‘Israel não tem raízes colonialistas’, diz autor de obra sobre identidade nacional judaica


O livro ‘Os judeus – a luta de um povo para se tornar uma Nação’, de Jaime Pinsky, percorre a identidade judaica durante 20 séculos e a aspiração do povo judeu de ter um Estado para chamar de seu

Por Daniel Gateno
Foto: Jaime Pinsky/Reproduç
Entrevista comJaime PinskyHistoriador e autor do livro "Os judeus: a luta de um povo para se tornar uma Nação"

Os ataques terroristas do Hamas no sul de Israel no dia 7 de outubro do ano passado deixaram marcas profundas em israelenses e judeus ao redor do mundo. A guerra que veio depois, com operações terrestres israelenses na Faixa de Gaza e no sul do Líbano, foi o ponto de partida para uma série de manifestações antissemitas ao redor do globo.

Motivado pela onda de antissemitismo e questionamentos sobre a criação do Estado de Israel, o historiador e professor titular da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Jaime Pinsky, escreveu o livro Os judeus – a luta de um povo para se tornar uma Nação, da editora Contexto.

O primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, discursa no Parlamento de Israel, em Jerusalém  Foto: Debbie Hill/AP
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Lançado no dia 5 de novembro, o livro percorre a identidade judaica durante 20 séculos e a aspiração do povo judeu de ter um Estado para chamar de seu. “Eu sempre digo que quando temos dificuldade de entender porque algo aconteceu, é preciso buscar a resposta na história”, aponta Pinsky, em entrevista ao Estadão.

Para o historiador, Israel não é um Estado que foi criado com raízes colonialistas. “Eu provo que a ideia de que Israel é um fato colonialista é uma bobagem sem tamanho, não tem nenhuma comprovação histórica. A ideia nacional israelense é a mesma da ideia nacional alemã e francesa”.

Confira trechos da entrevista:

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Como foi o processo de preparação para este livro? A ideia surgiu por conta da guerra em Israel ou foi antes disso?

Eu venho trabalhando há muito tempo sobre uma questão que me parece que é central dentro da história dos judeus particularmente. Como é que um povo que não praticava uma única língua, que não tinha os mesmos costumes, que tinha culturas diferentes porque vivia em diferentes lugares, sobreviveu praticamente 20 séculos e teve força suficiente para lutar para ter uma nação? É um caso único na história.

Essa é a questão central que me incomodava e eu trabalhei com isso um tempo atrás. Agora eu resolvi retomar a partir do que vem acontecendo no Oriente Médio nos últimos anos, particularmente de um ano para cá. Esta foi a motivação.

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Torcedores da seleção israelense de futebol esperam para entrar no estádio em Saint-Denis para uma partida entre Israel e França  Foto: Bertrand Guay/AFP

Qual é o principal impacto que o sr. espera que este livro tenha nos dias atuais?

Eu sempre digo que quando temos dificuldade de entender porque algo aconteceu, é preciso buscar a resposta na história. A resposta na história nunca é uma questão opinativa, é uma questão documental. Entender a duração de uma identidade judaica durante 20 séculos é um fenômeno histórico. É um fenômeno complicado e único. Então essa foi a questão central.

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A primeira coisa foi verificar se Israel é um Estado com raízes colonialistas, se Israel se aproxima por exemplo do que os belgas fizeram na África ou com o que os portugueses também fizeram na África. E eu deixo claro no livro que isso é uma besteira.

A segunda coisa que eu faço no livro é entender como surgiu a ideia de um Estado nacional dos judeus. Então começo a identificar ideia por ideia, documento por documento, de todas as pessoas que falaram de um Estado nacional judaico.

Eu deixo de lado uma bobagem relacionada às rezas em que os judeus mencionam Jerusalém. É uma prática religiosa, mas não pode ser uma identidade nacional. Eu também ressalto que o fator identidade nacional só surge no século 19 no mundo inteiro, isso acontece na Itália, na França e com os judeus não é diferente.

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Apoiadores da seleção israelense de futebol assistem ao jogo de Israel contra a França, em Saint-Denis, França  Foto: Michel Euler/AP

O fato que diferencia os judeus é que a aspiração nacional começa através de problemas na chamada periferia do império russo, ou seja: Polônia, Lituânia e Romênia. A ideia de um Estado nacional surgiu por pessoas que moravam nessa região, como é o caso do médico e ativista polonês Leon Pinsker e do jornalista austro-húngaro Theodor Herzl, que não morava nessa região mas também passou a achar que esta era a melhor solução para os judeus.

O Estado nacional é um fato histórico, eu mostro claramente no meu livro. Eu provo que a ideia de que Israel é um fato colonialista é uma bobagem sem tamanho, não tem nenhuma comprovação histórica.

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É um livro original que mostra que a ideia nacional israelense é a mesma da ideia nacional alemã e francesa.

No começo do seu livro o senhor fala muito de uma unidade do povo judeu. O senhor acredita que no momento atual o povo judeu é unido dentro e fora de Israel?

O fundador do sionismo político, Theodor Herzl, nasceu na Hungria e a família dele se mudou para Viena, sede do império austro-húngaro. Ele era um judeu moderno, muito diferente do judeu que morava em cidades menores, que era um judeu mais tradicional e seguia muito mais a religião. Existe uma desunião que começava na própria prática cotidiana.

