Impopularidade, mobilização opositora e pressão internacional ameaçam planos de Maduro


Com oposição unida sob o respaldo de María Corina Machado, venezuelanos se mobilizam para buscar o fim da ditadura de Nicolás Maduro

Por Carolina Marins
Atualização:

Quando a líder opositora María Corina Machado ganhou as eleições primárias de 22 de outubro com 93% dos votos, Nicolás Maduro compreendeu que as próximas eleições presidenciais trariam um desafio real à sua ditadura.

Definidas para 28 de julho, as eleições deste ano prometem ser as mais importantes da Venezuela desde a ascensão de Hugo Chávez, não à toa os obstáculos para adversários tem sido cada vez maiores, como empecilhos para candidaturas e para registro de eleitores.

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Em 19 de abril, foi finalmente definido o nome do diplomata Edmundo González Urrutia como candidato da Plataforma Unitária Democrática (PUD), que reúne os principais partidos de oposição, para a disputa com Maduro. Mais de 10 outros candidatos também concorrem, em uma estratégia do chavismo para dissipar os votos opositores. No entanto, a união das oposições sob o respaldo de María Corina promete fazer de Urrutia um concorrente de peso.

Desde a confirmação da inabilitação de María Corina, em janeiro, cientistas e estrategistas políticos apontavam a necessidade cada vez maior de a oposição ir unida ao pleito. Demonstrações anteriores de força desta união, como as eleições legislativas de 2015 que deram aos opositores maioria qualificada na Assembleia Nacional, já davam pistas de que o caminho tinha de ser este.

Nicolás Maduro mostra uma cédula de votação em que sua imagem aparece 13 vezes Foto: Miguel Gutierrez/Palácio Miraflores/EFE
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“A população venezuelana sabe que o único mecanismo que realmente resta hoje para ação pacífica e democrática são as eleições, ainda que estas eleições não sejam as mais justas ou as mais transparentes, pelo contrário, talvez essa seja a eleição em piores condições dos últimos 25 anos”, aponta o analista político venezuelano Francisco Alfaro Pareja.

“Hoje os venezuelanos não contam com outra via de ação para pressionar por uma mudança. Diferentes estratégias no passado não funcionaram. Muitos poderiam dizer que até as eleições também não funcionaram”, completa, citando a mesma eleição de 2015 em que, depois da derrota, Maduro praticamente neutralizou o poder da Assembleia Nacional.

Ainda assim, o cenário é distinto, e dá sinais de que uma derrota do chavismo é uma possibilidade, embora a entrega do poder ainda seja uma dúvida. “Se a eleição ocorrer de maneira unida [entre os membros da oposição], é muito provável uma perda do poder por parte do governo”, afirma Alfaro Pareja.

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Estamos falando que talvez este seja o momento dos últimos 12 anos que o governo tem uma alta probabilidade de ser derrotado eleitoralmente.

Francisco Alfaro Pareja, analista político venezuelano

As condições

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Primeiro, tem a lição aprendida de 2015, e também das eleições de 2018, as últimas presidenciais em que a oposição decidiu promover um boicote - que foi atendido pela população - e acabou por eleger novamente Maduro. Desta vez, a oposição vai unida novamente, sob o nome de Urrutia que, por enquanto, não caiu nas barreiras de controle eleitoral.

Segundo, tem o respaldo de María Corina, que foi eleita com 93% dos votos em eleições primárias cuja participação eleitoral foi acima dos 60%. Suas caravanas na capital e no interior do país arrastam multidões e reforça a tese de que seu apoio será definidor para os resultados finais.

Terceiro, tem a baixa popularidade do governo, que hoje se encontra em torno de 20%, o que dá indícios que só a base chavista não será suficiente para justificar uma manutenção do poder.

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“Este é um governo muito desacreditado, um governo que fez uma gestão muito ruim, acusado de diversos casos de corrupção, violação de direitos humanos, etc. Hoje este governo não tem nada a oferecer. É verdade que muitos não conhecem Edmundo González Urrutia, mas todos conhecem Nicolás Maduro. Então, só de saber que há um candidato ali contra Nicolás Maduro já vai fazer com que as pessoas vão votar em quem estiver lá”, afirma Alfaro Pareja.

Participação eleitoral

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Por fim, há a mobilização eleitoral. Uma maior participação já havia sido demonstrada nas primárias e se consolidou com as filas de venezuelanos buscando fazer o registro eleitoral dentro e fora do país, apesar das inúmeras barreiras legais e burocráticas.

A própria organização da eleição primária contou com um forte respaldo popular, segundo observa a advogada e coordenadora da organização Voto Joven, Wanda Cedeño. “As primárias despertaram uma esperança cidadã em relação ao voto”, afirma. “E o processo do ano passado foi muito peculiar porque foi basicamente um processo organizado pelos cidadãos.”

Sem apoio técnico da Comissão Nacional Eleitoral (CNE), os próprios partidos organizaram as eleições primárias e contaram com apoio da população que ofereceu suas casas e pontos de comércio para organização e votação, além de fazer uma enorme campanha de divulgação.

O candidato da oposição, Edmundo González Urrutia Foto: Ronald Pena/AFP

“E aí vem um pouco esse elemento de mobilização social e de confiança no voto, porque de alguma forma houve uma grande participação cidadã e uma renovação em relação ao que poderia acontecer quando os venezuelanos se organizavam e votavam”, conclui Cedeño.

Como consequência, a Voto Joven viu um aumento no interesse de jovens que buscaram fazer o registro eleitoral pela primeira vez, apesar dos obstáculos colocados aos eleitores, como diminuição no tempo de inscrição e na disponibilidade de postos de registro.

“Os jovens em algum momento receberam tanta informação por parte das organizações, dado que o CNE não estava publicando nada, que começou uma espécie de ação orgânica de compartilhar tudo relacionado ao registro, as organizações que poderiam ajudá-los a se deslocarem até os pontos móveis de registro ou mesmo esclarecer suas dúvidas sobre os requisitos ou quanto durava o processo ou como fazê-lo”, completa a advogada.

O papel dos aliados e da pressão internacional

Outro episódio de destaque dessas eleições é o quanto elas estão ocorrendo sob uma preocupação crescente internacional. Muito mais enfraquecida hoje em dia do que nas eleições anteriores, a Venezuela tem hoje menos impacto internacional que no passado, onde suas gigantescas reservas de petróleo faziam brilhar os olhos mundiais.

No entanto, estas eleições ocorrem em um contexto de negociações entre oposição e governo em Barbados que, embora já tenham sido violadas, não foram descartadas; com Maduro sendo investigado no Tribunal Penal Internacional; e os EUA utilizando as sanções como moeda de barganha com o regime.

Acima de tudo, ocorrem com Luiz Inácio Lula da Silva de volta à presidência do Brasil e Gustavo Petro colocando a Colômbia sob um governo de esquerda pela primeira vez na história. Ambos são aliados de Maduro e fizeram críticas inéditas ao tratamento dado à oposição eleitoral.

O presidente da Colômbia, Gustavo Petro, visitou Maduro em Caracas em 9 de abril  Foto: Rayner Pena R/EFE

“Foram muito valiosas as declarações do presidente Petro e do presidente Lula para tentar ajudar para que nós na Venezuela consigamos entrar em alguns acordos e possamos utilizar a eleição para o bem”, celebrou o diretor do Observatório Eleitoral Venezuelano (OEV) Carlos Medina.

Em um encontro entre Lula e Petro em Bogotá em 17 de abril, o colombiano detalhou um plano de plebiscito para garantir a integridade e a segurança de quem sair derrotado nas eleições. Petro quer alcançar o que chama de “paz política e democrática”, cuja ideia é realizar uma consulta popular na Venezuela sobre um eventual acordo com garantias de que não haja perseguição aos derrotados.

“A pressão internacional tem exercido a necessidade de abrir uma janela de oportunidades”, concorda Xavier Rodríguez-Franco, cientista político e apresentador do podcast sobre política latino-americana Mirada Semanal. “Essa proposta do Petro ainda não é muito clara, mas indica que Petro e Lula poderiam estar falando com Maduro para fazer entender que é necessário abrir um pouco o jogo e o cenário eleitoral para que haja uma saída pacífica e que isso de alguma forma permita que a Venezuela retorne a uma certa normalidade política que não tem tido em mais de duas décadas.”

Em entrevista ao jornal espanhol El País, o candidato opositor afirmou que “sem dúvida” os posicionamentos de Lula e Petro ajudaram a sua candidatura. Ele complementou que está em contato com ambos os países, que demonstram grande “interesse e responsabilidade” e que juntos preparam um “plano de garantias” para as eleições, sem oferecer mais detalhes.

Ainda que sejam eleições importantes e com chances reais de derrota do chavismo, nada garante que haverá uma entrega de poder por parte de Maduro, observam os analistas. “É importante lembrar que entre a eleição presidencial e o momento da transferência de poder há aproximadamente seis meses de distância. Muitos dizem que esse poderia ser o período de tempo para discutir uma potencial transição, mas muitos analistas também dizem que o governo não está preparado para deixar o poder”, afirma Alfaro Pareja.

Em suas primeiras entrevistas, o candidato Edmundo González Urrutia indicou que pode oferecer uma transição “pacífica”, sem detalhar se isso seria um tipo de anistia ao chavismo. Este é o caminho mais lógico observado pelos analistas para que Maduro aceite entregar o poder. “Urrutia é um diplomata e caso se mostre aberto a dialogar, acho que o governo deveria aproveitar essa oportunidade”, finaliza.

Quando a líder opositora María Corina Machado ganhou as eleições primárias de 22 de outubro com 93% dos votos, Nicolás Maduro compreendeu que as próximas eleições presidenciais trariam um desafio real à sua ditadura.

Definidas para 28 de julho, as eleições deste ano prometem ser as mais importantes da Venezuela desde a ascensão de Hugo Chávez, não à toa os obstáculos para adversários tem sido cada vez maiores, como empecilhos para candidaturas e para registro de eleitores.

Em 19 de abril, foi finalmente definido o nome do diplomata Edmundo González Urrutia como candidato da Plataforma Unitária Democrática (PUD), que reúne os principais partidos de oposição, para a disputa com Maduro. Mais de 10 outros candidatos também concorrem, em uma estratégia do chavismo para dissipar os votos opositores. No entanto, a união das oposições sob o respaldo de María Corina promete fazer de Urrutia um concorrente de peso.

Desde a confirmação da inabilitação de María Corina, em janeiro, cientistas e estrategistas políticos apontavam a necessidade cada vez maior de a oposição ir unida ao pleito. Demonstrações anteriores de força desta união, como as eleições legislativas de 2015 que deram aos opositores maioria qualificada na Assembleia Nacional, já davam pistas de que o caminho tinha de ser este.

Nicolás Maduro mostra uma cédula de votação em que sua imagem aparece 13 vezes Foto: Miguel Gutierrez/Palácio Miraflores/EFE

“A população venezuelana sabe que o único mecanismo que realmente resta hoje para ação pacífica e democrática são as eleições, ainda que estas eleições não sejam as mais justas ou as mais transparentes, pelo contrário, talvez essa seja a eleição em piores condições dos últimos 25 anos”, aponta o analista político venezuelano Francisco Alfaro Pareja.

“Hoje os venezuelanos não contam com outra via de ação para pressionar por uma mudança. Diferentes estratégias no passado não funcionaram. Muitos poderiam dizer que até as eleições também não funcionaram”, completa, citando a mesma eleição de 2015 em que, depois da derrota, Maduro praticamente neutralizou o poder da Assembleia Nacional.

Ainda assim, o cenário é distinto, e dá sinais de que uma derrota do chavismo é uma possibilidade, embora a entrega do poder ainda seja uma dúvida. “Se a eleição ocorrer de maneira unida [entre os membros da oposição], é muito provável uma perda do poder por parte do governo”, afirma Alfaro Pareja.

Estamos falando que talvez este seja o momento dos últimos 12 anos que o governo tem uma alta probabilidade de ser derrotado eleitoralmente.

