Irã envia armas a grupos radicais da Cisjordânia para estimular conflito com Israel, dizem EUA


Autoridades acreditam que Teerã tenta transformar região no próximo ponto de conflito da guerra silenciosa entre Irã e Israel; ataque israelense contra embaixada iraniana na Síria elevou riscos

Por Farnaz Fassihi, Ronen Bergman e Eric Schmitt
Atualização:

O Irã utiliza uma rota clandestina no Oriente Médio para contrabandear armas para grupos radicais da Cisjordânia a fim de estimular o conflito com Israel, afirmam autoridades dos Estados Unidos, do Irã e de Israel. O objetivo, segundo descreveram três responsáveis iranianos, é encher o território palestino e ocupado por colonos israelenses do máximo de armas possível.

O contrabando é feito através de agentes de inteligência, militantes radicais e grupos criminosos em uma operação secreta que aumenta as preocupações ocidentais com relação a Teerã. As autoridades acreditam que o governo iraniano tenta transformar a Cisjordânia no próximo ponto de conflito da guerra silenciosa do país com Israel.

O conflito de longa data, operado sobretudo através dos combates entre Israel e grupos apoiados pelo Irã, chegou a um novo ponto de risco este mês após o ataque israelense à embaixada do Irã na Síria, que matou sete comandantes das forças armadas iranianas. Teerã prometeu retaliar o ataque, o que ampliaria a violência no Oriente Médio.

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General Hossein Salami (centro), comandante do Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica do Irã, no funeral de autoridades militares mortas na Síria, em imagem do dia 22 de janeiro em Teerã. Militares foram mortos em ataque israelense Foto: Arash Khamooshi/NYT

O jornal The New York Times entrevistou funcionários de alto nível da segurança dos governos dos EUA, Irã e Israel que têm conhecimento das estratégias para contrabandear as armas. Todos falaram sob anonimato para discutir operações secretas sobre as quais não podem falar publicamente.

Segundo os funcionários, as armas são contrabandeadas por duas rotas, que passam do Irã para o Iraque, Síria, Líbano, Jordânia e Israel. À medida que atravessam as fronteiras, elas são repassadas de um grupo para o outro, que incluem facções criminosas organizadas, militantes radicais, soldados e agentes de inteligência. Um grupo-chave para a operação, de acordo com as autoridades, são os beduínos contrabandistas que transportam as armas através da fronteira da Jordânia para Israel.

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O contrabando para a Cisjordânia começou há cerca de dois anos, dizem os analistas. Não se sabe quantas armas chegaram até o território durante esse período, embora eles acreditem que a maioria sejam para uso individual (rifles, pistolas e semelhantes). Outras armas, como mísseis antitanque e granadas propelidas por lança granada, também estão incluídas no contrabando, mas em menor escala.

Após o ataque do grupo terrorista Hamas contra Israel no 7 de outubro, feito a partir da Faixa de Gaza, os militares israelenses aumentaram a repressão em toda a Cisjordânia. As operações militares no território foram descritas como um esforço antiterrorista contra o Hamas e outros grupos radicais, como a Jihad Islâmica, para a apreensão de armas e militantes radicais.

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Centenas de civis palestinos foram mortos durante estas operações, de acordo com as Nações Unidas. Trata-se de um dos períodos mais mortíferos no território em décadas. Organizações de direitos humanos afirmam que muitos outros civis foram detidos injustamente, sem julgamento formal em prisões israelenses, e que não está claro quantos possuem ligações com grupos terroristas.

“Estas detenções incluem muitas pessoas que estão a ser detidas por razões que não são claras”, disse Omar Shakir, diretor de Israel e Palestina da Human Rights Watch. “O governo israelense tem um longo histórico de detenções abusivas, prisões arbitrárias e detenções de pessoas por exercerem os seus direitos básicos.”

