Opinião|lsrael tem uma escolha difícil à frente: invadir Rafah ou apostar em Riad


Ao escolher uma invasão completa de Rafah, Israel ficará ainda mais isolado globalmente, forçando uma ruptura real com o governo de Joe Biden

Por Thomas Friedman
Atualização:

A diplomacia dos Estados Unidos para colocar um fim à guerra em Gaza e forjar um novo relacionamento com a Arábia Saudita vem convergindo nas semanas mais recentes para uma grande escolha diante de Israel e do primeiro-ministro Binyamin Netanyahu: o que eles desejam mais, Rafah ou Riad?

Preferem organizar uma invasão completa de Rafah para tentar acabar de vez com o Hamas (se é que isso sequer seria possível) sem oferecer alguma estratégia para a saída israelense de Gaza ou algum horizonte político para uma solução de dois estados com palestinos que não sejam liderados pelo Hamas? Ao escolher este caminho, o resultado será apenas o agravamento do isolamento global de Israel, forçando uma ruptura real com o governo Biden.

Ou preferem a normalização das relações com a Arábia Saudita, uma força de paz árabe para Gaza e uma aliança de segurança liderada pelos EUA contra o Irã? Isso teria um custo diferente: um compromisso do seu governo de trabalhar para a criação de um estado palestino com uma Autoridade Palestina reformada, mas com o benefício de incluir Israel na mais ampla coalizão de defesa americana, árabe e israelense que o estado judaico já integrou, e a maior ponte para o restante do mundo muçulmano já oferecida a Israel, ao mesmo tempo criando alguma esperança de que o conflito com os palestinos não seja uma “guerra perpétua”.

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Esta é uma das decisões mais importantes que Israel já teve diante de si. E o que me parece ao mesmo tempo perturbador e deprimente é o fato de, seja na coalizão que governa o país, na oposição ou nas Forças Armadas, não haver hoje uma só liderança que ajude consistentemente os israelenses a compreender essa escolha, entre ser um pária global ou um parceiro no Oriente Médio, ou explicando por que a segunda alternativa é a correta.

Palestinos caminham ao lado de um vazamento de esgoto perto de tendas de refugiados no campo de Rafah, no sul da Faixa de Gaza: 1,7 milhão de pessoas vivem no local  Foto: Haitham Imad / EFE

Reconheço o quanto os israelenses estão traumatizados por causa dos ignóbeis assassinatos, estupros e sequestros praticados pelo Hamas no dia 7 de outubro. Não me surpreende que muitos aqui simplesmente desejem vingança, e seus corações endureceram a tal ponto que não conseguem enxergar nem se importar com todos os civis, incluindo milhares de crianças, que foram mortos em Gaza enquanto Israel demole tudo para tentar eliminar o Hamas. Tudo isso foi dificultado ainda mais pela recusa do Hamas, até o momento, em libertar os reféns restantes.

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Mas vingança não é estratégia. É pura insanidade o fato de Israel estar nessa guerra há mais de seis meses e a liderança militar israelense (e virtualmente toda a sua classe política) ter permitido que Netanyahu siga buscando uma “vitória total” ali, incluindo um provável mergulho em breve nas profundezas de Rafah, sem nenhum plano de saída ou parceiro árabe preparado para interceder uma vez que a guerra termine. Se Israel acabar envolvido em uma ocupação indefinida de Gaza e da Cisjordânia, isso exporia o país a tóxicos desgastes militares, econômicos e morais que seriam o deleite do mais perigoso adversário de Israel, o Irã, e afastaria seus aliados no Ocidente e no mundo árabe.

No início do conflito, lideranças israelenses políticas e militares diziam que lideranças árabes moderadas desejavam que Israel eliminasse o Hamas, um braço da Irmandade Muçulmana que todos os monarcas árabes detestam. É claro que eles gostariam de ver o fim do Hamas — se isso fosse possível de realizar em poucas semanas e com poucas baixas civis.

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Agora está claro que isso é impossível, e prolongar a guerra não é do interesse dos estados árabes moderados, particularmente a Arábia Saudita.

A partir das conversas que tive recentemente em Riad e em Washington, eu descreveria a visão atual do príncipe herdeiro Mohammed bin Salman da invasão israelense de Gaza nos seguintes termos: saiam assim que possível. No momento, tudo que Israel está fazendo é matar cada vez mais civis, voltando contra si os sauditas que era favoráveis à normalização das relações, criando mais recrutas para a Al Qaeda e o ISIS, aumentando o poder do Irã e seus aliados, fomentando a instabilidade e afastando da região um investimento estrangeiro muito necessário.

A ideia de acabar com o Hamas “de uma vez por todas” é um sonho inalcançável, na visão dos sauditas. Se Israel quiser prosseguir com operações especiais em Gaza para atingir a liderança do grupo, tudo bem. Mas nada de ocupação permanente. Por favor, vamos chegar a um cessar-fogo pleno e à libertação dos reféns o quanto antes, para nos concentrarmos em vez disso no acordo de normalização e segurança envolvendo americanos, sauditas, israelenses e palestinos.

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Esse é o outro caminho que Israel poderia trilhar agora, aquele que nenhuma liderança importante da oposição israelense está defendendo como maior prioridade, mas aquele pelo qual torcem o governo Biden e os sauditas, egípcios, jordanianos, marroquinos e emiradenses. Nada garante o seu sucesso, mas o mesmo vale para a “vitória total” que Netanyahu está prometendo.

Este outro caminho começa com Israel abrindo mão de qualquer invasão militar a Rafah, que fica bem na fronteira com o Egito e consiste na principal rota de entrada da ajuda humanitária em Gaza, trazida por caminhões. A região tem mais de 200 mil moradores permanentes e, agora, mais de um milhão de refugiados vindos do norte de Gaza. Também é ali que se diz que os últimos quatro batalhões mais intactos do Hamas estão protegidos e, quem sabe, até seu líder, Yahya Sinwar.

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O governo Biden vem dizendo publicamente a Netanyahu que ele não deve se envolver em uma invasão completa de Rafah sem ter um plano crível para tirar do caminho os mais de um milhão de civis, coisa que Israel ainda não apresentou. Mas, privadamente, eles são mais diretos ao dizer a Israel: não pode haver invasão maciça a Rafah, e ponto final.

Um funcionário do alto escalão do governo americano me explicou nos seguintes termos: “Não estamos dizendo a Israel para simplesmente deixar o Hamas em paz. Estamos dizendo que acreditamos haver uma forma mais precisa de ir atrás da liderança do grupo, sem demolir cada quarteirão de Rafah”. Ele insistiu que a equipe de Biden não está tentando poupar a liderança do Hamas, mas quer poupar Gaza de outro espasmo de mortes e massa de civis.

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O funcionário acrescentou que devemos lembrar que Israel pensou que os líderes do Hamas estavam em Khan Yunis e destruíram boa parte dessa cidade procurando por eles, sem sucesso. E fizeram o mesmo na Cidade de Gaza, no norte. O que houve? Sem dúvida, muitos combatentes do Hamas foram mortos ali, mas muitos outros simplesmente sumiram entre as ruínas e agora ressurgiram, a tal ponto que uma unidade do Hamas conseguiu disparar um foguete a partir de Beit Lahia, no norte de Gaza, contra a cidade israelense de Ashkelon no dia 18 de abril.

Os funcionários do governo americano estão convencidos de que, se Israel demolir agora toda a cidade de Rafah, depois de ter feito o mesmo com grande parte de Khan Yunis e da Cidade de Gaza, sem ter um parceiro palestino com credibilidade para aliviar o fardo de segurança de governar uma Gaza despedaçada, o país cometerá o tipo de erro cometido pelos EUA no Iraque, sendo obrigado a lidar com uma insurgência permanente além de uma crise humanitária permanente. Mas haveria uma diferença essencial: os EUA são uma superpotência que pôde falhar no Iraque e se recuperar. Para Israel, uma insurgência permanente em Gaza seria um fardo pesadíssimo, especialmente sem ter amigos restantes.

E é por isso que os funcionários americanos me dizem que, se Israel for adiante com uma grande operação militar em Rafah, apesar das objeções do governo dos EUA, o presidente Biden pensará em limitar a venda de determinados armamentos a Israel.