Francisco Alfaro Pareja, analista político venezuelano

As condições

Primeiro, tem a lição aprendida de 2015, e também das eleições de 2018, as últimas presidenciais em que a oposição decidiu promover um boicote - que foi atendido pela população - e acabou por eleger novamente Maduro. Desta vez, a oposição vai unida novamente, sob o nome de Urrutia que, por enquanto, não caiu nas barreiras de controle eleitoral.

Segundo, tem o respaldo de María Corina, que foi eleita com 93% dos votos em eleições primárias cuja participação eleitoral foi acima dos 60%. Suas caravanas na capital e no interior do país arrastam multidões e reforça a tese de que seu apoio será definidor para os resultados finais.

Terceiro, tem a baixa popularidade do governo, que hoje se encontra em torno de 20%, o que dá indícios que só a base chavista não será suficiente para justificar uma manutenção do poder.

“Este é um governo muito desacreditado, um governo que fez uma gestão muito ruim, acusado de diversos casos de corrupção, violação de direitos humanos, etc. Hoje este governo não tem nada a oferecer. É verdade que muitos não conhecem Edmundo González Urrutia, mas todos conhecem Nicolás Maduro. Então, só de saber que há um candidato ali contra Nicolás Maduro já vai fazer com que as pessoas vão votar em quem estiver lá”, afirma Alfaro Pareja.

Participação eleitoral

Por fim, há a mobilização eleitoral. Uma maior participação já havia sido demonstrada nas primárias e se consolidou com as filas de venezuelanos buscando fazer o registro eleitoral dentro e fora do país, apesar das inúmeras barreiras legais e burocráticas.

A própria organização da eleição primária contou com um forte respaldo popular, segundo observa a advogada e coordenadora da organização Voto Joven, Wanda Cedeño. “As primárias despertaram uma esperança cidadã em relação ao voto”, afirma. “E o processo do ano passado foi muito peculiar porque foi basicamente um processo organizado pelos cidadãos.”

Sem apoio técnico da Comissão Nacional Eleitoral (CNE), os próprios partidos organizaram as eleições primárias e contaram com apoio da população que ofereceu suas casas e pontos de comércio para organização e votação, além de fazer uma enorme campanha de divulgação.

O candidato da oposição, Edmundo González Urrutia Foto: Ronald Pena/AFP

“E aí vem um pouco esse elemento de mobilização social e de confiança no voto, porque de alguma forma houve uma grande participação cidadã e uma renovação em relação ao que poderia acontecer quando os venezuelanos se organizavam e votavam”, conclui Cedeño.

Como consequência, a Voto Joven viu um aumento no interesse de jovens que buscaram fazer o registro eleitoral pela primeira vez, apesar dos obstáculos colocados aos eleitores, como diminuição no tempo de inscrição e na disponibilidade de postos de registro.

“Os jovens em algum momento receberam tanta informação por parte das organizações, dado que o CNE não estava publicando nada, que começou uma espécie de ação orgânica de compartilhar tudo relacionado ao registro, as organizações que poderiam ajudá-los a se deslocarem até os pontos móveis de registro ou mesmo esclarecer suas dúvidas sobre os requisitos ou quanto durava o processo ou como fazê-lo”, completa a advogada.

O papel dos aliados e da pressão internacional

Outro episódio de destaque dessas eleições é o quanto elas estão ocorrendo sob uma preocupação crescente internacional. Muito mais enfraquecida hoje em dia do que nas eleições anteriores, a Venezuela tem hoje menos impacto internacional que no passado, onde suas gigantescas reservas de petróleo faziam brilhar os olhos mundiais.

No entanto, estas eleições ocorrem em um contexto de negociações entre oposição e governo em Barbados que, embora já tenham sido violadas, não foram descartadas; com Maduro sendo investigado no Tribunal Penal Internacional; e os EUA utilizando as sanções como moeda de barganha com o regime.

Acima de tudo, ocorrem com Luiz Inácio Lula da Silva de volta à presidência do Brasil e Gustavo Petro colocando a Colômbia sob um governo de esquerda pela primeira vez na história. Ambos são aliados de Maduro e fizeram críticas inéditas ao tratamento dado à oposição eleitoral.

O presidente da Colômbia, Gustavo Petro, visitou Maduro em Caracas em 9 de abril  Foto: Rayner Pena R/EFE

“Foram muito valiosas as declarações do presidente Petro e do presidente Lula para tentar ajudar para que nós na Venezuela consigamos entrar em alguns acordos e possamos utilizar a eleição para o bem”, celebrou o diretor do Observatório Eleitoral Venezuelano (OEV) Carlos Medina.

Em um encontro entre Lula e Petro em Bogotá em 17 de abril, o colombiano detalhou um plano de plebiscito para garantir a integridade e a segurança de quem sair derrotado nas eleições. Petro quer alcançar o que chama de “paz política e democrática”, cuja ideia é realizar uma consulta popular na Venezuela sobre um eventual acordo com garantias de que não haja perseguição aos derrotados.

“A pressão internacional tem exercido a necessidade de abrir uma janela de oportunidades”, concorda Xavier Rodríguez-Franco, cientista político e apresentador do podcast sobre política latino-americana Mirada Semanal. “Essa proposta do Petro ainda não é muito clara, mas indica que Petro e Lula poderiam estar falando com Maduro para fazer entender que é necessário abrir um pouco o jogo e o cenário eleitoral para que haja uma saída pacífica e que isso de alguma forma permita que a Venezuela retorne a uma certa normalidade política que não tem tido em mais de duas décadas.”

Em entrevista ao jornal espanhol El País, o candidato opositor afirmou que “sem dúvida” os posicionamentos de Lula e Petro ajudaram a sua candidatura. Ele complementou que está em contato com ambos os países, que demonstram grande “interesse e responsabilidade” e que juntos preparam um “plano de garantias” para as eleições, sem oferecer mais detalhes.

Ainda que sejam eleições importantes e com chances reais de derrota do chavismo, nada garante que haverá uma entrega de poder por parte de Maduro, observam os analistas. “É importante lembrar que entre a eleição presidencial e o momento da transferência de poder há aproximadamente seis meses de distância. Muitos dizem que esse poderia ser o período de tempo para discutir uma potencial transição, mas muitos analistas também dizem que o governo não está preparado para deixar o poder”, afirma Alfaro Pareja.

Em suas primeiras entrevistas, o candidato Edmundo González Urrutia indicou que pode oferecer uma transição “pacífica”, sem detalhar se isso seria um tipo de anistia ao chavismo. Este é o caminho mais lógico observado pelos analistas para que Maduro aceite entregar o poder. “Urrutia é um diplomata e caso se mostre aberto a dialogar, acho que o governo deveria aproveitar essa oportunidade”, finaliza.

Quando a líder opositora María Corina Machado ganhou as eleições primárias de 22 de outubro com 93% dos votos, Nicolás Maduro compreendeu que as próximas eleições presidenciais trariam um desafio real à sua ditadura.

Definidas para 28 de julho, as eleições deste ano prometem ser as mais importantes da Venezuela desde a ascensão de Hugo Chávez, não à toa os obstáculos para adversários tem sido cada vez maiores, como empecilhos para candidaturas e para registro de eleitores.

Em 19 de abril, foi finalmente definido o nome do diplomata Edmundo González Urrutia como candidato da Plataforma Unitária Democrática (PUD), que reúne os principais partidos de oposição, para a disputa com Maduro. Mais de 10 outros candidatos também concorrem, em uma estratégia do chavismo para dissipar os votos opositores. No entanto, a união das oposições sob o respaldo de María Corina promete fazer de Urrutia um concorrente de peso.

Desde a confirmação da inabilitação de María Corina, em janeiro, cientistas e estrategistas políticos apontavam a necessidade cada vez maior de a oposição ir unida ao pleito. Demonstrações anteriores de força desta união, como as eleições legislativas de 2015 que deram aos opositores maioria qualificada na Assembleia Nacional, já davam pistas de que o caminho tinha de ser este.

Nicolás Maduro mostra uma cédula de votação em que sua imagem aparece 13 vezes Foto: Miguel Gutierrez/Palácio Miraflores/EFE

“A população venezuelana sabe que o único mecanismo que realmente resta hoje para ação pacífica e democrática são as eleições, ainda que estas eleições não sejam as mais justas ou as mais transparentes, pelo contrário, talvez essa seja a eleição em piores condições dos últimos 25 anos”, aponta o analista político venezuelano Francisco Alfaro Pareja.

“Hoje os venezuelanos não contam com outra via de ação para pressionar por uma mudança. Diferentes estratégias no passado não funcionaram. Muitos poderiam dizer que até as eleições também não funcionaram”, completa, citando a mesma eleição de 2015 em que, depois da derrota, Maduro praticamente neutralizou o poder da Assembleia Nacional.

Ainda assim, o cenário é distinto, e dá sinais de que uma derrota do chavismo é uma possibilidade, embora a entrega do poder ainda seja uma dúvida. “Se a eleição ocorrer de maneira unida [entre os membros da oposição], é muito provável uma perda do poder por parte do governo”, afirma Alfaro Pareja.

Estamos falando que talvez este seja o momento dos últimos 12 anos que o governo tem uma alta probabilidade de ser derrotado eleitoralmente.

Francisco Alfaro Pareja, analista político venezuelano

As condições

Primeiro, tem a lição aprendida de 2015, e também das eleições de 2018, as últimas presidenciais em que a oposição decidiu promover um boicote - que foi atendido pela população - e acabou por eleger novamente Maduro. Desta vez, a oposição vai unida novamente, sob o nome de Urrutia que, por enquanto, não caiu nas barreiras de controle eleitoral.

Segundo, tem o respaldo de María Corina, que foi eleita com 93% dos votos em eleições primárias cuja participação eleitoral foi acima dos 60%. Suas caravanas na capital e no interior do país arrastam multidões e reforça a tese de que seu apoio será definidor para os resultados finais.

Terceiro, tem a baixa popularidade do governo, que hoje se encontra em torno de 20%, o que dá indícios que só a base chavista não será suficiente para justificar uma manutenção do poder.

“Este é um governo muito desacreditado, um governo que fez uma gestão muito ruim, acusado de diversos casos de corrupção, violação de direitos humanos, etc. Hoje este governo não tem nada a oferecer. É verdade que muitos não conhecem Edmundo González Urrutia, mas todos conhecem Nicolás Maduro. Então, só de saber que há um candidato ali contra Nicolás Maduro já vai fazer com que as pessoas vão votar em quem estiver lá”, afirma Alfaro Pareja.

Participação eleitoral

Por fim, há a mobilização eleitoral. Uma maior participação já havia sido demonstrada nas primárias e se consolidou com as filas de venezuelanos buscando fazer o registro eleitoral dentro e fora do país, apesar das inúmeras barreiras legais e burocráticas.

A própria organização da eleição primária contou com um forte respaldo popular, segundo observa a advogada e coordenadora da organização Voto Joven, Wanda Cedeño. “As primárias despertaram uma esperança cidadã em relação ao voto”, afirma. “E o processo do ano passado foi muito peculiar porque foi basicamente um processo organizado pelos cidadãos.”

Sem apoio técnico da Comissão Nacional Eleitoral (CNE), os próprios partidos organizaram as eleições primárias e contaram com apoio da população que ofereceu suas casas e pontos de comércio para organização e votação, além de fazer uma enorme campanha de divulgação.

O candidato da oposição, Edmundo González Urrutia Foto: Ronald Pena/AFP

“E aí vem um pouco esse elemento de mobilização social e de confiança no voto, porque de alguma forma houve uma grande participação cidadã e uma renovação em relação ao que poderia acontecer quando os venezuelanos se organizavam e votavam”, conclui Cedeño.

Como consequência, a Voto Joven viu um aumento no interesse de jovens que buscaram fazer o registro eleitoral pela primeira vez, apesar dos obstáculos colocados aos eleitores, como diminuição no tempo de inscrição e na disponibilidade de postos de registro.

“Os jovens em algum momento receberam tanta informação por parte das organizações, dado que o CNE não estava publicando nada, que começou uma espécie de ação orgânica de compartilhar tudo relacionado ao registro, as organizações que poderiam ajudá-los a se deslocarem até os pontos móveis de registro ou mesmo esclarecer suas dúvidas sobre os requisitos ou quanto durava o processo ou como fazê-lo”, completa a advogada.

O papel dos aliados e da pressão internacional

Outro episódio de destaque dessas eleições é o quanto elas estão ocorrendo sob uma preocupação crescente internacional. Muito mais enfraquecida hoje em dia do que nas eleições anteriores, a Venezuela tem hoje menos impacto internacional que no passado, onde suas gigantescas reservas de petróleo faziam brilhar os olhos mundiais.

No entanto, estas eleições ocorrem em um contexto de negociações entre oposição e governo em Barbados que, embora já tenham sido violadas, não foram descartadas; com Maduro sendo investigado no Tribunal Penal Internacional; e os EUA utilizando as sanções como moeda de barganha com o regime.

Acima de tudo, ocorrem com Luiz Inácio Lula da Silva de volta à presidência do Brasil e Gustavo Petro colocando a Colômbia sob um governo de esquerda pela primeira vez na história. Ambos são aliados de Maduro e fizeram críticas inéditas ao tratamento dado à oposição eleitoral.

O presidente da Colômbia, Gustavo Petro, visitou Maduro em Caracas em 9 de abril  Foto: Rayner Pena R/EFE

“Foram muito valiosas as declarações do presidente Petro e do presidente Lula para tentar ajudar para que nós na Venezuela consigamos entrar em alguns acordos e possamos utilizar a eleição para o bem”, celebrou o diretor do Observatório Eleitoral Venezuelano (OEV) Carlos Medina.

Em um encontro entre Lula e Petro em Bogotá em 17 de abril, o colombiano detalhou um plano de plebiscito para garantir a integridade e a segurança de quem sair derrotado nas eleições. Petro quer alcançar o que chama de “paz política e democrática”, cuja ideia é realizar uma consulta popular na Venezuela sobre um eventual acordo com garantias de que não haja perseguição aos derrotados.

“A pressão internacional tem exercido a necessidade de abrir uma janela de oportunidades”, concorda Xavier Rodríguez-Franco, cientista político e apresentador do podcast sobre política latino-americana Mirada Semanal. “Essa proposta do Petro ainda não é muito clara, mas indica que Petro e Lula poderiam estar falando com Maduro para fazer entender que é necessário abrir um pouco o jogo e o cenário eleitoral para que haja uma saída pacífica e que isso de alguma forma permita que a Venezuela retorne a uma certa normalidade política que não tem tido em mais de duas décadas.”

Em entrevista ao jornal espanhol El País, o candidato opositor afirmou que “sem dúvida” os posicionamentos de Lula e Petro ajudaram a sua candidatura. Ele complementou que está em contato com ambos os países, que demonstram grande “interesse e responsabilidade” e que juntos preparam um “plano de garantias” para as eleições, sem oferecer mais detalhes.

Ainda que sejam eleições importantes e com chances reais de derrota do chavismo, nada garante que haverá uma entrega de poder por parte de Maduro, observam os analistas. “É importante lembrar que entre a eleição presidencial e o momento da transferência de poder há aproximadamente seis meses de distância. Muitos dizem que esse poderia ser o período de tempo para discutir uma potencial transição, mas muitos analistas também dizem que o governo não está preparado para deixar o poder”, afirma Alfaro Pareja.

Em suas primeiras entrevistas, o candidato Edmundo González Urrutia indicou que pode oferecer uma transição “pacífica”, sem detalhar se isso seria um tipo de anistia ao chavismo. Este é o caminho mais lógico observado pelos analistas para que Maduro aceite entregar o poder. “Urrutia é um diplomata e caso se mostre aberto a dialogar, acho que o governo deveria aproveitar essa oportunidade”, finaliza.

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