Plano iraniano para armar militantes

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Durante anos, os líderes do Irã declararam a necessidade de armar militantes radicais na Cisjordânia ocupada. Há muito tempo o país fornece armas para atacar Israel a militantes de outras regiões do Oriente Médio, que fazem parte do Eixo de Resistência, incluindo os grupos da Faixa de Gaza - o Hamas e a Jihad Islâmica.

Os dois grupos, que também operam na Cisjordânia, são considerados organizações terroristas pelos Estados Unidos, União Europeia, por Israel e por outros países.

Segundo as autoridades iranianas, Teerã não optou por armar um grupo específico, e sim por encher todo o território com armas e munições.

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Pessoas chegam para a refeição para quebrar o jejum do Ramadã, em imagem de 3 de abril, em Teerã. Bandeira com rosto do general Mohammad Reza Zahedi, morto em um ataque israelense na Síria, é exibida próxima ao local Foto: Arash Khamooshi/NYT

Na análise de Afshon Ostovar, professor associado de assuntos de segurança nacional na Escola de Pós-Graduação Naval e especialista nas forças armadas iranianas, o Irã passou a se concentrar na Cisjordânia porque entendeu que o acesso a Gaza ficaria restrito em um futuro próximo.

“A Cisjordânia realmente precisa ser a próxima fronteira onde o Irã irá penetrar e proliferar armas, porque se o país for capaz de fazer isso, significa que a Cisjordânia irá se tornar um problema tão grande, se não maior, que a Faixa de Gaza”, disse.

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A Fatah, grupo palestino que controla a Autoridade Palestina e com ela grande parte da Cisjordânia, acusou o Irã na semana passada de tentar “explorar” os palestinos para seus próprios interesses, o que espalharia caos no território. Em um comunicado, a Fatah disse que não permitiria que “a nossa causa sagrada e o sangue do nosso povo fossem explorados” por Teerã.

O embaixador do do Irã nas Nações Unidas, em comunicado, não faou sobre o contrabando, mas enfatizou o que considerou ser a “única via” para a causa palestina contra Israel. “A avaliação do Irã postula que a única via eficaz para resistir à ocupação pelo regime sionista é através da resistência armada”, declarou Amir Saeid Iravani. “As forças de resistência palestinas possuem capacidade de fabricar e adquirir armas necessárias para a sua causa.”

Mesmo depois do atentado do Hamas em 7 de outubro e a consequente guerra de Israel contra o grupo, o Irã evitou se envolver abertamente no conflito. Entretanto, a relação perturbada com Israel veio à tona no dia 1.º, quando os israelenses explodiram um edifício da embaixada iraniana na Síria e mataram generais do país enquanto eles se reuniam com membros da Jihad Islâmica.

Entre os mortos estava Mohammad Reza Zahedi, de 65 anos, general do Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica encarregado de operações secretas na Síria e no Líbano, caminhos para o contrabando de armas, segundo autoridades israelenses, iranianas e americanas.

O ataque ocorreu logo após outro ataque aéreo israelense. Em 26 de março, as forças israelenses atacaram um ponto-chave da rota de contrabando no leste da Síria.

As rotas de contrabando

Duas rotas são utilizadas pelo Irã para contrabandear as armas: em uma, feita por agentes iranianos e militantes radicais, as armas passam pela Síria e pela Jordânia para serem entregues a contrabandistas beduínos, responsáveis por carregá-las até a fronteira com Israel e entregá-las a grupos criminosos.

A rota é um desafio para os agentes da Jordânia e de Israel, que partilham uma fronteira de 480 quilômetros. No ano passado, um deputado jordaniano foi indiciado em Amã, na Jordânia, depois de ter sido capturado em 2022 quando tentava contrabandear mais de 200 armas para a Cisjordânia. Entretanto, a origem das armas não ficou clara.

Uma das autoridades iranianas disse que o aumento da segurança desde 7 de outubro, tanto por parte de Israel como da Jordânia, aumentou o risco de serem apanhados, especialmente para beduínos e árabes-israelenses que desempenham papéis críticos na capacidade de atravessar fronteiras.

