Quem se importa com Israel deveria estar mais preocupado agora do que em qualquer outro momento desde 1967. Naquele ano, Israel derrotou os Exércitos de três Estados árabes — Egito, Síria e Jordânia — no conflito que ficou conhecido como Guerra dos Seis Dias. Hoje, quem olha com atenção percebe que Israel trava a Guerra das Seis Frentes.
Esta guerra é travada diretamente e por intermédio de atores não estatais, Estados-nação, redes sociais, movimentos ideológicos, comunidades da Cisjordânia e facções políticas israelenses — e é a guerra mais complexa que já cobri. Mas uma coisa está clara para mim: os israelenses não são capazes de vencer esta guerra em seis frentes sozinhos; eles só serão capazes de vencer se Israel — e os Estados Unidos — conseguirem reunir uma aliança global.
Desafortunadamente, Israel tem hoje um primeiro-ministro, Binyamin Netanyahu, e uma coalizão de governo que não pretendem nem são capazes de construir o fundamento necessário para sustentar essa aliança global. Esse fundamento é declarar o fim da expansão dos assentamentos coloniais de Israel na Cisjordânia e reformular as relações de Israel com a Autoridade Palestina, para que a entidade se torne uma parceira palestina legítima e crível, capaz de governar a Faixa de Gaza pós-Hamas e forjar uma solução maior de dois Estados incluindo a Cisjordânia.
É estrategicamente e moralmente incoerente Israel pedir aos seus melhores aliados ajuda para buscar justiça em Gaza e ao mesmo tempo pedir-lhes que façam vista grossa enquanto o Estado judaico constrói um reino colonial na Cisjordânia com objetivo expresso de anexação.
Isso não vai funcionar. Israel não será capaz de produzir o tempo, a assistência financeira, a legitimidade, o parceiro palestino e os aliados globais que precisa para vencer esta guerra em seis frentes. E todas as seis frentes estão neste momento à vista de todos.
Na primeira, Israel trava uma guerra em escala total contra o Hamas dentro e no entorno de Gaza, na qual, conforme podemos ver agora, o Hamas ainda detém tanta capacidade residual que conseguiu lançar um ataque anfíbio contra os israelenses na terça-feira e na quarta disparou foguetes de longo alcance contra as cidades portuárias de Eilat, no sul de Israel, e Haifa, no norte.
É assustador ver quantos recursos o Hamas desviou para construir armas em vez de capital humano em Gaza — e quão eficazmente o grupo escondeu isso de Israel e do mundo. De fato é difícil não notar o contraste entre a evidente pobreza humana em Gaza e a riqueza em armamentos que o Hamas construiu e tem acionado.
O Hamas sonha há muito tempo com a unificação dos fronts em torno de Israel, regionalmente e globalmente. A estratégia de Israel sempre foi agir de maneiras que evitem isso — até que a atual coalizão de Netanyahu, de judeus ultraortodoxos e supremacistas, chegou ao poder em dezembro e começou a se comportar de maneiras que de fato ajudaram a fomentar a unificação de todos os inimigos de Israel.
De que maneiras? Os supremacistas judeus no gabinete de Netanyahu começaram imediatamente a desafiar o status quo do Monte do Templo, em Jerusalém, reverenciado por muçulmanos, que se referem ao local como Nobre Santuário, onde fica a Mesquita de Al-Aqsa.
O governo Netanyahu começou a movimentar-se para impor condições muito mais duras aos palestinos da Cisjordânia e de Gaza presos nas penitenciárias israelenses. E estabeleceu planos para uma enorme expansão nos assentamentos de Israel na Cisjordânia para impedir que um Estado palestino contíguo possa existir algum dia por lá. É a primeira vez que um governo israelense torna a anexação da Cisjordânia um objetivo declarado em seu pacto de coalizão.
Além disso tudo, os EUA pareciam próximos de forjar um acordo para a normalização das relações diplomáticas e comerciais entre Arábia Saudita e Israel — realização que coroaria o esforço de Netanyahu no sentido de provar que Israel pode ter relações normais com Estados árabes e muçulmanos sem ter de ceder nenhum centímetro aos palestinos.
O que nos leva à segunda frente: Israel contra o Irã e seus apoiadores — ou seja, o Hezbollah no Líbano e na Síria, milícias islamistas na Síria e no Iraque e a milícia houthi no Iêmen.
Todos os grupos lançaram, nos dias recentes, drones e foguetes contra Israel e forças dos EUA no Iraque e na Síria. Eu creio que o Irã — assim como o Hamas — considerou o esforço americano-israelense de normalização de relações entre Israel e Estados árabes-muçulmanos uma ameaça estratégica que teria isolado Teerã e seus aliados na região. Ao mesmo tempo, acredito que o Hezbollah passou a perceber que, se Israel aniquilar o Hamas, conforme declarou que fará, o grupo xiita libanês será o próximo. Portanto, o Hezbollah decidiu que, no mínimo, precisa abrir um segundo front de baixa intensidade contra Israel.
Como resultado, Israel foi forçado a retirar cerca de 130 mil civis das proximidades da fronteira norte, assim como dezenas de milhares de pessoas da região próxima à fronteira sudoeste, com Gaza. Esses deslocamentos colocam uma pressão enorme por moradia sobre o tesouro israelense.
A terceira frente é o universo das redes sociais e outras narrativas digitais sobre quem é bom ou mau. Quando o mundo torna-se interdependente, quando — graças a smartphones e redes sociais — nada permanece oculto e nós conseguimos ouvir uns aos outros sussurrar, a narrativa dominante adquire um valor estratégico verdadeiro.
Essa rede social ser manipulada com tanta facilidade pelo Hamas ao ponto do episódio de um míssil palestino que falhou e atingiu um hospital em Gaza ter tido a culpa atribuída a Israel é profundamente perturbador, porque essas narrativas moldam decisões de governos e políticos tanto quanto relações entre diretores-executivos e seus funcionários. Estejam avisados: se Israel invadir Gaza, corporações do mundo inteiro se verão diante de demandas em competição de seus empregados para denunciar Israel ou o Hamas.
A quarta frente é a luta intelectual-filosófica entre o movimento progressista internacional e Israel. Creio que alguns elementos desse movimento progressista, que, bem sei, é grande e diverso, perderam suas estribeiras morais sobre este tema. Por exemplo, eu vi numerosas manifestações em universidades americanas que essencialmente culpam Israel pela invasão horrenda do Hamas, argumentando que o grupo travou uma “luta anticolonial” legítima.
Esses manifestantes progressistas parecem acreditar que o Estado de Israel inteiro é uma empresa colonial — não apenas os assentamentos na Cisjordânia — e portanto o povo judeu não tem direito à autodeterminação nem à autodefesa em sua terra ancestral, seja dentro ou fora das fronteiras pré-1967.
E para uma comunidade intelectual aparentemente preocupada com nações que ocupam outras nações e lhes nega direito ao autogoverno, nós não vemos muitas manifestações progressistas contra a maior potência opressora no Oriente Médio hoje: o Irã.
Além de reprimir suas próprias mulheres em busca de mais liberdade de pensamento e vestimenta, Teerã controla efetivamente quatro Estados árabes — Líbano, Síria, Iêmen e Iraque — por meio de seus aliados. O Líbano, um país que conheço bem, há um ano não consegue eleger um novo presidente que não se curve constantemente aos desejos e interesses de Teerã. Infelizmente, libaneses independentes são incapazes de remover a influência do Irã de seu Parlamento e Executivo, que é exercida em grande medida através dos canos das armas do Hezbollah. O site Middle East Eye noticiou que, em 2014, o representante da cidade de Teerã no Parlamento iraniano Ali Reza Zakani gabou-se sobre a maneira que o Irã passou a controlar quatro capitais árabes: Bagdá, Damasco, Beirute e Sanaa, Iêmen.
Reduzir essa luta incrivelmente complexa de dois povos por uma mesma terra a uma guerra colonial é uma desonestidade intelectual. Ou, conforme afirmou o escritor israelense Yossi Klein Halevi no jornal Times of Israel na quarta-feira: “Colocar a culpa da ocupação e suas consequências totalmente em Israel é desprezar o histórico das ofertas de paz israelenses e da rejeição palestina. Rotular Israel como mais uma criação colonialista é distorcer a história singular do retorno de um povo arrancado de sua terra, em sua maioria refugiados de comunidades judaicas destruídas no Oriente Médio”.
Mas vejam o que mais é desonesto intelectualmente: comprar a narrativa da direita israelense favorável aos assentamentos, neste momento disseminada amplamente dentro de Israel, de que a violência de Hamas é tão selvagem que claramente não tem nada a ver com nada que os colonos tenham feito — portanto, não há problemas em erguer mais assentamentos.
Minha visão: trata-se de uma disputa territorial entre dois povos que reivindicam a mesma terra, que precisa ser dividida da maneira mais equitativa possível. Essa concessão mútua é o fundamento de qualquer sucesso contra o Hamas. Portanto, se você é favorável a uma solução de dois Estados, você é meu amigo e se você é contra uma solução de dois Estados, você não é meu amigo.
A quinta frente é dentro de Israel e dos territórios ocupados. Na Cisjordânia, colonos judeus de direita estão atacando palestinos e perturbando os esforços do Exército de Israel de manter o controle em colaboração com as forças de segurança da Autoridade Palestina (AP), liderada por Mahmoud Abbas. Nós temos de lembrar que a AP reconheceu o direito de Israel existir como parte dos Acordos de Oslo. Seria terrível que essa frente exploda em um confronto entre a AP e Israel, porque desse modo haveria pouca esperança para se obter ajuda da autoridade para governar Gaza.
Mas também não haverá nenhuma esperança para isso se os palestinos na Cisjordânia e espalhados pelo mundo não insistirem na construção de uma Autoridade Palestina mais eficaz e sem corrupção. Faz tempo que isso é necessário — e não é apenas culpa de Israel isso não ter acontecido; os palestinos também colaboraram.
A sexta frente é dentro de Israel, principalmente entre seus cidadãos judeus. Essa frente está oculta momentaneamente, mas à espreita logo abaixo da superfície. É o confronto ocasionado pela estratégia permanente de Netanyahu na política doméstica: dividir para conquistar. Netanyahu construiu toda sua carreira política colocando grupos da sociedade israelense uns contra os outros, erodindo o tipo de coesão social que é essencial para vencer a guerra.
Seu governo levou essa estratégia ao extremo logo que assumiu, em dezembro, movimentando-se imediatamente para furtar da Suprema Corte israelense seu poder de revisar decisões do Executivo e do Legislativo. Nesse processo, Netanyahu levou dezenas de milhares de israelenses às ruas todos os sábados para proteger sua democracia e fez com que pilotos da Força Aérea e outros combatentes de elite suspendessem seus plantões de reservistas afirmando que não serviriam a um país que ruma para a ditadura. Seu governo dividiu e distraiu Israel e suas Forças Armadas exatamente na hora errada — se é que já houve uma hora boa.
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Como você vence uma guerra em seis frentes? Repito: somente com uma aliança de pessoas e nações que acreditam em valores democráticos e no direito de todos os povos à autodeterminação. Enquanto não produzir um governo capaz de gerar essa aliança, e a não ser que o faça, Israel não terá o tempo, os recursos, o parceiro palestino e a legitimidade que precisa para derrubar o Hamas em Gaza, estará lutando principalmente ao lado dos EUA como seu único aliado verdadeiro e sustentável.
E muito da força dessa aliança reside hoje em Joe Biden e no fato de que ele traz para esta crise um conjunto de princípios centrais e fundamentais a respeito do papel dos EUA no mundo: o certo contra o errado, a democracia contra a autocracia. Poderá demorar para termos novamente um presidente com esses instintos.
Em outras palavras, Biden criou capital de giro diplomático — que vem com um prazo limite — tanto para os israelenses quanto para a Autoridade Palestina. Ambos devem usá-lo sabiamente. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO