TÓQUIO - Um dia depois de o ex-primeiro-ministro Shinzo Abe ser morto a tiros em plena luz do dia, uma nação atordoada está questionando como o atirador conseguiu se aproximar de um dos políticos mais proeminentes do Japão e disparar dois tiros à queima-roupa sem a intervenção de segurança.
A principal autoridade policial em Nara, onde Abe foi assassinado na sexta-feira, reconheceu neste sábado, 9, falhas de segurança no comício e prometeu identificá-las resolvê-las.
Na televisão e nas redes sociais, há vários vídeos do atirador passando desobstruído pela segurança antes de apontar uma arma grande e artesanal na direção de Abe. O primeiro tiro pareceu assustar o ex-líder e, alguns segundos depois, um segundo tiro foi disparado e Abe caiu no chão. Nesse momento, um grupo de homens que pareciam fazer parte de sua equipe de segurança derrubou o atirador no chão.
As imagens gráficas levantaram questões sobre por que o atirador conseguiu se aproximar por trás no local onde Abe estava falando e como, após o primeiro tiro, ele conseguiu atirar um segundo antes que os seguranças o parassem.
Investigações estão em andamento sobre os protocolos de segurança, bem como os motivos do atirador e sua arma de fogo caseira, enquanto o Japão se recupera do episódio envolvendo seu primeiro-ministro mais longevo. Abe estava angariando apoio para um candidato nas eleições legislativas do domingo, 10, em uma rua aberta.
“É inegável que houve problemas com a segurança do ex-primeiro-ministro Abe, e identificaremos imediatamente os problemas e tomaremos as medidas apropriadas para resolvê-los”, disse Tomoaki Onizuka, chefe da polícia da Província de Nara, em entrevista coletiva neste sábado.
Onizuka disse que a polícia foi informada da aparição de Abe apenas um dia antes – prazo mais curto do que o normal para um evento de campanha. Ele aprovou o plano de segurança no dia do evento e não teve nenhuma preocupação com isso na época. Não está claro se, ou quantos, seguranças armados estavam presentes.
A polícia está investigando se a configuração de segurança foi semelhante à de um evento de 28 de junho que Abe participou no mesmo local. Eles também estão analisando se a colocação e o número de funcionários de segurança podem ter mudado, principalmente atrás de Abe.
O atirador, um desempregado de 41 anos de Nara chamado Tetsuya Yamagami, disse aos investigadores que acreditava que Abe estava ligado a um grupo que ele odiava, segundo a polícia. A polícia se recusou a identificar o grupo, citando a investigação em andamento.
No sábado, uma longa fila de japoneses em luto prestou homenagem no local do ataque em Nara, perto de Osaka. O corpo de Abe foi levado para Tóquio em um carro funerário e o primeiro-ministro Fumio Kishida visitou a casa de seu antecessor para oferecer suas condolências. Outros líderes de seu conservador Partido Liberal Democrata (PLD) ficaram do lado de fora da residência de Abe e se curvaram quando seu corpo chegou.
A família Abe realizará um velório na segunda-feira e um funeral na terça-feira para parentes e conhecidos próximos. Os planos para um possível funeral de estado não foram divulgados.
A polícia compartilhou poucas informações sobre o suposto atirador, mas alguns detalhes vazaram no sábado de fontes policiais na mídia japonesa. Yamagami foi um membro da Força de Autodefesa Marítima Japonesa por três anos, em seus 20 e poucos anos. A polícia encontrou várias armas caseiras em sua casa na sexta-feira. O suspeito foi preso no local, e a polícia diz que ele admitiu o assassinato, afirmando não ter tido motivação política.
‘Ressentimento’
Ele disse aos investigadores que sua mãe faliu depois de gastar seu dinheiro para apoiar um grupo religioso, que teria ligação com o partido de Abe, segundo o jornal japonês Mainichi Shimbun, que citou fontes policiais. Ele disse que sua família se desfez por causa da obsessão de sua mãe com o grupo, e ele atacou Abe “por ressentimento”, relatou Mainichi.
Yamagami disse à polícia que pretendia matar Abe com um explosivo, mas em vez disso usou o que considerava a arma mais letal para o ataque, informou a emissora pública NHK.
O suspeito havia seguido Abe em seus discursos anteriores e estava na cidade ocidental de Okayama, onde o ex-primeiro-ministro estava fazendo campanha na noite de quinta-feira, segundo a agência Kyodo News. A polícia está investigando se Yamagami seguiu Abe com a intenção de encontrar o momento certo para matá-lo.
O Japão preserva a pena capital para “crimes atrozes”, que se refere a múltiplos assassinatos ou a um assassinato considerado particularmente hediondo. O assassinato de Abe pode se encaixar nesse critério.
No Japão, os eventos de campanha têm segurança mínima visível. Ataques a políticos são raros no Japão do pós-guerra, que tem uma das menores taxas de homicídio do mundo e quase nenhuma violência armada. O número de guardas armados presentes varia, dependendo do evento.
No sábado, Kishida voltou à campanha com segurança reforçada. Centenas de participantes do evento ao ar livre de Kishida em Yamanashi, a oeste de Tóquio, passaram por verificações de mochilas e detectores de metal. Kishida falou em um palco montado em uma van, cercado pela polícia e distante da multidão, antes da eleição de domingo.
Os partidários da oposição pediram aos eleitores que separem sua dor de sua votação. Eles estão preocupados com um potencial efeito de mobilização em torno da bandeira que motivaria um voto de simpatia pelo PLD ou aumentaria a participação dos apoiadores do partido conservador. Um dos termos de tendência no Twitter no Japão dizia que um voto não significava uma homenagem para o funeral.
A mídia japonesa lutou para equilibrar a cobertura do assassinato sem demonstrar favorecimento ao partido no poder de Abe na reta final da campanha. Um canal de televisão borrou os rostos dos candidatos do PLD. Em outro canal, os âncoras usavam roupas pretas e se concentravam fortemente no legado de Abe.
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Foi atingido por tiros durante um ato de campanha em Nara. Abe foi o premiê que ficou mais tempo no cargo e resistiu a vários escândalos político-financeiro
Espera-se que o PLD, que dominou a política japonesa desde sua fundação em 1955, saia vitorioso. Se o partido mantiver ou expandir seu controle na Câmara, abrirá caminho para Kishida, eleito em outubro, aprovar algumas de suas propostas políticas mais ambiciosas.
Kishida apresentou um plano vago de revisão econômica e está considerando aumentos nos gastos com defesa, uma questão controversa em um país com uma Constituição pacifista que Abe há muito tentava aprovar emendas.
A segurança em torno da casa de Abe em Tóquio foi reforçada durante a noite, com mais policiais no local. Abe, um dos políticos mais conhecidos e que provocava divisões do Japão, costumava andar livremente com seu cachorro e tirar selfies com pedestres sem proteção visível.
A Agência Nacional de Polícia do Japão lançou uma investigação sobre os protocolos de segurança que estavam em vigor para Abe. O ex-primeiro-ministro era monitorado por uma equipe do departamento de polícia de Nara e oficiais do Departamento de Polícia Metropolitana de Tóquio, de acordo com a agência de notícias japonesa Jiji Press.
Kishida falou ao telefone com o presidente americano, Joe Biden, na manhã deste sábado. Após o ataque, Biden visitou a residência do embaixador japonês em Washington e assinou um livro de condolências.
“Em nome da família Biden e de toda a América, estendemos nossa sincera solidariedade à família Abe e ao povo do Japão”, escreveu Biden. “Não é apenas uma perda para sua mulher e família – e para o povo do Japão, mas uma perda para o mundo. Um homem de paz e julgamento – sua falta será sentida.”
Abe, que tinha 67 anos, permaneceu como um poderoso mediador em seu partido mesmo depois de deixar o cargo. Ele era uma figura imponente em seu país e no exterior que veio de uma família política proeminente. Ele serviu um breve primeiro período como primeiro-ministro em 2006, tornando-se a pessoa mais jovem a se tornar premiê do Japão pós-guerra.
Ele morreu na sexta-feira após perder muito sangue menos de cinco horas depois de ser baleado no pescoço e no peito. O assassino disparou duas vezes, e o segundo tiro causou os dois ferimentos, disse a polícia - levantando questões sobre que tipo de arma e munição foram usadas.
As notícias do ataque repercutiram em todo o país, que tem baixas taxas de criminalidade e algumas das leis de armas mais restritivas do mundo. Armas de fogo são escassas, assim como ataques a tiros fatais, dos quais houve exatamente um em todo o ano de 2021.
No ano passado, 8 dos 10 ataques a tiros no Japão estavam relacionados à Yakuza, máfia japonesa, segundo a Agência Nacional de Polícia, resultando em uma morte e quatro feridos. /WP e NYT