela primeira vez em uma excursão de quatro dias que lhe custou cerca de US$ 400.

Zhang, um funcionário de fábrica que usa bigode, afirmou que não se importa com as queixas, porque Hong Kong está de volta às mãos da China, não é mais colônia britânica. “Eu não me preocupo muito a respeito das pessoas em Hong Kong nos discriminarem”, afirmou ele. “Afinal, Hong Kong foi devolvida.”

Hong Kong deveria ter mantido um alto grau de autonomia por 50 anos após sua devolução para o governo chinês, em 1997. Os protestos que tomaram a cidade em 2019 tinham objetivo de preservar essas liberdades e, em última instância, fracassaram. Sinais da virada autoritária passaram a salpicar a paisagem urbana, entre outdoors promovendo o Dia Nacional da Segurança na Educação e cartazes em exaltação ao líder supremo chinês, Xi Jinping.

Turistas da China continental esperam por um ônibus do lado de fora de um restaurante no bairro de To Kwa Wan, em Hong Kong Foto: Anthony Kwan/ NYT

Essas mudança tornaram Hong Kong mais atraente para visitantes do continente como Guo Xiuli, de 56 anos, funcionária pública aposentada da cidade de Chaozhou, no sul da China, que em uma manhã recente tirava fotos na Praça Golden Bauhinia, um popular ponto turístico no centro do distrito financeiro de Hong Kong.

Guo, que não integrava nenhum grupo de turismo de baixo custo, afirmou que foi tratada com mais respeito em comparação à sua primeira visita à cidade, em 2004, quando ela sentiu que falar mandarim a tornava alvo de intolerância.

“Eu senti rejeição, indiferença e impaciência especialmente quando falava com algum garçom ou pedia informações na rua”, afirmou Guo, que calçava sapatos de salto alto feitos de veludo vermelho e usava uma máscara enfeitada com renda e lantejoulas brilhantes. “Eu acho que é porque a economia do continente se desenvolveu”, continuou ela. “Hong Kong não é tão especial em comparação.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

THE NEW YORK TIMES, HONG KONG -Um a um, os ônibus de turismo chegaram a um bairro de classe trabalhadora em Hong Kong conhecido como To Kwa Wan — traduzido literalmente como Baía da Batata — descarregando uma multidão de viajantes oriundos da China continental diante de grandes restaurantes, onde refeições rápidas aguardavam quem desejasse almoçar.

Usando bonés brancos, vermelhos ou laranjas para indicar a que grupo pertenciam, os turistas lotaram as calçadas, fumando sob um cartaz de “Proibido fumar” e esbarrando na vitrine da agência imobiliária em que a corretora Nicky Lam trabalha.

“Eles são muito barulhentos”, afirmou Lam, reclamando que alguns turistas entram na empresa para usar o banheiro e beber água sem pedir permissão. “Um turista entrou e me pediu indicações de restaurantes”, acrescentou ela. “Eu olhei para o sujeito e disse, ‘Aqui é uma agência imobiliária’.”

A volta dos grupos de turismo de baixo custo nos meses recentes, após as fronteiras da China terem sido fechadas no início de 2020, ressuscitou tensões antigas em uma cidade transformada pela repressão política de Pequim.

Turistas da China continental na Golden Bauhinia Square, no distrito de Wan Chai, em Hong Kong, em 16 de abril de 2023 Foto: Anthony Kwan/ NYT

Antes da pandemia, o fluxo de chineses do continente e seu dinheiro em Hong Kong mandou preços de mercadorias e valores de aluguéis às alturas, alimentando frustrações entres os moradores da cidade que por vezes se expressava em intolerância franca. Passados quase três anos desde que Pequim impôs uma abrangente lei de segurança nacional sobre Hong Kong para afirmar seu domínio político, críticas ao governo central com frequência foram abafadas.

Agora, a resposta do público aos turistas de excursões — que adquirem pacotes que cobram a partir de US$ 175 por uma visita de dois dias — não tem sido acolhedora e certas vezes é totalmente rude.

Turistas atrapalham

Moradores afirmam que os turistas — que tendem a viajar em grupos de duas dezenas ou mais — são ruidosos demais, atrapalham o tráfego e degradam a cidade por comer refeições prontas agachados em espaços públicos. Um grupo ofendeu sensibilidades locais por sorver sopa de macarrão instantâneo diante de um banheiro público em Repulse Bay, uma praia que concentra residências multimilionárias.

Até alguns membros da legislatura de Hong Kong, apinhada de legisladores pró-Pequim, têm perdido a paciência.

“Poderíamos ter alguns grupos turísticos de qualidade?”, perguntou Kitson Yang aos seus colegas durante uma sessão legislativa recente, mostrando fotos impressas de turistas inundando partes da cidade.

Turistas da China continental comem em uma balsa em Victoria Harbour, Hong Kong, em 19 de abril de 2023 Foto: Anthony Kwan / NYT

Antes da pandemia, visitantes da China continental impulsionavam o turismo em Hong Kong, correspondendo a quase 80% da frequência em 2018. Depois que a cidade impôs algumas das mais rígidas medidas anticovid no planeta, restaurantes, hotéis e comércios de Hong Kong perderam movimento. A chegada das novas excursões de baixo custo coincide com um esforço do governo de ressuscitar o turismo na cidade de 7,5 milhões de habitantes. Principalmente em razão da falta de voos, porém, os visitantes que gastam mais não têm aparecido.

Os turistas dos pacotes de baixo custo não enfrentam esse problema porque viajam de ônibus ou barco. Mas donos de estabelecimentos comerciais na cidade têm reclamado a respeito de seus hábitos de consumo, que normalmente se restringem a pequenas compras de medicamentos nas farmácias locais — como viajar a Nova York e voltar apenas com um tubo de pomada Neosporin comprado em uma unidade da rede Walgreens.

“Turistas de baixo orçamento são pessoas mais velhas, que não gastam muito”, afirmou recentemente William Chong, operador de uma farmácia em Kowloon, após um frenesi de atividade de seis minutos em sua loja — tempo que os guias turísticos permitem que cada grupo permaneça em qualquer estabelecimento comercial.

Um guia conduz um grupo de turistas chineses para fora de um restaurante no bairro de To Kwa Wan, em Hong Kong, em 11 de abril de 2023 Foto: Anthony Kwan / NYT

Na farmácia, os visitantes arremataram pomadas e café instantâneo, mas nem tocaram em itens mais caros, como ginseng.

Em fóruns online contra o governo, os grupos de turistas fornecem matéria-prima para o escárnio, que remete aos dias em que alguns habitantes de Hong Kong usavam abertamente o termo “gafanhotos” para se referir aos chineses do continente que iam à cidade comprar fórmula de bebê em pó, medicamentos e cosméticos para revender na China continental.

Língua

A zombaria é recíproca. Usuários no continente do aplicativo Douyin, a versão do TikTok para consumo interno na China, têm feito vídeos em estilo câmera escondida zombando da falta de domínio sobre o mandarim dos cidadãos de Hong Kong, que falam predominantemente língua cantonesa. Outros postaram vídeos de situações em que sentiram ter sido ofendidos por garçons por falarem mandarim.

O ministro do turismo de Hong Kong, Kevin Yeung, pediu boa vontade aos cidadãos, apesar de defender mais controle em relação aos visitantes. “Os turistas lotam as ruas, mas isso é sinal de crescimento econômico”, afirmou Yeung recentemente em uma entrevista transmitida na TV. “O povo de Hong Kong sabe ser acolhedor. É hora de mostrarmos esse espírito novamente.”

Para lidar com as multidões cada vez maiores, policiais de tráfego passaram a direcionar os ônibus para bairros como To Kwa Wan. Grades de controle de multidão instaladas nas calçadas direcionam os turistas para os restaurantes.

Turistas da China continental fazem fila para embarcar em um ônibus no bairro de To Kwa Wan, em Hong Kong, em 11 de abril de 2023 Foto: Anthony Kwan/ NYT

“Eu passei três anos querendo viajar para cá, mas não conseguia por causa da pandemia”, afirmou Zhang Zhanbin, de 43 anos, da Província de Hebei, no norte da China, que visitava Hong Kong pela primeira vez em uma excursão de quatro dias que lhe custou cerca de US$ 400.

Zhang, um funcionário de fábrica que usa bigode, afirmou que não se importa com as queixas, porque Hong Kong está de volta às mãos da China, não é mais colônia britânica. “Eu não me preocupo muito a respeito das pessoas em Hong Kong nos discriminarem”, afirmou ele. “Afinal, Hong Kong foi devolvida.”

Hong Kong deveria ter mantido um alto grau de autonomia por 50 anos após sua devolução para o governo chinês, em 1997. Os protestos que tomaram a cidade em 2019 tinham objetivo de preservar essas liberdades e, em última instância, fracassaram. Sinais da virada autoritária passaram a salpicar a paisagem urbana, entre outdoors promovendo o Dia Nacional da Segurança na Educação e cartazes em exaltação ao líder supremo chinês, Xi Jinping.

Turistas da China continental esperam por um ônibus do lado de fora de um restaurante no bairro de To Kwa Wan, em Hong Kong Foto: Anthony Kwan/ NYT

Essas mudança tornaram Hong Kong mais atraente para visitantes do continente como Guo Xiuli, de 56 anos, funcionária pública aposentada da cidade de Chaozhou, no sul da China, que em uma manhã recente tirava fotos na Praça Golden Bauhinia, um popular ponto turístico no centro do distrito financeiro de Hong Kong.

Guo, que não integrava nenhum grupo de turismo de baixo custo, afirmou que foi tratada com mais respeito em comparação à sua primeira visita à cidade, em 2004, quando ela sentiu que falar mandarim a tornava alvo de intolerância.

“Eu senti rejeição, indiferença e impaciência especialmente quando falava com algum garçom ou pedia informações na rua”, afirmou Guo, que calçava sapatos de salto alto feitos de veludo vermelho e usava uma máscara enfeitada com renda e lantejoulas brilhantes. “Eu acho que é porque a economia do continente se desenvolveu”, continuou ela. “Hong Kong não é tão especial em comparação.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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