Opinião|Imaginando um reavivamento do centrismo na América Latina


Superar a extrema polarização dos dias de hoje não é tarefa fácil. Mas uma política com mais foco em resultados é necessária, argumentam os autores

Por Mauricio Cárdenas* e Eduardo Levy Yeyati*

Muito tem se falado a respeito do crescente descontentamento político na América Latina, onde uma porcentagem em declínio da população está satisfeita com a democracia — mesmo em países nos quais indicadores sociais têm melhorado, como Chile, Colômbia ou Peru. Há um paradoxo que remonta aos escritos de Alexis de Tocqueville no século 19: o descontentamento social com frequência cresce à medida que as condições sociais melhoram. Os sintomas dessa aflição são bem conhecidos: desconfiança em relação ao sistema; desencanto com a política e os políticos tradicionais; uma fadiga social propensa a explodir em agitação civil; e a ascensão de outsiders com retóricas vagas antissistema que aprazem — e alimentam ainda mais — extremos ideológicos e polarizações antagônicas.

Os apologistas da atual “política da emoção” na América Latina — Jair Bolsonaro, Nayib Bukele, ou Javier Milei na direita; Andrés Manuel López Obrador ou Gustavo Petro na esquerda — surgiram como um desafio à política tradicional, amealhando a distribuição dos eleitores para posições extremas de populismos e dividindo sociedades em grupos antagônicos: “os puros” e “os corruptos”, para usar as palavras de Cas Mudde. “Nós contra eles”: uma confrontação egoísta que frequentemente justifica um desvio constante no sentido de democracias cada vez mais iliberais.

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Conforme afirmam títulos de recentes coleções de ensaios, o centro tem de se sustentar. Trata-se de uma abstração bem intencionada: o centro, em sua melhor forma, é um meio-termo essencial, no qual a direita e a esquerda se encontram para elaborar políticas capazes de sobreviver à alternância de poder e pertencer à sociedade como um todo; esteve no âmago de alguns dos avanços mais importantes e duradouros na América Latina ao longo dos 30 anos recentes. Ainda que possa ser considerado hoje fora de moda em toda a região e pelo Ocidente, o centrismo continua a sobreviver e produz resultados em certos países, como o Uruguai, onde a diversidade de interesses é refletida sem a “identificação negativa” que caracteriza afinidades políticas em países polarizados.

O presidente de El Salvador, Nayib Bukele, participa de um comício no Dia da Independência do país, em Ciudad Arce, El Salvador  Foto: Salvador Melendez/AP

Superando o nosso momento tribalista

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Os obstáculos para um novo centrismo hoje, contudo, são formidáveis.

Em 2017, um de nós perguntou a pessoas de um grupo diverso na Argentina em quem elas votariam numa eleição presidencial: Cristina Fernández de Kirchner (CFK) ou Mauricio Macri. Então lhes perguntamos o quanto elas concordavam com a introdução hipotética de uma renda básica universal (RBU). Cinquenta por cento dos eleitores de CFK aprovaram; assim como 66% dos eleitores de Macri. Nós repetimos o experimento, mas dessa vez perguntamos o quanto elas concordavam com um plano de RBU proposto por CFK. Nessa hipótese, 92% de seus eleitores apoiaram a RBU; assim como 7% dos eleitores de Macri. Nós repetimos o experimento trocando os nomes. Quanto eles concordariam com um plano de RBU proposto por Macri? Entre os eleitores de CFK, 14%; assim como 84% dos eleitores de Macri.

Se tivéssemos conduzido esse experimento com partidos políticos, o estudo teria recordado o artigo “Partidos acima de políticas”, de Geoffrey Cohen, a respeito da natureza “tribalista” das ideologias. Reconhecendo tanto a inspiração quanto a novidade, nós batizamos o nosso artigo como “Líderes acima de políticas”.

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Mas o ponto crucial aqui se relaciona com o desfecho do estudo: nós repetimos o experimento uma última vez, perguntando aos entrevistados o quanto eles concordariam com uma RBU proposta conjuntamente por CFK e Macri. Os níveis de apoio foram então os mesmos que teriam sido se o projeto não tivesse autoria específica; em alguns casos, até mais baixos. A conclusão: lealdades partidárias não são cumulativas; elas se cancelam ou subtraem uma à outra. Cooperação no mundo de hoje é kryptonita política.

No contexto da polarização contemporânea na Argentina — e, conjecturamos, em outras partes — a identificação é pessoal: reflete as visões em frequente mudança do líder a respeito de qualquer coisa, de deduções no imposto de renda a protecionismos comerciais, incluindo reformas nas pensões ou imigração ilegal — todos exemplos que, assim como a RBU, foram examinados no artigo com resultados similares. Mas, talvez de forma mais importante, a identificação também é negativa: a polarização age por meio da rejeição, portanto aproximar as visões sobre “eles” é visto como capitulação, ou até traição.

O presidente da Argentina, Javier Milei, discursa no Congresso da Argentina após apresentar o orçamento para 2025, no dia 15 de setembro  Foto: Natacha Pisarenko/AP
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Sem tempo para ‘gatopardismo’

Onde isso nos deixa?

Não há balas de prata nesse esforço. Não só os novos centristas têm de inovar (em suas prioridades, estratégias e abordagens comunicacionais), mas o centrismo deveria se tornar um novo movimento político, em vez de um retorno ao passado.

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Um ponto crítico e inicial para reavivar o centro é promover uma nova linhagem de políticos dispostos a romper com as práticas de corrupção, nepotismo e clientelismo que caracterizam há tanto tempo a política latino-americana. O novo centro não pode ser uma reciclagem de figurinhas carimbadas mascarada de transformação. O objetivo não deve ser ressuscitar o centro, mas sim reinventá-lo.

Qualquer mudança falsa de pessoal ou gatopardismo (termo em língua espanhola oriundo do romance “O leopardo”, de Giuseppe Tomasi di Lampedusa, resumido pela ironia paradoxal: “Tudo deve mudar para que tudo fique como está”) seriam notados facilmente, apenas alimentando mais desconfiança. Ainda que nem todo político experiente carregue o mesmo ranço, frequentemente percebido, os novos centristas, e até os antigos, precisariam se afastar do clássico estereótipo do “político”, no qual anos de uniformização — às vezes justificada — os encurralaram. Uma ruptura contundente com os políticos tradicionais é obrigatória. Alianças políticas de curto prazo apenas minarão a viabilidade do projeto político.

Essa nova vertente centrista também precisará aprender a dominar as novas táticas de comunicação em que os populistas se sobressaem, como o uso de mensagens diretas e simples e o apelo à emoção — emoções positivas de esperança em vez de sentimentos negativos de ódio e medo. Isso deve ser feito com cuidado para evitar a armadilha da polarização e de promessas infundadas que levam inevitavelmente à decepção. O novo centrista não poderá se esquivar de suas convicções nem temer enfrentar os populistas e os mitos que eles vendem ao público. Crucialmente, essas táticas têm de ser governadas por uma direção estratégica: moderação e equilíbrio não devem ser confundidos com conveniência e complacência.

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O presidente do México, Andrés Manuel Lopez Obrador, participa de um comício para celebrar o Dia da Independência do país  Foto: Carl De Souza/AFP

Os novos centristas precisam de uma nova agenda política. Terão de combater a exclusão e as desigualdades generalizadas na região, assim como as expectativas diminuídas por trás da atitude não cooperativa e egoísta que com frequência caracteriza o populismo antissistema. E terão de promover políticas que melhorem os padrões de vida a curto prazo sem comprometer a sustentabilidade a longo prazo. Em outras palavras, os novos centristas precisarão produzir resultados tangíveis e ao mesmo tempo evitar a retórica repulsiva que vende “dores no curto prazo para ganhos no longo prazo” e semeia frustrações e ceticismos, em última instância dando poder aos populistas. Inclusividade, transparência e sustentabilidade deveriam ser as palavras-chave do novo chamado à ação.

Mas uma nova agenda centrista também requer uma transformação profunda nos hábitos políticos, uma mudança de quantidade para qualidade, da antiquada e passiva distribuição por meio de transferências ficais que compensem o fracasso do Estado de bem-estar social para políticas modernas e proativas que priorizem a capacitação profissional e o acesso a serviços públicos de qualidade, assim como um Estado menor e mais eficiente. Ações que demonstrem que a política está a serviço do povo, não o contrário, conforme percebe-se frequentemente. Em suma, políticas em prol do que é justo.

Finalmente, uma nova agenda centrista tem a obrigação de ser mais ampla e jovem, cobrindo desafios inescapáveis: cuidado com o meio ambiente, inovação tecnológica, migrações e demografias, segurança e o equilíbrio sempre em mutação entre trabalho e lazer. Isso pode ser crítico para atrair eleitores mais jovens que logo se tornarão maiorias decisivas na maior parte das democracias ocidentais — não somente um gesto oportunista: os representantes precisam representar mais que apenas as preocupações específicas de sua própria faixa etária.

Fazer o centro parecer forte novamente

No esporte, jogadores ruins com frequência desperdiçam energia correndo atrás da bola ou não conseguindo antecipar o oponente, exaurindo-se com movimentos desnecessários. A polarização na América Latina é um pouco parecida com os esses maus jogadores: mudanças políticas imprevisíveis desestimulam os investimentos e fomentam estratégias defensivas (e ineficientes), ou diretamente a saída dos melhores pensadores, empreendedores e trabalhadores. O resultado: exceto por algumas poucas experiências de vida curta, um histórico decepcionante de baixo desenvolvimento e décadas perdidas.

O centrismo tem respostas para muitos problemas da América Latina. Centristas são capazes de alcançar um equilíbrio entre melhorias a curto prazo e resultados a longo prazo. Reformas e investimentos em áreas que surtem impacto direto sobre a capacidade da classe média de crescer progressivamente — educação e assistência de saúde, infraestrutura e segurança pessoal, conectividade e acesso a crédito — preservando, ao mesmo tempo, a estabilidade macroeconômica têm sido a pedra angular da estratégia centrista.

No entanto, o fracasso dos populistas não está atrelado à reconquista de eleitorados perdidos, mas pode facilmente fazer nossas combalidas democracias entrarem num movimento pendular cada vez maior entre populismos improvisados de direita e de esquerda por vários anos, em um jogo polarizador de soma negativa.

Para evitar esse desfazimento da democracia, nós precisamos de uma mudança verdadeira de regime dentro da classe política: uma nova linhagem de políticos que transformem uma agenda ampla e rejuvenescida de programas tecnocráticos numa plataforma política com um sentimento de missão, incluindo ações concretas nas áreas importantes para a maioria dos eleitores. Se crise é também oportunidade, nós estamos diante da chance do século de redefinir o centro político, a espinha dorsal das democracias liberais do Ocidente. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Muito tem se falado a respeito do crescente descontentamento político na América Latina, onde uma porcentagem em declínio da população está satisfeita com a democracia — mesmo em países nos quais indicadores sociais têm melhorado, como Chile, Colômbia ou Peru. Há um paradoxo que remonta aos escritos de Alexis de Tocqueville no século 19: o descontentamento social com frequência cresce à medida que as condições sociais melhoram. Os sintomas dessa aflição são bem conhecidos: desconfiança em relação ao sistema; desencanto com a política e os políticos tradicionais; uma fadiga social propensa a explodir em agitação civil; e a ascensão de outsiders com retóricas vagas antissistema que aprazem — e alimentam ainda mais — extremos ideológicos e polarizações antagônicas.

Os apologistas da atual “política da emoção” na América Latina — Jair Bolsonaro, Nayib Bukele, ou Javier Milei na direita; Andrés Manuel López Obrador ou Gustavo Petro na esquerda — surgiram como um desafio à política tradicional, amealhando a distribuição dos eleitores para posições extremas de populismos e dividindo sociedades em grupos antagônicos: “os puros” e “os corruptos”, para usar as palavras de Cas Mudde. “Nós contra eles”: uma confrontação egoísta que frequentemente justifica um desvio constante no sentido de democracias cada vez mais iliberais.

Conforme afirmam títulos de recentes coleções de ensaios, o centro tem de se sustentar. Trata-se de uma abstração bem intencionada: o centro, em sua melhor forma, é um meio-termo essencial, no qual a direita e a esquerda se encontram para elaborar políticas capazes de sobreviver à alternância de poder e pertencer à sociedade como um todo; esteve no âmago de alguns dos avanços mais importantes e duradouros na América Latina ao longo dos 30 anos recentes. Ainda que possa ser considerado hoje fora de moda em toda a região e pelo Ocidente, o centrismo continua a sobreviver e produz resultados em certos países, como o Uruguai, onde a diversidade de interesses é refletida sem a “identificação negativa” que caracteriza afinidades políticas em países polarizados.

O presidente de El Salvador, Nayib Bukele, participa de um comício no Dia da Independência do país, em Ciudad Arce, El Salvador  Foto: Salvador Melendez/AP

Superando o nosso momento tribalista

Os obstáculos para um novo centrismo hoje, contudo, são formidáveis.

