Em 1988, o general Michel Aoun, comandante do Exército libanês, foi nomeado primeiro-ministro interino diante da impossibilidade de se eleger um sucessor para o presidente Amin Gemayel, cujo mandado havia expirado. Mas, após sua indicação, em vez de trabalhar com vistas a uma votação de um presidente no Parlamento, ele se lançou numa guerra de libertação contra a ocupação síria. Mas ele já havia aberto uma nova frente contra a milícia das Forças Libanesas, dirigida por Samir Geagea, que se rebelou contra sua autoridade. Esses combates fratricidas resultaram no colapso total das zonas controladas pelos cristãos, que eram ocupadas por tropas sírias – elas se tornaram soberanas em todo o país. Só se retiraram do Líbano em 2005, após pressão internacional e local suscitada pelo assassinato do ex-primeiro-ministro Rafiq Hariri.
Foi nesse ano que, depois de uma longa ausência, os dois inimigos retornaram ao cenário político. Aoun, que, ao ser derrotado pelos sírios refugiou-se na embaixada da França, antes de se asilar nesse país, voltou de um exílio de 15 anos. Geagea saía de uma prisão de 11 anos. De nenhum modo desacreditados por seu incômodo passado, ambos não demoraram para se afirmar novamente como os principais chefes dos cristãos, ocupando posições diametralmente opostas: enquanto Geagea se aliou ao campo pró-ocidental (movimento 14 de Março, dirigido por Saad Hariri), Aoun, paradoxalmente, aderiu ao campo apoiado por Irã e Síria (8 de Março, liderado pelo Hezbollah).
Como em 1988 ou 2007, após o fim do mandato de Michel Suleiman, em maio 2014, o Líbano está sem um presidente. Há meses, se defrontam no Parlamento as candidaturas de Aoun e Geagea, apoiados pelos respectivos aliados. Sem resultado, pois a ala pró-síria sistematicamente boicota as sessões do Parlamento, que não se realizam por falta de quórum. Além disso, nenhum dos dois rivais conseguiu reunir a maioria absoluta necessária para sua eleição.
Foi para encerrar o impasse que o líder sunita Saad Hariri, vencendo obstáculos políticos considerados insuperáveis, apoiou em novembro a candidatura de uma personalidade do campo contrário, o deputado Suleiman Frangié. Assim, deixado por seu aliado, Geagea reagiu de modo ainda mais espetacular, abandonando a disputa pela presidência em benefício de Aoun, com quem há alguns meses iniciou um diálogo exaustivo. Proclamada na segunda-feira durante uma entrevista coletiva, a aliança foi selada por um acordo de dez pontos, que exclui qualquer intromissão no conflito da Síria, onde o Hezbollah combate ao lado das forças do regime Assad. Essa nova e ampla redistribuição de cartas teve por efeito imediato semear a confusão nos dois campos rivais, o 8 e o 14 de Março.
A iniciativa de Geagea é muito mais do que uma simples e resposta à do seu aliado Hariri. Num contexto político marcado pela rivalidade entre muçulmanos sunitas e xiitas, ela traduz uma mesma e firme determinação dos cristãos de assumir uma posição ativa, senão determinante, na escolha do chefe de Estado; e só outorgar a presidência (tradicionalmente destinada aos maronitas) a uma personalidade que desfrute de um amplo apoio popular cristão, capaz, assim, de defender os direitos e interesses cristãos.
Mas por mais importante que seja a cristalização desse núcleo duro cristão, o caminho que leva à presidência continua repleto de obstáculos. O acordo entre Geagea e Aoun inquieta os outros partidos e chefes cristãos, que temem ser vencidos por este que promete ser um verdadeiro trator eleitoral. Ameaçado de implosão, o movimento 14 de Março aderiu a Frangié. Mas o mal-estar é maior dentro do grupo 8 de Março, obrigado a escolher entre dois candidatos (Aoun e Frangié) pertencentes às suas fileiras.
Particularmente importante será a decisão do Hezbollah, que, no fim da semana, ainda não havia reagido aos acontecimentos. Ou a milícia continua apoiando Aoun, apesar do acordo com Geagea, ou insistirá em alimentar o impasse, dando razão àqueles que a acusam de atuar, por ordem do Irã, com vistas à paralisia total das instituições. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO