Israel não cometeu genocídio, mas comete crimes de guerra em Gaza; leia a análise


Violência diária lançada sobre Gaza é tanto insuportável quanto inadmissível

Por Omer Bartov*
Atualização:

THE NEW YORK TIMES — As operações militares israelenses criaram uma crise humanitária inaceitável, que apenas piorará com o tempo. Mas as ações de Israel — conforme argumentam oponentes do país — constituem limpeza étnica ou, mais explosivamente, genocídio?

Enquanto historiador do genocídio, eu acredito que não há prova de que um genocídio ocorra atualmente em Gaza, mas é muito provável que crimes de guerra e até crimes contra a humanidade estejam ocorrendo. O que significa duas coisas importantes: primeiro, nós precisamos definir o que estamos vendo; e segundo, nós temos chance de impedir o problema antes que a situação piore. A história nos ensina que é crucial alertar a respeito de possíveis genocídios, em vez de condenar tardiamente depois do ocorrido. E acho que ainda temos tempo.

É evidente que a violência diária lançada sobre Gaza é tanto insuportável quanto inadmissível. Desde o massacre perpetrado pelo grupo terrorista Hamas em 7 de outubro — em si um crime de guerra e um crime contra a humanidade — o ataque militar aéreo e terrestre de Israel matou mais de 10,5 mil palestinos, de acordo com o Ministério da Saúde de Gaza, número que inclui milhares de crianças. É bem mais de cinco vezes a quantidade de pessoas assassinadas pelo Hamas em Israel, mais de 1,4 mil. Ao justificar seu ataque, líderes e generais israelenses emitiram pronunciamentos assustadores, que indicam uma intenção genocida.

continua após a publicidade
Palestinos fugindo da Cidade de Gaza e de outras partes do norte de Gaza em direção às áreas do sul, caminham em uma estrada em 8 de novembro de 2023, em meio às batalhas em andamento entre Israel e o grupo terrorista Hamas. Foto: MOHAMMED ABED / AFP

Ainda assim, o horror coletivo do que nós estamos assistindo não significa que um genocídio, de acordo com a definição do termo segundo o direito internacional, já esteja em andamento. Já que o genocídio, às vezes classificado como “o pior dos crimes”, é percebido por muitos como o crime mais extremo, há com frequência um impulso de descrever qualquer assassínio em massa e matança como genocídio. Mas essa urgência em rotular todos os eventos atrozes como genocídio tende a ofuscar a realidade, em vez de explicá-la.

O direito humanitário internacional identifica diversos crimes graves em conflitos armados. Os crimes de guerra foram definidos nas Convenções de Genebra, de 1949, assim como protocolos subsequentes, como violações graves de leis e costumes da guerra em conflitos armados internacionais contra combatentes e civis. O Estatuto de Roma, que estabeleceu o Tribunal Penal Internacional, define crimes contra a humanidade como extermínio de população civil ou outros crimes em massa contra civis. O crime de genocídio foi definido em 1948 pelas Nações Unidas como “a tentativa de destruir, inteiramente ou em parte, um determinado grupo nacional, étnico, racial ou religioso”.

continua após a publicidade

Portanto, para provar que um genocídio está em andamento, nós precisamos demonstrar a existência de uma intenção de destruir direcionada contra um grupo em particular. Genocídio enquanto conceito jurídico difere do conceito de limpeza étnica porque este segundo ato, que não é reconhecido em si como crime pelo direito internacional, pretende remover uma população de um determinado território, com frequência violentamente, enquanto o genocídio pretende destruir essa população onde quer que ela esteja. Na realidade, qualquer dessas situações — e especialmente a limpeza étnica — pode escalar e tornar-se genocídio, como ocorreu no Holocausto, que começou como uma intenção de remover os judeus dos territórios controlados pela Alemanha e se transformou numa tentativa de exterminá-los fisicamente.

Minha maior preocupação ao assistir os desdobramentos da guerra Israel-Gaza é que existe uma intenção genocida que pode facilmente descambar para um ato genocida. Em 7 de outubro, o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu afirmou que os habitantes de Gaza pagariam um “preço enorme” pelas ações do Hamas e que as Forças de Defesa de Israel, ou IDF, transformariam “em escombros” partes dos centros urbanos densamente povoados de Gaza. Em 28 de outubro, acrescentou ele, citando o Deuteronômio, “Vocês devem se lembrar do que Amalek fez com vocês”. Como muitos israelenses bem sabem, em vingança ao ataque de Amalek, a Bíblia conclama a “morte de homens e mulheres, crianças e lactentes”.

continua após a publicidade

A linguagem profundamente alarmante não termina aí. Em 9 de outubro, o ministro da Defesa israelense, Yoav Gallant, afirmou, “Nós estamos combatendo animais e estamos agido como corresponde”, uma declaração que indica desumanização, com ecos genocidas. No dia seguinte, o major-general Ghassan Alian, comandante israelense de atividades governamentais nos territórios, fez um pronunciamento em árabe direcionado à população de Gaza: “Animais tem de ser tratados como tal”, afirmou ele, acrescentando: “não haverá eletricidade nem água, haverá apenas destruição. Vocês desejaram o inferno e terão o inferno”.

TOPSHOT - A child on the roof of a building in the city of Jenin, in the occupied West Bank on November 9, 2023, looks at black smoke rising from the Jenin Palestinian refugee camp during clashes with the Israeli military. Six Palestinians were killed on November 9, during an Israeli raid on Jenin in the north of the occupied West Bank, the Palestinian health ministry said, updating an earlier toll. Since the beginning of the war triggered by attacks on October 7 by Gaza-based Hamas militants, which Israeli officials say killed more than 1,400 people, more than 150 Palestinians have been killed in clashes with Israeli forces in the West Bank, according to the Palestinian health ministry. (Photo by Zain JAAFAR / AFP) Foto: ZAIN JAAFAR / AFP

No mesmo dia, o major-general aposentado Giora Eiland publicou no jornal Yedioth Ahronoth, “O Estado de Israel não tem escolha a não ser transformar Gaza em um lugar temporariamente ou permanentemente inabitável”. Ele acrescentou, “Criar uma crise humanitária severa em Gaza é um meio necessário para alcançar o objetivo”. Em outro artigo, ele escreveu que “Gaza se tornará um lugar onde nenhum ser humano conseguirá existir”. Aparentemente, nenhum representante do Exército ou político denunciou essa declaração.

continua após a publicidade

Eu poderia citar muitas outras.

Consideradas em conjunto, essas declarações poderiam facilmente ser interpretadas como uma intenção genocida. Mas está realmente ocorrendo um genocídio? Comandantes militares israelenses insistem que estão tentando limitar as baixas civis e atribuem o grande número de palestinos mortos e feridos a táticas do Hamas de usar civis como escudo humano e instalar seus centros de comando sob estruturas humanitárias, como hospitais.

Mas, em 13 de outubro, relatou-se que o Ministério de Inteligência de Israel emitiu uma proposta para mover toda a população da Faixa de Gaza para a Península do Sinai, que é governada pelo Egito (o gabinete de Netanyahu afirmou que se tratava de um “documento conceitual”). Elementos de extrema direita no governo — também representada nas IDF — celebraram a guerra classificando-a como uma oportunidade de livrar-se dos palestinos de uma vez por todas. Neste mês, emergiu nas redes sociais um vídeo do capitão Amichai Friedman, rabino da Brigada Nahal, dizendo a um grupo de soldados que agora ficou claro que “a terra é nossa, toda a terra, incluindo Gaza, incluindo o Líbano”. Os soldados vibraram entusiasticamente; as IDF afirmaram que sua conduta “não se alinha” com os valores e diretrizes da corporação.

continua após a publicidade

E portanto, ainda que não possamos afirmar que os militares israelenses estejam mirando civis explicitamente, funcionalmente e retoricamente nós podemos estar assistindo a uma operação de limpeza étnica que pode rapidamente involuir e transformar-se em genocídio, como já ocorreu no passado.

Nada disso ocorre num vácuo. Ao longo de vários meses recentes, eu me angustiei enormemente com os eventos que transcorreram em Israel. Em 4 de agosto, eu e vários colegas circulamos uma petição alertando que a tentativa de golpe no Judiciário do governo Netanyahu tinha objetivo de perpetuar a ocupação israelense no território palestino. O documento foi assinado por cerca de 2,5 mil acadêmicos, religiosos e personalidades públicas revoltadas com a retórica racista de membros do governo, seus esforços antidemocráticos e a crescente violência dos colonos, aparentemente apoiados pelas IDF, contra palestinos na Cisjordânia ocupada.

Palestinos carregam uma mulher ferida para o hospital Nasser no campo de refugiados de Khan Younis, no sul da Faixa de Gaza, na quarta-feira, 8 de novembro de 2023. Foto: Mohammed Dahman / AP
continua após a publicidade

O que nós vínhamos alertando — que seria impossível ignorar a ocupação do território e a opressão de milhões de pessoas por 56 anos e o cerco de Gaza por 16 anos sem consequências — escancarou-se em 7 de outubro. Após o massacre de judeus civis e inocentes perpetrado pelo Hamas, nosso grupo emitiu uma segunda petição denunciando os crimes cometidos pelo Hamas e instando o governo israelense a desistir de perpetrar violência e mortes em massa de palestinos civis e inocentes em Gaza como resposta à crise. Nós escrevemos que a única maneira de pôr fim a esses ciclos de violência é buscar políticas de concessões mútuas com os palestinos e o fim da ocupação.

É hora dos líderes e acadêmicos veteranos de instituições dedicadas a pesquisa e memória do Holocausto se manifestarem publicamente contra a retórica repleta de ódio e ressentimento que desumaniza a população de Gaza e pede sua extinção. É hora de criticar publicamente a escalada da violência na Cisjordânia perpetrada por colonos e soldados israelenses, que agora também parece estar descambando na direção de uma limpeza ética acobertada pela guerra em Gaza; vários vilarejos palestinos esvaziaram-se, segundo relatos, sob ameaças de colonos.

Eu conclamo veneráveis instituições como o Museu Memorial do Holocausto dos EUA, em Washington, DC, e o Yad Vashem, em Jerusalém, para interceder agora mesmo e se unir à vanguarda que alerta contra crimes de guerra, crimes contra a humanidade, limpeza étnica e o pior dos crimes, o genocídio.

Se nós acreditamos verdadeiramente que o Holocausto nos ensinou uma lição a respeito da necessidade — ou realmente o dever — de preservar nossa dignidade humana protegendo vítimas de atrocidades, é hora de nos levantarmos e nos pronunciarmos claramente, antes que a liderança de Israel mergulhe no abismo levando consigo seus vizinhos.

