Irã vive esperança de abertura diplomática e alívio de sanções com vitória de reformista


O reformista Masoud Pezeshkian quer relações mais calorosas com o Ocidente, visando acabar com as sanções. Mas seus poderes são estritamente limitados

Por Lara Jakes
Atualização:

Com a eleição do candidato reformista Masoud Pezeshkian à presidência, o Irã poderá assistir a um abrandamento de sua política externa absolutista e até mesmo a uma oportunidade para nova abertura diplomática, dizem autoridades e especialistas.

Pezeshkian, médico cardiologista, membro do parlamento e ex-ministro da Saúde, tem pouca experiência direta em política externa. Mas prometeu aumentar o poder dos diplomatas mais experientes e globalistas do Irã sobre sua agenda externa, alimentando as esperanças de uma relação mais calorosa com o Ocidente.

Pezeshkian “representa uma postura mais pragmática e menos conflituosa tanto no exterior quanto no interior”, disse Dennis B. Ross, que trabalhou como assistente especial do presidente Barack Obama e é negociador de longa data no Oriente Médio.

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Imagem do dia 6 mostra o presidente eleito do Irã, Masoud Pezeshkian. Pezeshkian é considerado um político reformista e moderado e pode aproximar país do Ocidente Foto: Vahid Salemi/AP

Ainda assim, observou Ross, o líder supremo do Irã, o aiatolá Ali Khamenei, “faria de tudo para limitar” a agenda internacional de Pezeshkian.

A maior parte dos poderes do presidente iraniano se restringem às questões internas. É Khamenei, como a mais alta autoridade política e religiosa do país, quem toma todas as principais decisões políticas, especialmente nos assuntos externos e no programa nuclear do Irã.

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A outra força fundamental do sistema iraniano, o Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica, supervisiona todos os assuntos militares do país. Os Guardas Revolucionários e o líder supremo estão estreitamente alinhados e decidem quando e como usar a força militar, seja para libertar seus proxies no Iraque, na Síria, no Líbano e no Iêmen, seja para ameaçar Israel.

As políticas externas do Irã vêm se tornando cada vez mais rígidas nos últimos anos, dizem diplomatas e analistas, e essa tendência pode muito bem continuar sob o governo de Pezeshkian. Isso inclui solidificar alianças com outros estados autoritários – como o Irã fez ao armar a Rússia com drones e mísseis para atacar a Ucrânia – e apresentar-se como uma potência a ser reconhecida, tanto no Oriente Médio quanto no Ocidente, apesar de sua convulsão interna e da economia em crise.

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“O eixo de resistência iraniano tem sido tão bem sucedido que é difícil ver por que alguém tentaria perturbar uma política que permitiu a Teerã projetar poder com uma certa impunidade”, Ray Takeyh, especialista em Irã no think tank Council on Foreign Relations, escreveu em uma análise ainda antes da eleição.

Envolvimento com o mundo

Onde o presidente poderá ter o maior efeito internacional, dizem os analistas, é na definição da maneira como as políticas do Irã são vistas em todo o mundo, em grande parte por meio dos diplomatas que ele selecionar. A este respeito, é gritante o contraste entre Pezeshkian e seu principal adversário, o ultraconservador antiocidental Saeed Jalili.

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Durante a presidência linha-dura de Mahmoud Ahmadinejad, Jalili se opôs veementemente a um acordo com as potências mundiais para limitar o programa nuclear iraniano em troca do alívio das pesadas sanções econômicas. Em vez disso, ele pressionou para enriquecer urânio a níveis de aplicação militar, escreveram especialistas do Stimson Center em uma análise em junho.

Imagem do dia 5 mostra o candidato presidencial do Irã Saeed Jalili. Jalili se opôs veementemente a um acordo com as potências mundiais para limitar o programa nuclear iraniano Foto: Associated Press

“Sua abordagem levou ao isolamento do país”, disse Ali Vaez, diretor para Irã do International Crisis Group. “Ele não acredita no valor de negociar com o Ocidente”.

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Sob o comando de Pezeshkian, disse ele, “acho que as chances de um avanço diplomático vão aumentar”.

Facilitando as relações com o Ocidente

Pezeshkian disse que está determinado a estabelecer uma política de envolvimento internacional e apoia um abrandamento das relações com o Ocidente, com o objetivo de pôr fim às sanções. Ele diz que quer promover a comunicação com a maioria dos governos de todo o mundo – exceto Israel – e também alertou contra a valorização excessiva das alianças com a Rússia e a China, “porque então elas poderiam explorar o Irã” e isolá-lo ainda mais no panorama global, disse Vaez.

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“Se quisermos trabalhar com esta política, deveremos nos comportar bem com todos e estabelecer um bom relacionamento com todos, fundamentado na dignidade e nos interesses”, disse Pezeshkian em maio. “Quanto mais melhorarmos nossas relações externas, mais nos aproximaremos dessa política, mas, quanto mais as tensões aumentarem, mais nos afastaremos dela, e a situação vai piorar”.

Vaez disse que Pezeshkian não apresentou nenhuma proposta específica de política externa e é bastante franco sobre sua falta de experiência internacional. Mas o principal conselheiro de política externa de sua campanha foi Mohammad Javad Zarif, o ex-ministro das Relações Exteriores que intermediou um acordo nuclear com potências mundiais em 2015. Astuto diplomata que viveu nos Estados Unidos, Zarif foi ridicularizado pelos radicais iranianos como um “americano de mentira”.

O fator Trump

Um teste fundamental ao interesse do Irã na diplomacia com o Ocidente será saber se o país responderá aos esforços para relançar o acordo nuclear de 2015, uma questão que é complicada pela candidatura do ex-presidente Donald J. Trump.

O acordo, que visava impedir o Irã de construir uma bomba nuclear, tecnicamente expira no ano que vem. Mas, na prática, está extinto desde que Trump retirou os Estados Unidos do acordo em 2018 e reimpôs as sanções americanas. Isso levou o Irã a acelerar seu enriquecimento de urânio até o ponto em que os especialistas dizem que agora talvez seja capaz de produzir combustível para três ou mais bombas em dias ou semanas.