Em 2017, um de nós perguntou a pessoas de um grupo diverso na Argentina em quem elas votariam numa eleição presidencial: Cristina Fernández de Kirchner (CFK) ou Mauricio Macri. Então lhes perguntamos o quanto elas concordavam com a introdução hipotética de uma renda básica universal (RBU). Cinquenta por cento dos eleitores de CFK aprovaram; assim como 66% dos eleitores de Macri. Nós repetimos o experimento, mas dessa vez perguntamos o quanto elas concordavam com um plano de RBU proposto por CFK. Nessa hipótese, 92% de seus eleitores apoiaram a RBU; assim como 7% dos eleitores de Macri. Nós repetimos o experimento trocando os nomes. Quanto eles concordariam com um plano de RBU proposto por Macri? Entre os eleitores de CFK, 14%; assim como 84% dos eleitores de Macri.

Se tivéssemos conduzido esse experimento com partidos políticos, o estudo teria recordado o artigo “Partidos acima de políticas”, de Geoffrey Cohen, a respeito da natureza “tribalista” das ideologias. Reconhecendo tanto a inspiração quanto a novidade, nós batizamos o nosso artigo como “Líderes acima de políticas”.

Mas o ponto crucial aqui se relaciona com o desfecho do estudo: nós repetimos o experimento uma última vez, perguntando aos entrevistados o quanto eles concordariam com uma RBU proposta conjuntamente por CFK e Macri. Os níveis de apoio foram então os mesmos que teriam sido se o projeto não tivesse autoria específica; em alguns casos, até mais baixos. A conclusão: lealdades partidárias não são cumulativas; elas se cancelam ou subtraem uma à outra. Cooperação no mundo de hoje é kryptonita política.

No contexto da polarização contemporânea na Argentina — e, conjecturamos, em outras partes — a identificação é pessoal: reflete as visões em frequente mudança do líder a respeito de qualquer coisa, de deduções no imposto de renda a protecionismos comerciais, incluindo reformas nas pensões ou imigração ilegal — todos exemplos que, assim como a RBU, foram examinados no artigo com resultados similares. Mas, talvez de forma mais importante, a identificação também é negativa: a polarização age por meio da rejeição, portanto aproximar as visões sobre “eles” é visto como capitulação, ou até traição.

O presidente da Argentina, Javier Milei, discursa no Congresso da Argentina após apresentar o orçamento para 2025, no dia 15 de setembro  Foto: Natacha Pisarenko/AP

Sem tempo para ‘gatopardismo’

Onde isso nos deixa?

Não há balas de prata nesse esforço. Não só os novos centristas têm de inovar (em suas prioridades, estratégias e abordagens comunicacionais), mas o centrismo deveria se tornar um novo movimento político, em vez de um retorno ao passado.

Um ponto crítico e inicial para reavivar o centro é promover uma nova linhagem de políticos dispostos a romper com as práticas de corrupção, nepotismo e clientelismo que caracterizam há tanto tempo a política latino-americana. O novo centro não pode ser uma reciclagem de figurinhas carimbadas mascarada de transformação. O objetivo não deve ser ressuscitar o centro, mas sim reinventá-lo.

Qualquer mudança falsa de pessoal ou gatopardismo (termo em língua espanhola oriundo do romance “O leopardo”, de Giuseppe Tomasi di Lampedusa, resumido pela ironia paradoxal: “Tudo deve mudar para que tudo fique como está”) seriam notados facilmente, apenas alimentando mais desconfiança. Ainda que nem todo político experiente carregue o mesmo ranço, frequentemente percebido, os novos centristas, e até os antigos, precisariam se afastar do clássico estereótipo do “político”, no qual anos de uniformização — às vezes justificada — os encurralaram. Uma ruptura contundente com os políticos tradicionais é obrigatória. Alianças políticas de curto prazo apenas minarão a viabilidade do projeto político.

Essa nova vertente centrista também precisará aprender a dominar as novas táticas de comunicação em que os populistas se sobressaem, como o uso de mensagens diretas e simples e o apelo à emoção — emoções positivas de esperança em vez de sentimentos negativos de ódio e medo. Isso deve ser feito com cuidado para evitar a armadilha da polarização e de promessas infundadas que levam inevitavelmente à decepção. O novo centrista não poderá se esquivar de suas convicções nem temer enfrentar os populistas e os mitos que eles vendem ao público. Crucialmente, essas táticas têm de ser governadas por uma direção estratégica: moderação e equilíbrio não devem ser confundidos com conveniência e complacência.

O presidente do México, Andrés Manuel Lopez Obrador, participa de um comício para celebrar o Dia da Independência do país  Foto: Carl De Souza/AFP

Os novos centristas precisam de uma nova agenda política. Terão de combater a exclusão e as desigualdades generalizadas na região, assim como as expectativas diminuídas por trás da atitude não cooperativa e egoísta que com frequência caracteriza o populismo antissistema. E terão de promover políticas que melhorem os padrões de vida a curto prazo sem comprometer a sustentabilidade a longo prazo. Em outras palavras, os novos centristas precisarão produzir resultados tangíveis e ao mesmo tempo evitar a retórica repulsiva que vende “dores no curto prazo para ganhos no longo prazo” e semeia frustrações e ceticismos, em última instância dando poder aos populistas. Inclusividade, transparência e sustentabilidade deveriam ser as palavras-chave do novo chamado à ação.

Mas uma nova agenda centrista também requer uma transformação profunda nos hábitos políticos, uma mudança de quantidade para qualidade, da antiquada e passiva distribuição por meio de transferências ficais que compensem o fracasso do Estado de bem-estar social para políticas modernas e proativas que priorizem a capacitação profissional e o acesso a serviços públicos de qualidade, assim como um Estado menor e mais eficiente. Ações que demonstrem que a política está a serviço do povo, não o contrário, conforme percebe-se frequentemente. Em suma, políticas em prol do que é justo.

Finalmente, uma nova agenda centrista tem a obrigação de ser mais ampla e jovem, cobrindo desafios inescapáveis: cuidado com o meio ambiente, inovação tecnológica, migrações e demografias, segurança e o equilíbrio sempre em mutação entre trabalho e lazer. Isso pode ser crítico para atrair eleitores mais jovens que logo se tornarão maiorias decisivas na maior parte das democracias ocidentais — não somente um gesto oportunista: os representantes precisam representar mais que apenas as preocupações específicas de sua própria faixa etária.

Fazer o centro parecer forte novamente

No esporte, jogadores ruins com frequência desperdiçam energia correndo atrás da bola ou não conseguindo antecipar o oponente, exaurindo-se com movimentos desnecessários. A polarização na América Latina é um pouco parecida com os esses maus jogadores: mudanças políticas imprevisíveis desestimulam os investimentos e fomentam estratégias defensivas (e ineficientes), ou diretamente a saída dos melhores pensadores, empreendedores e trabalhadores. O resultado: exceto por algumas poucas experiências de vida curta, um histórico decepcionante de baixo desenvolvimento e décadas perdidas.

O centrismo tem respostas para muitos problemas da América Latina. Centristas são capazes de alcançar um equilíbrio entre melhorias a curto prazo e resultados a longo prazo. Reformas e investimentos em áreas que surtem impacto direto sobre a capacidade da classe média de crescer progressivamente — educação e assistência de saúde, infraestrutura e segurança pessoal, conectividade e acesso a crédito — preservando, ao mesmo tempo, a estabilidade macroeconômica têm sido a pedra angular da estratégia centrista.

No entanto, o fracasso dos populistas não está atrelado à reconquista de eleitorados perdidos, mas pode facilmente fazer nossas combalidas democracias entrarem num movimento pendular cada vez maior entre populismos improvisados de direita e de esquerda por vários anos, em um jogo polarizador de soma negativa.

Para evitar esse desfazimento da democracia, nós precisamos de uma mudança verdadeira de regime dentro da classe política: uma nova linhagem de políticos que transformem uma agenda ampla e rejuvenescida de programas tecnocráticos numa plataforma política com um sentimento de missão, incluindo ações concretas nas áreas importantes para a maioria dos eleitores. Se crise é também oportunidade, nós estamos diante da chance do século de redefinir o centro político, a espinha dorsal das democracias liberais do Ocidente. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Muito tem se falado a respeito do crescente descontentamento político na América Latina, onde uma porcentagem em declínio da população está satisfeita com a democracia — mesmo em países nos quais indicadores sociais têm melhorado, como Chile, Colômbia ou Peru. Há um paradoxo que remonta aos escritos de Alexis de Tocqueville no século 19: o descontentamento social com frequência cresce à medida que as condições sociais melhoram. Os sintomas dessa aflição são bem conhecidos: desconfiança em relação ao sistema; desencanto com a política e os políticos tradicionais; uma fadiga social propensa a explodir em agitação civil; e a ascensão de outsiders com retóricas vagas antissistema que aprazem — e alimentam ainda mais — extremos ideológicos e polarizações antagônicas.

Os apologistas da atual “política da emoção” na América Latina — Jair Bolsonaro, Nayib Bukele, ou Javier Milei na direita; Andrés Manuel López Obrador ou Gustavo Petro na esquerda — surgiram como um desafio à política tradicional, amealhando a distribuição dos eleitores para posições extremas de populismos e dividindo sociedades em grupos antagônicos: “os puros” e “os corruptos”, para usar as palavras de Cas Mudde. “Nós contra eles”: uma confrontação egoísta que frequentemente justifica um desvio constante no sentido de democracias cada vez mais iliberais.

Conforme afirmam títulos de recentes coleções de ensaios, o centro tem de se sustentar. Trata-se de uma abstração bem intencionada: o centro, em sua melhor forma, é um meio-termo essencial, no qual a direita e a esquerda se encontram para elaborar políticas capazes de sobreviver à alternância de poder e pertencer à sociedade como um todo; esteve no âmago de alguns dos avanços mais importantes e duradouros na América Latina ao longo dos 30 anos recentes. Ainda que possa ser considerado hoje fora de moda em toda a região e pelo Ocidente, o centrismo continua a sobreviver e produz resultados em certos países, como o Uruguai, onde a diversidade de interesses é refletida sem a “identificação negativa” que caracteriza afinidades políticas em países polarizados.

O presidente de El Salvador, Nayib Bukele, participa de um comício no Dia da Independência do país, em Ciudad Arce, El Salvador  Foto: Salvador Melendez/AP

Superando o nosso momento tribalista

Os obstáculos para um novo centrismo hoje, contudo, são formidáveis.

Em 2017, um de nós perguntou a pessoas de um grupo diverso na Argentina em quem elas votariam numa eleição presidencial: Cristina Fernández de Kirchner (CFK) ou Mauricio Macri. Então lhes perguntamos o quanto elas concordavam com a introdução hipotética de uma renda básica universal (RBU). Cinquenta por cento dos eleitores de CFK aprovaram; assim como 66% dos eleitores de Macri. Nós repetimos o experimento, mas dessa vez perguntamos o quanto elas concordavam com um plano de RBU proposto por CFK. Nessa hipótese, 92% de seus eleitores apoiaram a RBU; assim como 7% dos eleitores de Macri. Nós repetimos o experimento trocando os nomes. Quanto eles concordariam com um plano de RBU proposto por Macri? Entre os eleitores de CFK, 14%; assim como 84% dos eleitores de Macri.

Se tivéssemos conduzido esse experimento com partidos políticos, o estudo teria recordado o artigo “Partidos acima de políticas”, de Geoffrey Cohen, a respeito da natureza “tribalista” das ideologias. Reconhecendo tanto a inspiração quanto a novidade, nós batizamos o nosso artigo como “Líderes acima de políticas”.

Mas o ponto crucial aqui se relaciona com o desfecho do estudo: nós repetimos o experimento uma última vez, perguntando aos entrevistados o quanto eles concordariam com uma RBU proposta conjuntamente por CFK e Macri. Os níveis de apoio foram então os mesmos que teriam sido se o projeto não tivesse autoria específica; em alguns casos, até mais baixos. A conclusão: lealdades partidárias não são cumulativas; elas se cancelam ou subtraem uma à outra. Cooperação no mundo de hoje é kryptonita política.

No contexto da polarização contemporânea na Argentina — e, conjecturamos, em outras partes — a identificação é pessoal: reflete as visões em frequente mudança do líder a respeito de qualquer coisa, de deduções no imposto de renda a protecionismos comerciais, incluindo reformas nas pensões ou imigração ilegal — todos exemplos que, assim como a RBU, foram examinados no artigo com resultados similares. Mas, talvez de forma mais importante, a identificação também é negativa: a polarização age por meio da rejeição, portanto aproximar as visões sobre “eles” é visto como capitulação, ou até traição.

O presidente da Argentina, Javier Milei, discursa no Congresso da Argentina após apresentar o orçamento para 2025, no dia 15 de setembro  Foto: Natacha Pisarenko/AP

Sem tempo para ‘gatopardismo’

Onde isso nos deixa?

Não há balas de prata nesse esforço. Não só os novos centristas têm de inovar (em suas prioridades, estratégias e abordagens comunicacionais), mas o centrismo deveria se tornar um novo movimento político, em vez de um retorno ao passado.

Um ponto crítico e inicial para reavivar o centro é promover uma nova linhagem de políticos dispostos a romper com as práticas de corrupção, nepotismo e clientelismo que caracterizam há tanto tempo a política latino-americana. O novo centro não pode ser uma reciclagem de figurinhas carimbadas mascarada de transformação. O objetivo não deve ser ressuscitar o centro, mas sim reinventá-lo.

Qualquer mudança falsa de pessoal ou gatopardismo (termo em língua espanhola oriundo do romance “O leopardo”, de Giuseppe Tomasi di Lampedusa, resumido pela ironia paradoxal: “Tudo deve mudar para que tudo fique como está”) seriam notados facilmente, apenas alimentando mais desconfiança. Ainda que nem todo político experiente carregue o mesmo ranço, frequentemente percebido, os novos centristas, e até os antigos, precisariam se afastar do clássico estereótipo do “político”, no qual anos de uniformização — às vezes justificada — os encurralaram. Uma ruptura contundente com os políticos tradicionais é obrigatória. Alianças políticas de curto prazo apenas minarão a viabilidade do projeto político.

Essa nova vertente centrista também precisará aprender a dominar as novas táticas de comunicação em que os populistas se sobressaem, como o uso de mensagens diretas e simples e o apelo à emoção — emoções positivas de esperança em vez de sentimentos negativos de ódio e medo. Isso deve ser feito com cuidado para evitar a armadilha da polarização e de promessas infundadas que levam inevitavelmente à decepção. O novo centrista não poderá se esquivar de suas convicções nem temer enfrentar os populistas e os mitos que eles vendem ao público. Crucialmente, essas táticas têm de ser governadas por uma direção estratégica: moderação e equilíbrio não devem ser confundidos com conveniência e complacência.

O presidente do México, Andrés Manuel Lopez Obrador, participa de um comício para celebrar o Dia da Independência do país  Foto: Carl De Souza/AFP

Os novos centristas precisam de uma nova agenda política. Terão de combater a exclusão e as desigualdades generalizadas na região, assim como as expectativas diminuídas por trás da atitude não cooperativa e egoísta que com frequência caracteriza o populismo antissistema. E terão de promover políticas que melhorem os padrões de vida a curto prazo sem comprometer a sustentabilidade a longo prazo. Em outras palavras, os novos centristas precisarão produzir resultados tangíveis e ao mesmo tempo evitar a retórica repulsiva que vende “dores no curto prazo para ganhos no longo prazo” e semeia frustrações e ceticismos, em última instância dando poder aos populistas. Inclusividade, transparência e sustentabilidade deveriam ser as palavras-chave do novo chamado à ação.

Mas uma nova agenda centrista também requer uma transformação profunda nos hábitos políticos, uma mudança de quantidade para qualidade, da antiquada e passiva distribuição por meio de transferências ficais que compensem o fracasso do Estado de bem-estar social para políticas modernas e proativas que priorizem a capacitação profissional e o acesso a serviços públicos de qualidade, assim como um Estado menor e mais eficiente. Ações que demonstrem que a política está a serviço do povo, não o contrário, conforme percebe-se frequentemente. Em suma, políticas em prol do que é justo.

Finalmente, uma nova agenda centrista tem a obrigação de ser mais ampla e jovem, cobrindo desafios inescapáveis: cuidado com o meio ambiente, inovação tecnológica, migrações e demografias, segurança e o equilíbrio sempre em mutação entre trabalho e lazer. Isso pode ser crítico para atrair eleitores mais jovens que logo se tornarão maiorias decisivas na maior parte das democracias ocidentais — não somente um gesto oportunista: os representantes precisam representar mais que apenas as preocupações específicas de sua própria faixa etária.

Fazer o centro parecer forte novamente

No esporte, jogadores ruins com frequência desperdiçam energia correndo atrás da bola ou não conseguindo antecipar o oponente, exaurindo-se com movimentos desnecessários. A polarização na América Latina é um pouco parecida com os esses maus jogadores: mudanças políticas imprevisíveis desestimulam os investimentos e fomentam estratégias defensivas (e ineficientes), ou diretamente a saída dos melhores pensadores, empreendedores e trabalhadores. O resultado: exceto por algumas poucas experiências de vida curta, um histórico decepcionante de baixo desenvolvimento e décadas perdidas.

O centrismo tem respostas para muitos problemas da América Latina. Centristas são capazes de alcançar um equilíbrio entre melhorias a curto prazo e resultados a longo prazo. Reformas e investimentos em áreas que surtem impacto direto sobre a capacidade da classe média de crescer progressivamente — educação e assistência de saúde, infraestrutura e segurança pessoal, conectividade e acesso a crédito — preservando, ao mesmo tempo, a estabilidade macroeconômica têm sido a pedra angular da estratégia centrista.

No entanto, o fracasso dos populistas não está atrelado à reconquista de eleitorados perdidos, mas pode facilmente fazer nossas combalidas democracias entrarem num movimento pendular cada vez maior entre populismos improvisados de direita e de esquerda por vários anos, em um jogo polarizador de soma negativa.

Para evitar esse desfazimento da democracia, nós precisamos de uma mudança verdadeira de regime dentro da classe política: uma nova linhagem de políticos que transformem uma agenda ampla e rejuvenescida de programas tecnocráticos numa plataforma política com um sentimento de missão, incluindo ações concretas nas áreas importantes para a maioria dos eleitores. Se crise é também oportunidade, nós estamos diante da chance do século de redefinir o centro político, a espinha dorsal das democracias liberais do Ocidente. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Muito tem se falado a respeito do crescente descontentamento político na América Latina, onde uma porcentagem em declínio da população está satisfeita com a democracia — mesmo em países nos quais indicadores sociais têm melhorado, como Chile, Colômbia ou Peru. Há um paradoxo que remonta aos escritos de Alexis de Tocqueville no século 19: o descontentamento social com frequência cresce à medida que as condições sociais melhoram. Os sintomas dessa aflição são bem conhecidos: desconfiança em relação ao sistema; desencanto com a política e os políticos tradicionais; uma fadiga social propensa a explodir em agitação civil; e a ascensão de outsiders com retóricas vagas antissistema que aprazem — e alimentam ainda mais — extremos ideológicos e polarizações antagônicas.

Os apologistas da atual “política da emoção” na América Latina — Jair Bolsonaro, Nayib Bukele, ou Javier Milei na direita; Andrés Manuel López Obrador ou Gustavo Petro na esquerda — surgiram como um desafio à política tradicional, amealhando a distribuição dos eleitores para posições extremas de populismos e dividindo sociedades em grupos antagônicos: “os puros” e “os corruptos”, para usar as palavras de Cas Mudde. “Nós contra eles”: uma confrontação egoísta que frequentemente justifica um desvio constante no sentido de democracias cada vez mais iliberais.