Uma segunda rota, mais desafiadora, passa pela Jordânia e leva as armas da Síria para o Líbano, disseram duas autoridades dos EUA. A partir daí, muitas das armas são contrabandeadas para Israel, onde gangues criminosas as recolhem e as transportam para a Cisjordânia.

A rota através do Líbano, disse Levitt, é mais difícil, especialmente desde o início da guerra em Gaza, porque a fronteira onde o Hezbollah opera é mais fortemente patrulhada pelos militares israelenses e pelas forças de manutenção da paz da ONU.

Grande parte do trabalho de coordenação da rota de contrabando é feito por agentes iranianos da Força Quds, a agência de inteligência externa da Guarda Revolucionária, de acordo com dois funcionários iranianos afiliados à Guarda.

Dias antes do ataque israelense ao edifício da embaixada do Irã em Damasco, o líder supremo do Irã, aiatolá Ali Khamenei, se reuniu pessoalmente com os militantes palestinos que recebem muitas das armas iranianas: os líderes da Jihad Islâmica, Ziyad al-Nakhalah, e do braço político do Hamas, Ismail Haniyeh.

O aiatolá, que há anos emitiu publicamente uma ordem para armar a Cisjordânia, disse a ambos os líderes, segundo a comunicação social estatal, que o Irã não hesitaria em apoiar os palestinianos e a sua causa. “Não teria sido fácil para o povo palestino resistir a esta batalha se não fosse o apoio contínuo e consistente do Irã a todos os níveis político, militar e de segurança”, afirmou em um discurso em Teerã.

O Irã utiliza uma rota clandestina no Oriente Médio para contrabandear armas para grupos radicais da Cisjordânia a fim de estimular o conflito com Israel, afirmam autoridades dos Estados Unidos, do Irã e de Israel. O objetivo, segundo descreveram três responsáveis iranianos, é encher o território palestino e ocupado por colonos israelenses do máximo de armas possível.

O contrabando é feito através de agentes de inteligência, militantes radicais e grupos criminosos em uma operação secreta que aumenta as preocupações ocidentais com relação a Teerã. As autoridades acreditam que o governo iraniano tenta transformar a Cisjordânia no próximo ponto de conflito da guerra silenciosa do país com Israel.

O conflito de longa data, operado sobretudo através dos combates entre Israel e grupos apoiados pelo Irã, chegou a um novo ponto de risco este mês após o ataque israelense à embaixada do Irã na Síria, que matou sete comandantes das forças armadas iranianas. Teerã prometeu retaliar o ataque, o que ampliaria a violência no Oriente Médio.

General Hossein Salami (centro), comandante do Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica do Irã, no funeral de autoridades militares mortas na Síria, em imagem do dia 22 de janeiro em Teerã. Militares foram mortos em ataque israelense Foto: Arash Khamooshi/NYT

O jornal The New York Times entrevistou funcionários de alto nível da segurança dos governos dos EUA, Irã e Israel que têm conhecimento das estratégias para contrabandear as armas. Todos falaram sob anonimato para discutir operações secretas sobre as quais não podem falar publicamente.

Segundo os funcionários, as armas são contrabandeadas por duas rotas, que passam do Irã para o Iraque, Síria, Líbano, Jordânia e Israel. À medida que atravessam as fronteiras, elas são repassadas de um grupo para o outro, que incluem facções criminosas organizadas, militantes radicais, soldados e agentes de inteligência. Um grupo-chave para a operação, de acordo com as autoridades, são os beduínos contrabandistas que transportam as armas através da fronteira da Jordânia para Israel.

O contrabando para a Cisjordânia começou há cerca de dois anos, dizem os analistas. Não se sabe quantas armas chegaram até o território durante esse período, embora eles acreditem que a maioria sejam para uso individual (rifles, pistolas e semelhantes). Outras armas, como mísseis antitanque e granadas propelidas por lança granada, também estão incluídas no contrabando, mas em menor escala.

Após o ataque do grupo terrorista Hamas contra Israel no 7 de outubro, feito a partir da Faixa de Gaza, os militares israelenses aumentaram a repressão em toda a Cisjordânia. As operações militares no território foram descritas como um esforço antiterrorista contra o Hamas e outros grupos radicais, como a Jihad Islâmica, para a apreensão de armas e militantes radicais.

Centenas de civis palestinos foram mortos durante estas operações, de acordo com as Nações Unidas. Trata-se de um dos períodos mais mortíferos no território em décadas. Organizações de direitos humanos afirmam que muitos outros civis foram detidos injustamente, sem julgamento formal em prisões israelenses, e que não está claro quantos possuem ligações com grupos terroristas.

“Estas detenções incluem muitas pessoas que estão a ser detidas por razões que não são claras”, disse Omar Shakir, diretor de Israel e Palestina da Human Rights Watch. “O governo israelense tem um longo histórico de detenções abusivas, prisões arbitrárias e detenções de pessoas por exercerem os seus direitos básicos.”

Plano iraniano para armar militantes

Durante anos, os líderes do Irã declararam a necessidade de armar militantes radicais na Cisjordânia ocupada. Há muito tempo o país fornece armas para atacar Israel a militantes de outras regiões do Oriente Médio, que fazem parte do Eixo de Resistência, incluindo os grupos da Faixa de Gaza - o Hamas e a Jihad Islâmica.

Os dois grupos, que também operam na Cisjordânia, são considerados organizações terroristas pelos Estados Unidos, União Europeia, por Israel e por outros países.

Segundo as autoridades iranianas, Teerã não optou por armar um grupo específico, e sim por encher todo o território com armas e munições.

Pessoas chegam para a refeição para quebrar o jejum do Ramadã, em imagem de 3 de abril, em Teerã. Bandeira com rosto do general Mohammad Reza Zahedi, morto em um ataque israelense na Síria, é exibida próxima ao local Foto: Arash Khamooshi/NYT

Na análise de Afshon Ostovar, professor associado de assuntos de segurança nacional na Escola de Pós-Graduação Naval e especialista nas forças armadas iranianas, o Irã passou a se concentrar na Cisjordânia porque entendeu que o acesso a Gaza ficaria restrito em um futuro próximo.

“A Cisjordânia realmente precisa ser a próxima fronteira onde o Irã irá penetrar e proliferar armas, porque se o país for capaz de fazer isso, significa que a Cisjordânia irá se tornar um problema tão grande, se não maior, que a Faixa de Gaza”, disse.

A Fatah, grupo palestino que controla a Autoridade Palestina e com ela grande parte da Cisjordânia, acusou o Irã na semana passada de tentar “explorar” os palestinos para seus próprios interesses, o que espalharia caos no território. Em um comunicado, a Fatah disse que não permitiria que “a nossa causa sagrada e o sangue do nosso povo fossem explorados” por Teerã.

O embaixador do do Irã nas Nações Unidas, em comunicado, não faou sobre o contrabando, mas enfatizou o que considerou ser a “única via” para a causa palestina contra Israel. “A avaliação do Irã postula que a única via eficaz para resistir à ocupação pelo regime sionista é através da resistência armada”, declarou Amir Saeid Iravani. “As forças de resistência palestinas possuem capacidade de fabricar e adquirir armas necessárias para a sua causa.”

Mesmo depois do atentado do Hamas em 7 de outubro e a consequente guerra de Israel contra o grupo, o Irã evitou se envolver abertamente no conflito. Entretanto, a relação perturbada com Israel veio à tona no dia 1.º, quando os israelenses explodiram um edifício da embaixada iraniana na Síria e mataram generais do país enquanto eles se reuniam com membros da Jihad Islâmica.

Entre os mortos estava Mohammad Reza Zahedi, de 65 anos, general do Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica encarregado de operações secretas na Síria e no Líbano, caminhos para o contrabando de armas, segundo autoridades israelenses, iranianas e americanas.