Ainda há tempo de impedir Israel de converter suas ações em genocídio, mas nós não podemos esperar mais nenhum instante. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

*Omer Bartov é professor de estudos sobre genocídio e o Holocausto na Universidade Brown

THE NEW YORK TIMES — As operações militares israelenses criaram uma crise humanitária inaceitável, que apenas piorará com o tempo. Mas as ações de Israel — conforme argumentam oponentes do país — constituem limpeza étnica ou, mais explosivamente, genocídio?

Enquanto historiador do genocídio, eu acredito que não há prova de que um genocídio ocorra atualmente em Gaza, mas é muito provável que crimes de guerra e até crimes contra a humanidade estejam ocorrendo. O que significa duas coisas importantes: primeiro, nós precisamos definir o que estamos vendo; e segundo, nós temos chance de impedir o problema antes que a situação piore. A história nos ensina que é crucial alertar a respeito de possíveis genocídios, em vez de condenar tardiamente depois do ocorrido. E acho que ainda temos tempo.

É evidente que a violência diária lançada sobre Gaza é tanto insuportável quanto inadmissível. Desde o massacre perpetrado pelo grupo terrorista Hamas em 7 de outubro — em si um crime de guerra e um crime contra a humanidade — o ataque militar aéreo e terrestre de Israel matou mais de 10,5 mil palestinos, de acordo com o Ministério da Saúde de Gaza, número que inclui milhares de crianças. É bem mais de cinco vezes a quantidade de pessoas assassinadas pelo Hamas em Israel, mais de 1,4 mil. Ao justificar seu ataque, líderes e generais israelenses emitiram pronunciamentos assustadores, que indicam uma intenção genocida.

Palestinos fugindo da Cidade de Gaza e de outras partes do norte de Gaza em direção às áreas do sul, caminham em uma estrada em 8 de novembro de 2023, em meio às batalhas em andamento entre Israel e o grupo terrorista Hamas. Foto: MOHAMMED ABED / AFP

Ainda assim, o horror coletivo do que nós estamos assistindo não significa que um genocídio, de acordo com a definição do termo segundo o direito internacional, já esteja em andamento. Já que o genocídio, às vezes classificado como “o pior dos crimes”, é percebido por muitos como o crime mais extremo, há com frequência um impulso de descrever qualquer assassínio em massa e matança como genocídio. Mas essa urgência em rotular todos os eventos atrozes como genocídio tende a ofuscar a realidade, em vez de explicá-la.

O direito humanitário internacional identifica diversos crimes graves em conflitos armados. Os crimes de guerra foram definidos nas Convenções de Genebra, de 1949, assim como protocolos subsequentes, como violações graves de leis e costumes da guerra em conflitos armados internacionais contra combatentes e civis. O Estatuto de Roma, que estabeleceu o Tribunal Penal Internacional, define crimes contra a humanidade como extermínio de população civil ou outros crimes em massa contra civis. O crime de genocídio foi definido em 1948 pelas Nações Unidas como “a tentativa de destruir, inteiramente ou em parte, um determinado grupo nacional, étnico, racial ou religioso”.

Portanto, para provar que um genocídio está em andamento, nós precisamos demonstrar a existência de uma intenção de destruir direcionada contra um grupo em particular. Genocídio enquanto conceito jurídico difere do conceito de limpeza étnica porque este segundo ato, que não é reconhecido em si como crime pelo direito internacional, pretende remover uma população de um determinado território, com frequência violentamente, enquanto o genocídio pretende destruir essa população onde quer que ela esteja. Na realidade, qualquer dessas situações — e especialmente a limpeza étnica — pode escalar e tornar-se genocídio, como ocorreu no Holocausto, que começou como uma intenção de remover os judeus dos territórios controlados pela Alemanha e se transformou numa tentativa de exterminá-los fisicamente.

Minha maior preocupação ao assistir os desdobramentos da guerra Israel-Gaza é que existe uma intenção genocida que pode facilmente descambar para um ato genocida. Em 7 de outubro, o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu afirmou que os habitantes de Gaza pagariam um “preço enorme” pelas ações do Hamas e que as Forças de Defesa de Israel, ou IDF, transformariam “em escombros” partes dos centros urbanos densamente povoados de Gaza. Em 28 de outubro, acrescentou ele, citando o Deuteronômio, “Vocês devem se lembrar do que Amalek fez com vocês”. Como muitos israelenses bem sabem, em vingança ao ataque de Amalek, a Bíblia conclama a “morte de homens e mulheres, crianças e lactentes”.

A linguagem profundamente alarmante não termina aí. Em 9 de outubro, o ministro da Defesa israelense, Yoav Gallant, afirmou, “Nós estamos combatendo animais e estamos agido como corresponde”, uma declaração que indica desumanização, com ecos genocidas. No dia seguinte, o major-general Ghassan Alian, comandante israelense de atividades governamentais nos territórios, fez um pronunciamento em árabe direcionado à população de Gaza: “Animais tem de ser tratados como tal”, afirmou ele, acrescentando: “não haverá eletricidade nem água, haverá apenas destruição. Vocês desejaram o inferno e terão o inferno”.

TOPSHOT - A child on the roof of a building in the city of Jenin, in the occupied West Bank on November 9, 2023, looks at black smoke rising from the Jenin Palestinian refugee camp during clashes with the Israeli military. Six Palestinians were killed on November 9, during an Israeli raid on Jenin in the north of the occupied West Bank, the Palestinian health ministry said, updating an earlier toll. Since the beginning of the war triggered by attacks on October 7 by Gaza-based Hamas militants, which Israeli officials say killed more than 1,400 people, more than 150 Palestinians have been killed in clashes with Israeli forces in the West Bank, according to the Palestinian health ministry. (Photo by Zain JAAFAR / AFP) Foto: ZAIN JAAFAR / AFP

No mesmo dia, o major-general aposentado Giora Eiland publicou no jornal Yedioth Ahronoth, “O Estado de Israel não tem escolha a não ser transformar Gaza em um lugar temporariamente ou permanentemente inabitável”. Ele acrescentou, “Criar uma crise humanitária severa em Gaza é um meio necessário para alcançar o objetivo”. Em outro artigo, ele escreveu que “Gaza se tornará um lugar onde nenhum ser humano conseguirá existir”. Aparentemente, nenhum representante do Exército ou político denunciou essa declaração.

Eu poderia citar muitas outras.

Consideradas em conjunto, essas declarações poderiam facilmente ser interpretadas como uma intenção genocida. Mas está realmente ocorrendo um genocídio? Comandantes militares israelenses insistem que estão tentando limitar as baixas civis e atribuem o grande número de palestinos mortos e feridos a táticas do Hamas de usar civis como escudo humano e instalar seus centros de comando sob estruturas humanitárias, como hospitais.

Mas, em 13 de outubro, relatou-se que o Ministério de Inteligência de Israel emitiu uma proposta para mover toda a população da Faixa de Gaza para a Península do Sinai, que é governada pelo Egito (o gabinete de Netanyahu afirmou que se tratava de um “documento conceitual”). Elementos de extrema direita no governo — também representada nas IDF — celebraram a guerra classificando-a como uma oportunidade de livrar-se dos palestinos de uma vez por todas. Neste mês, emergiu nas redes sociais um vídeo do capitão Amichai Friedman, rabino da Brigada Nahal, dizendo a um grupo de soldados que agora ficou claro que “a terra é nossa, toda a terra, incluindo Gaza, incluindo o Líbano”. Os soldados vibraram entusiasticamente; as IDF afirmaram que sua conduta “não se alinha” com os valores e diretrizes da corporação.

E portanto, ainda que não possamos afirmar que os militares israelenses estejam mirando civis explicitamente, funcionalmente e retoricamente nós podemos estar assistindo a uma operação de limpeza étnica que pode rapidamente involuir e transformar-se em genocídio, como já ocorreu no passado.

Nada disso ocorre num vácuo. Ao longo de vários meses recentes, eu me angustiei enormemente com os eventos que transcorreram em Israel. Em 4 de agosto, eu e vários colegas circulamos uma petição alertando que a tentativa de golpe no Judiciário do governo Netanyahu tinha objetivo de perpetuar a ocupação israelense no território palestino. O documento foi assinado por cerca de 2,5 mil acadêmicos, religiosos e personalidades públicas revoltadas com a retórica racista de membros do governo, seus esforços antidemocráticos e a crescente violência dos colonos, aparentemente apoiados pelas IDF, contra palestinos na Cisjordânia ocupada.

Palestinos carregam uma mulher ferida para o hospital Nasser no campo de refugiados de Khan Younis, no sul da Faixa de Gaza, na quarta-feira, 8 de novembro de 2023. Foto: Mohammed Dahman / AP

O que nós vínhamos alertando — que seria impossível ignorar a ocupação do território e a opressão de milhões de pessoas por 56 anos e o cerco de Gaza por 16 anos sem consequências — escancarou-se em 7 de outubro. Após o massacre de judeus civis e inocentes perpetrado pelo Hamas, nosso grupo emitiu uma segunda petição denunciando os crimes cometidos pelo Hamas e instando o governo israelense a desistir de perpetrar violência e mortes em massa de palestinos civis e inocentes em Gaza como resposta à crise. Nós escrevemos que a única maneira de pôr fim a esses ciclos de violência é buscar políticas de concessões mútuas com os palestinos e o fim da ocupação.

É hora dos líderes e acadêmicos veteranos de instituições dedicadas a pesquisa e memória do Holocausto se manifestarem publicamente contra a retórica repleta de ódio e ressentimento que desumaniza a população de Gaza e pede sua extinção. É hora de criticar publicamente a escalada da violência na Cisjordânia perpetrada por colonos e soldados israelenses, que agora também parece estar descambando na direção de uma limpeza ética acobertada pela guerra em Gaza; vários vilarejos palestinos esvaziaram-se, segundo relatos, sob ameaças de colonos.

Eu conclamo veneráveis instituições como o Museu Memorial do Holocausto dos EUA, em Washington, DC, e o Yad Vashem, em Jerusalém, para interceder agora mesmo e se unir à vanguarda que alerta contra crimes de guerra, crimes contra a humanidade, limpeza étnica e o pior dos crimes, o genocídio.

Se nós acreditamos verdadeiramente que o Holocausto nos ensinou uma lição a respeito da necessidade — ou realmente o dever — de preservar nossa dignidade humana protegendo vítimas de atrocidades, é hora de nos levantarmos e nos pronunciarmos claramente, antes que a liderança de Israel mergulhe no abismo levando consigo seus vizinhos.

