THE NEW YORK TIMES - Dias após o ataque sem precedentes do Hamas, Israel parece prestes a ordenar uma invasão por terra, em larga escala, na Faixa de Gaza. Com pelo menos 1,2 mil mortos em Israel, e 2,7 mil feridos na mais letal incursão ao território israelense da História, o primeiro-ministro, Binyamin Netanyahu, está sob enorme pressão para mandar tropas ao enclave. Ele já respondeu com bombardeios aéreos que mataram pelo menos 1,1 mil palestinos em Gaza.
Antes de ir mais fundo, Israel deve considerar que pode estar caminhando para uma armadilha em Gaza. Eis o motivo: o Hamas sabia que o ataque terrorista de sábado deixaria Netanyahu com poucas opções além da invasão por terra.
Sabe ainda que a tecnologia e a superioridade militar das Forças de Defesa de Israel oferecem pouca vantagem nas ruas da Cidade de Gaza, em Jabalia — o maior campo de refugiados do território — ou pelo seu labirinto de túneis subterrâneos. Gaza, com cerca de 363 km² e uma população de mais de 2 milhões de habitantes, é um dos lugares mais populosos do mundo.
Parece que o Hamas pretende arrastar os soldados israelenses para um atoleiro, como fez o Hezbollah, no sul do Líbano, de 1985 a 2000. Após anos de combates, os israelenses enfrentaram uma retirada humilhante e caótica, deixando para trás um Hezbollah fortalecido e ameaçador, em sua fronteira norte.
Porque o Hamas iria querer atrair as Forças Armadas israelenses para um campo de batalha sangrento? O Hamas é o poder incontestável em Gaza, embora eleições não ocorram desde 2006.
Nem a Autoridade Nacional Palestina (ANP), nem o seu principal partido político, o Fatah, ou a comunidade empresarial, nem a sociedade civil, nem os líderes de clãs familiares podem desafiar efetivamente o Hamas, que se tornou mais forte após cada conflito sucessivo com Israel.
Entenda o conflito
Apesar do bloqueio israelense e da vigilância 24 horas por dia, o Hamas aparentemente conseguiu construir e comprar mais foguetes, melhorar constantemente seu alcance e precisão, fornecer treinamento de combate ofensivo para seus terroristas e desenvolver uma rede de inteligência sofisticada e de longo alcance o suficiente para lançar o atentado terrorista simultâneo a 22 localidades israelenses. O Hamas certamente acredita que pode derrotar os israelenses em seu próprio território em uma guerra de atrito.
Também na Cisjordânia, o grupo pretende expandir sua credibilidade política, principalmente se os avanços de Israel empacarem.
Muitos palestinos da Cisjordânia já consideram a ANP, que administra partes do território ocupado, como corrupta, fragilizada e incapaz de realizar as aspirações de seu povo. A incursão israelense em Jenin, em julho, aprofundou a percepção de que a ANP não consegue proteger os palestinos, nem oferecer uma visão de futuro mais esperançosa.
Se Israel invadir Gaza, o Hamas poderá conquistar o apoio popular para desafiar a ANP na Cisjordânia e, potencialmente, assumir o lugar de única liderança do povo palestino. O grupo também pode contar com seu aliado na região, o Hezbollah. No dia seguinte do atentado no sul de Israel, o grupo libanês começou a lançar ataques pela fronteira norte israelense. O Hezbollah poderá também querer tirar vantagem, caso Israel tenha que enfrentar o Hamas em Gaza e na Cisjordânia.
Tabuleiro do Oriente Médio
Apesar das bárbaras atrocidades que cometeu, o Hamas pode ter conseguido redefinir o alinhamento político no Oriente Médio, ao golpear a perspectiva de conversas diplomáticas entre israelenses e sauditas.
Mas se a situação em Gaza escalar para uma longa batalha campal, poderá inclusive minar os chamados Acordos de Abraão, que estabeleceram acordos entre Israel e os Emirados Árabes e Bahrein, e interromper o movimento de crescente normalização nas relações entre árabes e israelenses. A ANP não conseguiu impedir os acordos, mas o Hamas ainda pode desfazê-los.
Israel, claro, pode contar com o apoio americano. Na próxima semana, suas forças armadas podem destruir boa parte da infraestrutura do Hamas.
No entanto, operacionalmente, o grupo dificultou sua liberdade de ação ao manter pelo menos 150 reféns. Se uma guerra por terra se arrastar, Israel poderá ter ganhos no campo de batalha, mas é quase certo que não destruirá a ideologia do Hamas ou os anseios não realizados dos palestinos por um Estado.
Para evitar a armadilha em Gaza, Israel precisa dos aliados árabes no terreno e na região. Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Egito e Jordânia enxergam o Irã, o Hamas, o Hezbollah, os rebeldes Houthi no Iemên e a Irmandade Muçulmana como uma ameaça estratégica coletiva.
Para ganhar o apoio dos principais líderes regionais, o governo israelense terá que oferecer robustas concessões de segurança e inteligência, no caso de uma guerra mais ampla com o Irã, e delinear um horizonte claro e significativo para um Estado Palestino pós-Abbas (Mahmoud Abbas, presidente da ANP) e pós-Hamas.
No entanto, Netanyahu enfrenta uma crise de credibilidade tanto em casa, como com os vizinhos árabes. Só um verdadeiro governo de união poderá conseguir conter a ameaça do Hamas com diplomacia na região. E se tiver sucesso, poderá custar o cargo ao primeiro-ministro.
Os próximos dias vão ser sangrentos e difíceis para israelenses e palestinos. O Hamas pode ter montado uma armadilha se levar Israel a uma invasão de Gaza. Antes de tomar a decisão e entrar, o governo israelense precisa de uma estratégia para sair. E um plano para o dia seguinte. Um erro de cálculo poderá detonar uma crise no Oriente Médio por gerações.
*Harden é ex-diretor da missão da USAID na Cisjordânia e em Gaza e ex-conselheiro sênior do enviado especial do presidente Barack Obama para a paz no Oriente Médio