Os generais mais graduados de Israel querem iniciar um cessar-fogo na Faixa de Gaza mesmo que a trégua mantenha o Hamas no poder neste momento, ampliando uma cisão entre as Forças Armadas e o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu, que se opõe a uma pausa nas hostilidades que permita ao Hamas sobreviver à guerra.
Os generais consideram que uma trégua seria a melhor maneira de libertar os cerca de 120 israelenses ainda mantidos em Gaza, vivos ou mortos, de acordo com entrevistas a seis autoridades e ex-autoridades de segurança de Israel.
Equipados insuficientemente para mais combates após a guerra mais longa de Israel em décadas, os generais também acham que suas forças precisam de tempo para se recuperar caso ocorra um conflito terrestre contra o Hezbollah, a milícia libanesa que trava uma guerra de baixa intensidade com Israel desde outubro, afirmaram várias autoridades.
Uma trégua com o Hamas também facilitaria a obtenção de um acordo com o Hezbollah, afirmaram as autoridades, a maioria falando sob condição de anonimato para discutir questões sensíveis de segurança. O Hezbollah afirmou que continuará a atacar o norte de Israel enquanto os israelenses não cessarem os combates na Faixa de Gaza.
Conhecido coletivamente como Fórum do Estado-Maior, o comando militar israelense é formado por cerca de 30 generais-sênior, incluindo o tenente-general Herzi Halevi, chefe do Estado-Maior, os comandantes do Exército, da Força Aérea e da Marinha e o chefe de inteligência militar.
O pedido de um cessar-fogo por parte dos militares israelenses representa uma grande mudança em seu pensamento ao longo dos meses recentes, à medida que ficou cada vez mais evidente que Netanyahu está se recusando a articular ou se comprometer com um plano para o pós-guerra. Essa decisão criou essencialmente um vácuo de poder no enclave que tem forçado os militares israelenses a retornar para combater em partes de Gaza das quais os combatentes do Hamas já tinham sido erradicados.
“Os militares apoiam totalmente um acordo para a libertação dos reféns e um cessar-fogo”, afirmou Eyal Hulata, que atuou como conselheiro de segurança nacional de Israel até o ano passado e conversa regularmente com graduadas autoridades das Forças Armadas israelenses.
Mais da guerra na Faixa de Gaza
“Eles acreditam que sempre poderão voltar no futuro e enfrentar o Hamas militarmente”, afirmou Hulata. “Entendem que uma pausa em Gaza facilita uma desescalada no Líbano. E contam com menos munições, menos peças de reposição e menos energia do que antes. Então eles também pensam que uma pausa em Gaza nos dará mais tempo para nos preparar caso exploda uma guerra maior contra o Hezbollah.”
Não é evidente o grau de franqueza com que os comandantes militares de Israel expressaram suas visões para Netanyahu privadamente, mas eles têm transparecido frustração em público, da mesma forma que o primeiro-ministro demonstra frustração em relação aos generais.
Netanyahu é avesso a uma trégua que mantenha o Hamas no poder porque esse desfecho poderia fazer ruir sua coalizão, já que autoridades de seu governo afirmam que deixarão a aliança se a guerra terminar sem o Hamas totalmente derrotado.
Até pouco tempo atrás, os militares israelenses sustentavam em público que era possível alcançar simultaneamente os dois maiores objetivos de guerra do governo de seu país: derrotar o Hamas e resgatar os reféns capturados pelo grupo e seus aliados durante o ataque de 7 de outubro contra Israel. Agora, o alto comando militar israelense concluiu que os dois objetivos são mutuamente incompatíveis, vários meses depois de dúvidas sobre o tema começarem a surgir entre os generais.
Desde que invadiu Gaza, em outubro, Israel subjugou quase todos os batalhões do Hamas e ocupou a maior parte do território em meio à guerra. Mas quase a metade dos 250 reféns levados para Gaza em outubro segue em cativeiro, e os comandantes israelenses temem que mais ações militares para libertá-los possa engendrar o risco de que outros sejam mortos.
Com Netanyahu se recusando publicamente tanto a ocupar Gaza quanto a transferir o controle do enclave para líderes palestinos alternativos, os militares israelenses temem uma “guerra eterna”, na qual suas energias e munições serão erodidas gradualmente enquanto os reféns continuarão sob poder do Hamas e os líderes do grupo seguirão soltos. Diante desse cenário, manter o Hamas no poder neste momento em troca da libertação dos reféns parece a opção menos pior para Israel, afirmou Hulata. Quatro autoridades graduadas que falaram sob condição de anonimato concordaram.
Questionadas a respeito de apoiar ou não uma trégua, as Forças Armadas de Israel emitiram um comunicado que não respondeu diretamente à pergunta da reportagem. Os militares israelenses buscam a destruição “das capacidades militares e de governo do Hamas, a libertação dos reféns e o retorno com segurança de civis israelenses para suas residências no sul e no norte”, afirmou o comunicado.
