Javier Milei toma posse na Argentina cercado por dúvidas sobre seu governo e necessidade de alianças


O libertário suavizou seu discurso, abriu mão de ‘explodir’ o Banco Central e dolarizar a economia na intenção de trazer macristas e peronistas para seu governo, mas futuro ainda é uma incógnita

Por Carolina Marins
Atualização:

ENVIADA ESPECIAL A BUENOS AIRES - O motorista de aplicativo Ernesto Damian, de 29 anos, votou em Javier Milei nos dois turnos das eleições presidenciais porque quer uma mudança de rumo para a Argentina. No entanto, agora que seu candidato se tornou presidente, ele se preocupa com o que de fato o libertário conseguirá fazer. Ele não está sozinho: o mercado financeiro, a indústria, o agronegócio, os economistas, os analistas políticos e até o Fundo Monetário Internacional (FMI) têm dúvidas sobre como Milei se comportará no comando da Casa Rosada.

“Não concordo como tudo o que ele diz, mas ninguém nunca vai concordar 100% com alguém. Mas temos de dar uma chance para ele tentar fazer diferente, vamos ver se vai conseguir”, disse o motorista. Ele afirma estar cansado de ver os pais lutando há 29 anos para chegar ao fim do mês.

Embora sua vitória tenha sido avassaladora nas urnas, com 11 pontos de diferença de Sergio Massa em 19 de novembro, sua base de apoio é minúscula. No Congresso, seu partido, A Liberdade Avança, tem apenas 38 cadeiras, exigindo que o libertário construa alianças não só com partidos de direita, como o Proposta Republicana (PRO) de Maurício Macri e o União Cívica Radical (UCR), mas também com peronistas, especialmente os anti-kirchneristas do cordobês Juan Schiaretti.

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Da esquerda para a direita: a vice-presidente eleita Victoria Villarruel, o presidente eleito Javier Milei, sua namorada Fatima Florez e sua irmã Karina Milei no dia da vitória em segundo turno Foto: Emiliano Lasalvia/AFP

“Os primeiros sinais que Milei deu foi de que nem todos do A Liberdade Avança (LLA) saíram ganhando com as mudanças e a composição de gabinetes, e que nem todo o peronismo e o PRO saíram perdendo nessa composição”, analisa o cientista político pela Universidade de Buenos Aires (UBA), Facundo Galván.

Em seu gabinete, a ser juramentado neste domingo, 10, logo após o recebimento do mandato pelas mãos de Alberto Fernández, Milei teve de abrir mão de nomes de peso do seu partido, como Ramiro Marra e Carolina Píparo, para colocar o PRO e seus aliados, como Patricia Bullrich no Ministério da Segurança e Luis Caputo no Ministério da Economia. Justamente em nome da governabilidade, o libertário teve de abrir mão de suas pautas mais caras, como a dolarização, mas o futuro ainda é incerto e pode levar semanas para ficar mais claro que tipo de governo Milei costurará.

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Até o momento, os nomes confirmados por Milei por meio sua comunicação oficial na rede social X (antigo Twitter) são: Luis “Toto” Caputo na Economia, Nicolás Posse como chefe de Gabinete, Patricia Bullrich na Segurança, Luis Petri (vice de Patricia) na Defesa, Guillermo Francos no Interior, Guillermo Ferraro na Infraestrutura, Diana Mondino nas Relações Exteriores, Mariano Cúneo Libarona na Justiça, Sandra Petovello no Capital Humano (que concentrará Educação, Trabalho e Desenvolvimento Social) e Mario Russo na pasta da Saúde (ministério que Milei havia prometido erradicar).

Também houve definições para as presidências da Câmara e do Senado, bem como órgãos de extrema relevância, como Anses, YPF e Banco Central, cargos que foram distribuídos entre libertários, macristas e peronistas. Porém, mesmo nessas definições, não ficaram claros ganhadores e costuras de alianças, alertam analistas.