Ainda há tempo de impedir Israel de converter suas ações em genocídio, mas nós não podemos esperar mais nenhum instante. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

*Omer Bartov é professor de estudos sobre genocídio e o Holocausto na Universidade Brown

THE NEW YORK TIMES — As operações militares israelenses criaram uma crise humanitária inaceitável, que apenas piorará com o tempo. Mas as ações de Israel — conforme argumentam oponentes do país — constituem limpeza étnica ou, mais explosivamente, genocídio?

Enquanto historiador do genocídio, eu acredito que não há prova de que um genocídio ocorra atualmente em Gaza, mas é muito provável que crimes de guerra e até crimes contra a humanidade estejam ocorrendo. O que significa duas coisas importantes: primeiro, nós precisamos definir o que estamos vendo; e segundo, nós temos chance de impedir o problema antes que a situação piore. A história nos ensina que é crucial alertar a respeito de possíveis genocídios, em vez de condenar tardiamente depois do ocorrido. E acho que ainda temos tempo.

É evidente que a violência diária lançada sobre Gaza é tanto insuportável quanto inadmissível. Desde o massacre perpetrado pelo grupo terrorista Hamas em 7 de outubro — em si um crime de guerra e um crime contra a humanidade — o ataque militar aéreo e terrestre de Israel matou mais de 10,5 mil palestinos, de acordo com o Ministério da Saúde de Gaza, número que inclui milhares de crianças. É bem mais de cinco vezes a quantidade de pessoas assassinadas pelo Hamas em Israel, mais de 1,4 mil. Ao justificar seu ataque, líderes e generais israelenses emitiram pronunciamentos assustadores, que indicam uma intenção genocida.

Palestinos fugindo da Cidade de Gaza e de outras partes do norte de Gaza em direção às áreas do sul, caminham em uma estrada em 8 de novembro de 2023, em meio às batalhas em andamento entre Israel e o grupo terrorista Hamas. Foto: MOHAMMED ABED / AFP

Ainda assim, o horror coletivo do que nós estamos assistindo não significa que um genocídio, de acordo com a definição do termo segundo o direito internacional, já esteja em andamento. Já que o genocídio, às vezes classificado como “o pior dos crimes”, é percebido por muitos como o crime mais extremo, há com frequência um impulso de descrever qualquer assassínio em massa e matança como genocídio. Mas essa urgência em rotular todos os eventos atrozes como genocídio tende a ofuscar a realidade, em vez de explicá-la.

O direito humanitário internacional identifica diversos crimes graves em conflitos armados. Os crimes de guerra foram definidos nas Convenções de Genebra, de 1949, assim como protocolos subsequentes, como violações graves de leis e costumes da guerra em conflitos armados internacionais contra combatentes e civis. O Estatuto de Roma, que estabeleceu o Tribunal Penal Internacional, define crimes contra a humanidade como extermínio de população civil ou outros crimes em massa contra civis. O crime de genocídio foi definido em 1948 pelas Nações Unidas como “a tentativa de destruir, inteiramente ou em parte, um determinado grupo nacional, étnico, racial ou religioso”.

Portanto, para provar que um genocídio está em andamento, nós precisamos demonstrar a existência de uma intenção de destruir direcionada contra um grupo em particular. Genocídio enquanto conceito jurídico difere do conceito de limpeza étnica porque este segundo ato, que não é reconhecido em si como crime pelo direito internacional, pretende remover uma população de um determinado território, com frequência violentamente, enquanto o genocídio pretende destruir essa população onde quer que ela esteja. Na realidade, qualquer dessas situações — e especialmente a limpeza étnica — pode escalar e tornar-se genocídio, como ocorreu no Holocausto, que começou como uma intenção de remover os judeus dos territórios controlados pela Alemanha e se transformou numa tentativa de exterminá-los fisicamente.

Minha maior preocupação ao assistir os desdobramentos da guerra Israel-Gaza é que existe uma intenção genocida que pode facilmente descambar para um ato genocida. Em 7 de outubro, o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu afirmou que os habitantes de Gaza pagariam um “preço enorme” pelas ações do Hamas e que as Forças de Defesa de Israel, ou IDF, transformariam “em escombros” partes dos centros urbanos densamente povoados de Gaza. Em 28 de outubro, acrescentou ele, citando o Deuteronômio, “Vocês devem se lembrar do que Amalek fez com vocês”. Como muitos israelenses bem sabem, em vingança ao ataque de Amalek, a Bíblia conclama a “morte de homens e mulheres, crianças e lactentes”.

A linguagem profundamente alarmante não termina aí. Em 9 de outubro, o ministro da Defesa israelense, Yoav Gallant, afirmou, “Nós estamos combatendo animais e estamos agido como corresponde”, uma declaração que indica desumanização, com ecos genocidas. No dia seguinte, o major-general Ghassan Alian, comandante israelense de atividades governamentais nos territórios, fez um pronunciamento em árabe direcionado à população de Gaza: “Animais tem de ser tratados como tal”, afirmou ele, acrescentando: “não haverá eletricidade nem água, haverá apenas destruição. Vocês desejaram o inferno e terão o inferno”.

TOPSHOT - A child on the roof of a building in the city of Jenin, in the occupied West Bank on November 9, 2023, looks at black smoke rising from the Jenin Palestinian refugee camp during clashes with the Israeli military. Six Palestinians were killed on November 9, during an Israeli raid on Jenin in the north of the occupied West Bank, the Palestinian health ministry said, updating an earlier toll. Since the beginning of the war triggered by attacks on October 7 by Gaza-based Hamas militants, which Israeli officials say killed more than 1,400 people, more than 150 Palestinians have been killed in clashes with Israeli forces in the West Bank, according to the Palestinian health ministry. (Photo by Zain JAAFAR / AFP) Foto: ZAIN JAAFAR / AFP

No mesmo dia, o major-general aposentado Giora Eiland publicou no jornal Yedioth Ahronoth, “O Estado de Israel não tem escolha a não ser transformar Gaza em um lugar temporariamente ou permanentemente inabitável”. Ele acrescentou, “Criar uma crise humanitária severa em Gaza é um meio necessário para alcançar o objetivo”. Em outro artigo, ele escreveu que “Gaza se tornará um lugar onde nenhum ser humano conseguirá existir”. Aparentemente, nenhum representante do Exército ou político denunciou essa declaração.

Eu poderia citar muitas outras.

Consideradas em conjunto, essas declarações poderiam facilmente ser interpretadas como uma intenção genocida. Mas está realmente ocorrendo um genocídio? Comandantes militares israelenses insistem que estão tentando limitar as baixas civis e atribuem o grande número de palestinos mortos e feridos a táticas do Hamas de usar civis como escudo humano e instalar seus centros de comando sob estruturas humanitárias, como hospitais.

Mas, em 13 de outubro, relatou-se que o Ministério de Inteligência de Israel emitiu uma proposta para mover toda a população da Faixa de Gaza para a Península do Sinai, que é governada pelo Egito (o gabinete de Netanyahu afirmou que se tratava de um “documento conceitual”). Elementos de extrema direita no governo — também representada nas IDF — celebraram a guerra classificando-a como uma oportunidade de livrar-se dos palestinos de uma vez por todas. Neste mês, emergiu nas redes sociais um vídeo do capitão Amichai Friedman, rabino da Brigada Nahal, dizendo a um grupo de soldados que agora ficou claro que “a terra é nossa, toda a terra, incluindo Gaza, incluindo o Líbano”. Os soldados vibraram entusiasticamente; as IDF afirmaram que sua conduta “não se alinha” com os valores e diretrizes da corporação.

E portanto, ainda que não possamos afirmar que os militares israelenses estejam mirando civis explicitamente, funcionalmente e retoricamente nós podemos estar assistindo a uma operação de limpeza étnica que pode rapidamente involuir e transformar-se em genocídio, como já ocorreu no passado.

Nada disso ocorre num vácuo. Ao longo de vários meses recentes, eu me angustiei enormemente com os eventos que transcorreram em Israel. Em 4 de agosto, eu e vários colegas circulamos uma petição alertando que a tentativa de golpe no Judiciário do governo Netanyahu tinha objetivo de perpetuar a ocupação israelense no território palestino. O documento foi assinado por cerca de 2,5 mil acadêmicos, religiosos e personalidades públicas revoltadas com a retórica racista de membros do governo, seus esforços antidemocráticos e a crescente violência dos colonos, aparentemente apoiados pelas IDF, contra palestinos na Cisjordânia ocupada.

Palestinos carregam uma mulher ferida para o hospital Nasser no campo de refugiados de Khan Younis, no sul da Faixa de Gaza, na quarta-feira, 8 de novembro de 2023. Foto: Mohammed Dahman / AP

O que nós vínhamos alertando — que seria impossível ignorar a ocupação do território e a opressão de milhões de pessoas por 56 anos e o cerco de Gaza por 16 anos sem consequências — escancarou-se em 7 de outubro. Após o massacre de judeus civis e inocentes perpetrado pelo Hamas, nosso grupo emitiu uma segunda petição denunciando os crimes cometidos pelo Hamas e instando o governo israelense a desistir de perpetrar violência e mortes em massa de palestinos civis e inocentes em Gaza como resposta à crise. Nós escrevemos que a única maneira de pôr fim a esses ciclos de violência é buscar políticas de concessões mútuas com os palestinos e o fim da ocupação.

É hora dos líderes e acadêmicos veteranos de instituições dedicadas a pesquisa e memória do Holocausto se manifestarem publicamente contra a retórica repleta de ódio e ressentimento que desumaniza a população de Gaza e pede sua extinção. É hora de criticar publicamente a escalada da violência na Cisjordânia perpetrada por colonos e soldados israelenses, que agora também parece estar descambando na direção de uma limpeza ética acobertada pela guerra em Gaza; vários vilarejos palestinos esvaziaram-se, segundo relatos, sob ameaças de colonos.

Eu conclamo veneráveis instituições como o Museu Memorial do Holocausto dos EUA, em Washington, DC, e o Yad Vashem, em Jerusalém, para interceder agora mesmo e se unir à vanguarda que alerta contra crimes de guerra, crimes contra a humanidade, limpeza étnica e o pior dos crimes, o genocídio.

Se nós acreditamos verdadeiramente que o Holocausto nos ensinou uma lição a respeito da necessidade — ou realmente o dever — de preservar nossa dignidade humana protegendo vítimas de atrocidades, é hora de nos levantarmos e nos pronunciarmos claramente, antes que a liderança de Israel mergulhe no abismo levando consigo seus vizinhos.