Conforme afirmam títulos de recentes coleções de ensaios, o centro tem de se sustentar. Trata-se de uma abstração bem intencionada: o centro, em sua melhor forma, é um meio-termo essencial, no qual a direita e a esquerda se encontram para elaborar políticas capazes de sobreviver à alternância de poder e pertencer à sociedade como um todo; esteve no âmago de alguns dos avanços mais importantes e duradouros na América Latina ao longo dos 30 anos recentes. Ainda que possa ser considerado hoje fora de moda em toda a região e pelo Ocidente, o centrismo continua a sobreviver e produz resultados em certos países, como o Uruguai, onde a diversidade de interesses é refletida sem a “identificação negativa” que caracteriza afinidades políticas em países polarizados.

O presidente de El Salvador, Nayib Bukele, participa de um comício no Dia da Independência do país, em Ciudad Arce, El Salvador  Foto: Salvador Melendez/AP

Superando o nosso momento tribalista

Os obstáculos para um novo centrismo hoje, contudo, são formidáveis.

Em 2017, um de nós perguntou a pessoas de um grupo diverso na Argentina em quem elas votariam numa eleição presidencial: Cristina Fernández de Kirchner (CFK) ou Mauricio Macri. Então lhes perguntamos o quanto elas concordavam com a introdução hipotética de uma renda básica universal (RBU). Cinquenta por cento dos eleitores de CFK aprovaram; assim como 66% dos eleitores de Macri. Nós repetimos o experimento, mas dessa vez perguntamos o quanto elas concordavam com um plano de RBU proposto por CFK. Nessa hipótese, 92% de seus eleitores apoiaram a RBU; assim como 7% dos eleitores de Macri. Nós repetimos o experimento trocando os nomes. Quanto eles concordariam com um plano de RBU proposto por Macri? Entre os eleitores de CFK, 14%; assim como 84% dos eleitores de Macri.

Se tivéssemos conduzido esse experimento com partidos políticos, o estudo teria recordado o artigo “Partidos acima de políticas”, de Geoffrey Cohen, a respeito da natureza “tribalista” das ideologias. Reconhecendo tanto a inspiração quanto a novidade, nós batizamos o nosso artigo como “Líderes acima de políticas”.

Mas o ponto crucial aqui se relaciona com o desfecho do estudo: nós repetimos o experimento uma última vez, perguntando aos entrevistados o quanto eles concordariam com uma RBU proposta conjuntamente por CFK e Macri. Os níveis de apoio foram então os mesmos que teriam sido se o projeto não tivesse autoria específica; em alguns casos, até mais baixos. A conclusão: lealdades partidárias não são cumulativas; elas se cancelam ou subtraem uma à outra. Cooperação no mundo de hoje é kryptonita política.

No contexto da polarização contemporânea na Argentina — e, conjecturamos, em outras partes — a identificação é pessoal: reflete as visões em frequente mudança do líder a respeito de qualquer coisa, de deduções no imposto de renda a protecionismos comerciais, incluindo reformas nas pensões ou imigração ilegal — todos exemplos que, assim como a RBU, foram examinados no artigo com resultados similares. Mas, talvez de forma mais importante, a identificação também é negativa: a polarização age por meio da rejeição, portanto aproximar as visões sobre “eles” é visto como capitulação, ou até traição.

O presidente da Argentina, Javier Milei, discursa no Congresso da Argentina após apresentar o orçamento para 2025, no dia 15 de setembro  Foto: Natacha Pisarenko/AP

Sem tempo para ‘gatopardismo’

Onde isso nos deixa?

Não há balas de prata nesse esforço. Não só os novos centristas têm de inovar (em suas prioridades, estratégias e abordagens comunicacionais), mas o centrismo deveria se tornar um novo movimento político, em vez de um retorno ao passado.

Um ponto crítico e inicial para reavivar o centro é promover uma nova linhagem de políticos dispostos a romper com as práticas de corrupção, nepotismo e clientelismo que caracterizam há tanto tempo a política latino-americana. O novo centro não pode ser uma reciclagem de figurinhas carimbadas mascarada de transformação. O objetivo não deve ser ressuscitar o centro, mas sim reinventá-lo.

Qualquer mudança falsa de pessoal ou gatopardismo (termo em língua espanhola oriundo do romance “O leopardo”, de Giuseppe Tomasi di Lampedusa, resumido pela ironia paradoxal: “Tudo deve mudar para que tudo fique como está”) seriam notados facilmente, apenas alimentando mais desconfiança. Ainda que nem todo político experiente carregue o mesmo ranço, frequentemente percebido, os novos centristas, e até os antigos, precisariam se afastar do clássico estereótipo do “político”, no qual anos de uniformização — às vezes justificada — os encurralaram. Uma ruptura contundente com os políticos tradicionais é obrigatória. Alianças políticas de curto prazo apenas minarão a viabilidade do projeto político.

Essa nova vertente centrista também precisará aprender a dominar as novas táticas de comunicação em que os populistas se sobressaem, como o uso de mensagens diretas e simples e o apelo à emoção — emoções positivas de esperança em vez de sentimentos negativos de ódio e medo. Isso deve ser feito com cuidado para evitar a armadilha da polarização e de promessas infundadas que levam inevitavelmente à decepção. O novo centrista não poderá se esquivar de suas convicções nem temer enfrentar os populistas e os mitos que eles vendem ao público. Crucialmente, essas táticas têm de ser governadas por uma direção estratégica: moderação e equilíbrio não devem ser confundidos com conveniência e complacência.

O presidente do México, Andrés Manuel Lopez Obrador, participa de um comício para celebrar o Dia da Independência do país  Foto: Carl De Souza/AFP

Os novos centristas precisam de uma nova agenda política. Terão de combater a exclusão e as desigualdades generalizadas na região, assim como as expectativas diminuídas por trás da atitude não cooperativa e egoísta que com frequência caracteriza o populismo antissistema. E terão de promover políticas que melhorem os padrões de vida a curto prazo sem comprometer a sustentabilidade a longo prazo. Em outras palavras, os novos centristas precisarão produzir resultados tangíveis e ao mesmo tempo evitar a retórica repulsiva que vende “dores no curto prazo para ganhos no longo prazo” e semeia frustrações e ceticismos, em última instância dando poder aos populistas. Inclusividade, transparência e sustentabilidade deveriam ser as palavras-chave do novo chamado à ação.

Mas uma nova agenda centrista também requer uma transformação profunda nos hábitos políticos, uma mudança de quantidade para qualidade, da antiquada e passiva distribuição por meio de transferências ficais que compensem o fracasso do Estado de bem-estar social para políticas modernas e proativas que priorizem a capacitação profissional e o acesso a serviços públicos de qualidade, assim como um Estado menor e mais eficiente. Ações que demonstrem que a política está a serviço do povo, não o contrário, conforme percebe-se frequentemente. Em suma, políticas em prol do que é justo.

Finalmente, uma nova agenda centrista tem a obrigação de ser mais ampla e jovem, cobrindo desafios inescapáveis: cuidado com o meio ambiente, inovação tecnológica, migrações e demografias, segurança e o equilíbrio sempre em mutação entre trabalho e lazer. Isso pode ser crítico para atrair eleitores mais jovens que logo se tornarão maiorias decisivas na maior parte das democracias ocidentais — não somente um gesto oportunista: os representantes precisam representar mais que apenas as preocupações específicas de sua própria faixa etária.

Fazer o centro parecer forte novamente

No esporte, jogadores ruins com frequência desperdiçam energia correndo atrás da bola ou não conseguindo antecipar o oponente, exaurindo-se com movimentos desnecessários. A polarização na América Latina é um pouco parecida com os esses maus jogadores: mudanças políticas imprevisíveis desestimulam os investimentos e fomentam estratégias defensivas (e ineficientes), ou diretamente a saída dos melhores pensadores, empreendedores e trabalhadores. O resultado: exceto por algumas poucas experiências de vida curta, um histórico decepcionante de baixo desenvolvimento e décadas perdidas.

O centrismo tem respostas para muitos problemas da América Latina. Centristas são capazes de alcançar um equilíbrio entre melhorias a curto prazo e resultados a longo prazo. Reformas e investimentos em áreas que surtem impacto direto sobre a capacidade da classe média de crescer progressivamente — educação e assistência de saúde, infraestrutura e segurança pessoal, conectividade e acesso a crédito — preservando, ao mesmo tempo, a estabilidade macroeconômica têm sido a pedra angular da estratégia centrista.

No entanto, o fracasso dos populistas não está atrelado à reconquista de eleitorados perdidos, mas pode facilmente fazer nossas combalidas democracias entrarem num movimento pendular cada vez maior entre populismos improvisados de direita e de esquerda por vários anos, em um jogo polarizador de soma negativa.

Para evitar esse desfazimento da democracia, nós precisamos de uma mudança verdadeira de regime dentro da classe política: uma nova linhagem de políticos que transformem uma agenda ampla e rejuvenescida de programas tecnocráticos numa plataforma política com um sentimento de missão, incluindo ações concretas nas áreas importantes para a maioria dos eleitores. Se crise é também oportunidade, nós estamos diante da chance do século de redefinir o centro político, a espinha dorsal das democracias liberais do Ocidente. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Muito tem se falado a respeito do crescente descontentamento político na América Latina, onde uma porcentagem em declínio da população está satisfeita com a democracia — mesmo em países nos quais indicadores sociais têm melhorado, como Chile, Colômbia ou Peru. Há um paradoxo que remonta aos escritos de Alexis de Tocqueville no século 19: o descontentamento social com frequência cresce à medida que as condições sociais melhoram. Os sintomas dessa aflição são bem conhecidos: desconfiança em relação ao sistema; desencanto com a política e os políticos tradicionais; uma fadiga social propensa a explodir em agitação civil; e a ascensão de outsiders com retóricas vagas antissistema que aprazem — e alimentam ainda mais — extremos ideológicos e polarizações antagônicas.

Os apologistas da atual “política da emoção” na América Latina — Jair Bolsonaro, Nayib Bukele, ou Javier Milei na direita; Andrés Manuel López Obrador ou Gustavo Petro na esquerda — surgiram como um desafio à política tradicional, amealhando a distribuição dos eleitores para posições extremas de populismos e dividindo sociedades em grupos antagônicos: “os puros” e “os corruptos”, para usar as palavras de Cas Mudde. “Nós contra eles”: uma confrontação egoísta que frequentemente justifica um desvio constante no sentido de democracias cada vez mais iliberais.

Conforme afirmam títulos de recentes coleções de ensaios, o centro tem de se sustentar. Trata-se de uma abstração bem intencionada: o centro, em sua melhor forma, é um meio-termo essencial, no qual a direita e a esquerda se encontram para elaborar políticas capazes de sobreviver à alternância de poder e pertencer à sociedade como um todo; esteve no âmago de alguns dos avanços mais importantes e duradouros na América Latina ao longo dos 30 anos recentes. Ainda que possa ser considerado hoje fora de moda em toda a região e pelo Ocidente, o centrismo continua a sobreviver e produz resultados em certos países, como o Uruguai, onde a diversidade de interesses é refletida sem a “identificação negativa” que caracteriza afinidades políticas em países polarizados.

O presidente de El Salvador, Nayib Bukele, participa de um comício no Dia da Independência do país, em Ciudad Arce, El Salvador  Foto: Salvador Melendez/AP

Superando o nosso momento tribalista

Os obstáculos para um novo centrismo hoje, contudo, são formidáveis.

Em 2017, um de nós perguntou a pessoas de um grupo diverso na Argentina em quem elas votariam numa eleição presidencial: Cristina Fernández de Kirchner (CFK) ou Mauricio Macri. Então lhes perguntamos o quanto elas concordavam com a introdução hipotética de uma renda básica universal (RBU). Cinquenta por cento dos eleitores de CFK aprovaram; assim como 66% dos eleitores de Macri. Nós repetimos o experimento, mas dessa vez perguntamos o quanto elas concordavam com um plano de RBU proposto por CFK. Nessa hipótese, 92% de seus eleitores apoiaram a RBU; assim como 7% dos eleitores de Macri. Nós repetimos o experimento trocando os nomes. Quanto eles concordariam com um plano de RBU proposto por Macri? Entre os eleitores de CFK, 14%; assim como 84% dos eleitores de Macri.

Se tivéssemos conduzido esse experimento com partidos políticos, o estudo teria recordado o artigo “Partidos acima de políticas”, de Geoffrey Cohen, a respeito da natureza “tribalista” das ideologias. Reconhecendo tanto a inspiração quanto a novidade, nós batizamos o nosso artigo como “Líderes acima de políticas”.

Mas o ponto crucial aqui se relaciona com o desfecho do estudo: nós repetimos o experimento uma última vez, perguntando aos entrevistados o quanto eles concordariam com uma RBU proposta conjuntamente por CFK e Macri. Os níveis de apoio foram então os mesmos que teriam sido se o projeto não tivesse autoria específica; em alguns casos, até mais baixos. A conclusão: lealdades partidárias não são cumulativas; elas se cancelam ou subtraem uma à outra. Cooperação no mundo de hoje é kryptonita política.

No contexto da polarização contemporânea na Argentina — e, conjecturamos, em outras partes — a identificação é pessoal: reflete as visões em frequente mudança do líder a respeito de qualquer coisa, de deduções no imposto de renda a protecionismos comerciais, incluindo reformas nas pensões ou imigração ilegal — todos exemplos que, assim como a RBU, foram examinados no artigo com resultados similares. Mas, talvez de forma mais importante, a identificação também é negativa: a polarização age por meio da rejeição, portanto aproximar as visões sobre “eles” é visto como capitulação, ou até traição.