O chamado judeu moderno, emancipado, não gostava muito da presença dos judeus dos chamados Shtetls (cidades menores, em iídiche). O judeu moderno não gostava muito do judeu mais tradicional porque quando uma pessoa não judia questionava o judeu moderno ou não permitia a sua presença em restaurantes ou clubes, ele equiparava estes dois tipos de judeus, não tinha nenhuma diferenciação. O não judeu estabelecia uma identidade de fora para dentro.

O primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, participa de uma sessão do Parlamento israelense, em Jerusalém, ao lado de congressistas do Likud  Foto: Debbie Hill/AP

Adolf Hitler fez isso. Ele definiu quem era judeu e quem não era, não perguntou para ninguém. Então, a identidade judaica é estabelecida de duas formas. Ou de dentro para fora, quando uma pessoa assume a sua identidade judaica e aceita esta condição, ou é estabelecida de fora para dentro.

Mas os judeus eram muito diferentes antes de Israel, no próprio processo de independência do país existiram judeus que participaram de grupos terroristas mesmo, como o Irgun. Com a criação do Estado, é natural que haja divergências e elas são discutidas dentro do Parlamento israelense. Israel é um país democrático.

No livro o sr. fala muito dessa persistência judaica. Como o povo judeu foi adquirindo isso ao longo da história?

Este é um assunto central do próprio judaísmo. Existe o judeu que reza todo dia, que fez Bar Mitzvá e o judeu que tem um judaísmo mais cultural e histórico.

Os judeus criaram o monoteísmo ético que é o seguinte: nosso Deus não é apenas um Deus forte, não é apenas um Deus que vai nos ajudar em batalhas. Nosso Deus é um Deus que olha o comportamento das pessoas e julga as pessoas a partir do seu comportamento e você tem de ter um comportamento ético para merecer ser judeu.

Este monoteísmo ético ajudou na coesão dos judeus. Mas é muito difícil dizer se o povo judeu se manteve unido a partir do próprio interesse ou da dificuldade que o outro cria para integrar o judeu.

E isso acontece ao longo do tempo, como é o caso do feudalismo, em que o judeu era integrado, mas ele era integrado pela rejeição. A atividade comercial, a usura, todas as coisas ligadas a dinheiro eram consideradas malditas, mas era impossível em uma sociedade com um certo grau de desenvolvimento, como a feudal, não ter alguém que vendesse mercadorias como tecidos. Também era impossível não ter alguém com problemas de dinheiro, que tinha problemas para pagar impostos e precisava de um empréstimo.

Quem poderia fazer isso? Quem poderia ser o negociante e o usurário? O judeu. Porque atividades como essas só poderiam ser realizadas por um povo maldito e era um povo considerado maldito porque consideravam que os judeus haviam matado Jesus.

Como o sr. enxerga a questão da solução de dois Estados. Qual é a sua avaliação sobre isso?

Eu sou otimista. Eu não faço parte do grupo de pessoas que acham que está tudo perdido. Objetivamente falando, eu não consigo enxergar porque não existe uma convivência razoavelmente pacífica entre palestinos e israelenses. Não vejo nenhum motivo concreto para isso. Claro que os ataques terroristas do Hamas no dia 7 de outubro não ajudam nem um pouco. Este tipo de ataque terrorista cria feridas e também deixa marcas.

Mas, mesmo assim, na lógica do Oriente Médio, olhando o peso dos diferentes países, o que cada país produz, eu acredito que é uma região com potencial bastante grande e eu não vejo porque não possa haver uma paz duradoura. Acho isso perfeitamente viável.

Os ataques terroristas do Hamas no sul de Israel no dia 7 de outubro do ano passado deixaram marcas profundas em israelenses e judeus ao redor do mundo. A guerra que veio depois, com operações terrestres israelenses na Faixa de Gaza e no sul do Líbano, foi o ponto de partida para uma série de manifestações antissemitas ao redor do globo.

Motivado pela onda de antissemitismo e questionamentos sobre a criação do Estado de Israel, o historiador e professor titular da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Jaime Pinsky, escreveu o livro Os judeus – a luta de um povo para se tornar uma Nação, da editora Contexto.

O primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, discursa no Parlamento de Israel, em Jerusalém  Foto: Debbie Hill/AP

Lançado no dia 5 de novembro, o livro percorre a identidade judaica durante 20 séculos e a aspiração do povo judeu de ter um Estado para chamar de seu. “Eu sempre digo que quando temos dificuldade de entender porque algo aconteceu, é preciso buscar a resposta na história”, aponta Pinsky, em entrevista ao Estadão.

Para o historiador, Israel não é um Estado que foi criado com raízes colonialistas. “Eu provo que a ideia de que Israel é um fato colonialista é uma bobagem sem tamanho, não tem nenhuma comprovação histórica. A ideia nacional israelense é a mesma da ideia nacional alemã e francesa”.

Confira trechos da entrevista:

Como foi o processo de preparação para este livro? A ideia surgiu por conta da guerra em Israel ou foi antes disso?

Eu venho trabalhando há muito tempo sobre uma questão que me parece que é central dentro da história dos judeus particularmente. Como é que um povo que não praticava uma única língua, que não tinha os mesmos costumes, que tinha culturas diferentes porque vivia em diferentes lugares, sobreviveu praticamente 20 séculos e teve força suficiente para lutar para ter uma nação? É um caso único na história.