Isso não apenas porque o governo Biden deseja evitar mais baixas de civis em Gaza por questões humanitárias, ou porque isso inflamaria ainda mais a opinião pública global contra Israel e dificultaria a defesa de Israel por parte da equipe de Biden. Seria também porque o governo acredita que uma invasão total de Israel a Rafah prejudicará as perspectivas de uma nova troca de reféns, para a qual as autoridades dizem haver agora algum lampejo de esperança, e destruirá três projetos vitais nos quais o governo vem trabalhando para melhorar a segurança de Israel no longo prazo.

O primeiro é uma força de paz árabe que poderia substituir as forças israelenses em Gaza, para que Israel possa sair dali sem se ver encalhado com uma ocupação simultânea de Gaza e da Cisjordânia eternamente. Vários países árabes têm debatido o o envio de forças de paz a Gaza para substituir os israelenses, que teriam de sair, desde que haja um cessar-fogo permanente, e a presença desta força seria formalmente abençoada por uma decisão conjunta da Organização pela Libertação da Palestina, o guarda-chuva que reúne a maioria das facções palestinas, e a Autoridade Palestina. Os países árabes muito provavelmente insistiriam em receber alguma assistência logística dos militares americanos. Nada foi decidido ainda, mas a ideia é ativamente considerada pelos envolvidos.

O segundo é o acordo diplomático de segurança entre americanos, sauditas, israelenses e palestinos, cujos termos o governo está perto de finalizar com o príncipe herdeiro saudita. Ele é formado por vários componentes, mas os principais elementos americanos e sauditas são: 1)um pacto de defesa mútua entre EUA e Arábia Saudita que eliminaria qualquer ambiguidade a respeito do que os americanos fariam se o Irã atacasse a Arábia Saudita. Os EUA viriam em defesa de Riad, e vice-versa; 2) facilitar o acesso saudita ao armamento americano mais avançado; 3) um acordo nuclear civil atentamente supervisionado que permitiria à Arábia Saudita reprocessar os próprios depósitos de urânio para uso no seu próprio reator nuclear civil.

Israelense segura uma menorá durante um protesto contra o governo do primeiro-ministro israelense Binyamin Netanyahu, e para pedir a libertação dos reféns sequestrados pelo grupo terrorista Hamas Foto: Shannon Stapleton / Reuters

Em troca, os sauditas limitariam o investimento chinês na Arábia Saudita e quaisquer laços militares com esse país, desenvolvendo seus sistemas de defesa da próxima geração usando somente armamento americano, o que seria bem recebido pelos fabricantes americanos do setor de defesa e tornaria os dois exércitos totalmente interoperáveis. Os sauditas, com sua abundância de energia barata e espaço, gostariam de hospedar algumas das vastas centrais de dados exigidas pelas empresas americanas de tecnologia para explorar a inteligência artificial, em um momento em que o custo doméstico da energia e do espaço físico nos EUA está dificultando cada vez mais a construção dessas centrais no país. A Arábia Saudita também normalizaria as relações com Israel, desde que Netanyahu assumisse o compromisso de trabalhar por uma solução de dois estados com uma Autoridade Palestina reformada.

E, por fim, os EUA reuniriam Israel, Arábia Saudita, outros países árabes moderados e os principais aliados europeus em uma só arquitetura integrada de segurança para combater a ameaça dos mísseis iranianos assim como ocorreu momentaneamente quando o Irã atacou Israel no dia 13 de abril como retaliação por um ataque israelense contra líderes do alto escalão militar do Irã suspeitos de organizar operações contra Israel, reunidos em uma instalação diplomática iraniana na Síria.

Esta coalizão não poderá ser invocada continuamente sem que Israel saia de Gaza e assuma o compromisso de trabalhar por um estado palestino. Os estados árabes não aceitarão serem vistos como protegendo Israel do Irã se Israel estiver ocupando permanentemente Gaza e a Cisjordânia. Funcionários dos governos americano e saudita também sabem que, sem Israel no acordo, os componentes de segurança dos EUA e da Arábia Saudita dificilmente conseguiriam a aprovação do Congresso.

A equipe de Biden quer concluir a parte americana e saudita do acordo para poder atuar como o partido de oposição que falta a Israel nesse momento, e dizer a Netanyahu: você pode ser lembrado como o líder que governava no momento da maior catástrofe militar de Israel no dia 7 de outubro, ou como o líder que tirou Israel de Gaza e abriu o caminho para a normalização das relações entre Israel e o país muçulmano mais importante. A escolha é sua. E essa proposta deve ser apresentada publicamente, para que todos os israelenses possam vê-la.

Então, gostaria de terminar por onde comecei: os interesses de Israel no longo prazo estão em Riad, e não em Rafah. É claro que nenhuma dessas alternativas é uma certeza e ambas trarão riscos. E sei que não é tão fácil para os israelenses pesar os prós e os contras quando há atualmente tantos protestos globais criticando o país pelo seu comportamento em Gaza ao mesmo tempo em que ignoram a conduta do Hamas. Mas é esse o papel das lideranças: defender que o caminho para Riad traz vantagens muito maiores no fim do que o caminho para Rafah, que será apenas um mortal beco sem saída.

Respeito totalmente o fato de que serão os israelenses que terão de viver com a própria escolha. Só gostaria de me certificar de que eles sabem que há uma escolha. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

A diplomacia dos Estados Unidos para colocar um fim à guerra em Gaza e forjar um novo relacionamento com a Arábia Saudita vem convergindo nas semanas mais recentes para uma grande escolha diante de Israel e do primeiro-ministro Binyamin Netanyahu: o que eles desejam mais, Rafah ou Riad?

Preferem organizar uma invasão completa de Rafah para tentar acabar de vez com o Hamas (se é que isso sequer seria possível) sem oferecer alguma estratégia para a saída israelense de Gaza ou algum horizonte político para uma solução de dois estados com palestinos que não sejam liderados pelo Hamas? Ao escolher este caminho, o resultado será apenas o agravamento do isolamento global de Israel, forçando uma ruptura real com o governo Biden.

Ou preferem a normalização das relações com a Arábia Saudita, uma força de paz árabe para Gaza e uma aliança de segurança liderada pelos EUA contra o Irã? Isso teria um custo diferente: um compromisso do seu governo de trabalhar para a criação de um estado palestino com uma Autoridade Palestina reformada, mas com o benefício de incluir Israel na mais ampla coalizão de defesa americana, árabe e israelense que o estado judaico já integrou, e a maior ponte para o restante do mundo muçulmano já oferecida a Israel, ao mesmo tempo criando alguma esperança de que o conflito com os palestinos não seja uma “guerra perpétua”.

Esta é uma das decisões mais importantes que Israel já teve diante de si. E o que me parece ao mesmo tempo perturbador e deprimente é o fato de, seja na coalizão que governa o país, na oposição ou nas Forças Armadas, não haver hoje uma só liderança que ajude consistentemente os israelenses a compreender essa escolha, entre ser um pária global ou um parceiro no Oriente Médio, ou explicando por que a segunda alternativa é a correta.

Palestinos caminham ao lado de um vazamento de esgoto perto de tendas de refugiados no campo de Rafah, no sul da Faixa de Gaza: 1,7 milhão de pessoas vivem no local  Foto: Haitham Imad / EFE

Reconheço o quanto os israelenses estão traumatizados por causa dos ignóbeis assassinatos, estupros e sequestros praticados pelo Hamas no dia 7 de outubro. Não me surpreende que muitos aqui simplesmente desejem vingança, e seus corações endureceram a tal ponto que não conseguem enxergar nem se importar com todos os civis, incluindo milhares de crianças, que foram mortos em Gaza enquanto Israel demole tudo para tentar eliminar o Hamas. Tudo isso foi dificultado ainda mais pela recusa do Hamas, até o momento, em libertar os reféns restantes.

Mas vingança não é estratégia. É pura insanidade o fato de Israel estar nessa guerra há mais de seis meses e a liderança militar israelense (e virtualmente toda a sua classe política) ter permitido que Netanyahu siga buscando uma “vitória total” ali, incluindo um provável mergulho em breve nas profundezas de Rafah, sem nenhum plano de saída ou parceiro árabe preparado para interceder uma vez que a guerra termine. Se Israel acabar envolvido em uma ocupação indefinida de Gaza e da Cisjordânia, isso exporia o país a tóxicos desgastes militares, econômicos e morais que seriam o deleite do mais perigoso adversário de Israel, o Irã, e afastaria seus aliados no Ocidente e no mundo árabe.

No início do conflito, lideranças israelenses políticas e militares diziam que lideranças árabes moderadas desejavam que Israel eliminasse o Hamas, um braço da Irmandade Muçulmana que todos os monarcas árabes detestam. É claro que eles gostariam de ver o fim do Hamas — se isso fosse possível de realizar em poucas semanas e com poucas baixas civis.

Agora está claro que isso é impossível, e prolongar a guerra não é do interesse dos estados árabes moderados, particularmente a Arábia Saudita.

A partir das conversas que tive recentemente em Riad e em Washington, eu descreveria a visão atual do príncipe herdeiro Mohammed bin Salman da invasão israelense de Gaza nos seguintes termos: saiam assim que possível. No momento, tudo que Israel está fazendo é matar cada vez mais civis, voltando contra si os sauditas que era favoráveis à normalização das relações, criando mais recrutas para a Al Qaeda e o ISIS, aumentando o poder do Irã e seus aliados, fomentando a instabilidade e afastando da região um investimento estrangeiro muito necessário.

A ideia de acabar com o Hamas “de uma vez por todas” é um sonho inalcançável, na visão dos sauditas. Se Israel quiser prosseguir com operações especiais em Gaza para atingir a liderança do grupo, tudo bem. Mas nada de ocupação permanente. Por favor, vamos chegar a um cessar-fogo pleno e à libertação dos reféns o quanto antes, para nos concentrarmos em vez disso no acordo de normalização e segurança envolvendo americanos, sauditas, israelenses e palestinos.

Esse é o outro caminho que Israel poderia trilhar agora, aquele que nenhuma liderança importante da oposição israelense está defendendo como maior prioridade, mas aquele pelo qual torcem o governo Biden e os sauditas, egípcios, jordanianos, marroquinos e emiradenses. Nada garante o seu sucesso, mas o mesmo vale para a “vitória total” que Netanyahu está prometendo.

Este outro caminho começa com Israel abrindo mão de qualquer invasão militar a Rafah, que fica bem na fronteira com o Egito e consiste na principal rota de entrada da ajuda humanitária em Gaza, trazida por caminhões. A região tem mais de 200 mil moradores permanentes e, agora, mais de um milhão de refugiados vindos do norte de Gaza. Também é ali que se diz que os últimos quatro batalhões mais intactos do Hamas estão protegidos e, quem sabe, até seu líder, Yahya Sinwar.

O governo Biden vem dizendo publicamente a Netanyahu que ele não deve se envolver em uma invasão completa de Rafah sem ter um plano crível para tirar do caminho os mais de um milhão de civis, coisa que Israel ainda não apresentou. Mas, privadamente, eles são mais diretos ao dizer a Israel: não pode haver invasão maciça a Rafah, e ponto final.

Um funcionário do alto escalão do governo americano me explicou nos seguintes termos: “Não estamos dizendo a Israel para simplesmente deixar o Hamas em paz. Estamos dizendo que acreditamos haver uma forma mais precisa de ir atrás da liderança do grupo, sem demolir cada quarteirão de Rafah”. Ele insistiu que a equipe de Biden não está tentando poupar a liderança do Hamas, mas quer poupar Gaza de outro espasmo de mortes e massa de civis.

O funcionário acrescentou que devemos lembrar que Israel pensou que os líderes do Hamas estavam em Khan Yunis e destruíram boa parte dessa cidade procurando por eles, sem sucesso. E fizeram o mesmo na Cidade de Gaza, no norte. O que houve? Sem dúvida, muitos combatentes do Hamas foram mortos ali, mas muitos outros simplesmente sumiram entre as ruínas e agora ressurgiram, a tal ponto que uma unidade do Hamas conseguiu disparar um foguete a partir de Beit Lahia, no norte de Gaza, contra a cidade israelense de Ashkelon no dia 18 de abril.

Os funcionários do governo americano estão convencidos de que, se Israel demolir agora toda a cidade de Rafah, depois de ter feito o mesmo com grande parte de Khan Yunis e da Cidade de Gaza, sem ter um parceiro palestino com credibilidade para aliviar o fardo de segurança de governar uma Gaza despedaçada, o país cometerá o tipo de erro cometido pelos EUA no Iraque, sendo obrigado a lidar com uma insurgência permanente além de uma crise humanitária permanente. Mas haveria uma diferença essencial: os EUA são uma superpotência que pôde falhar no Iraque e se recuperar. Para Israel, uma insurgência permanente em Gaza seria um fardo pesadíssimo, especialmente sem ter amigos restantes.

E é por isso que os funcionários americanos me dizem que, se Israel for adiante com uma grande operação militar em Rafah, apesar das objeções do governo dos EUA, o presidente Biden pensará em limitar a venda de determinados armamentos a Israel.

Isso não apenas porque o governo Biden deseja evitar mais baixas de civis em Gaza por questões humanitárias, ou porque isso inflamaria ainda mais a opinião pública global contra Israel e dificultaria a defesa de Israel por parte da equipe de Biden. Seria também porque o governo acredita que uma invasão total de Israel a Rafah prejudicará as perspectivas de uma nova troca de reféns, para a qual as autoridades dizem haver agora algum lampejo de esperança, e destruirá três projetos vitais nos quais o governo vem trabalhando para melhorar a segurança de Israel no longo prazo.

O primeiro é uma força de paz árabe que poderia substituir as forças israelenses em Gaza, para que Israel possa sair dali sem se ver encalhado com uma ocupação simultânea de Gaza e da Cisjordânia eternamente. Vários países árabes têm debatido o o envio de forças de paz a Gaza para substituir os israelenses, que teriam de sair, desde que haja um cessar-fogo permanente, e a presença desta força seria formalmente abençoada por uma decisão conjunta da Organização pela Libertação da Palestina, o guarda-chuva que reúne a maioria das facções palestinas, e a Autoridade Palestina. Os países árabes muito provavelmente insistiriam em receber alguma assistência logística dos militares americanos. Nada foi decidido ainda, mas a ideia é ativamente considerada pelos envolvidos.

O segundo é o acordo diplomático de segurança entre americanos, sauditas, israelenses e palestinos, cujos termos o governo está perto de finalizar com o príncipe herdeiro saudita. Ele é formado por vários componentes, mas os principais elementos americanos e sauditas são: 1)um pacto de defesa mútua entre EUA e Arábia Saudita que eliminaria qualquer ambiguidade a respeito do que os americanos fariam se o Irã atacasse a Arábia Saudita. Os EUA viriam em defesa de Riad, e vice-versa; 2) facilitar o acesso saudita ao armamento americano mais avançado; 3) um acordo nuclear civil atentamente supervisionado que permitiria à Arábia Saudita reprocessar os próprios depósitos de urânio para uso no seu próprio reator nuclear civil.

Israelense segura uma menorá durante um protesto contra o governo do primeiro-ministro israelense Binyamin Netanyahu, e para pedir a libertação dos reféns sequestrados pelo grupo terrorista Hamas Foto: Shannon Stapleton / Reuters

Em troca, os sauditas limitariam o investimento chinês na Arábia Saudita e quaisquer laços militares com esse país, desenvolvendo seus sistemas de defesa da próxima geração usando somente armamento americano, o que seria bem recebido pelos fabricantes americanos do setor de defesa e tornaria os dois exércitos totalmente interoperáveis. Os sauditas, com sua abundância de energia barata e espaço, gostariam de hospedar algumas das vastas centrais de dados exigidas pelas empresas americanas de tecnologia para explorar a inteligência artificial, em um momento em que o custo doméstico da energia e do espaço físico nos EUA está dificultando cada vez mais a construção dessas centrais no país. A Arábia Saudita também normalizaria as relações com Israel, desde que Netanyahu assumisse o compromisso de trabalhar por uma solução de dois estados com uma Autoridade Palestina reformada.

E, por fim, os EUA reuniriam Israel, Arábia Saudita, outros países árabes moderados e os principais aliados europeus em uma só arquitetura integrada de segurança para combater a ameaça dos mísseis iranianos assim como ocorreu momentaneamente quando o Irã atacou Israel no dia 13 de abril como retaliação por um ataque israelense contra líderes do alto escalão militar do Irã suspeitos de organizar operações contra Israel, reunidos em uma instalação diplomática iraniana na Síria.

Esta coalizão não poderá ser invocada continuamente sem que Israel saia de Gaza e assuma o compromisso de trabalhar por um estado palestino. Os estados árabes não aceitarão serem vistos como protegendo Israel do Irã se Israel estiver ocupando permanentemente Gaza e a Cisjordânia. Funcionários dos governos americano e saudita também sabem que, sem Israel no acordo, os componentes de segurança dos EUA e da Arábia Saudita dificilmente conseguiriam a aprovação do Congresso.

A equipe de Biden quer concluir a parte americana e saudita do acordo para poder atuar como o partido de oposição que falta a Israel nesse momento, e dizer a Netanyahu: você pode ser lembrado como o líder que governava no momento da maior catástrofe militar de Israel no dia 7 de outubro, ou como o líder que tirou Israel de Gaza e abriu o caminho para a normalização das relações entre Israel e o país muçulmano mais importante. A escolha é sua. E essa proposta deve ser apresentada publicamente, para que todos os israelenses possam vê-la.

Então, gostaria de terminar por onde comecei: os interesses de Israel no longo prazo estão em Riad, e não em Rafah. É claro que nenhuma dessas alternativas é uma certeza e ambas trarão riscos. E sei que não é tão fácil para os israelenses pesar os prós e os contras quando há atualmente tantos protestos globais criticando o país pelo seu comportamento em Gaza ao mesmo tempo em que ignoram a conduta do Hamas. Mas é esse o papel das lideranças: defender que o caminho para Riad traz vantagens muito maiores no fim do que o caminho para Rafah, que será apenas um mortal beco sem saída.

Respeito totalmente o fato de que serão os israelenses que terão de viver com a própria escolha. Só gostaria de me certificar de que eles sabem que há uma escolha. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

A diplomacia dos Estados Unidos para colocar um fim à guerra em Gaza e forjar um novo relacionamento com a Arábia Saudita vem convergindo nas semanas mais recentes para uma grande escolha diante de Israel e do primeiro-ministro Binyamin Netanyahu: o que eles desejam mais, Rafah ou Riad?

Preferem organizar uma invasão completa de Rafah para tentar acabar de vez com o Hamas (se é que isso sequer seria possível) sem oferecer alguma estratégia para a saída israelense de Gaza ou algum horizonte político para uma solução de dois estados com palestinos que não sejam liderados pelo Hamas? Ao escolher este caminho, o resultado será apenas o agravamento do isolamento global de Israel, forçando uma ruptura real com o governo Biden.

Ou preferem a normalização das relações com a Arábia Saudita, uma força de paz árabe para Gaza e uma aliança de segurança liderada pelos EUA contra o Irã? Isso teria um custo diferente: um compromisso do seu governo de trabalhar para a criação de um estado palestino com uma Autoridade Palestina reformada, mas com o benefício de incluir Israel na mais ampla coalizão de defesa americana, árabe e israelense que o estado judaico já integrou, e a maior ponte para o restante do mundo muçulmano já oferecida a Israel, ao mesmo tempo criando alguma esperança de que o conflito com os palestinos não seja uma “guerra perpétua”.

Esta é uma das decisões mais importantes que Israel já teve diante de si. E o que me parece ao mesmo tempo perturbador e deprimente é o fato de, seja na coalizão que governa o país, na oposição ou nas Forças Armadas, não haver hoje uma só liderança que ajude consistentemente os israelenses a compreender essa escolha, entre ser um pária global ou um parceiro no Oriente Médio, ou explicando por que a segunda alternativa é a correta.

Palestinos caminham ao lado de um vazamento de esgoto perto de tendas de refugiados no campo de Rafah, no sul da Faixa de Gaza: 1,7 milhão de pessoas vivem no local  Foto: Haitham Imad / EFE

Reconheço o quanto os israelenses estão traumatizados por causa dos ignóbeis assassinatos, estupros e sequestros praticados pelo Hamas no dia 7 de outubro. Não me surpreende que muitos aqui simplesmente desejem vingança, e seus corações endureceram a tal ponto que não conseguem enxergar nem se importar com todos os civis, incluindo milhares de crianças, que foram mortos em Gaza enquanto Israel demole tudo para tentar eliminar o Hamas. Tudo isso foi dificultado ainda mais pela recusa do Hamas, até o momento, em libertar os reféns restantes.

Mas vingança não é estratégia. É pura insanidade o fato de Israel estar nessa guerra há mais de seis meses e a liderança militar israelense (e virtualmente toda a sua classe política) ter permitido que Netanyahu siga buscando uma “vitória total” ali, incluindo um provável mergulho em breve nas profundezas de Rafah, sem nenhum plano de saída ou parceiro árabe preparado para interceder uma vez que a guerra termine. Se Israel acabar envolvido em uma ocupação indefinida de Gaza e da Cisjordânia, isso exporia o país a tóxicos desgastes militares, econômicos e morais que seriam o deleite do mais perigoso adversário de Israel, o Irã, e afastaria seus aliados no Ocidente e no mundo árabe.

No início do conflito, lideranças israelenses políticas e militares diziam que lideranças árabes moderadas desejavam que Israel eliminasse o Hamas, um braço da Irmandade Muçulmana que todos os monarcas árabes detestam. É claro que eles gostariam de ver o fim do Hamas — se isso fosse possível de realizar em poucas semanas e com poucas baixas civis.

Agora está claro que isso é impossível, e prolongar a guerra não é do interesse dos estados árabes moderados, particularmente a Arábia Saudita.

A partir das conversas que tive recentemente em Riad e em Washington, eu descreveria a visão atual do príncipe herdeiro Mohammed bin Salman da invasão israelense de Gaza nos seguintes termos: saiam assim que possível. No momento, tudo que Israel está fazendo é matar cada vez mais civis, voltando contra si os sauditas que era favoráveis à normalização das relações, criando mais recrutas para a Al Qaeda e o ISIS, aumentando o poder do Irã e seus aliados, fomentando a instabilidade e afastando da região um investimento estrangeiro muito necessário.

A ideia de acabar com o Hamas “de uma vez por todas” é um sonho inalcançável, na visão dos sauditas. Se Israel quiser prosseguir com operações especiais em Gaza para atingir a liderança do grupo, tudo bem. Mas nada de ocupação permanente. Por favor, vamos chegar a um cessar-fogo pleno e à libertação dos reféns o quanto antes, para nos concentrarmos em vez disso no acordo de normalização e segurança envolvendo americanos, sauditas, israelenses e palestinos.

Esse é o outro caminho que Israel poderia trilhar agora, aquele que nenhuma liderança importante da oposição israelense está defendendo como maior prioridade, mas aquele pelo qual torcem o governo Biden e os sauditas, egípcios, jordanianos, marroquinos e emiradenses. Nada garante o seu sucesso, mas o mesmo vale para a “vitória total” que Netanyahu está prometendo.

Este outro caminho começa com Israel abrindo mão de qualquer invasão militar a Rafah, que fica bem na fronteira com o Egito e consiste na principal rota de entrada da ajuda humanitária em Gaza, trazida por caminhões. A região tem mais de 200 mil moradores permanentes e, agora, mais de um milhão de refugiados vindos do norte de Gaza. Também é ali que se diz que os últimos quatro batalhões mais intactos do Hamas estão protegidos e, quem sabe, até seu líder, Yahya Sinwar.

O governo Biden vem dizendo publicamente a Netanyahu que ele não deve se envolver em uma invasão completa de Rafah sem ter um plano crível para tirar do caminho os mais de um milhão de civis, coisa que Israel ainda não apresentou. Mas, privadamente, eles são mais diretos ao dizer a Israel: não pode haver invasão maciça a Rafah, e ponto final.

Um funcionário do alto escalão do governo americano me explicou nos seguintes termos: “Não estamos dizendo a Israel para simplesmente deixar o Hamas em paz. Estamos dizendo que acreditamos haver uma forma mais precisa de ir atrás da liderança do grupo, sem demolir cada quarteirão de Rafah”. Ele insistiu que a equipe de Biden não está tentando poupar a liderança do Hamas, mas quer poupar Gaza de outro espasmo de mortes e massa de civis.

O funcionário acrescentou que devemos lembrar que Israel pensou que os líderes do Hamas estavam em Khan Yunis e destruíram boa parte dessa cidade procurando por eles, sem sucesso. E fizeram o mesmo na Cidade de Gaza, no norte. O que houve? Sem dúvida, muitos combatentes do Hamas foram mortos ali, mas muitos outros simplesmente sumiram entre as ruínas e agora ressurgiram, a tal ponto que uma unidade do Hamas conseguiu disparar um foguete a partir de Beit Lahia, no norte de Gaza, contra a cidade israelense de Ashkelon no dia 18 de abril.

Os funcionários do governo americano estão convencidos de que, se Israel demolir agora toda a cidade de Rafah, depois de ter feito o mesmo com grande parte de Khan Yunis e da Cidade de Gaza, sem ter um parceiro palestino com credibilidade para aliviar o fardo de segurança de governar uma Gaza despedaçada, o país cometerá o tipo de erro cometido pelos EUA no Iraque, sendo obrigado a lidar com uma insurgência permanente além de uma crise humanitária permanente. Mas haveria uma diferença essencial: os EUA são uma superpotência que pôde falhar no Iraque e se recuperar. Para Israel, uma insurgência permanente em Gaza seria um fardo pesadíssimo, especialmente sem ter amigos restantes.

E é por isso que os funcionários americanos me dizem que, se Israel for adiante com uma grande operação militar em Rafah, apesar das objeções do governo dos EUA, o presidente Biden pensará em limitar a venda de determinados armamentos a Israel.

Isso não apenas porque o governo Biden deseja evitar mais baixas de civis em Gaza por questões humanitárias, ou porque isso inflamaria ainda mais a opinião pública global contra Israel e dificultaria a defesa de Israel por parte da equipe de Biden. Seria também porque o governo acredita que uma invasão total de Israel a Rafah prejudicará as perspectivas de uma nova troca de reféns, para a qual as autoridades dizem haver agora algum lampejo de esperança, e destruirá três projetos vitais nos quais o governo vem trabalhando para melhorar a segurança de Israel no longo prazo.

O primeiro é uma força de paz árabe que poderia substituir as forças israelenses em Gaza, para que Israel possa sair dali sem se ver encalhado com uma ocupação simultânea de Gaza e da Cisjordânia eternamente. Vários países árabes têm debatido o o envio de forças de paz a Gaza para substituir os israelenses, que teriam de sair, desde que haja um cessar-fogo permanente, e a presença desta força seria formalmente abençoada por uma decisão conjunta da Organização pela Libertação da Palestina, o guarda-chuva que reúne a maioria das facções palestinas, e a Autoridade Palestina. Os países árabes muito provavelmente insistiriam em receber alguma assistência logística dos militares americanos. Nada foi decidido ainda, mas a ideia é ativamente considerada pelos envolvidos.

O segundo é o acordo diplomático de segurança entre americanos, sauditas, israelenses e palestinos, cujos termos o governo está perto de finalizar com o príncipe herdeiro saudita. Ele é formado por vários componentes, mas os principais elementos americanos e sauditas são: 1)um pacto de defesa mútua entre EUA e Arábia Saudita que eliminaria qualquer ambiguidade a respeito do que os americanos fariam se o Irã atacasse a Arábia Saudita. Os EUA viriam em defesa de Riad, e vice-versa; 2) facilitar o acesso saudita ao armamento americano mais avançado; 3) um acordo nuclear civil atentamente supervisionado que permitiria à Arábia Saudita reprocessar os próprios depósitos de urânio para uso no seu próprio reator nuclear civil.

Israelense segura uma menorá durante um protesto contra o governo do primeiro-ministro israelense Binyamin Netanyahu, e para pedir a libertação dos reféns sequestrados pelo grupo terrorista Hamas Foto: Shannon Stapleton / Reuters

Em troca, os sauditas limitariam o investimento chinês na Arábia Saudita e quaisquer laços militares com esse país, desenvolvendo seus sistemas de defesa da próxima geração usando somente armamento americano, o que seria bem recebido pelos fabricantes americanos do setor de defesa e tornaria os dois exércitos totalmente interoperáveis. Os sauditas, com sua abundância de energia barata e espaço, gostariam de hospedar algumas das vastas centrais de dados exigidas pelas empresas americanas de tecnologia para explorar a inteligência artificial, em um momento em que o custo doméstico da energia e do espaço físico nos EUA está dificultando cada vez mais a construção dessas centrais no país. A Arábia Saudita também normalizaria as relações com Israel, desde que Netanyahu assumisse o compromisso de trabalhar por uma solução de dois estados com uma Autoridade Palestina reformada.

E, por fim, os EUA reuniriam Israel, Arábia Saudita, outros países árabes moderados e os principais aliados europeus em uma só arquitetura integrada de segurança para combater a ameaça dos mísseis iranianos assim como ocorreu momentaneamente quando o Irã atacou Israel no dia 13 de abril como retaliação por um ataque israelense contra líderes do alto escalão militar do Irã suspeitos de organizar operações contra Israel, reunidos em uma instalação diplomática iraniana na Síria.

Esta coalizão não poderá ser invocada continuamente sem que Israel saia de Gaza e assuma o compromisso de trabalhar por um estado palestino. Os estados árabes não aceitarão serem vistos como protegendo Israel do Irã se Israel estiver ocupando permanentemente Gaza e a Cisjordânia. Funcionários dos governos americano e saudita também sabem que, sem Israel no acordo, os componentes de segurança dos EUA e da Arábia Saudita dificilmente conseguiriam a aprovação do Congresso.

A equipe de Biden quer concluir a parte americana e saudita do acordo para poder atuar como o partido de oposição que falta a Israel nesse momento, e dizer a Netanyahu: você pode ser lembrado como o líder que governava no momento da maior catástrofe militar de Israel no dia 7 de outubro, ou como o líder que tirou Israel de Gaza e abriu o caminho para a normalização das relações entre Israel e o país muçulmano mais importante. A escolha é sua. E essa proposta deve ser apresentada publicamente, para que todos os israelenses possam vê-la.

Então, gostaria de terminar por onde comecei: os interesses de Israel no longo prazo estão em Riad, e não em Rafah. É claro que nenhuma dessas alternativas é uma certeza e ambas trarão riscos. E sei que não é tão fácil para os israelenses pesar os prós e os contras quando há atualmente tantos protestos globais criticando o país pelo seu comportamento em Gaza ao mesmo tempo em que ignoram a conduta do Hamas. Mas é esse o papel das lideranças: defender que o caminho para Riad traz vantagens muito maiores no fim do que o caminho para Rafah, que será apenas um mortal beco sem saída.

Respeito totalmente o fato de que serão os israelenses que terão de viver com a própria escolha. Só gostaria de me certificar de que eles sabem que há uma escolha. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

A diplomacia dos Estados Unidos para colocar um fim à guerra em Gaza e forjar um novo relacionamento com a Arábia Saudita vem convergindo nas semanas mais recentes para uma grande escolha diante de Israel e do primeiro-ministro Binyamin Netanyahu: o que eles desejam mais, Rafah ou Riad?

Preferem organizar uma invasão completa de Rafah para tentar acabar de vez com o Hamas (se é que isso sequer seria possível) sem oferecer alguma estratégia para a saída israelense de Gaza ou algum horizonte político para uma solução de dois estados com palestinos que não sejam liderados pelo Hamas? Ao escolher este caminho, o resultado será apenas o agravamento do isolamento global de Israel, forçando uma ruptura real com o governo Biden.

Ou preferem a normalização das relações com a Arábia Saudita, uma força de paz árabe para Gaza e uma aliança de segurança liderada pelos EUA contra o Irã? Isso teria um custo diferente: um compromisso do seu governo de trabalhar para a criação de um estado palestino com uma Autoridade Palestina reformada, mas com o benefício de incluir Israel na mais ampla coalizão de defesa americana, árabe e israelense que o estado judaico já integrou, e a maior ponte para o restante do mundo muçulmano já oferecida a Israel, ao mesmo tempo criando alguma esperança de que o conflito com os palestinos não seja uma “guerra perpétua”.

Esta é uma das decisões mais importantes que Israel já teve diante de si. E o que me parece ao mesmo tempo perturbador e deprimente é o fato de, seja na coalizão que governa o país, na oposição ou nas Forças Armadas, não haver hoje uma só liderança que ajude consistentemente os israelenses a compreender essa escolha, entre ser um pária global ou um parceiro no Oriente Médio, ou explicando por que a segunda alternativa é a correta.

Palestinos caminham ao lado de um vazamento de esgoto perto de tendas de refugiados no campo de Rafah, no sul da Faixa de Gaza: 1,7 milhão de pessoas vivem no local  Foto: Haitham Imad / EFE

Reconheço o quanto os israelenses estão traumatizados por causa dos ignóbeis assassinatos, estupros e sequestros praticados pelo Hamas no dia 7 de outubro. Não me surpreende que muitos aqui simplesmente desejem vingança, e seus corações endureceram a tal ponto que não conseguem enxergar nem se importar com todos os civis, incluindo milhares de crianças, que foram mortos em Gaza enquanto Israel demole tudo para tentar eliminar o Hamas. Tudo isso foi dificultado ainda mais pela recusa do Hamas, até o momento, em libertar os reféns restantes.

Mas vingança não é estratégia. É pura insanidade o fato de Israel estar nessa guerra há mais de seis meses e a liderança militar israelense (e virtualmente toda a sua classe política) ter permitido que Netanyahu siga buscando uma “vitória total” ali, incluindo um provável mergulho em breve nas profundezas de Rafah, sem nenhum plano de saída ou parceiro árabe preparado para interceder uma vez que a guerra termine. Se Israel acabar envolvido em uma ocupação indefinida de Gaza e da Cisjordânia, isso exporia o país a tóxicos desgastes militares, econômicos e morais que seriam o deleite do mais perigoso adversário de Israel, o Irã, e afastaria seus aliados no Ocidente e no mundo árabe.

No início do conflito, lideranças israelenses políticas e militares diziam que lideranças árabes moderadas desejavam que Israel eliminasse o Hamas, um braço da Irmandade Muçulmana que todos os monarcas árabes detestam. É claro que eles gostariam de ver o fim do Hamas — se isso fosse possível de realizar em poucas semanas e com poucas baixas civis.

Agora está claro que isso é impossível, e prolongar a guerra não é do interesse dos estados árabes moderados, particularmente a Arábia Saudita.

A partir das conversas que tive recentemente em Riad e em Washington, eu descreveria a visão atual do príncipe herdeiro Mohammed bin Salman da invasão israelense de Gaza nos seguintes termos: saiam assim que possível. No momento, tudo que Israel está fazendo é matar cada vez mais civis, voltando contra si os sauditas que era favoráveis à normalização das relações, criando mais recrutas para a Al Qaeda e o ISIS, aumentando o poder do Irã e seus aliados, fomentando a instabilidade e afastando da região um investimento estrangeiro muito necessário.

A ideia de acabar com o Hamas “de uma vez por todas” é um sonho inalcançável, na visão dos sauditas. Se Israel quiser prosseguir com operações especiais em Gaza para atingir a liderança do grupo, tudo bem. Mas nada de ocupação permanente. Por favor, vamos chegar a um cessar-fogo pleno e à libertação dos reféns o quanto antes, para nos concentrarmos em vez disso no acordo de normalização e segurança envolvendo americanos, sauditas, israelenses e palestinos.

Esse é o outro caminho que Israel poderia trilhar agora, aquele que nenhuma liderança importante da oposição israelense está defendendo como maior prioridade, mas aquele pelo qual torcem o governo Biden e os sauditas, egípcios, jordanianos, marroquinos e emiradenses. Nada garante o seu sucesso, mas o mesmo vale para a “vitória total” que Netanyahu está prometendo.

Este outro caminho começa com Israel abrindo mão de qualquer invasão militar a Rafah, que fica bem na fronteira com o Egito e consiste na principal rota de entrada da ajuda humanitária em Gaza, trazida por caminhões. A região tem mais de 200 mil moradores permanentes e, agora, mais de um milhão de refugiados vindos do norte de Gaza. Também é ali que se diz que os últimos quatro batalhões mais intactos do Hamas estão protegidos e, quem sabe, até seu líder, Yahya Sinwar.

O governo Biden vem dizendo publicamente a Netanyahu que ele não deve se envolver em uma invasão completa de Rafah sem ter um plano crível para tirar do caminho os mais de um milhão de civis, coisa que Israel ainda não apresentou. Mas, privadamente, eles são mais diretos ao dizer a Israel: não pode haver invasão maciça a Rafah, e ponto final.

Um funcionário do alto escalão do governo americano me explicou nos seguintes termos: “Não estamos dizendo a Israel para simplesmente deixar o Hamas em paz. Estamos dizendo que acreditamos haver uma forma mais precisa de ir atrás da liderança do grupo, sem demolir cada quarteirão de Rafah”. Ele insistiu que a equipe de Biden não está tentando poupar a liderança do Hamas, mas quer poupar Gaza de outro espasmo de mortes e massa de civis.

O funcionário acrescentou que devemos lembrar que Israel pensou que os líderes do Hamas estavam em Khan Yunis e destruíram boa parte dessa cidade procurando por eles, sem sucesso. E fizeram o mesmo na Cidade de Gaza, no norte. O que houve? Sem dúvida, muitos combatentes do Hamas foram mortos ali, mas muitos outros simplesmente sumiram entre as ruínas e agora ressurgiram, a tal ponto que uma unidade do Hamas conseguiu disparar um foguete a partir de Beit Lahia, no norte de Gaza, contra a cidade israelense de Ashkelon no dia 18 de abril.

Os funcionários do governo americano estão convencidos de que, se Israel demolir agora toda a cidade de Rafah, depois de ter feito o mesmo com grande parte de Khan Yunis e da Cidade de Gaza, sem ter um parceiro palestino com credibilidade para aliviar o fardo de segurança de governar uma Gaza despedaçada, o país cometerá o tipo de erro cometido pelos EUA no Iraque, sendo obrigado a lidar com uma insurgência permanente além de uma crise humanitária permanente. Mas haveria uma diferença essencial: os EUA são uma superpotência que pôde falhar no Iraque e se recuperar. Para Israel, uma insurgência permanente em Gaza seria um fardo pesadíssimo, especialmente sem ter amigos restantes.

E é por isso que os funcionários americanos me dizem que, se Israel for adiante com uma grande operação militar em Rafah, apesar das objeções do governo dos EUA, o presidente Biden pensará em limitar a venda de determinados armamentos a Israel.

Isso não apenas porque o governo Biden deseja evitar mais baixas de civis em Gaza por questões humanitárias, ou porque isso inflamaria ainda mais a opinião pública global contra Israel e dificultaria a defesa de Israel por parte da equipe de Biden. Seria também porque o governo acredita que uma invasão total de Israel a Rafah prejudicará as perspectivas de uma nova troca de reféns, para a qual as autoridades dizem haver agora algum lampejo de esperança, e destruirá três projetos vitais nos quais o governo vem trabalhando para melhorar a segurança de Israel no longo prazo.

O primeiro é uma força de paz árabe que poderia substituir as forças israelenses em Gaza, para que Israel possa sair dali sem se ver encalhado com uma ocupação simultânea de Gaza e da Cisjordânia eternamente. Vários países árabes têm debatido o o envio de forças de paz a Gaza para substituir os israelenses, que teriam de sair, desde que haja um cessar-fogo permanente, e a presença desta força seria formalmente abençoada por uma decisão conjunta da Organização pela Libertação da Palestina, o guarda-chuva que reúne a maioria das facções palestinas, e a Autoridade Palestina. Os países árabes muito provavelmente insistiriam em receber alguma assistência logística dos militares americanos. Nada foi decidido ainda, mas a ideia é ativamente considerada pelos envolvidos.

O segundo é o acordo diplomático de segurança entre americanos, sauditas, israelenses e palestinos, cujos termos o governo está perto de finalizar com o príncipe herdeiro saudita. Ele é formado por vários componentes, mas os principais elementos americanos e sauditas são: 1)um pacto de defesa mútua entre EUA e Arábia Saudita que eliminaria qualquer ambiguidade a respeito do que os americanos fariam se o Irã atacasse a Arábia Saudita. Os EUA viriam em defesa de Riad, e vice-versa; 2) facilitar o acesso saudita ao armamento americano mais avançado; 3) um acordo nuclear civil atentamente supervisionado que permitiria à Arábia Saudita reprocessar os próprios depósitos de urânio para uso no seu próprio reator nuclear civil.

