No sul da Argentina, um jovem casal de Bariloche questiona: como fazer planos para o futuro se os preços aumentam a cada dia? Com a inflação anual que passa dos 138%, o sonho de comprar uma casa ou um carro parece cada vez mais distante. É com essa frustração que os argentinos vão às urnas para eleger um novo presidente. A votação está marcada para domingo, dia 22 de outubro, e o libertário Javier Milei é apontado como favorito, impulsionado por um eleitorado jovem e desiludido com os setores mais tradicionais da política.
O assessor de investimentos Maximiliano Catriman, 32, e a estudante universitária Jazmin Venini, 21, tiveram contato com as ideias libertárias há cerca de três anos, durante a pandemia. Enquanto a Argentina estava sob um rígido controle de circulação, eles começaram a prestar atenção “naquele louco que gritava na televisão”. Se sentiram tão representados que, aos poucos, se aproximaram do Liberdade Avança, o pequeno partido de Milei, que tem apenas três deputados, contando com ele próprio.
Hoje, os dois dedicam o tempo livre para convencer outros jovens na província de Rio Negro das ideias libertárias e conquistar votos para Javier Milei. Foi assim, inclusive, que se aproximaram e viraram um casal.
“Quando fiz 18 anos, eu comecei a ver que, na vida política, as pessoas reclamam, mas não fazem nada, não se envolvem, não se comprometem, não tem solução”, lembra Jazmin ao contar que buscava “encontrar a própria voz”, quando se deparou com Javier Milei – e seus discursos estridentes.
“As pessoas não entendiam porque tinha um louco gritando na televisão. E sempre me chamou atenção”, conta Maximiliano. “Como pai de duas filhas, me incomodava muito a onda progressista no nosso país. Como os LGBT, um extremo feminismo e uma extrema esquerda invadiu todos os setores”, justifica.
Maximiliano e Jazmin são o que o estrategista político, co-diretor da consultoria Droit, Pedro Buttazzoni chama de “voto convicto” em Javier Milei, concentrado especialmente nos mais jovens.
“Ainda é um voto contra a política tradicional, mas com um componente de esperança. São pessoas que estão 100% convencidas de que Milei é o que a Argentina precisa. Defendem nas redes sociais, na mesa de jantar, convencem os pais”, aponta.
O casal nem sequer considera a possibilidade de votar em outros candidatos. Eles não veem clareza nas propostas de Patricia Bullrich, do grupo de oposição Juntos pela Mudança. Muito menos confiam no atual ministro da Economia, Sergio Massa, o candidato do peronismo.
Para eles, tanto o governo como a oposição representam uma continuidade das políticas de sempre. Por isso, embarcam no radicalismo de Milei, que promete dolarizar a economia e “dinamitar do Banco Central” como saídas para a crise.
Estadão na Argentina
“Na nossa cidade, um terreno custa US$ 200 mil e o salário vale, em média, 500 a 600 dólares por mês. Levando em conta o custo de vida, é impossível comprar um pedaço de terra. Não tem cálculo matemático”, reclama Maximiliano quando questionado sobre a inflação, que passou dos 138% ao ano na Argentina.
Além da incapacidade de fazer planos para o futuro, a juventude tem de lidar com a dura realidade da falta de emprego em uma economia desaquecida.
O desemprego na Argentina tem se mantido abaixo dos 7% desde a retomada pós-pandemia, o que contrasta com os números cada vez mais altos de pobreza. No entanto, a taxa aumenta quando analisada entre os jovens, quase triplicando os números nacionais, com cerca de 21% entre quem tem 18 a 24 anos, segundo dados do instituto de estatísticas.
Entre os que conseguem trabalho, quase 70% dos jovens se encontram na informalidade, frente a 37% da média nacional. A falta de acesso ao mercado atinge até mesmo os jovens com estudo superior e é ainda mais acentuada longe da região de Buenos Aires. Fora da capital, esse sentimento de frustração é ainda maior e encontra capilaridade nas promessas libertárias de Milei.
“Existe uma insatisfação porque no passado seus pais e avós tinham empregos, podiam ter uma casa, e hoje os jovens mal têm emprego”, relata Alfonso Recasens, estrategista e consultor político de San Luis, na região central da Argentina. “Vejo isso inclusive nos meus amigos que têm entre 26 e 30 anos aqui em San Luis. Mesmo que tenham estudado, eles não têm acesso a um emprego formal no setor privado. Muitos deles trabalham de forma independente”.