Mas em outros comunicados recentes e entrevistas de oficiais os comandantes militares de Israel deram poucas indicações sobre o que têm concluído privadamente.
“Quem acha que nós seríamos capazes de fazer o Hamas desaparecer está errado”, afirmou o almirante Daniel Hagari, porta-voz chefe das Forças Armadas de Israel, numa entrevista à TV, em 19 de junho. “O Hamas é uma ideia. O Hamas é um partido político enraizado no coração das pessoas”, afirmou.
Em uma crítica velada a Netanyahu, o almirante Hagari afirmou que sugerir o contrário seria como “jogar areia nos olhos do público”.
“O que nós podemos fazer é construir algo novo”, afirmou ele, “algo que substitua o Hamas, algo que mostrará as pessoas que outra entidade está distribuindo comida e fornecendo serviços públicos. Quem será essa entidade, o que será essa coisa cabe aos tomadores de decisão definir.”
O general Halevi, chefe do Estado-Maior, tentou recentemente salientar as realizações dos militares israelenses em uma fala que, para alguns analistas, representou um esforço para criar um pretexto para pôr fim à guerra mantendo as aparências.
Conforme tropas israelenses avançavam sobre a cidade de Rafah, no sul de Gaza, em 24 de junho, o general Halevi afirmou que o Exército estava “claramente aproximando-se do ponto em que poderemos dizer que desmantelamos a brigada de Rafah, que ela foi derrotada — não no sentido de que não há mais terroristas, mas no sentido de que o grupo não é mais capaz de funcionar como uma unidade de combate”.
Os militares israelenses estimam que mataram pelo menos 14 mil combatentes — que constituiriam a maior parte das forças do Hamas. As autoridades de Israel também acreditam que centenas de combatentes do Hamas continuam em atividade, escondidos em túneis profundos sob a superfície de Gaza com estoques de armas, combustíveis, alimentos e alguns reféns.
O gabinete de Netanyahu recusou-se a emitir um comentário para a elaboração desta reportagem. Em um comunicado publicado na segunda-feira, o primeiro-ministro afirmou que Israel estava próximo de “eliminar o Exército terrorista do Hamas”, mas não disse se isso permitirá ao país pôr fim à guerra em Gaza.
Em uma rara entrevista na TV, no fim de junho, Netanyahu descartou sugestões de que a guerra deveria terminar, mas reconheceu que os militares israelenses deveriam diminuir sua presença em Gaza para “movermos parte de nossas forças para o norte”.
De acordo com autoridades militares, esse movimento é necessário para ajudar o Exército a se recuperar caso uma guerra maior com o Hezbollah venha a ocorrer realmente, não porque Israel esteja se preparando para invadir o Líbano. Mas outras reportagens sugeriram que Israel pode estar planejando uma invasão nas próximas semanas.
Quase nove meses após o início de uma guerra que Israel não planejou, falta ao seu Exército peças de reposição, munições, motivação e até soldados, afirmaram as autoridades.
Este é o conflito mais intenso no qual Israel se envolveu em pelo menos quatro décadas e a guerra mais longa que o país já travou em Gaza. Em um Exército que depende em grande medida de reservistas, alguns deles estão no terceiro turno de serviço desde outubro e enfrentam dificuldades para equilibrar os combates com seus compromissos profissionais e familiares.
Cada vez menos reservistas se apresentam para o serviço, de acordo com quatro autoridades militares. E os oficiais militares estão cada vez mais desconfiados de seus comandantes, em meio a uma crise de confiança no comando militar impulsionada em parte pela incapacidade de evitar o ataque liderado pelo Hamas em outubro, de acordo com cinco oficiais.
Mais de 300 soldados israelenses foram mortos em Gaza, menos do que algumas autoridades militares previram antes de Israel invadir o território. Mas mais de 4 mil militares foram feridos desde outubro, segundo estimativas das Forças Armadas, dez vezes mais do que na guerra de 2014 em Gaza, que durou apenas 50 dias. Um número desconhecido de soldados sofre transtorno de estresse pós-traumático.
Alguns tanques em Gaza não estão sendo carregados com a capacidade total de projéteis que utilizam normalmente, conforme os militares tentam poupar seus estoques para a possibilidade de uma guerra maior com o Hezbollah realmente se concretizar, de acordo com dois oficiais. Cinco autoridades e oficiais confirmaram que o estoque de projéteis do Exército está baixando. Também falta às forças israelenses peças de reposição para seus tanques, tratores militares e veículos blindados, de acordo com várias dessas autoridades.
Mas todos os oficiais, assim como Hulata, afirmaram que Israel tem munição mais que suficiente para lutar no Líbano se considerar que não há outra alternativa. “Se formos arrastados para uma guerra maior, nós teremos recursos e contingentes suficientes”, afirmou Hulata. “Mas nós gostaríamos de fazer isso nas melhores condições que pudermos. E, neste momento, não temos as melhores condições.” /TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO