WASHINGTON (AP) - O ataque mortal de militantes terroristas do Hamas contra Israel e a retaliação maciça provocada em Jerusalém empurraram o presidente Joe Biden para uma crise no Oriente Médio que corre o risco de se expandir para um conflito mais amplo. E o deixaram se defendendo das críticas dos rivais presidenciais do Partido Republicano de que as políticas de seu governo levaram a esse momento.
A possibilidade de prolongamento e de expansão da violência pode testar a liderança de Biden tanto no cenário mundial quanto em seu próprio país, à medida que ele tenta navegar entre a demonstração de um apoio inabalável a Israel e a promoção de uma paz mais ampla no conflituoso Oriente Médio, onde militantes simpáticos não demoraram a elogiar em alto e bom som a ação do Hamas. Centenas de pessoas foram mortas em ambos os lados.
O grupo libanês Hezbollah saudou o ataque como uma resposta aos “crimes israelenses”. O grupo apoiado pelo Irã, que tem objetivos semelhantes aos do Hamas para a destruição do Estado israelense, disparou foguetes e projéteis no domingo contra três posições israelenses, atraindo uma resposta dos militares de Israel com drones armados. Um conselheiro sênior do líder supremo do Irã elogiou a operação do Hamas, que disse estar pronto para uma luta potencialmente longa.
Vários candidatos republicanos à presidência em 2024 tentaram imediatamente atribuir parte da culpa a Biden. Eles tentaram vincular sua recente decisão de liberar US$ 6 bilhões em fundos iranianos bloqueados em troca da libertação de cinco americanos que haviam sido detidos no Irã ao complexo ataque de sábado por ar, terra e mar. A Casa Branca rebateu com firmeza as críticas do Partido Republicano, observando que o dinheiro descongelado no mês passado na troca de prisioneiros ainda não foi gasto pelo Irã e só pode ser usado para necessidades humanitárias.
Envolvimento do Irã com Hamas e Hezbollah
Historicamente, o Irã tem mantido fortes laços com o Hamas palestino e o Hezbollah.
Uma autoridade sênior do governo Biden, que falou com a imprensa sob condição de anonimato, disse que era “muito cedo para dizer se o Estado do Irã estava diretamente envolvido no planejamento ou no apoio” ao complexo ataque, mas observou os profundos laços do Irã com o Hamas.
Biden e seus principais assessores passaram o sábado consultando líderes europeus e do Oriente Médio, incluindo o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu. Em comentários perante os repórteres na Casa Branca, Biden chamou os ataques de “inaceitáveis” e prometeu que seu governo garantiria que Israel tivesse “o que precisa para se defender”.
“Deixe-me dizer isso da forma mais clara possível: este não é um momento para qualquer partido hostil a Israel explorar esses ataques para obter vantagens”, disse Biden.
O ataque apenas acrescenta novas complicações, já que o governo Biden e o Irã estão presos em disputas sobre o programa nuclear de Teerã. O Irã afirma que o programa é pacífico, mas agora enriquece urânio mais próximo do que nunca dos níveis de qualidade para armas. Ainda assim, o governo não perdeu a esperança de reviver um acordo intermediado durante o governo Obama (e descartado durante a Casa Branca de Trump) que aliviou as sanções ao Irã em troca de restrições ao seu programa nuclear.
As autoridades do governo Biden também têm trabalhado para intermediar a normalização das relações entre Israel e a Arábia Saudita, o Estado árabe mais poderoso e rico. Esse acordo tem o potencial de remodelar a região e aumentar a posição de Israel de forma histórica.
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Mas a intermediação desse acordo já era vista como uma tarefa difícil, pois o reino disse que não reconhecerá oficialmente Israel antes de uma solução para o conflito israelense-palestino que já dura décadas. O novo conflito acrescenta um novo e enorme obstáculo às ambições de Biden, embora o funcionário do governo tenha dito que a Casa Branca não vê o ataque do Hamas atrapalhando o esforço.
O Ministério das Relações Exteriores da Arábia Saudita, em uma declaração, não condenou o ataque do Hamas, mas observou os “repetidos avisos do reino sobre os perigos (...) da situação como resultado da ocupação contínua, da privação do povo palestino de seus direitos legítimos e da repetição de provocações sistemáticas contra suas santidades”.
Netanyahu prometeu em seu próprio discurso nacional vingar os ataques surpreendentes, prometendo “levar a luta até eles com um poder e uma escala que o inimigo ainda não conhece”.
Busca por culpados
Os combatentes do Hamas levaram um número desconhecido de civis e soldados cativos para Gaza, em cenas angustiantes publicadas nas mídias sociais. Essas imagens (e o crescente número de mortos) ocorrem 50 anos e um dia depois que as forças invasoras do Egito e da Síria pegaram Israel de surpresa com o lançamento de um ataque contra país, dando início a um conflito de 19 dias – conhecido como a Guerra do Yom Kippur.
Jonathan Schanzer, analista do think-tank de Washington Foundation for Defense of Democracies, disse que Biden fez “um bom trabalho” em manter os críticos de Israel, particularmente seus colegas democratas, à distância enquanto Netanyahu buscava atingir seus objetivos militares contra o Hamas durante seu último grande conflito, uma guerra de 11 dias em 2021. Provavelmente será mais difícil desta vez.
Jonathan Schanzer, analista Foundation for Defense of Democracies
“Haverá erros que geralmente acontecem no campo de batalha, nenhum militar é perfeito. É quando eu acho que o presidente será atacado pelo flanco esquerdo”, disse Schanzer.
Alguns membros do campo republicano de 2024 foram rápidos em colocar a culpa diretamente em Biden pelo ataque do Hamas.
O ex-presidente Donald Trump acusou os EUA de serem vistos como “fracos e ineficazes” no cenário global sob o comando de Biden, abrindo a porta para a hostilidade contra Israel. O governador da Flórida, Ron DeSantis, acusou Biden de “políticas que foram brandas com o Irã” e “ajudaram a encher seus cofres”. E o senador da Carolina do Sul, Tim Scott, alegou que o ataque foi “o pagamento de resgate de US$ 6 bilhões de Biden em ação”, uma referência ao acordo com prisioneiros.
Os funcionários do governo Biden rebateram o argumento.
“Vamos deixar claro: o acordo para trazer cidadãos americanos do Irã para casa não tem nada a ver com o terrível ataque a Israel”, disse o porta-voz do Departamento de Estado, Matthew Miller. “Nem um centavo foi gasto e, quando for, só poderá ser destinado a necessidades humanitárias, como alimentos e remédios.”
As autoridades do governo Biden não abordaram se o Irã, na expectativa de usar o dinheiro (agora mantido em bancos do Catar) para alimentos, remédios, suprimentos médicos e produtos agrícolas, pode ter desviado outros fundos para o Hamas ou outros representantes.
Em uma reunião com a equipe do Comitê de Relações Exteriores do Senado no sábado, as autoridades do governo disseram que os EUA haviam alertado o Irã “por meio de interlocutores” que o envolvimento direto na situação de Gaza colocaria em risco quaisquer iniciativas futuras que os EUA pudessem considerar com a República Islâmica, de acordo com um assessor do Congresso familiarizado com a sessão.
As autoridades não entraram em detalhes sobre quem eram os interlocutores ou quais iniciativas futuras estariam em risco, embora a vice-secretária de Estado em exercício, Victoria Nuland, e a principal diplomata dos EUA para o Oriente Médio, Barbara Leaf, tenham conversado com autoridades no Líbano sobre a situação. Algumas autoridades libanesas mantêm contato com o Irã, que apoia o grupo militante Hezbollah no país.
Outro ponto de crítica ao governo pelos republicanos é que sua decisão, logo após assumir o cargo, de reverter uma proibição da era Trump de assistência aos palestinos, incluindo civis em Gaza, pode ter ajudado a financiar a operação.
As autoridades do governo rejeitaram essa afirmação, dizendo que seus esforços para ajudar os civis palestinos em Gaza e em outros lugares não envolvem dinheiro que o Hamas possa usar ou desviar. / TRADUÇÃO POR GUILHERME GUERRA