Ainda há tempo de impedir Israel de converter suas ações em genocídio, mas nós não podemos esperar mais nenhum instante. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

*Omer Bartov é professor de estudos sobre genocídio e o Holocausto na Universidade Brown

THE NEW YORK TIMES — As operações militares israelenses criaram uma crise humanitária inaceitável, que apenas piorará com o tempo. Mas as ações de Israel — conforme argumentam oponentes do país — constituem limpeza étnica ou, mais explosivamente, genocídio?

Enquanto historiador do genocídio, eu acredito que não há prova de que um genocídio ocorra atualmente em Gaza, mas é muito provável que crimes de guerra e até crimes contra a humanidade estejam ocorrendo. O que significa duas coisas importantes: primeiro, nós precisamos definir o que estamos vendo; e segundo, nós temos chance de impedir o problema antes que a situação piore. A história nos ensina que é crucial alertar a respeito de possíveis genocídios, em vez de condenar tardiamente depois do ocorrido. E acho que ainda temos tempo.

É evidente que a violência diária lançada sobre Gaza é tanto insuportável quanto inadmissível. Desde o massacre perpetrado pelo grupo terrorista Hamas em 7 de outubro — em si um crime de guerra e um crime contra a humanidade — o ataque militar aéreo e terrestre de Israel matou mais de 10,5 mil palestinos, de acordo com o Ministério da Saúde de Gaza, número que inclui milhares de crianças. É bem mais de cinco vezes a quantidade de pessoas assassinadas pelo Hamas em Israel, mais de 1,4 mil. Ao justificar seu ataque, líderes e generais israelenses emitiram pronunciamentos assustadores, que indicam uma intenção genocida.

Palestinos fugindo da Cidade de Gaza e de outras partes do norte de Gaza em direção às áreas do sul, caminham em uma estrada em 8 de novembro de 2023, em meio às batalhas em andamento entre Israel e o grupo terrorista Hamas. Foto: MOHAMMED ABED / AFP

Ainda assim, o horror coletivo do que nós estamos assistindo não significa que um genocídio, de acordo com a definição do termo segundo o direito internacional, já esteja em andamento. Já que o genocídio, às vezes classificado como “o pior dos crimes”, é percebido por muitos como o crime mais extremo, há com frequência um impulso de descrever qualquer assassínio em massa e matança como genocídio. Mas essa urgência em rotular todos os eventos atrozes como genocídio tende a ofuscar a realidade, em vez de explicá-la.

O direito humanitário internacional identifica diversos crimes graves em conflitos armados. Os crimes de guerra foram definidos nas Convenções de Genebra, de 1949, assim como protocolos subsequentes, como violações graves de leis e costumes da guerra em conflitos armados internacionais contra combatentes e civis. O Estatuto de Roma, que estabeleceu o Tribunal Penal Internacional, define crimes contra a humanidade como extermínio de população civil ou outros crimes em massa contra civis. O crime de genocídio foi definido em 1948 pelas Nações Unidas como “a tentativa de destruir, inteiramente ou em parte, um determinado grupo nacional, étnico, racial ou religioso”.

Portanto, para provar que um genocídio está em andamento, nós precisamos demonstrar a existência de uma intenção de destruir direcionada contra um grupo em particular. Genocídio enquanto conceito jurídico difere do conceito de limpeza étnica porque este segundo ato, que não é reconhecido em si como crime pelo direito internacional, pretende remover uma população de um determinado território, com frequência violentamente, enquanto o genocídio pretende destruir essa população onde quer que ela esteja. Na realidade, qualquer dessas situações — e especialmente a limpeza étnica — pode escalar e tornar-se genocídio, como ocorreu no Holocausto, que começou como uma intenção de remover os judeus dos territórios controlados pela Alemanha e se transformou numa tentativa de exterminá-los fisicamente.

Minha maior preocupação ao assistir os desdobramentos da guerra Israel-Gaza é que existe uma intenção genocida que pode facilmente descambar para um ato genocida. Em 7 de outubro, o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu afirmou que os habitantes de Gaza pagariam um “preço enorme” pelas ações do Hamas e que as Forças de Defesa de Israel, ou IDF, transformariam “em escombros” partes dos centros urbanos densamente povoados de Gaza. Em 28 de outubro, acrescentou ele, citando o Deuteronômio, “Vocês devem se lembrar do que Amalek fez com vocês”. Como muitos israelenses bem sabem, em vingança ao ataque de Amalek, a Bíblia conclama a “morte de homens e mulheres, crianças e lactentes”.

A linguagem profundamente alarmante não termina aí. Em 9 de outubro, o ministro da Defesa israelense, Yoav Gallant, afirmou, “Nós estamos combatendo animais e estamos agido como corresponde”, uma declaração que indica desumanização, com ecos genocidas. No dia seguinte, o major-general Ghassan Alian, comandante israelense de atividades governamentais nos territórios, fez um pronunciamento em árabe direcionado à população de Gaza: “Animais tem de ser tratados como tal”, afirmou ele, acrescentando: “não haverá eletricidade nem água, haverá apenas destruição. Vocês desejaram o inferno e terão o inferno”.

TOPSHOT - A child on the roof of a building in the city of Jenin, in the occupied West Bank on November 9, 2023, looks at black smoke rising from the Jenin Palestinian refugee camp during clashes with the Israeli military. Six Palestinians were killed on November 9, during an Israeli raid on Jenin in the north of the occupied West Bank, the Palestinian health ministry said, updating an earlier toll. Since the beginning of the war triggered by attacks on October 7 by Gaza-based Hamas militants, which Israeli officials say killed more than 1,400 people, more than 150 Palestinians have been killed in clashes with Israeli forces in the West Bank, according to the Palestinian health ministry. (Photo by Zain JAAFAR / AFP) Foto: ZAIN JAAFAR / AFP

No mesmo dia, o major-general aposentado Giora Eiland publicou no jornal Yedioth Ahronoth, “O Estado de Israel não tem escolha a não ser transformar Gaza em um lugar temporariamente ou permanentemente inabitável”. Ele acrescentou, “Criar uma crise humanitária severa em Gaza é um meio necessário para alcançar o objetivo”. Em outro artigo, ele escreveu que “Gaza se tornará um lugar onde nenhum ser humano conseguirá existir”. Aparentemente, nenhum representante do Exército ou político denunciou essa declaração.

Eu poderia citar muitas outras.

Consideradas em conjunto, essas declarações poderiam facilmente ser interpretadas como uma intenção genocida. Mas está realmente ocorrendo um genocídio? Comandantes militares israelenses insistem que estão tentando limitar as baixas civis e atribuem o grande número de palestinos mortos e feridos a táticas do Hamas de usar civis como escudo humano e instalar seus centros de comando sob estruturas humanitárias, como hospitais.

Mas, em 13 de outubro, relatou-se que o Ministério de Inteligência de Israel emitiu uma proposta para mover toda a população da Faixa de Gaza para a Península do Sinai, que é governada pelo Egito (o gabinete de Netanyahu afirmou que se tratava de um “documento conceitual”). Elementos de extrema direita no governo — também representada nas IDF — celebraram a guerra classificando-a como uma oportunidade de livrar-se dos palestinos de uma vez por todas. Neste mês, emergiu nas redes sociais um vídeo do capitão Amichai Friedman, rabino da Brigada Nahal, dizendo a um grupo de soldados que agora ficou claro que “a terra é nossa, toda a terra, incluindo Gaza, incluindo o Líbano”. Os soldados vibraram entusiasticamente; as IDF afirmaram que sua conduta “não se alinha” com os valores e diretrizes da corporação.

E portanto, ainda que não possamos afirmar que os militares israelenses estejam mirando civis explicitamente, funcionalmente e retoricamente nós podemos estar assistindo a uma operação de limpeza étnica que pode rapidamente involuir e transformar-se em genocídio, como já ocorreu no passado.

Nada disso ocorre num vácuo. Ao longo de vários meses recentes, eu me angustiei enormemente com os eventos que transcorreram em Israel. Em 4 de agosto, eu e vários colegas circulamos uma petição alertando que a tentativa de golpe no Judiciário do governo Netanyahu tinha objetivo de perpetuar a ocupação israelense no território palestino. O documento foi assinado por cerca de 2,5 mil acadêmicos, religiosos e personalidades públicas revoltadas com a retórica racista de membros do governo, seus esforços antidemocráticos e a crescente violência dos colonos, aparentemente apoiados pelas IDF, contra palestinos na Cisjordânia ocupada.

Palestinos carregam uma mulher ferida para o hospital Nasser no campo de refugiados de Khan Younis, no sul da Faixa de Gaza, na quarta-feira, 8 de novembro de 2023. Foto: Mohammed Dahman / AP

O que nós vínhamos alertando — que seria impossível ignorar a ocupação do território e a opressão de milhões de pessoas por 56 anos e o cerco de Gaza por 16 anos sem consequências — escancarou-se em 7 de outubro. Após o massacre de judeus civis e inocentes perpetrado pelo Hamas, nosso grupo emitiu uma segunda petição denunciando os crimes cometidos pelo Hamas e instando o governo israelense a desistir de perpetrar violência e mortes em massa de palestinos civis e inocentes em Gaza como resposta à crise. Nós escrevemos que a única maneira de pôr fim a esses ciclos de violência é buscar políticas de concessões mútuas com os palestinos e o fim da ocupação.

É hora dos líderes e acadêmicos veteranos de instituições dedicadas a pesquisa e memória do Holocausto se manifestarem publicamente contra a retórica repleta de ódio e ressentimento que desumaniza a população de Gaza e pede sua extinção. É hora de criticar publicamente a escalada da violência na Cisjordânia perpetrada por colonos e soldados israelenses, que agora também parece estar descambando na direção de uma limpeza ética acobertada pela guerra em Gaza; vários vilarejos palestinos esvaziaram-se, segundo relatos, sob ameaças de colonos.

Eu conclamo veneráveis instituições como o Museu Memorial do Holocausto dos EUA, em Washington, DC, e o Yad Vashem, em Jerusalém, para interceder agora mesmo e se unir à vanguarda que alerta contra crimes de guerra, crimes contra a humanidade, limpeza étnica e o pior dos crimes, o genocídio.

Se nós acreditamos verdadeiramente que o Holocausto nos ensinou uma lição a respeito da necessidade — ou realmente o dever — de preservar nossa dignidade humana protegendo vítimas de atrocidades, é hora de nos levantarmos e nos pronunciarmos claramente, antes que a liderança de Israel mergulhe no abismo levando consigo seus vizinhos.

Ainda há tempo de impedir Israel de converter suas ações em genocídio, mas nós não podemos esperar mais nenhum instante. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

*Omer Bartov é professor de estudos sobre genocídio e o Holocausto na Universidade Brown

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.