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A governabilidade como mistério

Para o economista da UBA Fabio Rodriguez, as duas grandes incógnitas de Milei até agora são: seu plano econômico e seus acordos de governabilidade. “O seu músculo político é escasso, porque tem cerca de 10% do Senado e menos de 15% da Câmara dos Deputados, e as alianças de como os partidos vão apoiá-lo ainda não estão nada claras, como vão apoiar as leis que propõe, porque há uma grande fragmentação no Congresso e não se sabe a capacidade política que seus representantes terão para tecer acordos de governabilidade. Então, hoje isso é um grande ponto de interrogação”, afirma.

A diretora do FMI Julie Kozack deixou claro, três dias antes da posse, que Milei precisa ter apoio político se quiser continuar negociando sua dívida. “É necessário um plano de estabilização forte, crível e politicamente apoiado para encarar de forma duradoura os desequilíbrios macroeconômicos e os desafios estruturais da Argentina, protegendo ao mesmo tempo os mais vulneráveis”, disse, observando que para tal é necessário um “Banco Central forte e crível”, indo na contramão da antiga proposta de Milei de “explodir” o banco.

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Milei e seu movimento libertário são uma novidade em um país historicamente marcado pela polarização peronismo versus anti-peronismo. Ambos os movimentos possuem força política enraizada, não só no Legislativo como nos poderes estaduais e federais. Muito diferente de Milei, que conquistou uma vitória praticamente sozinho. É nessa solidão que residem os maiores temores de que novidades o novo presidente trará. O medo, segundo analistas, é que seu governo seja tão frágil que não sobreviva por quatro anos.

“O LLA tem um cardápio amplo para garantir governabilidade, mas ainda não optou por nenhum”, observa Facundo Cruz, analista político e de dados de opinião pública pelo observatório Pulsar da UBA “Me dá a sensação de que o partido está esperando para ver como começa o seu governo e o quanto ele vai precisar dessa governabilidade, e isso geralmente é um erro na política, porque uma vez que você precisa de governabilidade, não a constrói rapidamente e tem de construí-la quando ela for de fato necessária, ela sai muito mais cara.”

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“Me parece que o governo está contando com os 55% dos votos que teve no segundo turno como a sua legitimidade política, ou seja, de converter essa legitimidade eleitoral em legitimidade política e transformar em capital para começar a tomar decisões”, completa.

O problema de fazer esse cálculo é quando tem de ceder nas promessas eleitorais para governar. É o que Milei tem tido de fazer, ao reduzir sua retórica agressiva, inclusive contra o Brasil e Lula, e voltando atrás em seus planos econômicos mais radicais. Nesse jogo, a legitimidade eleitoral começa a entrar em risco.

Milei com sua futura chanceler, Diana Mondino, em reunião com os futuros ministros de seu governo Foto: Matías Campaya/EFE
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Mauricio Macri como garantidor da governabilidade?

O respaldo político do ex-presidente Mauricio Macri foi o grande motor para a vitória de Javier Milei e para costurar os seus primeiros movimentos de governo. A aproximação foi tanta que houve quem questionasse quem seria o presidente de fato: Milei ou Macri. Em resposta, Milei buscou deixar claro que ele apitaria o jogo, o que pode estar estremecendo a relação. A dúvida agora é o quanto este capital político que trouxe Macri se transformará em apoio político.

“Eu diria que Macri teve muito mais influência na vitória que nas decisões para o governo agora”, diz Fabio Rodriguez. “Com exceção de Patricia, ele não emplacou ministérios tão relevantes. Perdeu inclusive a disputa para a presidência da Câmara, onde seu nome favorito era o de Cristian Ritondo. Milei teve mais inteligência nesse momento e distribuiu um pouco o jogo entre outras forças, incorporando também o peronismo não-kirchnerista e outros atores. Então, o que Milei fez depois de vencer foi tentar diluir o peso que Macri queria ter nas decisões do governo e nas decisões políticas”.

O ex-presidente Mauricio Macri e a ex-candidata presidencial e futura ministra de Segurança, Patricia Bullrich Foto: Natacha Pisarenko/AP

“O PRO ficou limitado com o Ministério de Segurança, com Patricia Bullrich, que inclusive teve de renunciar à presidência do PRO pra poder assumir, mas Macri acreditou que teria mais nomes nos gabinetes”, concorda Galván. “Macri vai ter ingerência muito forte, claro, porque é muito amigo de Luis Caputo, mas não vai ser um governo do PRO. Será um governo de Milei, com seu círculo mais próximo: Guillermo Franco e Karina Milei.”

No fim, o candidato de Macri não obteve a presidência da Câmara, que foi dada ao libertário Martín Menem, e também não ganhou outros órgãos chaves, como a Agência Federal de Inteligência (AFI), a agência de arrecadação Afip e a petroleira estatal YPF.

“Para mim, ainda não está claro que Macri será o garantidor da governabilidade deste governo”, afirma Facundo Cruz, acrescentando que a tendência é de que o espaço político seja muito mais personalista, focado na figura de Milei. Para o cientista político, os únicos sinais de certeza que o libertário deu até o momento foram de maior linha-dura na área de segurança, ao indicar Bullrich e Petri, e o realinhamento internacional da Argentina para uma direita mais conservadora, com Jair Bolsonaro e Viktor Orbán sendo as presenças de peso de sua posse. “Todo o resto é incerteza”, finaliza.

ENVIADA ESPECIAL A BUENOS AIRES - O motorista de aplicativo Ernesto Damian, de 29 anos, votou em Javier Milei nos dois turnos das eleições presidenciais porque quer uma mudança de rumo para a Argentina. No entanto, agora que seu candidato se tornou presidente, ele se preocupa com o que de fato o libertário conseguirá fazer. Ele não está sozinho: o mercado financeiro, a indústria, o agronegócio, os economistas, os analistas políticos e até o Fundo Monetário Internacional (FMI) têm dúvidas sobre como Milei se comportará no comando da Casa Rosada.

“Não concordo como tudo o que ele diz, mas ninguém nunca vai concordar 100% com alguém. Mas temos de dar uma chance para ele tentar fazer diferente, vamos ver se vai conseguir”, disse o motorista. Ele afirma estar cansado de ver os pais lutando há 29 anos para chegar ao fim do mês.

Embora sua vitória tenha sido avassaladora nas urnas, com 11 pontos de diferença de Sergio Massa em 19 de novembro, sua base de apoio é minúscula. No Congresso, seu partido, A Liberdade Avança, tem apenas 38 cadeiras, exigindo que o libertário construa alianças não só com partidos de direita, como o Proposta Republicana (PRO) de Maurício Macri e o União Cívica Radical (UCR), mas também com peronistas, especialmente os anti-kirchneristas do cordobês Juan Schiaretti.

Da esquerda para a direita: a vice-presidente eleita Victoria Villarruel, o presidente eleito Javier Milei, sua namorada Fatima Florez e sua irmã Karina Milei no dia da vitória em segundo turno Foto: Emiliano Lasalvia/AFP

“Os primeiros sinais que Milei deu foi de que nem todos do A Liberdade Avança (LLA) saíram ganhando com as mudanças e a composição de gabinetes, e que nem todo o peronismo e o PRO saíram perdendo nessa composição”, analisa o cientista político pela Universidade de Buenos Aires (UBA), Facundo Galván.

Em seu gabinete, a ser juramentado neste domingo, 10, logo após o recebimento do mandato pelas mãos de Alberto Fernández, Milei teve de abrir mão de nomes de peso do seu partido, como Ramiro Marra e Carolina Píparo, para colocar o PRO e seus aliados, como Patricia Bullrich no Ministério da Segurança e Luis Caputo no Ministério da Economia. Justamente em nome da governabilidade, o libertário teve de abrir mão de suas pautas mais caras, como a dolarização, mas o futuro ainda é incerto e pode levar semanas para ficar mais claro que tipo de governo Milei costurará.

Até o momento, os nomes confirmados por Milei por meio sua comunicação oficial na rede social X (antigo Twitter) são: Luis “Toto” Caputo na Economia, Nicolás Posse como chefe de Gabinete, Patricia Bullrich na Segurança, Luis Petri (vice de Patricia) na Defesa, Guillermo Francos no Interior, Guillermo Ferraro na Infraestrutura, Diana Mondino nas Relações Exteriores, Mariano Cúneo Libarona na Justiça, Sandra Petovello no Capital Humano (que concentrará Educação, Trabalho e Desenvolvimento Social) e Mario Russo na pasta da Saúde (ministério que Milei havia prometido erradicar).

Também houve definições para as presidências da Câmara e do Senado, bem como órgãos de extrema relevância, como Anses, YPF e Banco Central, cargos que foram distribuídos entre libertários, macristas e peronistas. Porém, mesmo nessas definições, não ficaram claros ganhadores e costuras de alianças, alertam analistas.

A governabilidade como mistério

Para o economista da UBA Fabio Rodriguez, as duas grandes incógnitas de Milei até agora são: seu plano econômico e seus acordos de governabilidade. “O seu músculo político é escasso, porque tem cerca de 10% do Senado e menos de 15% da Câmara dos Deputados, e as alianças de como os partidos vão apoiá-lo ainda não estão nada claras, como vão apoiar as leis que propõe, porque há uma grande fragmentação no Congresso e não se sabe a capacidade política que seus representantes terão para tecer acordos de governabilidade. Então, hoje isso é um grande ponto de interrogação”, afirma.

A diretora do FMI Julie Kozack deixou claro, três dias antes da posse, que Milei precisa ter apoio político se quiser continuar negociando sua dívida. “É necessário um plano de estabilização forte, crível e politicamente apoiado para encarar de forma duradoura os desequilíbrios macroeconômicos e os desafios estruturais da Argentina, protegendo ao mesmo tempo os mais vulneráveis”, disse, observando que para tal é necessário um “Banco Central forte e crível”, indo na contramão da antiga proposta de Milei de “explodir” o banco.

Milei e seu movimento libertário são uma novidade em um país historicamente marcado pela polarização peronismo versus anti-peronismo. Ambos os movimentos possuem força política enraizada, não só no Legislativo como nos poderes estaduais e federais. Muito diferente de Milei, que conquistou uma vitória praticamente sozinho. É nessa solidão que residem os maiores temores de que novidades o novo presidente trará. O medo, segundo analistas, é que seu governo seja tão frágil que não sobreviva por quatro anos.

“O LLA tem um cardápio amplo para garantir governabilidade, mas ainda não optou por nenhum”, observa Facundo Cruz, analista político e de dados de opinião pública pelo observatório Pulsar da UBA “Me dá a sensação de que o partido está esperando para ver como começa o seu governo e o quanto ele vai precisar dessa governabilidade, e isso geralmente é um erro na política, porque uma vez que você precisa de governabilidade, não a constrói rapidamente e tem de construí-la quando ela for de fato necessária, ela sai muito mais cara.”

“Me parece que o governo está contando com os 55% dos votos que teve no segundo turno como a sua legitimidade política, ou seja, de converter essa legitimidade eleitoral em legitimidade política e transformar em capital para começar a tomar decisões”, completa.

O problema de fazer esse cálculo é quando tem de ceder nas promessas eleitorais para governar. É o que Milei tem tido de fazer, ao reduzir sua retórica agressiva, inclusive contra o Brasil e Lula, e voltando atrás em seus planos econômicos mais radicais. Nesse jogo, a legitimidade eleitoral começa a entrar em risco.

Milei com sua futura chanceler, Diana Mondino, em reunião com os futuros ministros de seu governo Foto: Matías Campaya/EFE

Mauricio Macri como garantidor da governabilidade?

O respaldo político do ex-presidente Mauricio Macri foi o grande motor para a vitória de Javier Milei e para costurar os seus primeiros movimentos de governo. A aproximação foi tanta que houve quem questionasse quem seria o presidente de fato: Milei ou Macri. Em resposta, Milei buscou deixar claro que ele apitaria o jogo, o que pode estar estremecendo a relação. A dúvida agora é o quanto este capital político que trouxe Macri se transformará em apoio político.

“Eu diria que Macri teve muito mais influência na vitória que nas decisões para o governo agora”, diz Fabio Rodriguez. “Com exceção de Patricia, ele não emplacou ministérios tão relevantes. Perdeu inclusive a disputa para a presidência da Câmara, onde seu nome favorito era o de Cristian Ritondo. Milei teve mais inteligência nesse momento e distribuiu um pouco o jogo entre outras forças, incorporando também o peronismo não-kirchnerista e outros atores. Então, o que Milei fez depois de vencer foi tentar diluir o peso que Macri queria ter nas decisões do governo e nas decisões políticas”.

O ex-presidente Mauricio Macri e a ex-candidata presidencial e futura ministra de Segurança, Patricia Bullrich Foto: Natacha Pisarenko/AP

“O PRO ficou limitado com o Ministério de Segurança, com Patricia Bullrich, que inclusive teve de renunciar à presidência do PRO pra poder assumir, mas Macri acreditou que teria mais nomes nos gabinetes”, concorda Galván. “Macri vai ter ingerência muito forte, claro, porque é muito amigo de Luis Caputo, mas não vai ser um governo do PRO. Será um governo de Milei, com seu círculo mais próximo: Guillermo Franco e Karina Milei.”

No fim, o candidato de Macri não obteve a presidência da Câmara, que foi dada ao libertário Martín Menem, e também não ganhou outros órgãos chaves, como a Agência Federal de Inteligência (AFI), a agência de arrecadação Afip e a petroleira estatal YPF.

“Para mim, ainda não está claro que Macri será o garantidor da governabilidade deste governo”, afirma Facundo Cruz, acrescentando que a tendência é de que o espaço político seja muito mais personalista, focado na figura de Milei. Para o cientista político, os únicos sinais de certeza que o libertário deu até o momento foram de maior linha-dura na área de segurança, ao indicar Bullrich e Petri, e o realinhamento internacional da Argentina para uma direita mais conservadora, com Jair Bolsonaro e Viktor Orbán sendo as presenças de peso de sua posse. “Todo o resto é incerteza”, finaliza.

ENVIADA ESPECIAL A BUENOS AIRES - O motorista de aplicativo Ernesto Damian, de 29 anos, votou em Javier Milei nos dois turnos das eleições presidenciais porque quer uma mudança de rumo para a Argentina. No entanto, agora que seu candidato se tornou presidente, ele se preocupa com o que de fato o libertário conseguirá fazer. Ele não está sozinho: o mercado financeiro, a indústria, o agronegócio, os economistas, os analistas políticos e até o Fundo Monetário Internacional (FMI) têm dúvidas sobre como Milei se comportará no comando da Casa Rosada.

“Não concordo como tudo o que ele diz, mas ninguém nunca vai concordar 100% com alguém. Mas temos de dar uma chance para ele tentar fazer diferente, vamos ver se vai conseguir”, disse o motorista. Ele afirma estar cansado de ver os pais lutando há 29 anos para chegar ao fim do mês.

Embora sua vitória tenha sido avassaladora nas urnas, com 11 pontos de diferença de Sergio Massa em 19 de novembro, sua base de apoio é minúscula. No Congresso, seu partido, A Liberdade Avança, tem apenas 38 cadeiras, exigindo que o libertário construa alianças não só com partidos de direita, como o Proposta Republicana (PRO) de Maurício Macri e o União Cívica Radical (UCR), mas também com peronistas, especialmente os anti-kirchneristas do cordobês Juan Schiaretti.

Da esquerda para a direita: a vice-presidente eleita Victoria Villarruel, o presidente eleito Javier Milei, sua namorada Fatima Florez e sua irmã Karina Milei no dia da vitória em segundo turno Foto: Emiliano Lasalvia/AFP

“Os primeiros sinais que Milei deu foi de que nem todos do A Liberdade Avança (LLA) saíram ganhando com as mudanças e a composição de gabinetes, e que nem todo o peronismo e o PRO saíram perdendo nessa composição”, analisa o cientista político pela Universidade de Buenos Aires (UBA), Facundo Galván.

Em seu gabinete, a ser juramentado neste domingo, 10, logo após o recebimento do mandato pelas mãos de Alberto Fernández, Milei teve de abrir mão de nomes de peso do seu partido, como Ramiro Marra e Carolina Píparo, para colocar o PRO e seus aliados, como Patricia Bullrich no Ministério da Segurança e Luis Caputo no Ministério da Economia. Justamente em nome da governabilidade, o libertário teve de abrir mão de suas pautas mais caras, como a dolarização, mas o futuro ainda é incerto e pode levar semanas para ficar mais claro que tipo de governo Milei costurará.

Até o momento, os nomes confirmados por Milei por meio sua comunicação oficial na rede social X (antigo Twitter) são: Luis “Toto” Caputo na Economia, Nicolás Posse como chefe de Gabinete, Patricia Bullrich na Segurança, Luis Petri (vice de Patricia) na Defesa, Guillermo Francos no Interior, Guillermo Ferraro na Infraestrutura, Diana Mondino nas Relações Exteriores, Mariano Cúneo Libarona na Justiça, Sandra Petovello no Capital Humano (que concentrará Educação, Trabalho e Desenvolvimento Social) e Mario Russo na pasta da Saúde (ministério que Milei havia prometido erradicar).

Também houve definições para as presidências da Câmara e do Senado, bem como órgãos de extrema relevância, como Anses, YPF e Banco Central, cargos que foram distribuídos entre libertários, macristas e peronistas. Porém, mesmo nessas definições, não ficaram claros ganhadores e costuras de alianças, alertam analistas.

A governabilidade como mistério

Para o economista da UBA Fabio Rodriguez, as duas grandes incógnitas de Milei até agora são: seu plano econômico e seus acordos de governabilidade. “O seu músculo político é escasso, porque tem cerca de 10% do Senado e menos de 15% da Câmara dos Deputados, e as alianças de como os partidos vão apoiá-lo ainda não estão nada claras, como vão apoiar as leis que propõe, porque há uma grande fragmentação no Congresso e não se sabe a capacidade política que seus representantes terão para tecer acordos de governabilidade. Então, hoje isso é um grande ponto de interrogação”, afirma.

A diretora do FMI Julie Kozack deixou claro, três dias antes da posse, que Milei precisa ter apoio político se quiser continuar negociando sua dívida. “É necessário um plano de estabilização forte, crível e politicamente apoiado para encarar de forma duradoura os desequilíbrios macroeconômicos e os desafios estruturais da Argentina, protegendo ao mesmo tempo os mais vulneráveis”, disse, observando que para tal é necessário um “Banco Central forte e crível”, indo na contramão da antiga proposta de Milei de “explodir” o banco.

Milei e seu movimento libertário são uma novidade em um país historicamente marcado pela polarização peronismo versus anti-peronismo. Ambos os movimentos possuem força política enraizada, não só no Legislativo como nos poderes estaduais e federais. Muito diferente de Milei, que conquistou uma vitória praticamente sozinho. É nessa solidão que residem os maiores temores de que novidades o novo presidente trará. O medo, segundo analistas, é que seu governo seja tão frágil que não sobreviva por quatro anos.

“O LLA tem um cardápio amplo para garantir governabilidade, mas ainda não optou por nenhum”, observa Facundo Cruz, analista político e de dados de opinião pública pelo observatório Pulsar da UBA “Me dá a sensação de que o partido está esperando para ver como começa o seu governo e o quanto ele vai precisar dessa governabilidade, e isso geralmente é um erro na política, porque uma vez que você precisa de governabilidade, não a constrói rapidamente e tem de construí-la quando ela for de fato necessária, ela sai muito mais cara.”

“Me parece que o governo está contando com os 55% dos votos que teve no segundo turno como a sua legitimidade política, ou seja, de converter essa legitimidade eleitoral em legitimidade política e transformar em capital para começar a tomar decisões”, completa.

O problema de fazer esse cálculo é quando tem de ceder nas promessas eleitorais para governar. É o que Milei tem tido de fazer, ao reduzir sua retórica agressiva, inclusive contra o Brasil e Lula, e voltando atrás em seus planos econômicos mais radicais. Nesse jogo, a legitimidade eleitoral começa a entrar em risco.

Milei com sua futura chanceler, Diana Mondino, em reunião com os futuros ministros de seu governo Foto: Matías Campaya/EFE

Mauricio Macri como garantidor da governabilidade?

O respaldo político do ex-presidente Mauricio Macri foi o grande motor para a vitória de Javier Milei e para costurar os seus primeiros movimentos de governo. A aproximação foi tanta que houve quem questionasse quem seria o presidente de fato: Milei ou Macri. Em resposta, Milei buscou deixar claro que ele apitaria o jogo, o que pode estar estremecendo a relação. A dúvida agora é o quanto este capital político que trouxe Macri se transformará em apoio político.

“Eu diria que Macri teve muito mais influência na vitória que nas decisões para o governo agora”, diz Fabio Rodriguez. “Com exceção de Patricia, ele não emplacou ministérios tão relevantes. Perdeu inclusive a disputa para a presidência da Câmara, onde seu nome favorito era o de Cristian Ritondo. Milei teve mais inteligência nesse momento e distribuiu um pouco o jogo entre outras forças, incorporando também o peronismo não-kirchnerista e outros atores. Então, o que Milei fez depois de vencer foi tentar diluir o peso que Macri queria ter nas decisões do governo e nas decisões políticas”.

O ex-presidente Mauricio Macri e a ex-candidata presidencial e futura ministra de Segurança, Patricia Bullrich Foto: Natacha Pisarenko/AP

“O PRO ficou limitado com o Ministério de Segurança, com Patricia Bullrich, que inclusive teve de renunciar à presidência do PRO pra poder assumir, mas Macri acreditou que teria mais nomes nos gabinetes”, concorda Galván. “Macri vai ter ingerência muito forte, claro, porque é muito amigo de Luis Caputo, mas não vai ser um governo do PRO. Será um governo de Milei, com seu círculo mais próximo: Guillermo Franco e Karina Milei.”

No fim, o candidato de Macri não obteve a presidência da Câmara, que foi dada ao libertário Martín Menem, e também não ganhou outros órgãos chaves, como a Agência Federal de Inteligência (AFI), a agência de arrecadação Afip e a petroleira estatal YPF.

“Para mim, ainda não está claro que Macri será o garantidor da governabilidade deste governo”, afirma Facundo Cruz, acrescentando que a tendência é de que o espaço político seja muito mais personalista, focado na figura de Milei. Para o cientista político, os únicos sinais de certeza que o libertário deu até o momento foram de maior linha-dura na área de segurança, ao indicar Bullrich e Petri, e o realinhamento internacional da Argentina para uma direita mais conservadora, com Jair Bolsonaro e Viktor Orbán sendo as presenças de peso de sua posse. “Todo o resto é incerteza”, finaliza.

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