O presidente da Argentina, Javier Milei, discursa no Congresso da Argentina após apresentar o orçamento para 2025, no dia 15 de setembro  Foto: Natacha Pisarenko/AP

Sem tempo para ‘gatopardismo’

Onde isso nos deixa?

Não há balas de prata nesse esforço. Não só os novos centristas têm de inovar (em suas prioridades, estratégias e abordagens comunicacionais), mas o centrismo deveria se tornar um novo movimento político, em vez de um retorno ao passado.

Um ponto crítico e inicial para reavivar o centro é promover uma nova linhagem de políticos dispostos a romper com as práticas de corrupção, nepotismo e clientelismo que caracterizam há tanto tempo a política latino-americana. O novo centro não pode ser uma reciclagem de figurinhas carimbadas mascarada de transformação. O objetivo não deve ser ressuscitar o centro, mas sim reinventá-lo.

Qualquer mudança falsa de pessoal ou gatopardismo (termo em língua espanhola oriundo do romance “O leopardo”, de Giuseppe Tomasi di Lampedusa, resumido pela ironia paradoxal: “Tudo deve mudar para que tudo fique como está”) seriam notados facilmente, apenas alimentando mais desconfiança. Ainda que nem todo político experiente carregue o mesmo ranço, frequentemente percebido, os novos centristas, e até os antigos, precisariam se afastar do clássico estereótipo do “político”, no qual anos de uniformização — às vezes justificada — os encurralaram. Uma ruptura contundente com os políticos tradicionais é obrigatória. Alianças políticas de curto prazo apenas minarão a viabilidade do projeto político.

Essa nova vertente centrista também precisará aprender a dominar as novas táticas de comunicação em que os populistas se sobressaem, como o uso de mensagens diretas e simples e o apelo à emoção — emoções positivas de esperança em vez de sentimentos negativos de ódio e medo. Isso deve ser feito com cuidado para evitar a armadilha da polarização e de promessas infundadas que levam inevitavelmente à decepção. O novo centrista não poderá se esquivar de suas convicções nem temer enfrentar os populistas e os mitos que eles vendem ao público. Crucialmente, essas táticas têm de ser governadas por uma direção estratégica: moderação e equilíbrio não devem ser confundidos com conveniência e complacência.

O presidente do México, Andrés Manuel Lopez Obrador, participa de um comício para celebrar o Dia da Independência do país  Foto: Carl De Souza/AFP

Os novos centristas precisam de uma nova agenda política. Terão de combater a exclusão e as desigualdades generalizadas na região, assim como as expectativas diminuídas por trás da atitude não cooperativa e egoísta que com frequência caracteriza o populismo antissistema. E terão de promover políticas que melhorem os padrões de vida a curto prazo sem comprometer a sustentabilidade a longo prazo. Em outras palavras, os novos centristas precisarão produzir resultados tangíveis e ao mesmo tempo evitar a retórica repulsiva que vende “dores no curto prazo para ganhos no longo prazo” e semeia frustrações e ceticismos, em última instância dando poder aos populistas. Inclusividade, transparência e sustentabilidade deveriam ser as palavras-chave do novo chamado à ação.

Mas uma nova agenda centrista também requer uma transformação profunda nos hábitos políticos, uma mudança de quantidade para qualidade, da antiquada e passiva distribuição por meio de transferências ficais que compensem o fracasso do Estado de bem-estar social para políticas modernas e proativas que priorizem a capacitação profissional e o acesso a serviços públicos de qualidade, assim como um Estado menor e mais eficiente. Ações que demonstrem que a política está a serviço do povo, não o contrário, conforme percebe-se frequentemente. Em suma, políticas em prol do que é justo.

Finalmente, uma nova agenda centrista tem a obrigação de ser mais ampla e jovem, cobrindo desafios inescapáveis: cuidado com o meio ambiente, inovação tecnológica, migrações e demografias, segurança e o equilíbrio sempre em mutação entre trabalho e lazer. Isso pode ser crítico para atrair eleitores mais jovens que logo se tornarão maiorias decisivas na maior parte das democracias ocidentais — não somente um gesto oportunista: os representantes precisam representar mais que apenas as preocupações específicas de sua própria faixa etária.

Fazer o centro parecer forte novamente

No esporte, jogadores ruins com frequência desperdiçam energia correndo atrás da bola ou não conseguindo antecipar o oponente, exaurindo-se com movimentos desnecessários. A polarização na América Latina é um pouco parecida com os esses maus jogadores: mudanças políticas imprevisíveis desestimulam os investimentos e fomentam estratégias defensivas (e ineficientes), ou diretamente a saída dos melhores pensadores, empreendedores e trabalhadores. O resultado: exceto por algumas poucas experiências de vida curta, um histórico decepcionante de baixo desenvolvimento e décadas perdidas.

O centrismo tem respostas para muitos problemas da América Latina. Centristas são capazes de alcançar um equilíbrio entre melhorias a curto prazo e resultados a longo prazo. Reformas e investimentos em áreas que surtem impacto direto sobre a capacidade da classe média de crescer progressivamente — educação e assistência de saúde, infraestrutura e segurança pessoal, conectividade e acesso a crédito — preservando, ao mesmo tempo, a estabilidade macroeconômica têm sido a pedra angular da estratégia centrista.

No entanto, o fracasso dos populistas não está atrelado à reconquista de eleitorados perdidos, mas pode facilmente fazer nossas combalidas democracias entrarem num movimento pendular cada vez maior entre populismos improvisados de direita e de esquerda por vários anos, em um jogo polarizador de soma negativa.

Para evitar esse desfazimento da democracia, nós precisamos de uma mudança verdadeira de regime dentro da classe política: uma nova linhagem de políticos que transformem uma agenda ampla e rejuvenescida de programas tecnocráticos numa plataforma política com um sentimento de missão, incluindo ações concretas nas áreas importantes para a maioria dos eleitores. Se crise é também oportunidade, nós estamos diante da chance do século de redefinir o centro político, a espinha dorsal das democracias liberais do Ocidente. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Opinião por Mauricio Cárdenas*

*Cárdenas é professor de prática profissional e diretor do MPA em liderança global da Escola de Relações Públicas e Internacionais da Universidade de Columbia. Foi ministro das Finanças da Colômbia de 2012 a 2018 e é membro do conselho editorial da AQ

Eduardo Levy Yeyati*

*Levy Yeyati, ex-economista-chefe do Banco Central da Argentina, é professor-titular da Escola de Governo da Universidade Torcuato di Tella, em Buenos Aires, e membro do conselho editorial da AQ

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