Essa é a questão central que me incomodava e eu trabalhei com isso um tempo atrás. Agora eu resolvi retomar a partir do que vem acontecendo no Oriente Médio nos últimos anos, particularmente de um ano para cá. Esta foi a motivação.

Torcedores da seleção israelense de futebol esperam para entrar no estádio em Saint-Denis para uma partida entre Israel e França  Foto: Bertrand Guay/AFP

Qual é o principal impacto que o sr. espera que este livro tenha nos dias atuais?

Eu sempre digo que quando temos dificuldade de entender porque algo aconteceu, é preciso buscar a resposta na história. A resposta na história nunca é uma questão opinativa, é uma questão documental. Entender a duração de uma identidade judaica durante 20 séculos é um fenômeno histórico. É um fenômeno complicado e único. Então essa foi a questão central.

A primeira coisa foi verificar se Israel é um Estado com raízes colonialistas, se Israel se aproxima por exemplo do que os belgas fizeram na África ou com o que os portugueses também fizeram na África. E eu deixo claro no livro que isso é uma besteira.

A segunda coisa que eu faço no livro é entender como surgiu a ideia de um Estado nacional dos judeus. Então começo a identificar ideia por ideia, documento por documento, de todas as pessoas que falaram de um Estado nacional judaico.

Eu deixo de lado uma bobagem relacionada às rezas em que os judeus mencionam Jerusalém. É uma prática religiosa, mas não pode ser uma identidade nacional. Eu também ressalto que o fator identidade nacional só surge no século 19 no mundo inteiro, isso acontece na Itália, na França e com os judeus não é diferente.

Apoiadores da seleção israelense de futebol assistem ao jogo de Israel contra a França, em Saint-Denis, França  Foto: Michel Euler/AP

O fato que diferencia os judeus é que a aspiração nacional começa através de problemas na chamada periferia do império russo, ou seja: Polônia, Lituânia e Romênia. A ideia de um Estado nacional surgiu por pessoas que moravam nessa região, como é o caso do médico e ativista polonês Leon Pinsker e do jornalista austro-húngaro Theodor Herzl, que não morava nessa região mas também passou a achar que esta era a melhor solução para os judeus.

O Estado nacional é um fato histórico, eu mostro claramente no meu livro. Eu provo que a ideia de que Israel é um fato colonialista é uma bobagem sem tamanho, não tem nenhuma comprovação histórica.

É um livro original que mostra que a ideia nacional israelense é a mesma da ideia nacional alemã e francesa.

No começo do seu livro o senhor fala muito de uma unidade do povo judeu. O senhor acredita que no momento atual o povo judeu é unido dentro e fora de Israel?

O fundador do sionismo político, Theodor Herzl, nasceu na Hungria e a família dele se mudou para Viena, sede do império austro-húngaro. Ele era um judeu moderno, muito diferente do judeu que morava em cidades menores, que era um judeu mais tradicional e seguia muito mais a religião. Existe uma desunião que começava na própria prática cotidiana.

O chamado judeu moderno, emancipado, não gostava muito da presença dos judeus dos chamados Shtetls (cidades menores, em iídiche). O judeu moderno não gostava muito do judeu mais tradicional porque quando uma pessoa não judia questionava o judeu moderno ou não permitia a sua presença em restaurantes ou clubes, ele equiparava estes dois tipos de judeus, não tinha nenhuma diferenciação. O não judeu estabelecia uma identidade de fora para dentro.

O primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, participa de uma sessão do Parlamento israelense, em Jerusalém, ao lado de congressistas do Likud  Foto: Debbie Hill/AP

Adolf Hitler fez isso. Ele definiu quem era judeu e quem não era, não perguntou para ninguém. Então, a identidade judaica é estabelecida de duas formas. Ou de dentro para fora, quando uma pessoa assume a sua identidade judaica e aceita esta condição, ou é estabelecida de fora para dentro.

Mas os judeus eram muito diferentes antes de Israel, no próprio processo de independência do país existiram judeus que participaram de grupos terroristas mesmo, como o Irgun. Com a criação do Estado, é natural que haja divergências e elas são discutidas dentro do Parlamento israelense. Israel é um país democrático.

No livro o sr. fala muito dessa persistência judaica. Como o povo judeu foi adquirindo isso ao longo da história?

Este é um assunto central do próprio judaísmo. Existe o judeu que reza todo dia, que fez Bar Mitzvá e o judeu que tem um judaísmo mais cultural e histórico.

Os judeus criaram o monoteísmo ético que é o seguinte: nosso Deus não é apenas um Deus forte, não é apenas um Deus que vai nos ajudar em batalhas. Nosso Deus é um Deus que olha o comportamento das pessoas e julga as pessoas a partir do seu comportamento e você tem de ter um comportamento ético para merecer ser judeu.

Este monoteísmo ético ajudou na coesão dos judeus. Mas é muito difícil dizer se o povo judeu se manteve unido a partir do próprio interesse ou da dificuldade que o outro cria para integrar o judeu.