Essa frustração dos mais jovens não é exclusiva da Argentina. O problema é que lá esses ideais se tornaram praticamente inalcançáveis no País onde 40% da população vive na pobreza.
“Graças a um estado de bem estar social na Argentina, essa aspiração da classe média dizia que se você trabalhasse e se esforçasse chegaria em uma posição melhor que os pais”, afirma Paola Zuban, diretora da Zuban Córdoba, que realiza pesquisas de opinião na Argentina. “Isso ocorre em todo o mundo mas na Argentina tem muita relevância para este segmento da população de 16 a 30 anos, que correspondente a maior parte dos eleitores de Milei”.
Medo versus esperança
Ao prometer uma mudança drástica na realidade argentina e utilizar as redes sociais para difundir os seus ideais, Milei foi muito mais bem sucedido em capturar o eleitor cansado, mas que ainda tem esperanças. Muito mais do que a oposição tradicional encabeçada por Bullrich.
Depois das eleições primárias de agosto, em que Milei saiu vitorioso com 30% dos votos, análises apontavam para uma motivação baseada no desencanto e até raiva com a política. Como se o voto em Milei fosse um anti-voto nos políticos tradicionais, sejam eles o governo peronista ou a oposição macrista.
“É uma eleitorado muito heterogêneo no que diz respeito ao viés ideológico”, conclui Paola Zuban. Nas pesquisas com os eleitores de Javier Milei, de modo geral, eles estão de acordo com a ideia de liberalização da economia, com o fim de subsídios e redução de impostos. Por outro lado, a maior parte se diz contra as ideias mais polêmicas, como a proibição do aborto, a liberação de armas e o fim do Banco Central, diz ela.
“Pode parecer contraditório”, reconhece ela. “Mas a explicação está justamente na raiva que essa massa de eleitores que está desencantada com a política tradicional, que tem sido incapaz de cumprir as demandas sociais e provocou um descalabro na economia argentina. Uns endividando o país com o FMI, o Fundo Monetário Internacional, e outros sem conseguir conter a inflação crescente”.
Mas nem só pela raiva se dá o favoritismo de Javier Milei. Um estudo conduzido pelo Observatório de Psicologia Social Aplicada da Universidade de Buenos Aires, realizado na semana seguinte às PASO, 33% das pessoas disseram sentir esperança após ver o triunfo de Milei. Cerca de 30% sentiam incerteza e 28% admitiram ter medo. Outras emoções apontadas foram: perigo (26%), entusiasmo (21%), alegria (19%), tristeza (16%), desilusão (15%) e impotência (13%).“
A pesquisa faz um alerta em suas conclusões de que as eleições primárias parecem ter evidenciado uma nova divisão, que se soma às antigas da sociedade argentina – muito pautada no peronismo e anti-peronismo. Agora, haveria um mileismo e anti-mileismo. Divisão que é possível ser vista no questionamento de como os argentinos esperam que esteja o país em 4 anos de governo Milei, em que 38% responderam “muito pior que agora” e 26% responderam “muito melhor que agora”, o que pode ser somada com 24% que imaginam “algo de melhor” no futuro.
Quando questionadas sobre o que esperam dessas eleições presidenciais, 48% indicavam mudanças políticas e econômicas drásticas, outros 34% preferem mudanças moderadas e apenas 18% votavam pela continuidade.
“O estudo nos mostra que a figura de Patricia Bullrich ficou presa, sem perfil entre os extremos daqueles que querem uma mudança política e econômica drástica e rápida (eleitores de Milei) e os que preferem continuidade ou uma mudança mais parcimoniosa (eleitores mais próximos de Massa)”, aponta a pesquisa.
Essa nova divisão inclui até mesmo o que parecia ser consenso na sociedade argentina, como repúdio à ditadura no país que foi o único da América Latina a julgar seus militares logo no início da redemocratização. Agora, esse mesmo país pode eleger o candidato que nega o número de vítimas do regime militar.
“Não foram 30 mil desaparecidos, foram 8.753. Durante os anos 1970 houve uma guerra e nessa guerra as forças do Estado cometeram excessos”, disse em debate ao chamar a resistência contra ditadura de terrorismo.
“Nesses 40 anos de democracia argentina, havia um consenso majoritário, que incluía a defesa dos direitos humanos e um orgulho nacional por ser o único pais que julgou os militares e condenou as barbaridades do estado. O que chama atenção é que há uma parte da sociedade que está disposta a discutir essas questões que pareciam resolvidas”, destaca Paola Zuban.