Um atirador palestino abriu fogo perto de uma sinagoga em Jerusalém na noite desta sexta-feira, 27 (horário local), e matou ao menos sete pessoas antes de ser morto pela polícia israelense. O ataque, considerado um “ato terrorista” pela polícia israelense, acontece após a incursão israelense na Cisjordânia que deixou 10 palestinos mortos, desencadeando protestos na região e ameaças de retaliação por parte dos grupos Hamas e Jihad Islâmica, e do ataque aéreo de Tel Aviv a instalações na Faixa de Gaza – incluindo uma fábrica subterrânea do Hamas.
O ataque não foi reivindicado por nenhuma organização radical até o momento, mas tanto o grupo Hamas quanto o Jihad Islâmica afirmam que ele aconteceu pelos mortos na Cisjordânia. “Esta operação é uma resposta ao crime conduzido pela ocupação em Jenin e uma resposta natural às ações criminosas da ocupação”, disse o porta-voz do Hamas, Hazem Qassem.
Segundo a polícia, o atirador era um palestino de 21 anos residente em Jerusalém Oriental. Não há detalhes até o momento sobre o que o levou a realizar o ataque, que ocorreu em uma área da cidade anexada por Israel após a guerra de 1967 no Oriente Médio.
Além dos mortos, outras três pessoas ficaram feridas em Jerusalém, de acordo com o serviço de resgate israelense. O incidente desafia o novo governo de Israel e deixa dúvidas sobre a visita do secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, à região no domingo, 29. O ministro da Defesa israelense, Yoav Gallant, agendou uma reunião com o chefe do exército e outros altos funcionários de segurança.
O ataque, ocorrido no dia em que fiéis celebravam o sábado judaico, foi o mais mortal contra israelenses desde que um incidente em 2008 matou oito pessoas em um seminário judeu em Jerusalém, de acordo com o Ministério das Relações Exteriores de Israel. Dada a localização e o momento, existe a ameaça de desencadear uma resposta dura de Israel.
Na Cisjordânia e na Faixa de Gaza, a notícia do ataque causou celebrações públicas, nas quais as pessoas dispararam armas para o ar, buzinaram em carros e distribuíram doces. Já em Jerusalém, do lado de fora do hospital onde as vítimas do ataque foram atendidas, multidões gritaram “Morte aos terroristas”, segundo a agência Reuters.
Protestos na Cisjordânia durante enterro de palestinos
Mais cedo, cidadãos palestinos protestaram durante o enterro do último dos 10 palestinos mortos no campo de refugiados de Jenin, no Norte da Cisjordânia. Multidões agitaram as bandeiras do Fatah, o partido que controla a Autoridade Palestina, e do Hamas, que governa Gaza. Em al-Ram, palestinos mascarados atiraram pedras e soltaram fogos de artifício contra a polícia israelense, que respondeu com gás lacrimogêneo.
O aumento das tensões após a incursão israelense também ficou evidente com ataques de ambos lados. Durante a noite da quinta, Israel relatou ter interceptado três foguetes lançados da Faixa de Gaza, enquanto um quarto caiu em uma área despovoada no Sul do país. Horas depois, as Forças de Defesa afirmaram ter respondido aos foguetes com caças enviados à Faixa de Gaza para atacar instalações de grupos palestinos.
Testemunhas oculares palestinas disseram que mais de 14 mísseis foram disparados contra um posto militar que pertence a grupos militantes de Gaza. Fontes médicas palestinas disseram que nenhum ferimento foi relatado durante os ataques. A Jihad Islâmica afirmou nesta sexta-feira em um comunicado que os projéteis disparados “levam uma mensagem: o inimigo [Israel] deve permanecer alerta, porque o sangue palestino derramado custa caro”.
Os lançamentos não foram reivindicados, mas tanto o Hamas, grupo que controla a área, como a Jihad Islâmica prometeram represálias após as mortes em Jenin – que se configurou no ataque israelense mais mortal em duas décadas e elevou o número de palestinos mortos este ano para 29. Até agora, tanto os foguetes palestinos quanto os ataques aéreos israelenses pareciam limitados para evitar uma escalada de violência.
A chance de um conflito maior pareceu diminuir ao meio-dia desta sexta-feira, com as orações no complexo da Mesquita de Al-Aqsa - muitas vezes um catalisador de confrontos entre palestinos e policiais israelenses - transcorrendo em relativa calma. Entretanto, o ataque em Jerusalém põe em xeque a na região e os temores voltam a aumentar.
Incursão israelense na Cisjordânia
O Ministério da Saúde palestino havia inicialmente reportado nove mortes, incluindo uma idosa, mas, mais tarde, informou que outro palestino faleceu ao ser atingido por tiros de tropas israelenses em um incidente separado perto de Ramallah, na Cisjordânia. Além disso, 20 pessoas ficaram feridas, incluindo quatro em condições graves, durante a operação militar no campo de refugiados da cidade, informou a pasta.
De acordo com a ONU, não eram registradas tantas mortes em apenas uma operação israelense na Cisjordânia desde o início dos registros das operações em 2005. A Autoridade Palestina, por sua vez, classificou a incursão pela Cisjordânia como um massacre e anunciou que não irá mais cooperar com Israel em matéria de segurança.
O Departamento de Estado americano anunciou que o chefe da diplomacia dos Estados Unidos, Antony Blinken, viajará na próxima semana a Israel e Cisjordânia para “reduzir as tensões” na região.
Para Entender
Além disso, o governo dos Emirados Árabes Unidos, que normalizou as relações com Israel em 2020, condenou “o ataque das forças israelenses” e pediu uma reunião “urgente” do Conselho de Segurança da ONU.
‘Operação antiterrorista’
Desde o início do ano, até 30 palestinos, civis ou membros de grupos armados, morreram em incidentes de violência envolvendo as forças de segurança e também cidadãos civis de Israel.
Um porta-voz militar israelense disse que o Exército realizou “uma operação antiterrorista” contra a organização armada Jihad Islâmica, envolvida em vários ataques contra Israel.
Antes de se retirar, as forças israelenses “jogaram deliberadamente granadas de gás lacrimogêneo” na ala pediátrica de um hospital de Jenin, “o que provocou a asfixia de algumas crianças”, denunciou a ministra da Saúde palestina, Mai Al Kaila.
“Ninguém disparou gás lacrimogêneo deliberadamente contra um hospital [...], mas a operação ocorreu não muito longe de um hospital e é possível que o gás lacrimogêneo tenha entrado por uma janela aberta”, disse um porta-voz do Exército israelense à France-Presse.
Uma das vítimas de quinta-feira se chamava Majeda Obeid, uma mulher de 61 anos, e sua filha contou à France-Presse como ela faleceu durante a operação militar israelense.
“Quando ela terminou de rezar, olhou pela janela por um momento e, então, foi atingida por uma bala no pescoço. Seu corpo tombou contra a parede e depois caiu sobre o chão”, disse Kefiyat Obeid, de 26 anos.
‘Estado de guerra’
O acampamento de Jenin, criado em 1953, é como uma cidade dentro da cidade e abriga cerca de 20 mil refugiados, segundo a Agência da ONU de Assistência aos Refugiados da Palestina no Próximo Oriente (UNRWA, na sigla em inglês).
O Exército israelense, que ocupa a Cisjordânia desde 1967, realiza operações quase diárias nesse território palestino, principalmente no Norte, nos setores de Jenin e Nablus, redutos de grupos armados palestinos.
O cônsul-geral de Israel no Brasil, Rafael Erdreich, definiu o campo de refugiados de Jenin como um “um enclave terrorista na região da Cisjordânia”, afirmando que operações antiterrorismo na região estão em curso há 11 meses, em resposta a ataques a cidades israelenses.
“Dada a incapacidade da Autoridade Palestina de exercer ordem no campo de refugiados de Jenin, o local é, há muito tempo, uma ‘terra de ninguém’ controlada pelas organizações terroristas islâmicas mais extremistas, Jihad Islâmica e Hamas, que são reconhecidas por muitos países, incluindo EUA e União Europeia, como organizações terroristas. Essa situação é uma séria ameaça, inclusive, aos próprios palestinos”, disse.
Erdreich também afirmou que a operação foi necessária após os militares israelenses receberem informações sobre a realização iminente de um ataque terrorista por integrantes da Jihad Islâmica, e que o número de mortos foi elevado pelo fato do combate ter acontecido à luz do dia, e pelos supostos terroristas terem reagido: “foi uma batalha, não um massacre.
O secretário-geral da Liga Árabe denunciou um “massacre sangrento” perpetrado “sob as ordens diretas de [o primeiro-ministro israelense Binyamin] Netanyahu”, que retornou ao comando do governo de Israel no fim do ano passado.
“O Exército israelense destrói tudo e atira em tudo que se move”, disse o vice-governador de Jenin, Kamal Abu al-Rub.
“O que está acontecendo em Jenin e em seu campo é um massacre perpetrado pelo governo de ocupação israelense”, disse Nabil Abu Rudeina, porta-voz do presidente da Autoridade Palestina./ AFP, AP e NYT