O Irã há muito insiste que seu programa nuclear é pacífico e que está proibido de fabricar ou utilizar armas nucleares devido a uma fatwa – ou seja, um decreto religioso – de 2003, emitida por Khamenei. As autoridades americanas dizem que não há provas de um esforço atual para transformar o urânio iraniano em bomba, mas as israelenses argumentam que esses esforços estão em curso sob uma fachada de pesquisa universitária.

Imagem mostra iranianos caminhando em frente a um mural antiamericano em Teerã, em 19 de agosto de 2023. Relação com os EUA se deteriorou após o então presidente Donald Trump impor sanções contra o Irã Foto: Vahid Salemi/AP

Catherine Ashton, diplomata britânica que supervisionou as negociações nucleares como chefe da política externa da União Europeia quando foi alcançado um acordo provisório em 2013, trabalhou em estreita colaboração com Jalili e Zarif na mesa de negociações. Ela disse que Jalili parecia mais preocupado em “manter as negociações ativas e, ao mesmo tempo, garantir que não houvesse progresso ou resultado concreto”.

Zarif, por outro lado, tinha “uma compreensão muito maior dos Estados Unidos e da Europa e uma determinação em garantir o futuro do Irã na região”, disse Ashton.

Khamenei havia alertado os iranianos contra a eleição de um presidente que poderia ser visto como aberto demais ao Ocidente, sobretudo aos Estados Unidos. Os diplomatas observam também que o aquecimento das relações com a Rússia ao longo da última década, após anos de desconfiança e divergência, ajudou o Irã a lidar com o contínuo isolamento internacional.

A guerra em Gaza agravou as tensões entre os Estados Unidos e as forças apoiadas pelo Irã no Líbano, na Síria, no Iraque e no Iêmen, diminuindo a possibilidade de novos acordos entre Washington e Teerã, escreveram especialistas do Stimson Center.

Depois de um ataque israelense ao complexo da embaixada do Irã na Síria, em abril, que matou vários comandantes iranianos, Teerã retaliou disparando centenas de mísseis e drones contra Israel, a maioria dos quais foram interceptados. O episódio marcou uma grave escalada entre os dois inimigos e muito provavelmente levou o Irã a buscar um elemento de dissuasão mais potente.

Evitando conflitos com os Estados Unidos

Ainda assim, os iranianos sabem que os Estados Unidos estão determinados a evitar um alargamento do conflito no Oriente Médio, e estão correndo mensagens secretas entre as duas capitais para sublinhar os perigos.

Uma troca de prisioneiros entre os dois países no ano passado despertou uma esperança de maior cooperação diplomática – assim como antes o fizeram as conversações indiretas sobre o programa nuclear. Mas agora o Irã está concentrado em como irá lidar com Trump, caso ele ganhe a reeleição em novembro, possibilidade que muitos na classe política iraniana tomam como certa.

Ross, o negociador, disse que o novo presidente iraniano terá alguma margem de manobra para ajustar o equilíbrio entre “o pragmatismo ou a adesão às normas ideológicas que o líder supremo estabelecer” na tomada de decisões governamentais.

Mas isso só irá até certo ponto nas negociações de Pezeshkian na política externa, especialmente com os Estados Unidos, país para o qual Khamenei estabeleceu limites claros. Mesmo no que diz respeito ao acordo nuclear de 2015, disse Ross, o líder supremo “se distanciou do assunto e se posicionou para dizer ‘eu avisei’ quando Trump saiu do acordo”.

Lara Jakes vive em Roma e escreve sobre os esforços diplomáticos e militares do Ocidente para apoiar a Ucrânia na guerra contra a Rússia. Ela é jornalista há quase trinta anos. /TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Com a eleição do candidato reformista Masoud Pezeshkian à presidência, o Irã poderá assistir a um abrandamento de sua política externa absolutista e até mesmo a uma oportunidade para nova abertura diplomática, dizem autoridades e especialistas.

Pezeshkian, médico cardiologista, membro do parlamento e ex-ministro da Saúde, tem pouca experiência direta em política externa. Mas prometeu aumentar o poder dos diplomatas mais experientes e globalistas do Irã sobre sua agenda externa, alimentando as esperanças de uma relação mais calorosa com o Ocidente.

Pezeshkian “representa uma postura mais pragmática e menos conflituosa tanto no exterior quanto no interior”, disse Dennis B. Ross, que trabalhou como assistente especial do presidente Barack Obama e é negociador de longa data no Oriente Médio.

Imagem do dia 6 mostra o presidente eleito do Irã, Masoud Pezeshkian. Pezeshkian é considerado um político reformista e moderado e pode aproximar país do Ocidente Foto: Vahid Salemi/AP

Ainda assim, observou Ross, o líder supremo do Irã, o aiatolá Ali Khamenei, “faria de tudo para limitar” a agenda internacional de Pezeshkian.

A maior parte dos poderes do presidente iraniano se restringem às questões internas. É Khamenei, como a mais alta autoridade política e religiosa do país, quem toma todas as principais decisões políticas, especialmente nos assuntos externos e no programa nuclear do Irã.

A outra força fundamental do sistema iraniano, o Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica, supervisiona todos os assuntos militares do país. Os Guardas Revolucionários e o líder supremo estão estreitamente alinhados e decidem quando e como usar a força militar, seja para libertar seus proxies no Iraque, na Síria, no Líbano e no Iêmen, seja para ameaçar Israel.

As políticas externas do Irã vêm se tornando cada vez mais rígidas nos últimos anos, dizem diplomatas e analistas, e essa tendência pode muito bem continuar sob o governo de Pezeshkian. Isso inclui solidificar alianças com outros estados autoritários – como o Irã fez ao armar a Rússia com drones e mísseis para atacar a Ucrânia – e apresentar-se como uma potência a ser reconhecida, tanto no Oriente Médio quanto no Ocidente, apesar de sua convulsão interna e da economia em crise.

“O eixo de resistência iraniano tem sido tão bem sucedido que é difícil ver por que alguém tentaria perturbar uma política que permitiu a Teerã projetar poder com uma certa impunidade”, Ray Takeyh, especialista em Irã no think tank Council on Foreign Relations, escreveu em uma análise ainda antes da eleição.

Envolvimento com o mundo

Onde o presidente poderá ter o maior efeito internacional, dizem os analistas, é na definição da maneira como as políticas do Irã são vistas em todo o mundo, em grande parte por meio dos diplomatas que ele selecionar. A este respeito, é gritante o contraste entre Pezeshkian e seu principal adversário, o ultraconservador antiocidental Saeed Jalili.

Durante a presidência linha-dura de Mahmoud Ahmadinejad, Jalili se opôs veementemente a um acordo com as potências mundiais para limitar o programa nuclear iraniano em troca do alívio das pesadas sanções econômicas. Em vez disso, ele pressionou para enriquecer urânio a níveis de aplicação militar, escreveram especialistas do Stimson Center em uma análise em junho.

Imagem do dia 5 mostra o candidato presidencial do Irã Saeed Jalili. Jalili se opôs veementemente a um acordo com as potências mundiais para limitar o programa nuclear iraniano Foto: Associated Press

“Sua abordagem levou ao isolamento do país”, disse Ali Vaez, diretor para Irã do International Crisis Group. “Ele não acredita no valor de negociar com o Ocidente”.

Sob o comando de Pezeshkian, disse ele, “acho que as chances de um avanço diplomático vão aumentar”.

Facilitando as relações com o Ocidente

Pezeshkian disse que está determinado a estabelecer uma política de envolvimento internacional e apoia um abrandamento das relações com o Ocidente, com o objetivo de pôr fim às sanções. Ele diz que quer promover a comunicação com a maioria dos governos de todo o mundo – exceto Israel – e também alertou contra a valorização excessiva das alianças com a Rússia e a China, “porque então elas poderiam explorar o Irã” e isolá-lo ainda mais no panorama global, disse Vaez.

“Se quisermos trabalhar com esta política, deveremos nos comportar bem com todos e estabelecer um bom relacionamento com todos, fundamentado na dignidade e nos interesses”, disse Pezeshkian em maio. “Quanto mais melhorarmos nossas relações externas, mais nos aproximaremos dessa política, mas, quanto mais as tensões aumentarem, mais nos afastaremos dela, e a situação vai piorar”.

Vaez disse que Pezeshkian não apresentou nenhuma proposta específica de política externa e é bastante franco sobre sua falta de experiência internacional. Mas o principal conselheiro de política externa de sua campanha foi Mohammad Javad Zarif, o ex-ministro das Relações Exteriores que intermediou um acordo nuclear com potências mundiais em 2015. Astuto diplomata que viveu nos Estados Unidos, Zarif foi ridicularizado pelos radicais iranianos como um “americano de mentira”.

O fator Trump

Um teste fundamental ao interesse do Irã na diplomacia com o Ocidente será saber se o país responderá aos esforços para relançar o acordo nuclear de 2015, uma questão que é complicada pela candidatura do ex-presidente Donald J. Trump.

O acordo, que visava impedir o Irã de construir uma bomba nuclear, tecnicamente expira no ano que vem. Mas, na prática, está extinto desde que Trump retirou os Estados Unidos do acordo em 2018 e reimpôs as sanções americanas. Isso levou o Irã a acelerar seu enriquecimento de urânio até o ponto em que os especialistas dizem que agora talvez seja capaz de produzir combustível para três ou mais bombas em dias ou semanas.

O Irã há muito insiste que seu programa nuclear é pacífico e que está proibido de fabricar ou utilizar armas nucleares devido a uma fatwa – ou seja, um decreto religioso – de 2003, emitida por Khamenei. As autoridades americanas dizem que não há provas de um esforço atual para transformar o urânio iraniano em bomba, mas as israelenses argumentam que esses esforços estão em curso sob uma fachada de pesquisa universitária.

Imagem mostra iranianos caminhando em frente a um mural antiamericano em Teerã, em 19 de agosto de 2023. Relação com os EUA se deteriorou após o então presidente Donald Trump impor sanções contra o Irã Foto: Vahid Salemi/AP

Catherine Ashton, diplomata britânica que supervisionou as negociações nucleares como chefe da política externa da União Europeia quando foi alcançado um acordo provisório em 2013, trabalhou em estreita colaboração com Jalili e Zarif na mesa de negociações. Ela disse que Jalili parecia mais preocupado em “manter as negociações ativas e, ao mesmo tempo, garantir que não houvesse progresso ou resultado concreto”.

Zarif, por outro lado, tinha “uma compreensão muito maior dos Estados Unidos e da Europa e uma determinação em garantir o futuro do Irã na região”, disse Ashton.

Khamenei havia alertado os iranianos contra a eleição de um presidente que poderia ser visto como aberto demais ao Ocidente, sobretudo aos Estados Unidos. Os diplomatas observam também que o aquecimento das relações com a Rússia ao longo da última década, após anos de desconfiança e divergência, ajudou o Irã a lidar com o contínuo isolamento internacional.

A guerra em Gaza agravou as tensões entre os Estados Unidos e as forças apoiadas pelo Irã no Líbano, na Síria, no Iraque e no Iêmen, diminuindo a possibilidade de novos acordos entre Washington e Teerã, escreveram especialistas do Stimson Center.

Depois de um ataque israelense ao complexo da embaixada do Irã na Síria, em abril, que matou vários comandantes iranianos, Teerã retaliou disparando centenas de mísseis e drones contra Israel, a maioria dos quais foram interceptados. O episódio marcou uma grave escalada entre os dois inimigos e muito provavelmente levou o Irã a buscar um elemento de dissuasão mais potente.

Evitando conflitos com os Estados Unidos

Ainda assim, os iranianos sabem que os Estados Unidos estão determinados a evitar um alargamento do conflito no Oriente Médio, e estão correndo mensagens secretas entre as duas capitais para sublinhar os perigos.

Uma troca de prisioneiros entre os dois países no ano passado despertou uma esperança de maior cooperação diplomática – assim como antes o fizeram as conversações indiretas sobre o programa nuclear. Mas agora o Irã está concentrado em como irá lidar com Trump, caso ele ganhe a reeleição em novembro, possibilidade que muitos na classe política iraniana tomam como certa.

Ross, o negociador, disse que o novo presidente iraniano terá alguma margem de manobra para ajustar o equilíbrio entre “o pragmatismo ou a adesão às normas ideológicas que o líder supremo estabelecer” na tomada de decisões governamentais.

Mas isso só irá até certo ponto nas negociações de Pezeshkian na política externa, especialmente com os Estados Unidos, país para o qual Khamenei estabeleceu limites claros. Mesmo no que diz respeito ao acordo nuclear de 2015, disse Ross, o líder supremo “se distanciou do assunto e se posicionou para dizer ‘eu avisei’ quando Trump saiu do acordo”.

Lara Jakes vive em Roma e escreve sobre os esforços diplomáticos e militares do Ocidente para apoiar a Ucrânia na guerra contra a Rússia. Ela é jornalista há quase trinta anos. /TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Com a eleição do candidato reformista Masoud Pezeshkian à presidência, o Irã poderá assistir a um abrandamento de sua política externa absolutista e até mesmo a uma oportunidade para nova abertura diplomática, dizem autoridades e especialistas.

Pezeshkian, médico cardiologista, membro do parlamento e ex-ministro da Saúde, tem pouca experiência direta em política externa. Mas prometeu aumentar o poder dos diplomatas mais experientes e globalistas do Irã sobre sua agenda externa, alimentando as esperanças de uma relação mais calorosa com o Ocidente.

Pezeshkian “representa uma postura mais pragmática e menos conflituosa tanto no exterior quanto no interior”, disse Dennis B. Ross, que trabalhou como assistente especial do presidente Barack Obama e é negociador de longa data no Oriente Médio.

Imagem do dia 6 mostra o presidente eleito do Irã, Masoud Pezeshkian. Pezeshkian é considerado um político reformista e moderado e pode aproximar país do Ocidente Foto: Vahid Salemi/AP

Ainda assim, observou Ross, o líder supremo do Irã, o aiatolá Ali Khamenei, “faria de tudo para limitar” a agenda internacional de Pezeshkian.

A maior parte dos poderes do presidente iraniano se restringem às questões internas. É Khamenei, como a mais alta autoridade política e religiosa do país, quem toma todas as principais decisões políticas, especialmente nos assuntos externos e no programa nuclear do Irã.

A outra força fundamental do sistema iraniano, o Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica, supervisiona todos os assuntos militares do país. Os Guardas Revolucionários e o líder supremo estão estreitamente alinhados e decidem quando e como usar a força militar, seja para libertar seus proxies no Iraque, na Síria, no Líbano e no Iêmen, seja para ameaçar Israel.

As políticas externas do Irã vêm se tornando cada vez mais rígidas nos últimos anos, dizem diplomatas e analistas, e essa tendência pode muito bem continuar sob o governo de Pezeshkian. Isso inclui solidificar alianças com outros estados autoritários – como o Irã fez ao armar a Rússia com drones e mísseis para atacar a Ucrânia – e apresentar-se como uma potência a ser reconhecida, tanto no Oriente Médio quanto no Ocidente, apesar de sua convulsão interna e da economia em crise.

“O eixo de resistência iraniano tem sido tão bem sucedido que é difícil ver por que alguém tentaria perturbar uma política que permitiu a Teerã projetar poder com uma certa impunidade”, Ray Takeyh, especialista em Irã no think tank Council on Foreign Relations, escreveu em uma análise ainda antes da eleição.

Envolvimento com o mundo

Onde o presidente poderá ter o maior efeito internacional, dizem os analistas, é na definição da maneira como as políticas do Irã são vistas em todo o mundo, em grande parte por meio dos diplomatas que ele selecionar. A este respeito, é gritante o contraste entre Pezeshkian e seu principal adversário, o ultraconservador antiocidental Saeed Jalili.

Durante a presidência linha-dura de Mahmoud Ahmadinejad, Jalili se opôs veementemente a um acordo com as potências mundiais para limitar o programa nuclear iraniano em troca do alívio das pesadas sanções econômicas. Em vez disso, ele pressionou para enriquecer urânio a níveis de aplicação militar, escreveram especialistas do Stimson Center em uma análise em junho.

Imagem do dia 5 mostra o candidato presidencial do Irã Saeed Jalili. Jalili se opôs veementemente a um acordo com as potências mundiais para limitar o programa nuclear iraniano Foto: Associated Press

“Sua abordagem levou ao isolamento do país”, disse Ali Vaez, diretor para Irã do International Crisis Group. “Ele não acredita no valor de negociar com o Ocidente”.

Sob o comando de Pezeshkian, disse ele, “acho que as chances de um avanço diplomático vão aumentar”.

Facilitando as relações com o Ocidente

Pezeshkian disse que está determinado a estabelecer uma política de envolvimento internacional e apoia um abrandamento das relações com o Ocidente, com o objetivo de pôr fim às sanções. Ele diz que quer promover a comunicação com a maioria dos governos de todo o mundo – exceto Israel – e também alertou contra a valorização excessiva das alianças com a Rússia e a China, “porque então elas poderiam explorar o Irã” e isolá-lo ainda mais no panorama global, disse Vaez.

“Se quisermos trabalhar com esta política, deveremos nos comportar bem com todos e estabelecer um bom relacionamento com todos, fundamentado na dignidade e nos interesses”, disse Pezeshkian em maio. “Quanto mais melhorarmos nossas relações externas, mais nos aproximaremos dessa política, mas, quanto mais as tensões aumentarem, mais nos afastaremos dela, e a situação vai piorar”.

Vaez disse que Pezeshkian não apresentou nenhuma proposta específica de política externa e é bastante franco sobre sua falta de experiência internacional. Mas o principal conselheiro de política externa de sua campanha foi Mohammad Javad Zarif, o ex-ministro das Relações Exteriores que intermediou um acordo nuclear com potências mundiais em 2015. Astuto diplomata que viveu nos Estados Unidos, Zarif foi ridicularizado pelos radicais iranianos como um “americano de mentira”.

O fator Trump

Um teste fundamental ao interesse do Irã na diplomacia com o Ocidente será saber se o país responderá aos esforços para relançar o acordo nuclear de 2015, uma questão que é complicada pela candidatura do ex-presidente Donald J. Trump.

O acordo, que visava impedir o Irã de construir uma bomba nuclear, tecnicamente expira no ano que vem. Mas, na prática, está extinto desde que Trump retirou os Estados Unidos do acordo em 2018 e reimpôs as sanções americanas. Isso levou o Irã a acelerar seu enriquecimento de urânio até o ponto em que os especialistas dizem que agora talvez seja capaz de produzir combustível para três ou mais bombas em dias ou semanas.

O Irã há muito insiste que seu programa nuclear é pacífico e que está proibido de fabricar ou utilizar armas nucleares devido a uma fatwa – ou seja, um decreto religioso – de 2003, emitida por Khamenei. As autoridades americanas dizem que não há provas de um esforço atual para transformar o urânio iraniano em bomba, mas as israelenses argumentam que esses esforços estão em curso sob uma fachada de pesquisa universitária.

Imagem mostra iranianos caminhando em frente a um mural antiamericano em Teerã, em 19 de agosto de 2023. Relação com os EUA se deteriorou após o então presidente Donald Trump impor sanções contra o Irã Foto: Vahid Salemi/AP

Catherine Ashton, diplomata britânica que supervisionou as negociações nucleares como chefe da política externa da União Europeia quando foi alcançado um acordo provisório em 2013, trabalhou em estreita colaboração com Jalili e Zarif na mesa de negociações. Ela disse que Jalili parecia mais preocupado em “manter as negociações ativas e, ao mesmo tempo, garantir que não houvesse progresso ou resultado concreto”.

Zarif, por outro lado, tinha “uma compreensão muito maior dos Estados Unidos e da Europa e uma determinação em garantir o futuro do Irã na região”, disse Ashton.

Khamenei havia alertado os iranianos contra a eleição de um presidente que poderia ser visto como aberto demais ao Ocidente, sobretudo aos Estados Unidos. Os diplomatas observam também que o aquecimento das relações com a Rússia ao longo da última década, após anos de desconfiança e divergência, ajudou o Irã a lidar com o contínuo isolamento internacional.

A guerra em Gaza agravou as tensões entre os Estados Unidos e as forças apoiadas pelo Irã no Líbano, na Síria, no Iraque e no Iêmen, diminuindo a possibilidade de novos acordos entre Washington e Teerã, escreveram especialistas do Stimson Center.

Depois de um ataque israelense ao complexo da embaixada do Irã na Síria, em abril, que matou vários comandantes iranianos, Teerã retaliou disparando centenas de mísseis e drones contra Israel, a maioria dos quais foram interceptados. O episódio marcou uma grave escalada entre os dois inimigos e muito provavelmente levou o Irã a buscar um elemento de dissuasão mais potente.

Evitando conflitos com os Estados Unidos

Ainda assim, os iranianos sabem que os Estados Unidos estão determinados a evitar um alargamento do conflito no Oriente Médio, e estão correndo mensagens secretas entre as duas capitais para sublinhar os perigos.

Uma troca de prisioneiros entre os dois países no ano passado despertou uma esperança de maior cooperação diplomática – assim como antes o fizeram as conversações indiretas sobre o programa nuclear. Mas agora o Irã está concentrado em como irá lidar com Trump, caso ele ganhe a reeleição em novembro, possibilidade que muitos na classe política iraniana tomam como certa.

Ross, o negociador, disse que o novo presidente iraniano terá alguma margem de manobra para ajustar o equilíbrio entre “o pragmatismo ou a adesão às normas ideológicas que o líder supremo estabelecer” na tomada de decisões governamentais.

Mas isso só irá até certo ponto nas negociações de Pezeshkian na política externa, especialmente com os Estados Unidos, país para o qual Khamenei estabeleceu limites claros. Mesmo no que diz respeito ao acordo nuclear de 2015, disse Ross, o líder supremo “se distanciou do assunto e se posicionou para dizer ‘eu avisei’ quando Trump saiu do acordo”.

Lara Jakes vive em Roma e escreve sobre os esforços diplomáticos e militares do Ocidente para apoiar a Ucrânia na guerra contra a Rússia. Ela é jornalista há quase trinta anos. /TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Com a eleição do candidato reformista Masoud Pezeshkian à presidência, o Irã poderá assistir a um abrandamento de sua política externa absolutista e até mesmo a uma oportunidade para nova abertura diplomática, dizem autoridades e especialistas.

Pezeshkian, médico cardiologista, membro do parlamento e ex-ministro da Saúde, tem pouca experiência direta em política externa. Mas prometeu aumentar o poder dos diplomatas mais experientes e globalistas do Irã sobre sua agenda externa, alimentando as esperanças de uma relação mais calorosa com o Ocidente.

Pezeshkian “representa uma postura mais pragmática e menos conflituosa tanto no exterior quanto no interior”, disse Dennis B. Ross, que trabalhou como assistente especial do presidente Barack Obama e é negociador de longa data no Oriente Médio.

Imagem do dia 6 mostra o presidente eleito do Irã, Masoud Pezeshkian. Pezeshkian é considerado um político reformista e moderado e pode aproximar país do Ocidente Foto: Vahid Salemi/AP

Ainda assim, observou Ross, o líder supremo do Irã, o aiatolá Ali Khamenei, “faria de tudo para limitar” a agenda internacional de Pezeshkian.