O ataque ocorreu logo após outro ataque aéreo israelense. Em 26 de março, as forças israelenses atacaram um ponto-chave da rota de contrabando no leste da Síria.

As rotas de contrabando

Duas rotas são utilizadas pelo Irã para contrabandear as armas: em uma, feita por agentes iranianos e militantes radicais, as armas passam pela Síria e pela Jordânia para serem entregues a contrabandistas beduínos, responsáveis por carregá-las até a fronteira com Israel e entregá-las a grupos criminosos.

A rota é um desafio para os agentes da Jordânia e de Israel, que partilham uma fronteira de 480 quilômetros. No ano passado, um deputado jordaniano foi indiciado em Amã, na Jordânia, depois de ter sido capturado em 2022 quando tentava contrabandear mais de 200 armas para a Cisjordânia. Entretanto, a origem das armas não ficou clara.

Uma das autoridades iranianas disse que o aumento da segurança desde 7 de outubro, tanto por parte de Israel como da Jordânia, aumentou o risco de serem apanhados, especialmente para beduínos e árabes-israelenses que desempenham papéis críticos na capacidade de atravessar fronteiras.

Uma segunda rota, mais desafiadora, passa pela Jordânia e leva as armas da Síria para o Líbano, disseram duas autoridades dos EUA. A partir daí, muitas das armas são contrabandeadas para Israel, onde gangues criminosas as recolhem e as transportam para a Cisjordânia.

A rota através do Líbano, disse Levitt, é mais difícil, especialmente desde o início da guerra em Gaza, porque a fronteira onde o Hezbollah opera é mais fortemente patrulhada pelos militares israelenses e pelas forças de manutenção da paz da ONU.

Grande parte do trabalho de coordenação da rota de contrabando é feito por agentes iranianos da Força Quds, a agência de inteligência externa da Guarda Revolucionária, de acordo com dois funcionários iranianos afiliados à Guarda.

Dias antes do ataque israelense ao edifício da embaixada do Irã em Damasco, o líder supremo do Irã, aiatolá Ali Khamenei, se reuniu pessoalmente com os militantes palestinos que recebem muitas das armas iranianas: os líderes da Jihad Islâmica, Ziyad al-Nakhalah, e do braço político do Hamas, Ismail Haniyeh.

O aiatolá, que há anos emitiu publicamente uma ordem para armar a Cisjordânia, disse a ambos os líderes, segundo a comunicação social estatal, que o Irã não hesitaria em apoiar os palestinianos e a sua causa. “Não teria sido fácil para o povo palestino resistir a esta batalha se não fosse o apoio contínuo e consistente do Irã a todos os níveis político, militar e de segurança”, afirmou em um discurso em Teerã.

O Irã utiliza uma rota clandestina no Oriente Médio para contrabandear armas para grupos radicais da Cisjordânia a fim de estimular o conflito com Israel, afirmam autoridades dos Estados Unidos, do Irã e de Israel. O objetivo, segundo descreveram três responsáveis iranianos, é encher o território palestino e ocupado por colonos israelenses do máximo de armas possível.

O contrabando é feito através de agentes de inteligência, militantes radicais e grupos criminosos em uma operação secreta que aumenta as preocupações ocidentais com relação a Teerã. As autoridades acreditam que o governo iraniano tenta transformar a Cisjordânia no próximo ponto de conflito da guerra silenciosa do país com Israel.

O conflito de longa data, operado sobretudo através dos combates entre Israel e grupos apoiados pelo Irã, chegou a um novo ponto de risco este mês após o ataque israelense à embaixada do Irã na Síria, que matou sete comandantes das forças armadas iranianas. Teerã prometeu retaliar o ataque, o que ampliaria a violência no Oriente Médio.