Israelense segura uma menorá durante um protesto contra o governo do primeiro-ministro israelense Binyamin Netanyahu, e para pedir a libertação dos reféns sequestrados pelo grupo terrorista Hamas Foto: Shannon Stapleton / Reuters

Em troca, os sauditas limitariam o investimento chinês na Arábia Saudita e quaisquer laços militares com esse país, desenvolvendo seus sistemas de defesa da próxima geração usando somente armamento americano, o que seria bem recebido pelos fabricantes americanos do setor de defesa e tornaria os dois exércitos totalmente interoperáveis. Os sauditas, com sua abundância de energia barata e espaço, gostariam de hospedar algumas das vastas centrais de dados exigidas pelas empresas americanas de tecnologia para explorar a inteligência artificial, em um momento em que o custo doméstico da energia e do espaço físico nos EUA está dificultando cada vez mais a construção dessas centrais no país. A Arábia Saudita também normalizaria as relações com Israel, desde que Netanyahu assumisse o compromisso de trabalhar por uma solução de dois estados com uma Autoridade Palestina reformada.

E, por fim, os EUA reuniriam Israel, Arábia Saudita, outros países árabes moderados e os principais aliados europeus em uma só arquitetura integrada de segurança para combater a ameaça dos mísseis iranianos assim como ocorreu momentaneamente quando o Irã atacou Israel no dia 13 de abril como retaliação por um ataque israelense contra líderes do alto escalão militar do Irã suspeitos de organizar operações contra Israel, reunidos em uma instalação diplomática iraniana na Síria.

Esta coalizão não poderá ser invocada continuamente sem que Israel saia de Gaza e assuma o compromisso de trabalhar por um estado palestino. Os estados árabes não aceitarão serem vistos como protegendo Israel do Irã se Israel estiver ocupando permanentemente Gaza e a Cisjordânia. Funcionários dos governos americano e saudita também sabem que, sem Israel no acordo, os componentes de segurança dos EUA e da Arábia Saudita dificilmente conseguiriam a aprovação do Congresso.

A equipe de Biden quer concluir a parte americana e saudita do acordo para poder atuar como o partido de oposição que falta a Israel nesse momento, e dizer a Netanyahu: você pode ser lembrado como o líder que governava no momento da maior catástrofe militar de Israel no dia 7 de outubro, ou como o líder que tirou Israel de Gaza e abriu o caminho para a normalização das relações entre Israel e o país muçulmano mais importante. A escolha é sua. E essa proposta deve ser apresentada publicamente, para que todos os israelenses possam vê-la.

Então, gostaria de terminar por onde comecei: os interesses de Israel no longo prazo estão em Riad, e não em Rafah. É claro que nenhuma dessas alternativas é uma certeza e ambas trarão riscos. E sei que não é tão fácil para os israelenses pesar os prós e os contras quando há atualmente tantos protestos globais criticando o país pelo seu comportamento em Gaza ao mesmo tempo em que ignoram a conduta do Hamas. Mas é esse o papel das lideranças: defender que o caminho para Riad traz vantagens muito maiores no fim do que o caminho para Rafah, que será apenas um mortal beco sem saída.

Respeito totalmente o fato de que serão os israelenses que terão de viver com a própria escolha. Só gostaria de me certificar de que eles sabem que há uma escolha. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

A diplomacia dos Estados Unidos para colocar um fim à guerra em Gaza e forjar um novo relacionamento com a Arábia Saudita vem convergindo nas semanas mais recentes para uma grande escolha diante de Israel e do primeiro-ministro Binyamin Netanyahu: o que eles desejam mais, Rafah ou Riad?

Preferem organizar uma invasão completa de Rafah para tentar acabar de vez com o Hamas (se é que isso sequer seria possível) sem oferecer alguma estratégia para a saída israelense de Gaza ou algum horizonte político para uma solução de dois estados com palestinos que não sejam liderados pelo Hamas? Ao escolher este caminho, o resultado será apenas o agravamento do isolamento global de Israel, forçando uma ruptura real com o governo Biden.

Ou preferem a normalização das relações com a Arábia Saudita, uma força de paz árabe para Gaza e uma aliança de segurança liderada pelos EUA contra o Irã? Isso teria um custo diferente: um compromisso do seu governo de trabalhar para a criação de um estado palestino com uma Autoridade Palestina reformada, mas com o benefício de incluir Israel na mais ampla coalizão de defesa americana, árabe e israelense que o estado judaico já integrou, e a maior ponte para o restante do mundo muçulmano já oferecida a Israel, ao mesmo tempo criando alguma esperança de que o conflito com os palestinos não seja uma “guerra perpétua”.

Esta é uma das decisões mais importantes que Israel já teve diante de si. E o que me parece ao mesmo tempo perturbador e deprimente é o fato de, seja na coalizão que governa o país, na oposição ou nas Forças Armadas, não haver hoje uma só liderança que ajude consistentemente os israelenses a compreender essa escolha, entre ser um pária global ou um parceiro no Oriente Médio, ou explicando por que a segunda alternativa é a correta.

Palestinos caminham ao lado de um vazamento de esgoto perto de tendas de refugiados no campo de Rafah, no sul da Faixa de Gaza: 1,7 milhão de pessoas vivem no local  Foto: Haitham Imad / EFE

Reconheço o quanto os israelenses estão traumatizados por causa dos ignóbeis assassinatos, estupros e sequestros praticados pelo Hamas no dia 7 de outubro. Não me surpreende que muitos aqui simplesmente desejem vingança, e seus corações endureceram a tal ponto que não conseguem enxergar nem se importar com todos os civis, incluindo milhares de crianças, que foram mortos em Gaza enquanto Israel demole tudo para tentar eliminar o Hamas. Tudo isso foi dificultado ainda mais pela recusa do Hamas, até o momento, em libertar os reféns restantes.

Mas vingança não é estratégia. É pura insanidade o fato de Israel estar nessa guerra há mais de seis meses e a liderança militar israelense (e virtualmente toda a sua classe política) ter permitido que Netanyahu siga buscando uma “vitória total” ali, incluindo um provável mergulho em breve nas profundezas de Rafah, sem nenhum plano de saída ou parceiro árabe preparado para interceder uma vez que a guerra termine. Se Israel acabar envolvido em uma ocupação indefinida de Gaza e da Cisjordânia, isso exporia o país a tóxicos desgastes militares, econômicos e morais que seriam o deleite do mais perigoso adversário de Israel, o Irã, e afastaria seus aliados no Ocidente e no mundo árabe.

No início do conflito, lideranças israelenses políticas e militares diziam que lideranças árabes moderadas desejavam que Israel eliminasse o Hamas, um braço da Irmandade Muçulmana que todos os monarcas árabes detestam. É claro que eles gostariam de ver o fim do Hamas — se isso fosse possível de realizar em poucas semanas e com poucas baixas civis.

Agora está claro que isso é impossível, e prolongar a guerra não é do interesse dos estados árabes moderados, particularmente a Arábia Saudita.

A partir das conversas que tive recentemente em Riad e em Washington, eu descreveria a visão atual do príncipe herdeiro Mohammed bin Salman da invasão israelense de Gaza nos seguintes termos: saiam assim que possível. No momento, tudo que Israel está fazendo é matar cada vez mais civis, voltando contra si os sauditas que era favoráveis à normalização das relações, criando mais recrutas para a Al Qaeda e o ISIS, aumentando o poder do Irã e seus aliados, fomentando a instabilidade e afastando da região um investimento estrangeiro muito necessário.

A ideia de acabar com o Hamas “de uma vez por todas” é um sonho inalcançável, na visão dos sauditas. Se Israel quiser prosseguir com operações especiais em Gaza para atingir a liderança do grupo, tudo bem. Mas nada de ocupação permanente. Por favor, vamos chegar a um cessar-fogo pleno e à libertação dos reféns o quanto antes, para nos concentrarmos em vez disso no acordo de normalização e segurança envolvendo americanos, sauditas, israelenses e palestinos.

Esse é o outro caminho que Israel poderia trilhar agora, aquele que nenhuma liderança importante da oposição israelense está defendendo como maior prioridade, mas aquele pelo qual torcem o governo Biden e os sauditas, egípcios, jordanianos, marroquinos e emiradenses. Nada garante o seu sucesso, mas o mesmo vale para a “vitória total” que Netanyahu está prometendo.