A maior parte dos poderes do presidente iraniano se restringem às questões internas. É Khamenei, como a mais alta autoridade política e religiosa do país, quem toma todas as principais decisões políticas, especialmente nos assuntos externos e no programa nuclear do Irã.

A outra força fundamental do sistema iraniano, o Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica, supervisiona todos os assuntos militares do país. Os Guardas Revolucionários e o líder supremo estão estreitamente alinhados e decidem quando e como usar a força militar, seja para libertar seus proxies no Iraque, na Síria, no Líbano e no Iêmen, seja para ameaçar Israel.

As políticas externas do Irã vêm se tornando cada vez mais rígidas nos últimos anos, dizem diplomatas e analistas, e essa tendência pode muito bem continuar sob o governo de Pezeshkian. Isso inclui solidificar alianças com outros estados autoritários – como o Irã fez ao armar a Rússia com drones e mísseis para atacar a Ucrânia – e apresentar-se como uma potência a ser reconhecida, tanto no Oriente Médio quanto no Ocidente, apesar de sua convulsão interna e da economia em crise.

“O eixo de resistência iraniano tem sido tão bem sucedido que é difícil ver por que alguém tentaria perturbar uma política que permitiu a Teerã projetar poder com uma certa impunidade”, Ray Takeyh, especialista em Irã no think tank Council on Foreign Relations, escreveu em uma análise ainda antes da eleição.

Envolvimento com o mundo

Onde o presidente poderá ter o maior efeito internacional, dizem os analistas, é na definição da maneira como as políticas do Irã são vistas em todo o mundo, em grande parte por meio dos diplomatas que ele selecionar. A este respeito, é gritante o contraste entre Pezeshkian e seu principal adversário, o ultraconservador antiocidental Saeed Jalili.

Durante a presidência linha-dura de Mahmoud Ahmadinejad, Jalili se opôs veementemente a um acordo com as potências mundiais para limitar o programa nuclear iraniano em troca do alívio das pesadas sanções econômicas. Em vez disso, ele pressionou para enriquecer urânio a níveis de aplicação militar, escreveram especialistas do Stimson Center em uma análise em junho.

Imagem do dia 5 mostra o candidato presidencial do Irã Saeed Jalili. Jalili se opôs veementemente a um acordo com as potências mundiais para limitar o programa nuclear iraniano Foto: Associated Press

“Sua abordagem levou ao isolamento do país”, disse Ali Vaez, diretor para Irã do International Crisis Group. “Ele não acredita no valor de negociar com o Ocidente”.

Sob o comando de Pezeshkian, disse ele, “acho que as chances de um avanço diplomático vão aumentar”.

Facilitando as relações com o Ocidente

Pezeshkian disse que está determinado a estabelecer uma política de envolvimento internacional e apoia um abrandamento das relações com o Ocidente, com o objetivo de pôr fim às sanções. Ele diz que quer promover a comunicação com a maioria dos governos de todo o mundo – exceto Israel – e também alertou contra a valorização excessiva das alianças com a Rússia e a China, “porque então elas poderiam explorar o Irã” e isolá-lo ainda mais no panorama global, disse Vaez.

“Se quisermos trabalhar com esta política, deveremos nos comportar bem com todos e estabelecer um bom relacionamento com todos, fundamentado na dignidade e nos interesses”, disse Pezeshkian em maio. “Quanto mais melhorarmos nossas relações externas, mais nos aproximaremos dessa política, mas, quanto mais as tensões aumentarem, mais nos afastaremos dela, e a situação vai piorar”.

Vaez disse que Pezeshkian não apresentou nenhuma proposta específica de política externa e é bastante franco sobre sua falta de experiência internacional. Mas o principal conselheiro de política externa de sua campanha foi Mohammad Javad Zarif, o ex-ministro das Relações Exteriores que intermediou um acordo nuclear com potências mundiais em 2015. Astuto diplomata que viveu nos Estados Unidos, Zarif foi ridicularizado pelos radicais iranianos como um “americano de mentira”.

O fator Trump

Um teste fundamental ao interesse do Irã na diplomacia com o Ocidente será saber se o país responderá aos esforços para relançar o acordo nuclear de 2015, uma questão que é complicada pela candidatura do ex-presidente Donald J. Trump.

O acordo, que visava impedir o Irã de construir uma bomba nuclear, tecnicamente expira no ano que vem. Mas, na prática, está extinto desde que Trump retirou os Estados Unidos do acordo em 2018 e reimpôs as sanções americanas. Isso levou o Irã a acelerar seu enriquecimento de urânio até o ponto em que os especialistas dizem que agora talvez seja capaz de produzir combustível para três ou mais bombas em dias ou semanas.

O Irã há muito insiste que seu programa nuclear é pacífico e que está proibido de fabricar ou utilizar armas nucleares devido a uma fatwa – ou seja, um decreto religioso – de 2003, emitida por Khamenei. As autoridades americanas dizem que não há provas de um esforço atual para transformar o urânio iraniano em bomba, mas as israelenses argumentam que esses esforços estão em curso sob uma fachada de pesquisa universitária.

Imagem mostra iranianos caminhando em frente a um mural antiamericano em Teerã, em 19 de agosto de 2023. Relação com os EUA se deteriorou após o então presidente Donald Trump impor sanções contra o Irã Foto: Vahid Salemi/AP

Catherine Ashton, diplomata britânica que supervisionou as negociações nucleares como chefe da política externa da União Europeia quando foi alcançado um acordo provisório em 2013, trabalhou em estreita colaboração com Jalili e Zarif na mesa de negociações. Ela disse que Jalili parecia mais preocupado em “manter as negociações ativas e, ao mesmo tempo, garantir que não houvesse progresso ou resultado concreto”.

Zarif, por outro lado, tinha “uma compreensão muito maior dos Estados Unidos e da Europa e uma determinação em garantir o futuro do Irã na região”, disse Ashton.

Khamenei havia alertado os iranianos contra a eleição de um presidente que poderia ser visto como aberto demais ao Ocidente, sobretudo aos Estados Unidos. Os diplomatas observam também que o aquecimento das relações com a Rússia ao longo da última década, após anos de desconfiança e divergência, ajudou o Irã a lidar com o contínuo isolamento internacional.

A guerra em Gaza agravou as tensões entre os Estados Unidos e as forças apoiadas pelo Irã no Líbano, na Síria, no Iraque e no Iêmen, diminuindo a possibilidade de novos acordos entre Washington e Teerã, escreveram especialistas do Stimson Center.

Depois de um ataque israelense ao complexo da embaixada do Irã na Síria, em abril, que matou vários comandantes iranianos, Teerã retaliou disparando centenas de mísseis e drones contra Israel, a maioria dos quais foram interceptados. O episódio marcou uma grave escalada entre os dois inimigos e muito provavelmente levou o Irã a buscar um elemento de dissuasão mais potente.

Evitando conflitos com os Estados Unidos

Ainda assim, os iranianos sabem que os Estados Unidos estão determinados a evitar um alargamento do conflito no Oriente Médio, e estão correndo mensagens secretas entre as duas capitais para sublinhar os perigos.

Uma troca de prisioneiros entre os dois países no ano passado despertou uma esperança de maior cooperação diplomática – assim como antes o fizeram as conversações indiretas sobre o programa nuclear. Mas agora o Irã está concentrado em como irá lidar com Trump, caso ele ganhe a reeleição em novembro, possibilidade que muitos na classe política iraniana tomam como certa.

Ross, o negociador, disse que o novo presidente iraniano terá alguma margem de manobra para ajustar o equilíbrio entre “o pragmatismo ou a adesão às normas ideológicas que o líder supremo estabelecer” na tomada de decisões governamentais.

Mas isso só irá até certo ponto nas negociações de Pezeshkian na política externa, especialmente com os Estados Unidos, país para o qual Khamenei estabeleceu limites claros. Mesmo no que diz respeito ao acordo nuclear de 2015, disse Ross, o líder supremo “se distanciou do assunto e se posicionou para dizer ‘eu avisei’ quando Trump saiu do acordo”.

Lara Jakes vive em Roma e escreve sobre os esforços diplomáticos e militares do Ocidente para apoiar a Ucrânia na guerra contra a Rússia. Ela é jornalista há quase trinta anos. /TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Com a eleição do candidato reformista Masoud Pezeshkian à presidência, o Irã poderá assistir a um abrandamento de sua política externa absolutista e até mesmo a uma oportunidade para nova abertura diplomática, dizem autoridades e especialistas.

Pezeshkian, médico cardiologista, membro do parlamento e ex-ministro da Saúde, tem pouca experiência direta em política externa. Mas prometeu aumentar o poder dos diplomatas mais experientes e globalistas do Irã sobre sua agenda externa, alimentando as esperanças de uma relação mais calorosa com o Ocidente.

Pezeshkian “representa uma postura mais pragmática e menos conflituosa tanto no exterior quanto no interior”, disse Dennis B. Ross, que trabalhou como assistente especial do presidente Barack Obama e é negociador de longa data no Oriente Médio.

Imagem do dia 6 mostra o presidente eleito do Irã, Masoud Pezeshkian. Pezeshkian é considerado um político reformista e moderado e pode aproximar país do Ocidente Foto: Vahid Salemi/AP

Ainda assim, observou Ross, o líder supremo do Irã, o aiatolá Ali Khamenei, “faria de tudo para limitar” a agenda internacional de Pezeshkian.

A maior parte dos poderes do presidente iraniano se restringem às questões internas. É Khamenei, como a mais alta autoridade política e religiosa do país, quem toma todas as principais decisões políticas, especialmente nos assuntos externos e no programa nuclear do Irã.

A outra força fundamental do sistema iraniano, o Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica, supervisiona todos os assuntos militares do país. Os Guardas Revolucionários e o líder supremo estão estreitamente alinhados e decidem quando e como usar a força militar, seja para libertar seus proxies no Iraque, na Síria, no Líbano e no Iêmen, seja para ameaçar Israel.

As políticas externas do Irã vêm se tornando cada vez mais rígidas nos últimos anos, dizem diplomatas e analistas, e essa tendência pode muito bem continuar sob o governo de Pezeshkian. Isso inclui solidificar alianças com outros estados autoritários – como o Irã fez ao armar a Rússia com drones e mísseis para atacar a Ucrânia – e apresentar-se como uma potência a ser reconhecida, tanto no Oriente Médio quanto no Ocidente, apesar de sua convulsão interna e da economia em crise.

“O eixo de resistência iraniano tem sido tão bem sucedido que é difícil ver por que alguém tentaria perturbar uma política que permitiu a Teerã projetar poder com uma certa impunidade”, Ray Takeyh, especialista em Irã no think tank Council on Foreign Relations, escreveu em uma análise ainda antes da eleição.

Envolvimento com o mundo

Onde o presidente poderá ter o maior efeito internacional, dizem os analistas, é na definição da maneira como as políticas do Irã são vistas em todo o mundo, em grande parte por meio dos diplomatas que ele selecionar. A este respeito, é gritante o contraste entre Pezeshkian e seu principal adversário, o ultraconservador antiocidental Saeed Jalili.

Durante a presidência linha-dura de Mahmoud Ahmadinejad, Jalili se opôs veementemente a um acordo com as potências mundiais para limitar o programa nuclear iraniano em troca do alívio das pesadas sanções econômicas. Em vez disso, ele pressionou para enriquecer urânio a níveis de aplicação militar, escreveram especialistas do Stimson Center em uma análise em junho.

Imagem do dia 5 mostra o candidato presidencial do Irã Saeed Jalili. Jalili se opôs veementemente a um acordo com as potências mundiais para limitar o programa nuclear iraniano Foto: Associated Press

“Sua abordagem levou ao isolamento do país”, disse Ali Vaez, diretor para Irã do International Crisis Group. “Ele não acredita no valor de negociar com o Ocidente”.

Sob o comando de Pezeshkian, disse ele, “acho que as chances de um avanço diplomático vão aumentar”.

Facilitando as relações com o Ocidente

Pezeshkian disse que está determinado a estabelecer uma política de envolvimento internacional e apoia um abrandamento das relações com o Ocidente, com o objetivo de pôr fim às sanções. Ele diz que quer promover a comunicação com a maioria dos governos de todo o mundo – exceto Israel – e também alertou contra a valorização excessiva das alianças com a Rússia e a China, “porque então elas poderiam explorar o Irã” e isolá-lo ainda mais no panorama global, disse Vaez.

“Se quisermos trabalhar com esta política, deveremos nos comportar bem com todos e estabelecer um bom relacionamento com todos, fundamentado na dignidade e nos interesses”, disse Pezeshkian em maio. “Quanto mais melhorarmos nossas relações externas, mais nos aproximaremos dessa política, mas, quanto mais as tensões aumentarem, mais nos afastaremos dela, e a situação vai piorar”.

Vaez disse que Pezeshkian não apresentou nenhuma proposta específica de política externa e é bastante franco sobre sua falta de experiência internacional. Mas o principal conselheiro de política externa de sua campanha foi Mohammad Javad Zarif, o ex-ministro das Relações Exteriores que intermediou um acordo nuclear com potências mundiais em 2015. Astuto diplomata que viveu nos Estados Unidos, Zarif foi ridicularizado pelos radicais iranianos como um “americano de mentira”.

O fator Trump

Um teste fundamental ao interesse do Irã na diplomacia com o Ocidente será saber se o país responderá aos esforços para relançar o acordo nuclear de 2015, uma questão que é complicada pela candidatura do ex-presidente Donald J. Trump.

O acordo, que visava impedir o Irã de construir uma bomba nuclear, tecnicamente expira no ano que vem. Mas, na prática, está extinto desde que Trump retirou os Estados Unidos do acordo em 2018 e reimpôs as sanções americanas. Isso levou o Irã a acelerar seu enriquecimento de urânio até o ponto em que os especialistas dizem que agora talvez seja capaz de produzir combustível para três ou mais bombas em dias ou semanas.

O Irã há muito insiste que seu programa nuclear é pacífico e que está proibido de fabricar ou utilizar armas nucleares devido a uma fatwa – ou seja, um decreto religioso – de 2003, emitida por Khamenei. As autoridades americanas dizem que não há provas de um esforço atual para transformar o urânio iraniano em bomba, mas as israelenses argumentam que esses esforços estão em curso sob uma fachada de pesquisa universitária.

Imagem mostra iranianos caminhando em frente a um mural antiamericano em Teerã, em 19 de agosto de 2023. Relação com os EUA se deteriorou após o então presidente Donald Trump impor sanções contra o Irã Foto: Vahid Salemi/AP

Catherine Ashton, diplomata britânica que supervisionou as negociações nucleares como chefe da política externa da União Europeia quando foi alcançado um acordo provisório em 2013, trabalhou em estreita colaboração com Jalili e Zarif na mesa de negociações. Ela disse que Jalili parecia mais preocupado em “manter as negociações ativas e, ao mesmo tempo, garantir que não houvesse progresso ou resultado concreto”.

Zarif, por outro lado, tinha “uma compreensão muito maior dos Estados Unidos e da Europa e uma determinação em garantir o futuro do Irã na região”, disse Ashton.

Khamenei havia alertado os iranianos contra a eleição de um presidente que poderia ser visto como aberto demais ao Ocidente, sobretudo aos Estados Unidos. Os diplomatas observam também que o aquecimento das relações com a Rússia ao longo da última década, após anos de desconfiança e divergência, ajudou o Irã a lidar com o contínuo isolamento internacional.

A guerra em Gaza agravou as tensões entre os Estados Unidos e as forças apoiadas pelo Irã no Líbano, na Síria, no Iraque e no Iêmen, diminuindo a possibilidade de novos acordos entre Washington e Teerã, escreveram especialistas do Stimson Center.

Depois de um ataque israelense ao complexo da embaixada do Irã na Síria, em abril, que matou vários comandantes iranianos, Teerã retaliou disparando centenas de mísseis e drones contra Israel, a maioria dos quais foram interceptados. O episódio marcou uma grave escalada entre os dois inimigos e muito provavelmente levou o Irã a buscar um elemento de dissuasão mais potente.

Evitando conflitos com os Estados Unidos

Ainda assim, os iranianos sabem que os Estados Unidos estão determinados a evitar um alargamento do conflito no Oriente Médio, e estão correndo mensagens secretas entre as duas capitais para sublinhar os perigos.

Uma troca de prisioneiros entre os dois países no ano passado despertou uma esperança de maior cooperação diplomática – assim como antes o fizeram as conversações indiretas sobre o programa nuclear. Mas agora o Irã está concentrado em como irá lidar com Trump, caso ele ganhe a reeleição em novembro, possibilidade que muitos na classe política iraniana tomam como certa.

Ross, o negociador, disse que o novo presidente iraniano terá alguma margem de manobra para ajustar o equilíbrio entre “o pragmatismo ou a adesão às normas ideológicas que o líder supremo estabelecer” na tomada de decisões governamentais.

Mas isso só irá até certo ponto nas negociações de Pezeshkian na política externa, especialmente com os Estados Unidos, país para o qual Khamenei estabeleceu limites claros. Mesmo no que diz respeito ao acordo nuclear de 2015, disse Ross, o líder supremo “se distanciou do assunto e se posicionou para dizer ‘eu avisei’ quando Trump saiu do acordo”.

Lara Jakes vive em Roma e escreve sobre os esforços diplomáticos e militares do Ocidente para apoiar a Ucrânia na guerra contra a Rússia. Ela é jornalista há quase trinta anos. /TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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