O republicano J.D. Vance e o democrata Tim Walz se enfrentam nesta terça-feira, 1, no debate de candidatos a vice-presidente dos Estados Unidos. Apesar dos perfis diferentes, eles apelam ao mesmo público: a classe trabalhadora rural, de inclinação conservadora. Mas até que ponto os companheiros de chapa podem de fato ajudar — ou atrapalhar — numa eleição que se desenha tão acirrada?
“Os vices podem ter efeitos indiretos, influenciando como os eleitores veem o candidato principal. Essa escolha diz algo sobre os valores, as capacidades de julgamento e liderança, e até mesmo a ideologia do candidato à presidência”, responde Christopher Devine, professor de Ciência Política da Universidade de Dayton, em Ohio.
Ele é coautor do livre “Do Running Mates Matter? The Influence of Vice Presidential Candidates in Presidential Elections” (Os companheiros de chapa importam? A influência dos candidatos a vice nas eleições presidenciais, em tradução livre). A tese contraria ideias comuns sobre o impacto dos vices. Por exemplo, essa classe trabalhadora rural será motivada a votar diferente porque se identifica com Vance ou Walz pelo pertencimento ao grupo social? As evidências sugerem que não.
“Esse efeito é pequeno porque as pessoas não votam para vice-presidente, votam para eleger a chapa. E é o candidato a presidente que estará posicionado para assumir o poder em caso de vitória. Independente dos sentimentos que tenham sobre o vice, as pessoas estão escolhendo entre Donald Trump e Kamala Harris”, explica. “Então, a escolha dos vices pode não mudar votos diretamente, mas pode ter um impacto significativo na forma como esse candidato a presidente é recebido”, resume.
Antes de estampar as cédulas ao lado de Kamala Harris, o democrata foi veterano da Guarda Nacional, professor de escola pública, técnico de futebol americano, deputado e governador de Minnesota. Nesse último cargo, chegou a ser elogiado pelo então presidente Donald Trump por sua atuação nos protestos que se seguiram à morte de George Floyd e incendiaram o Estado.
Somado ao currículo, Tim Walz, de 60 anos, se encaixa no estereótipo homem branco da zona rural, tipicamente americano. E, sem meias palavras, colou na chapa Trump-Vance o apelido de “esquisitos”.
J.D. Vance, por sua vez, ficou famoso com o best seller autobiográfico “Era uma Vez um Sonho”, de 2016. Ele narra as dificuldades de crescer numa família pobre, assolada pelo vício da mãe em drogas, num Meio Oeste americano esquecido por Washington. Com o sucesso, passou a ser visto como uma espécie de porta-voz dessa classe trabalhadora branca.
De lá para cá, ele deixou a barba crescer e passou a apoiar Donald Trump, que antes criticava. Aos 39 anos e com pouca experiência política, J.D. Vance foi celebrado como futuro do movimento Make America Great Again (MAGA), na Convenção Nacional do Partido Republicano, que oficializou a chapa Trump-Vance. “J.D., você vai fazer isso por muito tempo”, declarou o ex-presidente em seu discurso.
Acontece que, naquele momento, o candidato do Partido Democrata ainda era Joe Biden, que vinha derretendo nas pesquisas depois de um debate desastroso. Nesse cenário, a vitória republicana era dada como certa. Até que a entrada de Kamala Harris tornou a disputa competitiva — e acirrada.
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“Parece ser o tipo de escolha que se faz quando tem certeza que vai ganhar, quando não se está lutando por votos. Não porque o seu companheiro de chapa vá efetivamente te entregar esses votos, mas se a disputa é tão acirrada como parece agora, o candidato não vai quer fazer nada que levante questionamentos”, afirma Christopher Devine. Ele reconhece que J.D. Vance tem pontos fortes junto à base do Partido Republicano, mas não acha que ele tenha apelo para além disso.
E não demorou para que os republicanos começassem a questionar a escolha de J.D. Vance, em burburinho noticiado pela imprensa americana. Nos bastidores, o temor é que ele tenha pouco a agregar na disputa voto a voto pelos indecisos, ainda que apele à essa base trabalhadora que ajudou a eleger Trump antes.
Não colaborou para J.D. Vance a declaração sobre as senhoras dos gatos sem filhos, resgatada nas redes sociais. Ele lamentou que os Estados Unidos fossem governados por “um bando de senhora dos gatos sem filhos infelizes com as próprias vidas e com as escolhas que fizeram”. “E por isso querem tornar o resto do país infeliz também”, disse em entrevista a Tucker Carlson, de 2021, que veio à tona após a nomeação.
A atriz Jennifer Aniston rebateu, atacando a contradição entre tachar mulheres sem filhos como infelizes e o voto de J.D. Vance no Senado contrário ao projeto de lei que buscava garantir o acesso à fertilização in vitro a nível nacional. A cantora Taylor Swift publicou uma foto com o seu gato ao declarar apoio à Kamala Harris.
“Esse tipo de controvérsia pode fazer com que as pessoas se perguntem não apenas se J.D. Vance deveria ser vice-presidente, mas como seria o segundo governo de Donald Trump se é dessas pessoas que ele está se cercando”, afirma Devine.
Polêmicas como essa podem ser evitadas com os processos de verificação, uma análise minuciosa que os partidos fazem dos cotados a vice — do histórico médico e financeiro a eventuais escândalos pessoais. A qualquer sinal de problema, o companheiro de chapa pode ser vetado. A outra opção é se antecipar e tentar superar a crise rapidamente. Para Christopher Devine, o confiança que Donald Trump tinha na disputa com Joe Biden e o seu foco na busca por lealdade absoluta podem ter aberto brechas nesse processo de vetos.
Entre os republicanos preocupados, há quem argumente que o páreo para vice tinha opções mais seguras, como Doug Burgum e Marco Rubio, que enfrentaram o escrutínio nacional anteriormente. “Das pessoas que foram mencionadas como finalistas, ele tinha o maior risco, porque nunca tinha sido examinado nacionalmente”, disse o estrategista republicano Bill McCoshen ao site Politico.
Com o escrutínio público, Vance viu a sua rejeição subir (chegando a 44%) bem mais rápido que a aprovação (34%), mostra o agregador de pesquisas FiveThirtyEight. Pelo menos nesse quesito, Tim Walz tem se saído melhor com aprovação de 39% e rejeição de 36%, pela mesma medição.
A democrata Nancy Pelosi, ex-presidente da Câmara, debochou do drama republicano. Ela foi questionada em entrevista se a escolha de J.D. Vance havia sido um erro. “Eu acho que foi uma ótima escolha”, respondeu — e logo caiu na gargalhada.
Do lado democrata, e escolha de Tim Walz, deputado moderado que adotou posições mais progressistas enquanto governador, pode ser vista como um esforço para manter a ala à esquerda do partido feliz ou, pelo menos, não desanimar essa base, energizada pela ascensão de Kamala Harris.
Apesar da empolgação dos democratas, Donald Trump tem se mostrado resiliente e conseguiu acabar com a vantagem que Kamala Harris conseguiu ao entrar na disputa. E, se a missão dos vices é apelar ao eleitor dessa classe trabalhadora rural, as origens de Tim Walz podem ser insuficientes para convencer uma parcela do eleitorado mais inclinada aos republicanos.