General Hossein Salami (centro), comandante do Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica do Irã, no funeral de autoridades militares mortas na Síria, em imagem do dia 22 de janeiro em Teerã. Militares foram mortos em ataque israelense Foto: Arash Khamooshi/NYT

O jornal The New York Times entrevistou funcionários de alto nível da segurança dos governos dos EUA, Irã e Israel que têm conhecimento das estratégias para contrabandear as armas. Todos falaram sob anonimato para discutir operações secretas sobre as quais não podem falar publicamente.

Segundo os funcionários, as armas são contrabandeadas por duas rotas, que passam do Irã para o Iraque, Síria, Líbano, Jordânia e Israel. À medida que atravessam as fronteiras, elas são repassadas de um grupo para o outro, que incluem facções criminosas organizadas, militantes radicais, soldados e agentes de inteligência. Um grupo-chave para a operação, de acordo com as autoridades, são os beduínos contrabandistas que transportam as armas através da fronteira da Jordânia para Israel.

O contrabando para a Cisjordânia começou há cerca de dois anos, dizem os analistas. Não se sabe quantas armas chegaram até o território durante esse período, embora eles acreditem que a maioria sejam para uso individual (rifles, pistolas e semelhantes). Outras armas, como mísseis antitanque e granadas propelidas por lança granada, também estão incluídas no contrabando, mas em menor escala.

Após o ataque do grupo terrorista Hamas contra Israel no 7 de outubro, feito a partir da Faixa de Gaza, os militares israelenses aumentaram a repressão em toda a Cisjordânia. As operações militares no território foram descritas como um esforço antiterrorista contra o Hamas e outros grupos radicais, como a Jihad Islâmica, para a apreensão de armas e militantes radicais.

Centenas de civis palestinos foram mortos durante estas operações, de acordo com as Nações Unidas. Trata-se de um dos períodos mais mortíferos no território em décadas. Organizações de direitos humanos afirmam que muitos outros civis foram detidos injustamente, sem julgamento formal em prisões israelenses, e que não está claro quantos possuem ligações com grupos terroristas.

“Estas detenções incluem muitas pessoas que estão a ser detidas por razões que não são claras”, disse Omar Shakir, diretor de Israel e Palestina da Human Rights Watch. “O governo israelense tem um longo histórico de detenções abusivas, prisões arbitrárias e detenções de pessoas por exercerem os seus direitos básicos.”

Plano iraniano para armar militantes

Durante anos, os líderes do Irã declararam a necessidade de armar militantes radicais na Cisjordânia ocupada. Há muito tempo o país fornece armas para atacar Israel a militantes de outras regiões do Oriente Médio, que fazem parte do Eixo de Resistência, incluindo os grupos da Faixa de Gaza - o Hamas e a Jihad Islâmica.

Os dois grupos, que também operam na Cisjordânia, são considerados organizações terroristas pelos Estados Unidos, União Europeia, por Israel e por outros países.

Segundo as autoridades iranianas, Teerã não optou por armar um grupo específico, e sim por encher todo o território com armas e munições.

Pessoas chegam para a refeição para quebrar o jejum do Ramadã, em imagem de 3 de abril, em Teerã. Bandeira com rosto do general Mohammad Reza Zahedi, morto em um ataque israelense na Síria, é exibida próxima ao local Foto: Arash Khamooshi/NYT

Na análise de Afshon Ostovar, professor associado de assuntos de segurança nacional na Escola de Pós-Graduação Naval e especialista nas forças armadas iranianas, o Irã passou a se concentrar na Cisjordânia porque entendeu que o acesso a Gaza ficaria restrito em um futuro próximo.

“A Cisjordânia realmente precisa ser a próxima fronteira onde o Irã irá penetrar e proliferar armas, porque se o país for capaz de fazer isso, significa que a Cisjordânia irá se tornar um problema tão grande, se não maior, que a Faixa de Gaza”, disse.

A Fatah, grupo palestino que controla a Autoridade Palestina e com ela grande parte da Cisjordânia, acusou o Irã na semana passada de tentar “explorar” os palestinos para seus próprios interesses, o que espalharia caos no território. Em um comunicado, a Fatah disse que não permitiria que “a nossa causa sagrada e o sangue do nosso povo fossem explorados” por Teerã.

