ENVIADA ESPECIAL A PUEBLA, MÉXICO - As ruas quase desertas, cortadas pela ferrovia, contrastam com o movimento de Puebla. É lá que um grupo com cinco imigrantes compartilha alimentos doados por moradores locais enquanto espera. O objetivo é pegar carona no trem de carga até a próxima parada, a Cidade do México, a cerca de 130 quilômetros.
No cardápio, melancia, abacaxi, laranjas, e um pouco de pão. Um tronco caído serve de banco no chão de terra batida e pedregulhos, que margeia os trilhos. As árvores fazem uma sombra rara naquele trecho e protegem da onda de calor que atinge o México. A temperatura na casa dos 30°C e o tempo seco transformavam a primavera num verão fora de época. Não havia mais ninguém ali.
O grupo se formou durante a caminhada, que já dura há um mês e meio, passando pela Guatemala antes de chegar ao México. Como muitos que passam por ali, eles atravessam o México em busca do sonho americano.
Idas e vindas
“Na travessia as pessoas vêm e vão. Uma hora estão aqui, depois não estão mais”, disse Valentina Morales, de 52 anos, enquanto cortava um pedaço de melancia e espantava as moscas que disputavam as frutas. Valentina conta que sua mãe vive no Texas e ainda pretende cruzar a fronteira pelo Rio Grande.
Os colegas de travessia têm histórias e destinos diferentes, mas os motivos para deixar Honduras se repetem: fogem da violência e da pobreza. Eles relatam que os trabalhos são escassos, pagam pouco e a desvalorização da moeda corrói a renda.
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Jenry, 51, é eletricista, mas conta que estava difícil conseguir trabalho no país, onde deixou esposa e filho. Do México, ele pretende chegar aos Estados Unidos, mas não soube dizer exatamente como.
Eswin, de 37 anos, desistiu dos EUA e pretende ficar em Monterrey, no norte do México, onde tem amigos. “Lá tem um albergue, o padre ajuda a encontrar emprego e tem um setor de construção forte”, disse ele, que trabalhava como cortador de café em Honduras.
Ele optou por não trazer a família pelos riscos do caminho. “É muito complicado. Agora, estamos esperando para pegar carona no trem. Quando ele passar, temos que jogar as coisas e nos agarrar”, disse gesticulando com os braços e as pernas. “É muito mais difícil fazer isso se você estiver com as crianças e muito perigoso, vimos algumas feridas no trajeto.”
Arriscando a vida nos trilhos
Para atender a imigrantes feridos na rota de Puebla, a Cruz Vermelha do México mantém há dez anos uma delegação fixa em Ciudade Certana, no norte do Estado, por onde passa “la besta” como é conhecido o trem de carga que vai até a fronteira com os EUA.
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Ferrovia que corta Puebla, no México, é uma das principais rotas dos imigrantes que pretendem chegar a fronteira Estados Unidos
“Atendemos pessoas com ferimentos severos em acidentes nos trilhos do trem. Pessoas com traumatismo craniano, com amputações parciais”, afirma Mario Alberto Ramírez Mauleón, coordenador de socorros da Cruz Vermelha em Puebla.
“Além dos acidentes nos trilhos, alguns imigrantes, depois que sobem no trem perdem a noção de direção e acabam se acidentando nos túneis por onde ele passa. Eles também enfrentam assaltos, agressões, fome. Há uma soma de riscos”, conclui.
O medo do crime organizado
Os grupos criminosos que se aproveitam dos imigrantes se somam aos perigos das longas caminhadas e caronas arriscadas, como a que pretendiam pegar no dia em que falaram com o Estadão. “Um dos maiores perigos são as gangues. Eles podem te matar ou te obrigar a traficar drogas”,
Foi o que o estudo da Faculdade de Ciência Política e Governo da Universidade Popular Autonoma de Puebla chamou de crescente “indústria da imigração” na região, com imigrantes enganados ou forçados a participar de atividades ilícitas de grupos criminosos.
Valentina, Jenry e Eswin consideram mais seguro viajar em um grupo menor. Eles estavam em cinco no total - os outros dois imigrantes, também de Honduras, não quiseram dar entrevista nem se identificar. Enquanto os colegas falavam, tentavam descansar, deitados no chão com os rostos cobertos por bonés.
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Perto deles, um cachorro de porte grande e pelo rajado se distraia mordendo uma garrafa plástica. Era Tony, adotado pelo grupo durante a travessia. Ao responder sobre como pretendiam leva-lo no trem, Eswin apontou, no canto, para uma caixa de transporte de animais, desbotada e amarrada por uma espécie de cadarço, que levavam juntou com as poucas mochilas e disse que eles já estavam apegados ao companheiro de viagem.
Esquecidos dos dois lados da fronteira
Puebla é uma das principais rotas para os imigrantes que passam pelo México, em sua maioria, na intenção de chegar aos Estados Unidos. A cidade tem um movimentado comércio popular, ao redor do terminal rodoviário, onde se vende de tudo: ponchos, roupas esportivas, sapatos, eletrônicos, doces e as tradicionais cemitas poblanas, sanduíche típico da região.
“Os imigrantes costumam passar por aqui andando, mas bem cedo, ainda na madrugada. Acho que até por causa da fiscalização”, disse um comerciante, que vendia doces perto de parada para caminhoneiros e micro-ônibus.
Perto dali há um albergue do governo para imigrantes. O prédio, sem qualquer identificação, lembra um depósito visto pelo lado de fora. Tem paredes brancas, telhado arredondado e um portão de ferro alto, todo fechado. O Estadão foi ao local, mas não teve autorização para entrar.
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Comércio popular, ao redor do terminal rodoviário de Puebla.
Com as portas fechadas nos EUA, os hondurenhos ainda sonham com dias melhores. O plano de Eswin, por exemplo, é juntar dinheiro e dar um futuro melhor aos filhos, de 7 e 8 anos.