Durante meses, o primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, evitou discussões públicas detalhadas sobre o futuro de Gaza no pós-guerra. Tentando apaziguar tanto seus aliados de extrema direita, que buscam reconstruir os assentamentos israelenses em Gaza, quanto os parceiros estrangeiros de Israel, que querem que Gaza volte a ser governada pelos palestinos, Netanyahu não fez nenhuma declaração específica.
No entanto, nos bastidores, os altos funcionários de seu gabinete têm avaliado um plano amplo para o pós-guerra em Gaza, no qual Israel se ofereceria para compartilhar a supervisão do território com uma aliança de países árabes, incluindo Egito, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos, bem como os Estados Unidos, de acordo com três funcionários israelenses e cinco pessoas que discutiram o plano com membros do governo israelense.
De acordo com essa proposta, Israel faria isso em troca da normalização das relações com a Arábia Saudita.
É quase certo que os membros de extrema direita da coalizão de Netanyahu rejeitarão essa ideia, assim como os países árabes mencionados como possíveis participantes. Mas esse é o sinal mais claro de que as autoridades dos níveis mais altos do governo de Israel estão pensando no futuro de Gaza no pós-guerra, apesar de falarem pouco em público - e pode ser um ponto de partida para futuras negociações.
A revelação ocorre em um cenário de intensos esforços internacionais para que Israel e o Hamas concordem com um cessar-fogo que poderia eventualmente se tornar uma trégua permanente, e segue a crescente pressão sobre Israel para que planeje o que virá em seguida. A relutância de Israel em determinar como governar Gaza criou um vácuo de poder em grande parte do território, levando à ilegalidade e piorando a terrível situação humanitária.
Proposta
Autoridades e analistas árabes consideraram o plano de compartilhamento de poder impraticável porque não cria um caminho explícito para um Estado palestino, o que os governos dos Emirados Árabes Unidos e da Arábia Saudita afirmaram ser um pré-requisito para seu envolvimento no planejamento pós-guerra. Mas outros receberam a proposta com cautela, porque ela pelo menos sugere maior flexibilidade entre os líderes israelenses do que suas declarações públicas sugerem.
De acordo com a proposta, a aliança árabe-israelense, trabalhando com os Estados Unidos, nomearia líderes de Gaza para reconstruir o território devastado, reformular seu sistema educacional e manter a ordem. Depois de sete a dez anos, a aliança permitiria que os habitantes de Gaza votassem sobre a possibilidade de serem governados por uma administração palestina unida tanto em Gaza quanto na Cisjordânia ocupada por Israel. Nesse meio tempo, sugere o plano, os militares israelenses poderiam continuar a operar dentro de Gaza.
A proposta não diz explicitamente se essa administração unida constituiria um Estado palestino soberano ou se incluiria a Autoridade Palestina, que administra partes da Cisjordânia. Publicamente, Netanyahu rejeitou a ideia de soberania palestina total e praticamente descartou o envolvimento da Autoridade Palestina. O gabinete do primeiro-ministro israelense não quis comentar.
A proposta carece de detalhes e não foi formalmente adotada pelo governo israelense, que publicamente apresentou apenas uma visão mais vaga, segundo a qual Israel manteria maior controle sobre a Gaza do pós-guerra.
Autoridades e analistas dos Emirados Árabes e da Arábia Saudita disseram que a nova proposta não asseguraria o envolvimento de Estados árabes como a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos, principalmente porque não garantiria a soberania palestina e permitiria a continuidade das operações militares israelenses dentro de Gaza. O governo saudita afirmou que não normalizará os laços com Israel a menos que os líderes israelenses tomem medidas irrevogáveis para a criação de um Estado palestino.
“Os detalhes precisam ser definidos de forma mais explícita, de maneira ‘irreversível’”, disse Ali Shihabi, um comentarista saudita considerado próximo à corte real. “O problema é que os israelenses têm o hábito de se esconder atrás de termos ambíguos, então acho que o governo saudita estaria buscando essa clareza.”
Ainda assim, a proposta é o plano mais detalhado para Gaza no pós-guerra discutido pelas autoridades israelenses, e partes dela se alinham com ideias articuladas por líderes árabes tanto em público quanto em particular.
Thomas R. Nides, ex-embaixador dos EUA em Israel, que foi consultado sobre o plano, disse que a proposta era importante porque revelava o pensamento interno israelense.
“Isso mostra que, apesar da postura pública do governo israelense, nos bastidores as autoridades estão pensando seriamente sobre como seria uma Gaza pós-guerra”, disse Nides. “Obviamente, o diabo está nos detalhes, que podem não ser suficientes para convencer os parceiros árabes, como Emirados Árabes Unidos, a se envolverem no plano. E nada pode acontecer até que os reféns sejam libertados e um cessar-fogo seja iniciado”.
Possível cessar-fogo
A divulgação do plano ocorre em meio a esforços renovados para selar uma trégua entre Israel e o grupo terrorista Hamas. Um grupo de empresários, a maioria deles israelenses, alguns dos quais são próximos de Netanyahu, elaborou o plano em novembro. Ele foi formalmente proposto pela primeira vez às autoridades israelenses no escritório de Netanyahu em dezembro, de acordo com uma das autoridades do governo.
Duas das autoridades disseram que o plano ainda estava sendo considerado nos níveis mais altos do governo de Israel, embora não possa ser colocado em prática até que o Hamas seja derrotado e os reféns restantes em Gaza sejam libertados.
O Hamas permanece no controle total de partes do sul de Gaza, apesar de uma campanha militar israelense devastadora que matou mais de 34 mil pessoas, de acordo com as autoridades locais, levou partes do território à beira da fome e deixou grande parte de Gaza em ruínas.
Os empresários, que pediram para não ter seus nomes revelados para não prejudicar sua capacidade de promover a ideia, disseram que informaram as autoridades de vários governos árabes e ocidentais, inclusive dos Estados Unidos, Egito, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos, sobre o plano.
O plano também foi mostrado a Tony Blair, ex-primeiro-ministro britânico que dirige um instituto que assessora o governo saudita em projetos de modernização. Um empresário palestino, que pediu para não ter seu nome divulgado para proteger seus parentes de represálias em Gaza, também esteve envolvido na promoção da ideia para autoridades americanas.
Questionado sobre o plano, o Ministério das Relações Exteriores dos Emirados Árabes Unidos disse em um comunicado que o governo dos Emirados “não participará de nenhum esforço de reconstrução em Gaza até que haja um acordo sobre um roteiro para uma solução política para o conflito, que inclua um caminho transparente, oportuno e vinculativo para todas as partes e que leve ao estabelecimento da solução de dois Estados, com um Estado palestino independente”.
Uma autoridade saudita, que falou sob condição de anonimato para cumprir o protocolo do governo, rejeitou a proposta porque ela não criava um “caminho crível e irreversível” para a criação de um Estado palestino ou garantia o envolvimento da Autoridade Palestina. A pessoa também negou que as autoridades sauditas tivessem tomado conhecimento do plano anteriormente.
Saiba mais
Um porta-voz do governo egípcio não quis comentar. O objetivo dos empresários é obter apoio internacional para a ideia, a fim de persuadir Netanyahu de que valeria a pena embarcar na difícil tarefa de obter apoio interno para ela.
O governo de coalizão de Netanyahu poderia entrar em colapso se ele apoiasse formalmente um plano que não excluísse de forma conclusiva a criação de um Estado palestino. Os membros de extrema direita de sua coalizão se opõem fortemente à soberania palestina e querem restabelecer os assentamentos israelenses em Gaza. Eles ameaçaram derrubar o governo se Netanyahu encerrar a guerra em Gaza sem expulsar o Hamas.
As pesquisas mostram que a maioria dos israelenses também se opõe à criação de um Estado palestino, que, segundo muitos, recompensaria o Hamas por liderar os ataques terroristas que mataram cerca de 1.200 pessoas em 7 de outubro, durante o ataque transfronteiriço a Israel que deu início à guerra.
Com receio de seu governo entrar em colapso e de perder apoio em uma campanha eleitoral subsequente, Netanyahu expressou repetidamente sua oposição a um Estado palestino nos últimos meses, comprometendo-se a manter o controle israelense sobre a Cisjordânia e Gaza.
Mas os analistas e alguns de seus aliados acreditam que ele estaria preparado para deixar em aberto a possibilidade teórica da soberania palestina se isso lhe permitisse fechar um acordo de normalização histórico com a Arábia Saudita.
O estabelecimento de laços diplomáticos com o Estado árabe mais influente permitiria que Netanyahu recuperasse parte de seu legado político, que foi manchado porque o ataque liderado pelo Hamas a Israel, o ataque mais mortal da história israelense, ocorreu sob sua supervisão.
“Ele quer esse legado”, disse Nadav Shtrauchler, analista político israelense e ex-estrategista do primeiro-ministro. “Por outro lado, em primeiro lugar, ele não acredita na solução de dois Estados. Em segundo lugar, ele não pode apresentá-la ao seu público”, acrescentou Shtrauchler.
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