E isso acontece ao longo do tempo, como é o caso do feudalismo, em que o judeu era integrado, mas ele era integrado pela rejeição. A atividade comercial, a usura, todas as coisas ligadas a dinheiro eram consideradas malditas, mas era impossível em uma sociedade com um certo grau de desenvolvimento, como a feudal, não ter alguém que vendesse mercadorias como tecidos. Também era impossível não ter alguém com problemas de dinheiro, que tinha problemas para pagar impostos e precisava de um empréstimo.

Quem poderia fazer isso? Quem poderia ser o negociante e o usurário? O judeu. Porque atividades como essas só poderiam ser realizadas por um povo maldito e era um povo considerado maldito porque consideravam que os judeus haviam matado Jesus.

Como o sr. enxerga a questão da solução de dois Estados. Qual é a sua avaliação sobre isso?

Eu sou otimista. Eu não faço parte do grupo de pessoas que acham que está tudo perdido. Objetivamente falando, eu não consigo enxergar porque não existe uma convivência razoavelmente pacífica entre palestinos e israelenses. Não vejo nenhum motivo concreto para isso. Claro que os ataques terroristas do Hamas no dia 7 de outubro não ajudam nem um pouco. Este tipo de ataque terrorista cria feridas e também deixa marcas.

Mas, mesmo assim, na lógica do Oriente Médio, olhando o peso dos diferentes países, o que cada país produz, eu acredito que é uma região com potencial bastante grande e eu não vejo porque não possa haver uma paz duradoura. Acho isso perfeitamente viável.

Os ataques terroristas do Hamas no sul de Israel no dia 7 de outubro do ano passado deixaram marcas profundas em israelenses e judeus ao redor do mundo. A guerra que veio depois, com operações terrestres israelenses na Faixa de Gaza e no sul do Líbano, foi o ponto de partida para uma série de manifestações antissemitas ao redor do globo.

Motivado pela onda de antissemitismo e questionamentos sobre a criação do Estado de Israel, o historiador e professor titular da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Jaime Pinsky, escreveu o livro Os judeus – a luta de um povo para se tornar uma Nação, da editora Contexto.

O primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, discursa no Parlamento de Israel, em Jerusalém  Foto: Debbie Hill/AP

Lançado no dia 5 de novembro, o livro percorre a identidade judaica durante 20 séculos e a aspiração do povo judeu de ter um Estado para chamar de seu. “Eu sempre digo que quando temos dificuldade de entender porque algo aconteceu, é preciso buscar a resposta na história”, aponta Pinsky, em entrevista ao Estadão.

Para o historiador, Israel não é um Estado que foi criado com raízes colonialistas. “Eu provo que a ideia de que Israel é um fato colonialista é uma bobagem sem tamanho, não tem nenhuma comprovação histórica. A ideia nacional israelense é a mesma da ideia nacional alemã e francesa”.

Confira trechos da entrevista:

Como foi o processo de preparação para este livro? A ideia surgiu por conta da guerra em Israel ou foi antes disso?

Eu venho trabalhando há muito tempo sobre uma questão que me parece que é central dentro da história dos judeus particularmente. Como é que um povo que não praticava uma única língua, que não tinha os mesmos costumes, que tinha culturas diferentes porque vivia em diferentes lugares, sobreviveu praticamente 20 séculos e teve força suficiente para lutar para ter uma nação? É um caso único na história.

Essa é a questão central que me incomodava e eu trabalhei com isso um tempo atrás. Agora eu resolvi retomar a partir do que vem acontecendo no Oriente Médio nos últimos anos, particularmente de um ano para cá. Esta foi a motivação.

Torcedores da seleção israelense de futebol esperam para entrar no estádio em Saint-Denis para uma partida entre Israel e França  Foto: Bertrand Guay/AFP

Qual é o principal impacto que o sr. espera que este livro tenha nos dias atuais?

Eu sempre digo que quando temos dificuldade de entender porque algo aconteceu, é preciso buscar a resposta na história. A resposta na história nunca é uma questão opinativa, é uma questão documental. Entender a duração de uma identidade judaica durante 20 séculos é um fenômeno histórico. É um fenômeno complicado e único. Então essa foi a questão central.

A primeira coisa foi verificar se Israel é um Estado com raízes colonialistas, se Israel se aproxima por exemplo do que os belgas fizeram na África ou com o que os portugueses também fizeram na África. E eu deixo claro no livro que isso é uma besteira.

A segunda coisa que eu faço no livro é entender como surgiu a ideia de um Estado nacional dos judeus. Então começo a identificar ideia por ideia, documento por documento, de todas as pessoas que falaram de um Estado nacional judaico.

Eu deixo de lado uma bobagem relacionada às rezas em que os judeus mencionam Jerusalém. É uma prática religiosa, mas não pode ser uma identidade nacional. Eu também ressalto que o fator identidade nacional só surge no século 19 no mundo inteiro, isso acontece na Itália, na França e com os judeus não é diferente.

Apoiadores da seleção israelense de futebol assistem ao jogo de Israel contra a França, em Saint-Denis, França  Foto: Michel Euler/AP

O fato que diferencia os judeus é que a aspiração nacional começa através de problemas na chamada periferia do império russo, ou seja: Polônia, Lituânia e Romênia. A ideia de um Estado nacional surgiu por pessoas que moravam nessa região, como é o caso do médico e ativista polonês Leon Pinsker e do jornalista austro-húngaro Theodor Herzl, que não morava nessa região mas também passou a achar que esta era a melhor solução para os judeus.

O Estado nacional é um fato histórico, eu mostro claramente no meu livro. Eu provo que a ideia de que Israel é um fato colonialista é uma bobagem sem tamanho, não tem nenhuma comprovação histórica.

É um livro original que mostra que a ideia nacional israelense é a mesma da ideia nacional alemã e francesa.

No começo do seu livro o senhor fala muito de uma unidade do povo judeu. O senhor acredita que no momento atual o povo judeu é unido dentro e fora de Israel?

O fundador do sionismo político, Theodor Herzl, nasceu na Hungria e a família dele se mudou para Viena, sede do império austro-húngaro. Ele era um judeu moderno, muito diferente do judeu que morava em cidades menores, que era um judeu mais tradicional e seguia muito mais a religião. Existe uma desunião que começava na própria prática cotidiana.

O chamado judeu moderno, emancipado, não gostava muito da presença dos judeus dos chamados Shtetls (cidades menores, em iídiche). O judeu moderno não gostava muito do judeu mais tradicional porque quando uma pessoa não judia questionava o judeu moderno ou não permitia a sua presença em restaurantes ou clubes, ele equiparava estes dois tipos de judeus, não tinha nenhuma diferenciação. O não judeu estabelecia uma identidade de fora para dentro.

O primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, participa de uma sessão do Parlamento israelense, em Jerusalém, ao lado de congressistas do Likud  Foto: Debbie Hill/AP

Adolf Hitler fez isso. Ele definiu quem era judeu e quem não era, não perguntou para ninguém. Então, a identidade judaica é estabelecida de duas formas. Ou de dentro para fora, quando uma pessoa assume a sua identidade judaica e aceita esta condição, ou é estabelecida de fora para dentro.

Mas os judeus eram muito diferentes antes de Israel, no próprio processo de independência do país existiram judeus que participaram de grupos terroristas mesmo, como o Irgun. Com a criação do Estado, é natural que haja divergências e elas são discutidas dentro do Parlamento israelense. Israel é um país democrático.

No livro o sr. fala muito dessa persistência judaica. Como o povo judeu foi adquirindo isso ao longo da história?

Este é um assunto central do próprio judaísmo. Existe o judeu que reza todo dia, que fez Bar Mitzvá e o judeu que tem um judaísmo mais cultural e histórico.

Os judeus criaram o monoteísmo ético que é o seguinte: nosso Deus não é apenas um Deus forte, não é apenas um Deus que vai nos ajudar em batalhas. Nosso Deus é um Deus que olha o comportamento das pessoas e julga as pessoas a partir do seu comportamento e você tem de ter um comportamento ético para merecer ser judeu.

Este monoteísmo ético ajudou na coesão dos judeus. Mas é muito difícil dizer se o povo judeu se manteve unido a partir do próprio interesse ou da dificuldade que o outro cria para integrar o judeu.

E isso acontece ao longo do tempo, como é o caso do feudalismo, em que o judeu era integrado, mas ele era integrado pela rejeição. A atividade comercial, a usura, todas as coisas ligadas a dinheiro eram consideradas malditas, mas era impossível em uma sociedade com um certo grau de desenvolvimento, como a feudal, não ter alguém que vendesse mercadorias como tecidos. Também era impossível não ter alguém com problemas de dinheiro, que tinha problemas para pagar impostos e precisava de um empréstimo.

Quem poderia fazer isso? Quem poderia ser o negociante e o usurário? O judeu. Porque atividades como essas só poderiam ser realizadas por um povo maldito e era um povo considerado maldito porque consideravam que os judeus haviam matado Jesus.

Como o sr. enxerga a questão da solução de dois Estados. Qual é a sua avaliação sobre isso?

Eu sou otimista. Eu não faço parte do grupo de pessoas que acham que está tudo perdido. Objetivamente falando, eu não consigo enxergar porque não existe uma convivência razoavelmente pacífica entre palestinos e israelenses. Não vejo nenhum motivo concreto para isso. Claro que os ataques terroristas do Hamas no dia 7 de outubro não ajudam nem um pouco. Este tipo de ataque terrorista cria feridas e também deixa marcas.

Mas, mesmo assim, na lógica do Oriente Médio, olhando o peso dos diferentes países, o que cada país produz, eu acredito que é uma região com potencial bastante grande e eu não vejo porque não possa haver uma paz duradoura. Acho isso perfeitamente viável.

Os ataques terroristas do Hamas no sul de Israel no dia 7 de outubro do ano passado deixaram marcas profundas em israelenses e judeus ao redor do mundo. A guerra que veio depois, com operações terrestres israelenses na Faixa de Gaza e no sul do Líbano, foi o ponto de partida para uma série de manifestações antissemitas ao redor do globo.

Motivado pela onda de antissemitismo e questionamentos sobre a criação do Estado de Israel, o historiador e professor titular da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Jaime Pinsky, escreveu o livro Os judeus – a luta de um povo para se tornar uma Nação, da editora Contexto.

O primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, discursa no Parlamento de Israel, em Jerusalém  Foto: Debbie Hill/AP

Lançado no dia 5 de novembro, o livro percorre a identidade judaica durante 20 séculos e a aspiração do povo judeu de ter um Estado para chamar de seu. “Eu sempre digo que quando temos dificuldade de entender porque algo aconteceu, é preciso buscar a resposta na história”, aponta Pinsky, em entrevista ao Estadão.

Para o historiador, Israel não é um Estado que foi criado com raízes colonialistas. “Eu provo que a ideia de que Israel é um fato colonialista é uma bobagem sem tamanho, não tem nenhuma comprovação histórica. A ideia nacional israelense é a mesma da ideia nacional alemã e francesa”.

Confira trechos da entrevista:

Como foi o processo de preparação para este livro? A ideia surgiu por conta da guerra em Israel ou foi antes disso?

Eu venho trabalhando há muito tempo sobre uma questão que me parece que é central dentro da história dos judeus particularmente. Como é que um povo que não praticava uma única língua, que não tinha os mesmos costumes, que tinha culturas diferentes porque vivia em diferentes lugares, sobreviveu praticamente 20 séculos e teve força suficiente para lutar para ter uma nação? É um caso único na história.

Essa é a questão central que me incomodava e eu trabalhei com isso um tempo atrás. Agora eu resolvi retomar a partir do que vem acontecendo no Oriente Médio nos últimos anos, particularmente de um ano para cá. Esta foi a motivação.

Torcedores da seleção israelense de futebol esperam para entrar no estádio em Saint-Denis para uma partida entre Israel e França  Foto: Bertrand Guay/AFP

Qual é o principal impacto que o sr. espera que este livro tenha nos dias atuais?

Eu sempre digo que quando temos dificuldade de entender porque algo aconteceu, é preciso buscar a resposta na história. A resposta na história nunca é uma questão opinativa, é uma questão documental. Entender a duração de uma identidade judaica durante 20 séculos é um fenômeno histórico. É um fenômeno complicado e único. Então essa foi a questão central.

A primeira coisa foi verificar se Israel é um Estado com raízes colonialistas, se Israel se aproxima por exemplo do que os belgas fizeram na África ou com o que os portugueses também fizeram na África. E eu deixo claro no livro que isso é uma besteira.

A segunda coisa que eu faço no livro é entender como surgiu a ideia de um Estado nacional dos judeus. Então começo a identificar ideia por ideia, documento por documento, de todas as pessoas que falaram de um Estado nacional judaico.

Eu deixo de lado uma bobagem relacionada às rezas em que os judeus mencionam Jerusalém. É uma prática religiosa, mas não pode ser uma identidade nacional. Eu também ressalto que o fator identidade nacional só surge no século 19 no mundo inteiro, isso acontece na Itália, na França e com os judeus não é diferente.

Apoiadores da seleção israelense de futebol assistem ao jogo de Israel contra a França, em Saint-Denis, França  Foto: Michel Euler/AP

O fato que diferencia os judeus é que a aspiração nacional começa através de problemas na chamada periferia do império russo, ou seja: Polônia, Lituânia e Romênia. A ideia de um Estado nacional surgiu por pessoas que moravam nessa região, como é o caso do médico e ativista polonês Leon Pinsker e do jornalista austro-húngaro Theodor Herzl, que não morava nessa região mas também passou a achar que esta era a melhor solução para os judeus.

O Estado nacional é um fato histórico, eu mostro claramente no meu livro. Eu provo que a ideia de que Israel é um fato colonialista é uma bobagem sem tamanho, não tem nenhuma comprovação histórica.

É um livro original que mostra que a ideia nacional israelense é a mesma da ideia nacional alemã e francesa.

No começo do seu livro o senhor fala muito de uma unidade do povo judeu. O senhor acredita que no momento atual o povo judeu é unido dentro e fora de Israel?

O fundador do sionismo político, Theodor Herzl, nasceu na Hungria e a família dele se mudou para Viena, sede do império austro-húngaro. Ele era um judeu moderno, muito diferente do judeu que morava em cidades menores, que era um judeu mais tradicional e seguia muito mais a religião. Existe uma desunião que começava na própria prática cotidiana.

O chamado judeu moderno, emancipado, não gostava muito da presença dos judeus dos chamados Shtetls (cidades menores, em iídiche). O judeu moderno não gostava muito do judeu mais tradicional porque quando uma pessoa não judia questionava o judeu moderno ou não permitia a sua presença em restaurantes ou clubes, ele equiparava estes dois tipos de judeus, não tinha nenhuma diferenciação. O não judeu estabelecia uma identidade de fora para dentro.

O primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, participa de uma sessão do Parlamento israelense, em Jerusalém, ao lado de congressistas do Likud  Foto: Debbie Hill/AP

Adolf Hitler fez isso. Ele definiu quem era judeu e quem não era, não perguntou para ninguém. Então, a identidade judaica é estabelecida de duas formas. Ou de dentro para fora, quando uma pessoa assume a sua identidade judaica e aceita esta condição, ou é estabelecida de fora para dentro.

Mas os judeus eram muito diferentes antes de Israel, no próprio processo de independência do país existiram judeus que participaram de grupos terroristas mesmo, como o Irgun. Com a criação do Estado, é natural que haja divergências e elas são discutidas dentro do Parlamento israelense. Israel é um país democrático.

No livro o sr. fala muito dessa persistência judaica. Como o povo judeu foi adquirindo isso ao longo da história?

Este é um assunto central do próprio judaísmo. Existe o judeu que reza todo dia, que fez Bar Mitzvá e o judeu que tem um judaísmo mais cultural e histórico.

Os judeus criaram o monoteísmo ético que é o seguinte: nosso Deus não é apenas um Deus forte, não é apenas um Deus que vai nos ajudar em batalhas. Nosso Deus é um Deus que olha o comportamento das pessoas e julga as pessoas a partir do seu comportamento e você tem de ter um comportamento ético para merecer ser judeu.

Este monoteísmo ético ajudou na coesão dos judeus. Mas é muito difícil dizer se o povo judeu se manteve unido a partir do próprio interesse ou da dificuldade que o outro cria para integrar o judeu.

E isso acontece ao longo do tempo, como é o caso do feudalismo, em que o judeu era integrado, mas ele era integrado pela rejeição. A atividade comercial, a usura, todas as coisas ligadas a dinheiro eram consideradas malditas, mas era impossível em uma sociedade com um certo grau de desenvolvimento, como a feudal, não ter alguém que vendesse mercadorias como tecidos. Também era impossível não ter alguém com problemas de dinheiro, que tinha problemas para pagar impostos e precisava de um empréstimo.

Quem poderia fazer isso? Quem poderia ser o negociante e o usurário? O judeu. Porque atividades como essas só poderiam ser realizadas por um povo maldito e era um povo considerado maldito porque consideravam que os judeus haviam matado Jesus.

Como o sr. enxerga a questão da solução de dois Estados. Qual é a sua avaliação sobre isso?

Eu sou otimista. Eu não faço parte do grupo de pessoas que acham que está tudo perdido. Objetivamente falando, eu não consigo enxergar porque não existe uma convivência razoavelmente pacífica entre palestinos e israelenses. Não vejo nenhum motivo concreto para isso. Claro que os ataques terroristas do Hamas no dia 7 de outubro não ajudam nem um pouco. Este tipo de ataque terrorista cria feridas e também deixa marcas.

Mas, mesmo assim, na lógica do Oriente Médio, olhando o peso dos diferentes países, o que cada país produz, eu acredito que é uma região com potencial bastante grande e eu não vejo porque não possa haver uma paz duradoura. Acho isso perfeitamente viável.

Os ataques terroristas do Hamas no sul de Israel no dia 7 de outubro do ano passado deixaram marcas profundas em israelenses e judeus ao redor do mundo. A guerra que veio depois, com operações terrestres israelenses na Faixa de Gaza e no sul do Líbano, foi o ponto de partida para uma série de manifestações antissemitas ao redor do globo.

Motivado pela onda de antissemitismo e questionamentos sobre a criação do Estado de Israel, o historiador e professor titular da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Jaime Pinsky, escreveu o livro Os judeus – a luta de um povo para se tornar uma Nação, da editora Contexto.

O primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, discursa no Parlamento de Israel, em Jerusalém  Foto: Debbie Hill/AP

Lançado no dia 5 de novembro, o livro percorre a identidade judaica durante 20 séculos e a aspiração do povo judeu de ter um Estado para chamar de seu. “Eu sempre digo que quando temos dificuldade de entender porque algo aconteceu, é preciso buscar a resposta na história”, aponta Pinsky, em entrevista ao Estadão.

Para o historiador, Israel não é um Estado que foi criado com raízes colonialistas. “Eu provo que a ideia de que Israel é um fato colonialista é uma bobagem sem tamanho, não tem nenhuma comprovação histórica. A ideia nacional israelense é a mesma da ideia nacional alemã e francesa”.

Confira trechos da entrevista:

Como foi o processo de preparação para este livro? A ideia surgiu por conta da guerra em Israel ou foi antes disso?

Eu venho trabalhando há muito tempo sobre uma questão que me parece que é central dentro da história dos judeus particularmente. Como é que um povo que não praticava uma única língua, que não tinha os mesmos costumes, que tinha culturas diferentes porque vivia em diferentes lugares, sobreviveu praticamente 20 séculos e teve força suficiente para lutar para ter uma nação? É um caso único na história.

Essa é a questão central que me incomodava e eu trabalhei com isso um tempo atrás. Agora eu resolvi retomar a partir do que vem acontecendo no Oriente Médio nos últimos anos, particularmente de um ano para cá. Esta foi a motivação.

Torcedores da seleção israelense de futebol esperam para entrar no estádio em Saint-Denis para uma partida entre Israel e França  Foto: Bertrand Guay/AFP

Qual é o principal impacto que o sr. espera que este livro tenha nos dias atuais?

Eu sempre digo que quando temos dificuldade de entender porque algo aconteceu, é preciso buscar a resposta na história. A resposta na história nunca é uma questão opinativa, é uma questão documental. Entender a duração de uma identidade judaica durante 20 séculos é um fenômeno histórico. É um fenômeno complicado e único. Então essa foi a questão central.

A primeira coisa foi verificar se Israel é um Estado com raízes colonialistas, se Israel se aproxima por exemplo do que os belgas fizeram na África ou com o que os portugueses também fizeram na África. E eu deixo claro no livro que isso é uma besteira.

A segunda coisa que eu faço no livro é entender como surgiu a ideia de um Estado nacional dos judeus. Então começo a identificar ideia por ideia, documento por documento, de todas as pessoas que falaram de um Estado nacional judaico.

Eu deixo de lado uma bobagem relacionada às rezas em que os judeus mencionam Jerusalém. É uma prática religiosa, mas não pode ser uma identidade nacional. Eu também ressalto que o fator identidade nacional só surge no século 19 no mundo inteiro, isso acontece na Itália, na França e com os judeus não é diferente.

Apoiadores da seleção israelense de futebol assistem ao jogo de Israel contra a França, em Saint-Denis, França  Foto: Michel Euler/AP

O fato que diferencia os judeus é que a aspiração nacional começa através de problemas na chamada periferia do império russo, ou seja: Polônia, Lituânia e Romênia. A ideia de um Estado nacional surgiu por pessoas que moravam nessa região, como é o caso do médico e ativista polonês Leon Pinsker e do jornalista austro-húngaro Theodor Herzl, que não morava nessa região mas também passou a achar que esta era a melhor solução para os judeus.

O Estado nacional é um fato histórico, eu mostro claramente no meu livro. Eu provo que a ideia de que Israel é um fato colonialista é uma bobagem sem tamanho, não tem nenhuma comprovação histórica.

É um livro original que mostra que a ideia nacional israelense é a mesma da ideia nacional alemã e francesa.

No começo do seu livro o senhor fala muito de uma unidade do povo judeu. O senhor acredita que no momento atual o povo judeu é unido dentro e fora de Israel?

O fundador do sionismo político, Theodor Herzl, nasceu na Hungria e a família dele se mudou para Viena, sede do império austro-húngaro. Ele era um judeu moderno, muito diferente do judeu que morava em cidades menores, que era um judeu mais tradicional e seguia muito mais a religião. Existe uma desunião que começava na própria prática cotidiana.

O chamado judeu moderno, emancipado, não gostava muito da presença dos judeus dos chamados Shtetls (cidades menores, em iídiche). O judeu moderno não gostava muito do judeu mais tradicional porque quando uma pessoa não judia questionava o judeu moderno ou não permitia a sua presença em restaurantes ou clubes, ele equiparava estes dois tipos de judeus, não tinha nenhuma diferenciação. O não judeu estabelecia uma identidade de fora para dentro.

O primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, participa de uma sessão do Parlamento israelense, em Jerusalém, ao lado de congressistas do Likud  Foto: Debbie Hill/AP

Adolf Hitler fez isso. Ele definiu quem era judeu e quem não era, não perguntou para ninguém. Então, a identidade judaica é estabelecida de duas formas. Ou de dentro para fora, quando uma pessoa assume a sua identidade judaica e aceita esta condição, ou é estabelecida de fora para dentro.

Mas os judeus eram muito diferentes antes de Israel, no próprio processo de independência do país existiram judeus que participaram de grupos terroristas mesmo, como o Irgun. Com a criação do Estado, é natural que haja divergências e elas são discutidas dentro do Parlamento israelense. Israel é um país democrático.

No livro o sr. fala muito dessa persistência judaica. Como o povo judeu foi adquirindo isso ao longo da história?

Este é um assunto central do próprio judaísmo. Existe o judeu que reza todo dia, que fez Bar Mitzvá e o judeu que tem um judaísmo mais cultural e histórico.

Os judeus criaram o monoteísmo ético que é o seguinte: nosso Deus não é apenas um Deus forte, não é apenas um Deus que vai nos ajudar em batalhas. Nosso Deus é um Deus que olha o comportamento das pessoas e julga as pessoas a partir do seu comportamento e você tem de ter um comportamento ético para merecer ser judeu.

Este monoteísmo ético ajudou na coesão dos judeus. Mas é muito difícil dizer se o povo judeu se manteve unido a partir do próprio interesse ou da dificuldade que o outro cria para integrar o judeu.

E isso acontece ao longo do tempo, como é o caso do feudalismo, em que o judeu era integrado, mas ele era integrado pela rejeição. A atividade comercial, a usura, todas as coisas ligadas a dinheiro eram consideradas malditas, mas era impossível em uma sociedade com um certo grau de desenvolvimento, como a feudal, não ter alguém que vendesse mercadorias como tecidos. Também era impossível não ter alguém com problemas de dinheiro, que tinha problemas para pagar impostos e precisava de um empréstimo.

Quem poderia fazer isso? Quem poderia ser o negociante e o usurário? O judeu. Porque atividades como essas só poderiam ser realizadas por um povo maldito e era um povo considerado maldito porque consideravam que os judeus haviam matado Jesus.

Como o sr. enxerga a questão da solução de dois Estados. Qual é a sua avaliação sobre isso?

Eu sou otimista. Eu não faço parte do grupo de pessoas que acham que está tudo perdido. Objetivamente falando, eu não consigo enxergar porque não existe uma convivência razoavelmente pacífica entre palestinos e israelenses. Não vejo nenhum motivo concreto para isso. Claro que os ataques terroristas do Hamas no dia 7 de outubro não ajudam nem um pouco. Este tipo de ataque terrorista cria feridas e também deixa marcas.

Mas, mesmo assim, na lógica do Oriente Médio, olhando o peso dos diferentes países, o que cada país produz, eu acredito que é uma região com potencial bastante grande e eu não vejo porque não possa haver uma paz duradoura. Acho isso perfeitamente viável.

Entrevista por Daniel Gateno

Repórter da editoria de internacional do Estadão

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