O embaixador do do Irã nas Nações Unidas, em comunicado, não faou sobre o contrabando, mas enfatizou o que considerou ser a “única via” para a causa palestina contra Israel. “A avaliação do Irã postula que a única via eficaz para resistir à ocupação pelo regime sionista é através da resistência armada”, declarou Amir Saeid Iravani. “As forças de resistência palestinas possuem capacidade de fabricar e adquirir armas necessárias para a sua causa.”

Mesmo depois do atentado do Hamas em 7 de outubro e a consequente guerra de Israel contra o grupo, o Irã evitou se envolver abertamente no conflito. Entretanto, a relação perturbada com Israel veio à tona no dia 1.º, quando os israelenses explodiram um edifício da embaixada iraniana na Síria e mataram generais do país enquanto eles se reuniam com membros da Jihad Islâmica.

Entre os mortos estava Mohammad Reza Zahedi, de 65 anos, general do Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica encarregado de operações secretas na Síria e no Líbano, caminhos para o contrabando de armas, segundo autoridades israelenses, iranianas e americanas.

O ataque ocorreu logo após outro ataque aéreo israelense. Em 26 de março, as forças israelenses atacaram um ponto-chave da rota de contrabando no leste da Síria.

As rotas de contrabando

Duas rotas são utilizadas pelo Irã para contrabandear as armas: em uma, feita por agentes iranianos e militantes radicais, as armas passam pela Síria e pela Jordânia para serem entregues a contrabandistas beduínos, responsáveis por carregá-las até a fronteira com Israel e entregá-las a grupos criminosos.

A rota é um desafio para os agentes da Jordânia e de Israel, que partilham uma fronteira de 480 quilômetros. No ano passado, um deputado jordaniano foi indiciado em Amã, na Jordânia, depois de ter sido capturado em 2022 quando tentava contrabandear mais de 200 armas para a Cisjordânia. Entretanto, a origem das armas não ficou clara.

Uma das autoridades iranianas disse que o aumento da segurança desde 7 de outubro, tanto por parte de Israel como da Jordânia, aumentou o risco de serem apanhados, especialmente para beduínos e árabes-israelenses que desempenham papéis críticos na capacidade de atravessar fronteiras.

Uma segunda rota, mais desafiadora, passa pela Jordânia e leva as armas da Síria para o Líbano, disseram duas autoridades dos EUA. A partir daí, muitas das armas são contrabandeadas para Israel, onde gangues criminosas as recolhem e as transportam para a Cisjordânia.

A rota através do Líbano, disse Levitt, é mais difícil, especialmente desde o início da guerra em Gaza, porque a fronteira onde o Hezbollah opera é mais fortemente patrulhada pelos militares israelenses e pelas forças de manutenção da paz da ONU.

Grande parte do trabalho de coordenação da rota de contrabando é feito por agentes iranianos da Força Quds, a agência de inteligência externa da Guarda Revolucionária, de acordo com dois funcionários iranianos afiliados à Guarda.

Dias antes do ataque israelense ao edifício da embaixada do Irã em Damasco, o líder supremo do Irã, aiatolá Ali Khamenei, se reuniu pessoalmente com os militantes palestinos que recebem muitas das armas iranianas: os líderes da Jihad Islâmica, Ziyad al-Nakhalah, e do braço político do Hamas, Ismail Haniyeh.

O aiatolá, que há anos emitiu publicamente uma ordem para armar a Cisjordânia, disse a ambos os líderes, segundo a comunicação social estatal, que o Irã não hesitaria em apoiar os palestinianos e a sua causa. “Não teria sido fácil para o povo palestino resistir a esta batalha se não fosse o apoio contínuo e consistente do Irã a todos os níveis político, militar e de segurança”, afirmou em um discurso em Teerã.

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