Este outro caminho começa com Israel abrindo mão de qualquer invasão militar a Rafah, que fica bem na fronteira com o Egito e consiste na principal rota de entrada da ajuda humanitária em Gaza, trazida por caminhões. A região tem mais de 200 mil moradores permanentes e, agora, mais de um milhão de refugiados vindos do norte de Gaza. Também é ali que se diz que os últimos quatro batalhões mais intactos do Hamas estão protegidos e, quem sabe, até seu líder, Yahya Sinwar.

O governo Biden vem dizendo publicamente a Netanyahu que ele não deve se envolver em uma invasão completa de Rafah sem ter um plano crível para tirar do caminho os mais de um milhão de civis, coisa que Israel ainda não apresentou. Mas, privadamente, eles são mais diretos ao dizer a Israel: não pode haver invasão maciça a Rafah, e ponto final.

Um funcionário do alto escalão do governo americano me explicou nos seguintes termos: “Não estamos dizendo a Israel para simplesmente deixar o Hamas em paz. Estamos dizendo que acreditamos haver uma forma mais precisa de ir atrás da liderança do grupo, sem demolir cada quarteirão de Rafah”. Ele insistiu que a equipe de Biden não está tentando poupar a liderança do Hamas, mas quer poupar Gaza de outro espasmo de mortes e massa de civis.

O funcionário acrescentou que devemos lembrar que Israel pensou que os líderes do Hamas estavam em Khan Yunis e destruíram boa parte dessa cidade procurando por eles, sem sucesso. E fizeram o mesmo na Cidade de Gaza, no norte. O que houve? Sem dúvida, muitos combatentes do Hamas foram mortos ali, mas muitos outros simplesmente sumiram entre as ruínas e agora ressurgiram, a tal ponto que uma unidade do Hamas conseguiu disparar um foguete a partir de Beit Lahia, no norte de Gaza, contra a cidade israelense de Ashkelon no dia 18 de abril.

Os funcionários do governo americano estão convencidos de que, se Israel demolir agora toda a cidade de Rafah, depois de ter feito o mesmo com grande parte de Khan Yunis e da Cidade de Gaza, sem ter um parceiro palestino com credibilidade para aliviar o fardo de segurança de governar uma Gaza despedaçada, o país cometerá o tipo de erro cometido pelos EUA no Iraque, sendo obrigado a lidar com uma insurgência permanente além de uma crise humanitária permanente. Mas haveria uma diferença essencial: os EUA são uma superpotência que pôde falhar no Iraque e se recuperar. Para Israel, uma insurgência permanente em Gaza seria um fardo pesadíssimo, especialmente sem ter amigos restantes.

E é por isso que os funcionários americanos me dizem que, se Israel for adiante com uma grande operação militar em Rafah, apesar das objeções do governo dos EUA, o presidente Biden pensará em limitar a venda de determinados armamentos a Israel.

Isso não apenas porque o governo Biden deseja evitar mais baixas de civis em Gaza por questões humanitárias, ou porque isso inflamaria ainda mais a opinião pública global contra Israel e dificultaria a defesa de Israel por parte da equipe de Biden. Seria também porque o governo acredita que uma invasão total de Israel a Rafah prejudicará as perspectivas de uma nova troca de reféns, para a qual as autoridades dizem haver agora algum lampejo de esperança, e destruirá três projetos vitais nos quais o governo vem trabalhando para melhorar a segurança de Israel no longo prazo.

O primeiro é uma força de paz árabe que poderia substituir as forças israelenses em Gaza, para que Israel possa sair dali sem se ver encalhado com uma ocupação simultânea de Gaza e da Cisjordânia eternamente. Vários países árabes têm debatido o o envio de forças de paz a Gaza para substituir os israelenses, que teriam de sair, desde que haja um cessar-fogo permanente, e a presença desta força seria formalmente abençoada por uma decisão conjunta da Organização pela Libertação da Palestina, o guarda-chuva que reúne a maioria das facções palestinas, e a Autoridade Palestina. Os países árabes muito provavelmente insistiriam em receber alguma assistência logística dos militares americanos. Nada foi decidido ainda, mas a ideia é ativamente considerada pelos envolvidos.

O segundo é o acordo diplomático de segurança entre americanos, sauditas, israelenses e palestinos, cujos termos o governo está perto de finalizar com o príncipe herdeiro saudita. Ele é formado por vários componentes, mas os principais elementos americanos e sauditas são: 1)um pacto de defesa mútua entre EUA e Arábia Saudita que eliminaria qualquer ambiguidade a respeito do que os americanos fariam se o Irã atacasse a Arábia Saudita. Os EUA viriam em defesa de Riad, e vice-versa; 2) facilitar o acesso saudita ao armamento americano mais avançado; 3) um acordo nuclear civil atentamente supervisionado que permitiria à Arábia Saudita reprocessar os próprios depósitos de urânio para uso no seu próprio reator nuclear civil.

Israelense segura uma menorá durante um protesto contra o governo do primeiro-ministro israelense Binyamin Netanyahu, e para pedir a libertação dos reféns sequestrados pelo grupo terrorista Hamas Foto: Shannon Stapleton / Reuters

Em troca, os sauditas limitariam o investimento chinês na Arábia Saudita e quaisquer laços militares com esse país, desenvolvendo seus sistemas de defesa da próxima geração usando somente armamento americano, o que seria bem recebido pelos fabricantes americanos do setor de defesa e tornaria os dois exércitos totalmente interoperáveis. Os sauditas, com sua abundância de energia barata e espaço, gostariam de hospedar algumas das vastas centrais de dados exigidas pelas empresas americanas de tecnologia para explorar a inteligência artificial, em um momento em que o custo doméstico da energia e do espaço físico nos EUA está dificultando cada vez mais a construção dessas centrais no país. A Arábia Saudita também normalizaria as relações com Israel, desde que Netanyahu assumisse o compromisso de trabalhar por uma solução de dois estados com uma Autoridade Palestina reformada.

E, por fim, os EUA reuniriam Israel, Arábia Saudita, outros países árabes moderados e os principais aliados europeus em uma só arquitetura integrada de segurança para combater a ameaça dos mísseis iranianos assim como ocorreu momentaneamente quando o Irã atacou Israel no dia 13 de abril como retaliação por um ataque israelense contra líderes do alto escalão militar do Irã suspeitos de organizar operações contra Israel, reunidos em uma instalação diplomática iraniana na Síria.

Esta coalizão não poderá ser invocada continuamente sem que Israel saia de Gaza e assuma o compromisso de trabalhar por um estado palestino. Os estados árabes não aceitarão serem vistos como protegendo Israel do Irã se Israel estiver ocupando permanentemente Gaza e a Cisjordânia. Funcionários dos governos americano e saudita também sabem que, sem Israel no acordo, os componentes de segurança dos EUA e da Arábia Saudita dificilmente conseguiriam a aprovação do Congresso.

A equipe de Biden quer concluir a parte americana e saudita do acordo para poder atuar como o partido de oposição que falta a Israel nesse momento, e dizer a Netanyahu: você pode ser lembrado como o líder que governava no momento da maior catástrofe militar de Israel no dia 7 de outubro, ou como o líder que tirou Israel de Gaza e abriu o caminho para a normalização das relações entre Israel e o país muçulmano mais importante. A escolha é sua. E essa proposta deve ser apresentada publicamente, para que todos os israelenses possam vê-la.

Então, gostaria de terminar por onde comecei: os interesses de Israel no longo prazo estão em Riad, e não em Rafah. É claro que nenhuma dessas alternativas é uma certeza e ambas trarão riscos. E sei que não é tão fácil para os israelenses pesar os prós e os contras quando há atualmente tantos protestos globais criticando o país pelo seu comportamento em Gaza ao mesmo tempo em que ignoram a conduta do Hamas. Mas é esse o papel das lideranças: defender que o caminho para Riad traz vantagens muito maiores no fim do que o caminho para Rafah, que será apenas um mortal beco sem saída.

Respeito totalmente o fato de que serão os israelenses que terão de viver com a própria escolha. Só gostaria de me certificar de que eles sabem que há uma escolha. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Opinião por Thomas Friedman

É ganhador do Pullitzer e colunista do NYT. Especialista em relações internacionais, escreveu 'De Beirute a Jerusalém'

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